por Aleksandr Dugin
O conservadorismo tradicional: fracasso, erigido em valor
Todos os conservadores têm um destino trágico – necessariamente perdem. Esforçando-se por contrariar a novidade, que se considera (na maior parte das vezes justificadamente) como negativa, herege, quase traidora das tradições e pilares antigos, eles estão condenados a perder batalha após batalha, pois o próprio tempo se encontra do outro lado da barricada. Parece que a posição dos conservadores tradicionalistas é, no fim de contas, apenas uma atitude estética, trágica, embora muito atraente, um certo gesto brilhante, mas notoriamente condenado ao fracasso.
Mais do que isso, a tenacidade dos conservadores na fidelidade ao que é antigo, está também, em determinado sentido, na posse dos seus antagonistas progressistas e modernistas de todos os tipos e cores: de fato, reconhecendo o seu campo como pura resistência, como inércia, como reação, os conservadores deixam livres as mãos a todos aqueles que oferecem um projeto renovador, independentemente do que ele seja. Por definição, os conservadores põem obstáculos a quaisquer inovações, a quaisquer inovadores. Ao projeto dos modernistas opõem não o seu próprio plano, mas a total ausência de plano.
A essência da posição dos conservadores consiste em tudo deixar como era, como é. Isto, naturalmente facilita seriamente o trabalho daqueles que tudo querem mudar. Na verdade, o enorme estrato social, representado pelos conservadores, mete-se entre parênteses na discussão ou realização de novos programas, notoriamente recusando-se a apresentar o seu próprio projeto, o que seriamente reforça a concorrência e permite analisar com mais atenção o lado substancial do que os modernistas propõem.
A circunstância da fatal condenação do conservadorismo tradicional, e a sua involuntária e inconsciente cumplicidade com o campo progressista, já há muito foram notados pelos mais perspicazes pensadores conservadores, que tentaram compreender a razão dos seus constantes insucessos. A começar por Louis de Bonald (1754-1840), Joseph de Maistre (1753-1821), Donoso Cortés (1809-1893) e os eslavófilos russos, os conservadores começaram a questionar-se quanto seriam eles culpados dos seus próprios fracassos históricos e da fatal vitória do campo revolucionário oposto, que atribuía a si mesmo essa vitória, a contradição da qual e a reação à qual eram, na realidade, um fenómeno da frente conservadora.
Assim nasceram os primeiros traços da especial versão do conservadorismo, os quais foram em conjunto designados pelo eslavófilo Samarin “conservadorismo revolucionário”. A princípio dizia-se que o campo conservador devia ser mais radical nos seus actos, e antepor-se ao discurso dos “niilistas” e dos “derrubadores de princípios”, imitando deles o radicalismo e o atrevimento na realização dos seus objectivos, e o maquiavelismo das tecnologias subversivas. Nos anos 20 este maior desenvolvimento no campo conservador generalizou-se e começou a ser chamado “Revolução Conservadora”, tomando para si através de Thomas Mann o termo do eslavófilo russo. Na Alemanha o movimento também assim se chamou “Revolução Conservadora”, porém, no meio russo foi designado de “Eurasianismo”.
Os Paradoxos da Revolução Conservadora
O mais nítido de todos, e em maior escala, pólo autônomo do conservadorismo da Revolução Conservadora, foi o da Alemanha. Nomeadamente lá se desenvolveu toda uma plêiade de pensadores de nível planetário – Oswald Spengler (1880-1936), Carl Schmitt (1888-1985), Ernst Georg Jünger (1895-1998), Ernst von Salomon (1902-1972), Martin Heidegger (1889-1976), Artur Moeller van den Bruck (1876-1921), Ernst Niekisch (1889-1967), etc., os quais elaboraram as bases da Revolução Conservadora como Cosmovisão independente, muito longe dos habituais modelos do conservadorismo tradicional. A essência desta colossal revisão estava em modificar inteiramente o esquema tradicional de resistência dos “partidários das mudanças” e dos “adversários das mudanças”, esse esquema que nos três últimos séculos formulara constantemente os “direitistas” (= “conservadores”) e os “esquerdistas” (= “progressistas”). Os revolucionários conservadores propuseram-se a abordar este problema de modo completamente diferente. A modificação era inevitável, consideravam eles. As revoluções têm sob si causas orgânicas e não se reduzem ao banal “mito da conspiração”. O movimento social está historicamente predestinado, e resistir a ele é impossível. Consequentemente, deve-se falar não apenas em “conservadorismo”, mas num especial “projecto conservador”, numa dinâmica específica, política, social, cultural e econômica, num progresso e numa modernização, mas só uma estrutura desta tendência deve ser diferente dos esquemas bastante gerais dos habituais “esquerdistas” e dos habituais “progressistas”, os quais, à semelhança dos conservadores, mas com sinal contrário, às duas por três, apoiam mudanças pelas próprias mudanças, um movimento pelo movimento, a revolução pela revolução.
“A revolução não precisa de ser prevenida e suprimida, mas sim encabeçada e submetida à própria vontade” – escreveu o mais aforístico revolucionário conservador Arthur Moeller van den Bruck, fundador do movimento. Os projetos dos modernistas devem ser diferenciados, sistematizados, hierarquizados. Deve-se apenas eliminar os elementos “niilistas”, apenas o ‘ressentimento’, de que escreveram tanto F. Nietzsche (1844-1900) como Max Scheler (1874-1928), ou seja, o irrefletido e cego ódio contra as fundadas hierarquias e os estabelecidos sistemas valorativos da cultura e da sociedade. Os projetos revolucionários devem integrar-se nos contextos históricos e os seus componentes orgânicos devem saudar-se e incentivar-se – pelo menos, lançar-se à luta. A tese de Nietzsche “empurra, que cai” deve ser adotada não somente pelos destruidores, como pelos criadores: na verdade um edifício arruinado, envelhecido, ameaça soterrar sob os escombros o mais valioso – a mais alta ideia, a forma calorosa, pela qual se guia toda a criação. As paredes do templo carunchoso, ruindo, podem derrubar o altar. Para se salvar o mais sagrado, o mais substancial, o mais central devem ser aplicadas forças renovadoras, e se tal salvação exigir uma séria revisão do exterior, a recusa dos “velhos trastes”— necessário será ir também a isso.
Como os próprios conservadores revolucionários cada vez mais se afastavam do meio conservador em geral, eles aproximavam-se, e com algumas forças, do campo “esquerdista” dos progressistas. Reconhecendo em si mesmo o elemento revolucionário, eles facilmente denunciaram o elemento conservador também entre os revolucionários radicais. Assim, gradualmente se esclareceu, que a muitos progressistas convictos do regime existente, do “velho regime”, não lhes agradava de modo algum não os traços essenciais, mas os traços secundários – o espírito de burocracia, a alienação, a estagnação. Na verdade, a “ordem velha” não convinha a muitos, não porque era “ordem”, mas porque era “velha”. Por conseguinte, contra a “nova ordem” eles não tinham quaisquer objeções.
Assim surgiu o surpreendente movimento político “nem da esquerda, nem da direita”, dos “nacional-bolchevistas” ou dos partidários da “terceira via”, onde na frente geral se uniam os representantes dos campos, que tradicionalmente ocupavam lugares opostos do espectro político.
Esta tendência de formulação política perfeita não encontrou obstáculos determinados historicamente. Mas na esfera puramente teórica – e isto é o mais importante – foram encontradas novas, surpreendentemente capazes, paradoxais e precisas fórmulas, receitas, consensos que traziam em si um enorme potencial de maneiras de ver o mundo. Até modelos cerceados, comprometidos e parodiantes decalcados da “revolução conservadora” foram suficientes para que determinadas forças políticas chegassem ao poder na Itália e na Alemanha. E a pragmática utilização dos chefes dos comunistas na Rússia das estruturas nacional-bolchevistas permitiu-lhes o poder político e o controle ideológico no decurso de cem anos sobre metade do planeta. Mais do que isso, até modelos completamente diluídos e confusos da “terceira via”, enxertados em regimes liberais (como é o caso do New Deal de Roosevelt), tiveram um efeito positivo enorme.
Discussão sem saída, que matou o último Império
Hoje a nossa Rússia encontra-se numa grave crise. Teve lugar uma revolução liberal, atlântica, e o regime soviético (a “velha ordem”) ruiu irreversivelmente, para que não falassem os conservadores hodiernos, no papel dos quais – como isto é paradoxal -- se apresentam os “revolucionários” de ontem, os “esquerdistas”, “progressistas” e “comunistas”. E de novo – como sempre na história – os “partidários das mudanças”, apesar da resistência dos “adversários das mudanças”, ficaram por cima. Claro que muitos deles – os mais sinceros – não ficaram contentes com tal “vitória”, à qual foram sacrificados um grande estado, uma poderosa economia, um setor social desenvolvido e uma cultura superficial mas extensiva.
Apesar de se terem justificado os piores receios dos conservadores, a fatal “perestroika” era objetivamente inevitável. A ordem soviética dos anos 80 tornara-se uma “ordem velha” em todos os sentidos e em todos os níveis. Perdera dinâmica, perdera vida interior, tornara-se decrépita e definhara espiritualmente. O projecto dos bolcheviques foi grandiosamente encarnado, mas esta encarnação atingiu os limites naturais. Era precisa uma nova onda, um novo choque revolucionário, uma nova arrancada. Sangue novo, grito apaixonado, mobilização, esforço, abalo.
Mas com o fatal sentimento de que nada havia a fazer, a discussão sobre a “perestroika” rodou apenas em volta da escolha entre “movimento para a frente” e “movimento para trás” , fosse “novo” ou fosse “velho”. Assim, sem quaisquer bases, ambos os campos estavam convencidos de que “para a frente” significava “para o modelo ocidental de mercado”, e para trás “para o socialismo de estado e para o brejnevismo”. Os conservadores (conquanto ainda tivessem para isso todas as possibilidades) não apresentaram o seu próprio projeto conservador revolucionário, e os progressistas (reformadores) claramente não explicaram o seu.
Como é habitual em tais casos, todos perderam. Aquilo que estava condenado a cair, caiu. Mas o vazio que se formou preencheram-no não novos construtores, trazendo a “nova ordem”, mas hordas de vermes, que minaram as bases da anterior estrutura.
E embora hoje a cegueira das passadas polémicas sobre a “perestroika” entre os “reformadores” e os “conservadores” seja evidente a muitos, estamos muito longe das soluções necessárias. Nomeadamente a este respeito, por exemplo, testemunha a fantástica popularidade da “teoria da conjura” em ambos os pólos da actual sociedade russa. Os patriotas estão convencidos que para tudo a resposta são os “conspiradores”, e os “liberais” em tudo vêem os frutos das manobras dos “vermelhos-castanhos”. O apelo ao mito é a operação mais simples no caso de a análise objetiva ameaçar destruir a hipótese tomada a priori, insuficientemente pensada e não criticamente ponderada, tomada como qualquer coisa evidente.
Missão: estar à frente nas reformas
A Rússia hoje precisa apenas de uma Revolução Conservadora. No mesmo lado dos esquerdistas e direitistas, modernistas e conservadores, progressistas e guardadores. Nós não nos devemos opor ao projeto e sua ausência, desenvolvimento e estagnação, mas atentamente prestar atenção a que uns o proponham na qualidade de progresso e que outros o exijam manter. Chegou o tempo da diferenciação. Modelos reles e explicações banais de tudo e de toda a “teoria de conspiração” devem ser eliminados, ultrapassados. A realidade é bastante mais complexa que os esquemas vulgares.
Será o futuro apenas do mercado? Será que a abertura da sociedade signifique apenas abertura em relação ao Ocidente? Será que o progresso material seja o único digno de imitar e adaptar? – Assim somos obrigados a perguntar aos “reformadores”. Não apenas perguntar, mas também apresentar o nosso projecto alternativo futurológico – a concepção do “pós-modernismo eurasiano”, para onde vão as doutrinas econômicas alternativas ao liberalismo (e não é forçosamente excluído o marxismo), a atitude para com o gigantesco estrato das culturas antigas do Oriente, as estratégias do polirrítmico progresso, do “desenvolvimento harmonioso do ser humano”, e não só da tecnosfera e do campo informático.
Seria que na sociedade soviética tudo fosse ideal? E seria que, ainda antes, a Rússia romanovista não criasse os seus coveiros? Será que o terror ideológico dos marxistas e o isolamento cultural não gerassem eles mesmos o niilismo e levassem à rejeição da própria independência social e cultural? – Tais questões pomos nós aos “conservadores” (tanto “vermelhos” como “brancos”). Não só as pomos, como apresentamos a nossa concepção eurasiana da história russa, onde os períodos mais brilhantes serão a herança indo-europeia, o bizantinismo, o império moscovita, o Terrível, Avvakum, os populistas, o “citismo” (‘skifstvo’) e os nacional-bolchevistas, e os negativos – os ‘uniatas’ (grego e bielorusso), o nikonismo, o “europeísmo”, o regime dos Romanov, e o sovietismo dos “quadros”, burocrático, doutrinário, materialista.
À cabeça do movimento pelas mudanças radicais devem estar os zeladores da santa antiguidade – não os partidários do ontem repelente, que foi não muito melhor do que o odioso hoje, mas sim os portadores da grande memória do século de ouro, do Sacro Império, da Pátria ideal, do especial continente semi-material, semi-espiritual – o Continente Russ’.
Nomeadamente, os revolucionários conservadores devem encabeçar as reformas. Encabeçar e não suspender. Começar e não acabar. Nós continuamos a afundar-nos na vetustez, sufocamos sob a insuportável carga do arcaico. Isto não é a luz antiga, nativa, eterna, a luz da Origem. Isto é a cintilação importuna, pegajosa, plúmbea da degeneração de ontem, dos velhos erros, dos fracassos de outrora, dos desvios passados.
O altar é mais santo do que as paredes. A essência é mais importante do que as formas exteriores.
O lugar do presente conservador é na primeira fila dos modernistas.