por Giandomenico Casalino
(2013)
O que distingue RADICALMENTE a nossa concepção de cultura, em sentido lato, daquela dominante, que é iluminista e, portanto, racionalista e individualista, é precisamente o fato de que, para nós, a cultura é essencialmente uma VISÃO DA VIDA E DO MUNDO (Weltanschauung) que está presente em um ser humano desde o nascimento como uma potencialidade a ser desenvolvida, como forma interna, como caráter, que não se adquire nos livros (nossa cultura não é livresca!…); ela é viva como a vida, é alma e sangue, é sexo e paixão, é intelecto e sentimento, é o sentido REAL do mundo, sua visão concreta. E a cultura platônico-aristotélica, portanto, é algo que nenhum “professor” jamais ensinará, é algo que precisa ser RECORDARDADO, porque o homem moderno (digamos, de Descartes em diante…) ESQUECEU.
O que é necessário lembrar? É simples: o que as drogas ideológicas modernas impediram que nossa mente, nosso espírito e nossos olhos vissem, assim como nossos sentidos percebessem (para Platão, o olho quase não é um dos sentidos, mas a janela da alma para o mundo); lembrar que o mundo é um entrelaçamento, uma trama de microcosmos e macrocosmos que possuem todos o mesmo tecido, ou seja, a mesma lei, o mesmo logos, que é a forma, tanto no infinitamente pequeno quanto no infinitamente grande (da galáxia ao átomo, da célula ao organismo, tanto animal quanto vegetal e mineral). E que a forma emerge de um campo gravitacional quântico muito semelhante à chòra de Platão como matriz cósmica.
A Forma é o que os gregos chamavam de cosmo, ou seja, a luminosidade viva da harmonia, do equilíbrio, da ordem da beleza que, justamente porque está na luz, são visíveis e reconhecíveis pelo homem que, sendo um deus mortal, é o único a ter a capacidade de ver a Forma que é o espírito que ilumina e torna visíveis as coisas do mundo, os entes, que são todos reais, tanto os concretos e visíveis quanto os abstratos e invisíveis. Então o mundo é o conjunto vivo e orgânico, isto é, necessariamente ligado, dos Deuses, dos Heróis, dos Demônios, das Potências da Alma do Mundo, que são essas mesmas potências que atravessam a alma dos viventes; é o conjunto das plantas, das gentes, dos animais, dos homens e das mulheres. «Nós estamos imersos na Alma, como a rede no mar», diz Plotino; «Tudo está cheio de Deuses», diz Tales.
Tudo isso ou se recorda, como afirmam Platão e Evola, ou é vão até mesmo falar sobre isso.
Portanto, não falarei de um pensador, porque Evola não é o filósofo no sentido moderno do termo, ou seja, o ideólogo abstrato que cria do nada mundos irreais (a sociedade liberal, marxista…), mas direi algo sobre o que Ele, último testemunho daquela visão do mundo que é real e normal, quis nos lembrar.
E deve-se dizer que tal visão do mundo, sendo a visão tradicional típica do homem que está na norma, ou seja, na ordem, é algo que é íntimo à humanidade desde sempre, e por isso é uma visão que, tendo como sujeito o intelecto visual e como objeto a Forma, ou seja, o Espírito, que são o Mesmo e, portanto, o Eterno, é ela mesma fora do tempo e do espaço! Pode estar presente em uma civilização colocada no passado, como no presente ou reaparecer em um futuro próximo ou remoto.
“Tudo o que está embaixo é semelhante a tudo o que está em cima, e tudo o que está em cima é semelhante a tudo o que está embaixo, para fazer o Milagre da Coisa Única”, ensina a Tábua de Esmeralda, um antigo texto alquímico, e significa que o microcosmo, ou seja, o homem, a Comunidade dos homens, o mundo terrestre, são e devem ser semelhantes ao macrocosmo, ou seja, o Universo, a Comunidade Divina das Estrelas e Planetas, bem como as Galáxias, porque tudo isso é o Milagre da Unidade: Universo = versus unum = movendo-se em direção ao Um. Portanto, se o Universo que vemos é o Céu luminoso, onde a luz que é Vida e Conhecimento, a Ordem do Tempo e do Espaço, é o Princípio, também deve ser assim na Terra!
Devemos imitar, tanto quanto pudermos, essa Ordem, diz o homem da Tradição, pela simples razão de que quanto mais o mundo dos homens, a Comunidade política, se aproximar da ordem cósmica que é eterna em si mesma, mais a própria Comunidade política se aproximará da eternidade como tensão e modelo. Portanto, os princípios sobre os quais a sociedade tradicional é governada são Autoridade, Ordem, Justiça e Hierarquia, que são os mesmos que governam os céus luminosos, os movimentos dos planetas e das estrelas, por meio do “Amor che muove il Sole e le altre stelle”, como ensina Dante.
O homem, um Estado em miniatura, deve ser governado, iluminado pela Mente, voùς, diziam os gregos, intellectus, os latinos; que é o Sol do homem e é a esfera da ordem jurídico-religiosa que forma, ou seja, dá forma à ordem política, que é o conjunto orgânico dos homens, tanto os vivos quanto os mortos, que compartilham o mesmo Destino, isto é, um mandato sagrado que provém do Divino e que esses homens devem reconhecer e cumprir como Ordem dos Deuses. E é o Império, a Res Publica, que traduzimos de maneira imprópria com a palavra moderna Estado.
Este é o Ordenamento viril, paterno, solar, mas há também o céu estrelado e iluminado pela Lua, que é a Ordem feminina, a luz tênue e delicada, fria e não própria, que governa a dimensão do sexo e que, através do poder do Eros, une os dois mundos; e é a esfera da reprodução e da maternidade, da economia (òikoς vòμoς = lei da casa), da preservação dos mantimentos, da produção de bens e da riqueza. Rei divino, guerreiros e camponeses-operários (Júpiter – Marte – Quirino).
A ordem econômica e a moeda, sendo da competência do princípio feminino, são governadas pelo princípio solar e paterno da mente, tanto no homem quanto na Comunidade dos homens. A palavra caos é de origem grega, e os gregos a utilizavam para significar a abertura, a caverna escura e úmida, o “mundus” dos romanos, que é a porta de passagem para o mundo dos Manes, ou seja, os ancestrais, como depósito de riqueza de Vida em sentido libertado; agora, na caverna, no caos, que não tem forma porque é escuro e invisível, pois não há luz, penetra o raio do Sol, que é o órgão do Disco Áureo e o princípio vertical, como a lança de Marte, como o Obelisco, e ilumina a caverna, gerando a Forma, o cosmos, a Ordem; e é o ato sexual como uma marca impressa na cera macia; este é o Milagre dos dois mundos hierarquicamente complementares para fazer a Coisa Una.
Autoridade deriva do verbo latino augere (de onde vem auctor, augur, auguratus, augustus...) que tem o significado de dar, doar, acréscimo, aumento de força, de virtude, de poder de legitimação e, portanto, de relação com o Divino, e é o eixo em torno do qual gira a Civilização Tradicional. O objetivo último da Ordem Política, a única razão pela qual ela existe, é conduzir o homem, por meio da Lei, e, portanto, do rito jurídico-religioso, o mais próximo possível do Céu, em direção a Júpiter, através da Autoridade que estabelece as esferas de «maiestas», ou seja, de competências, de "honores", e é a Hierarquia natural dos Corpos Sociais (corporativismo), atribuindo a cada um o que é seu (unicuique suum tribuere); isso realiza a Harmonia, a Ordem da Justiça, ou seja, o Bem Comum de todo o organismo, que é um conjunto de corpos sociais unidos pela relação funcional e orgânica, assim como o organismo do homem, da planta ou do Universo. Então, a ordem político-jurídico-religiosa, a esfera superior, é o Pedagogo, o Educador, ou seja, a Autoridade que "e-duca", ou seja, "conduz de": de baixo para cima; a sociedade tradicional e orgânica governada de Cima e dirigida para Cima é a forma ocidental e romana do socialismo patriótico e antimaterialista, que abomina o indivíduo, mas defende e forma a pessoa, pois sua seiva vital, o sangue que corre em suas veias, é a visão heroica e espiritual da vida e do mundo.
É a nossa Tradição, aquilo de onde viemos e que ainda carregamos adormecido dentro de nós: é a transmissão, a entrega (traditio…) heleno-romano-germânica, é a pólis grega, microcosmo à imagem do Mundo dos Deuses; são Platão, Aristóteles e Plotino, herdeiros igualmente guerreiros do épico heroico de Homero e de sua sociedade aristocrática; é o Milagre, o Mistério de Roma que realiza a Ordem por meio da Justiça (com o consenso sincero e duradouro até se tornar Mito de povos imensuráveis que se reconhecerão na Romanidade e se tornarão romanos sem esquecer suas raízes...).
Roma se torna, de cidade, Mundo, o macrocosmo, o Império sem fim e sem limite no tempo e no espaço, o Império Eterno, porque criado à imagem do de Júpiter Ótimo Máximo; é a restauratio Romani Imperii do chamado Medievo, é o Mito dos povos germânicos, dos Otões a Frederico II até Dante: a Res Publica cristã não pode ser senão a continuação da venerável antiga Res Publica pagã. Tudo isso, em termos contemporâneos, se traduziu na grande tentativa, a última, realizada pelo Fascismo, como fenômeno de época europeu e como estado geral de espírito e visão de mundo ou complexo de Ideias sem palavras, de repensar em termos Míticos e Simbólicos o mundo, de retornar, ou seja, de fazer uma revolução e, portanto, de revolver (completar o ciclo inteiro para voltar ao ponto de partida... como os planetas...) aos Princípios da nossa Tradição.
O Fascismo quis, portanto, realizar o Estado Orgânico e, assim, Corporativo, diz Evola, Corpos sociais hierarquicamente ordenados e representados que se autogovernam no âmbito da produção de bens; afirmava-se que a iniciativa na produção dos mesmos pode ser pública ou privada, pois isso é um fato puramente técnico e não político (como quer o individualismo liberal ou o coletivismo marxista); é a Ordem Político-Ética que decide politicamente, segundo sua visão dos fins, qual instrumento é mais adequado naquele momento histórico à produção de riqueza (a Declaração VII da Carta do Trabalho de 21 de abril de 1927 fala de instrumento...), se é o da iniciativa privada ou pública, que, de qualquer forma, na visão orgânica da sociedade que o Fascismo tem, sempre possuem uma finalidade pública e uma função social, ou seja, para o bem de todos os cives.
Na verdade, o conceito autônomo e soberano de economia (típico das ideologias abstratas e desumanas do liberalismo e do marxismo) desaparece, e a própria economia é entendida como política econômica, ou seja, como apêndice da esfera de influência e de governo da Ordem Político e não mais como a ciência sagrada neutra e metafisicamente verdadeira, e portanto válida para todos, além de politicamente soberana, que é o conceito liberal-marxista da economia, sendo este o hoje dominante como ideologia de mercado, enquanto cola do pensamento único liberalista tecnocrático. No Fascismo, reaparece, portanto, o princípio saudável das sociedades tradicionais, ou seja, das Comunidades que se diferenciam das sociedades (veja os estudos de F. Tönnies) justamente porque a economia como categoria autônoma de pensamento não existe e está entrelaçada na trama social junto ao jurídico-religioso e, portanto, ao Político (veja, a esse respeito, os estudos fundamentais de Karl Polanyi).
Segundo a doutrina do nacional-socialismo (C. Schmitt, Principii politici del Nazionalsocialismo, Firenze 1935, pp. 175 ss.), o povo mede o valor dos bens por ele mesmo produzidos com a moeda que lhe pertence (na Res Publica Romana é o Senado que cunha a moeda e no Império é o Príncipe, ambos órgãos executores da vontade do Povo Romano), aceita convencionalmente por todo o Povo como símbolo da medição do valor dos mesmos bens produzidos; (Aristóteles, na Ética a Nicômaco, define a moeda como "nomisma", ou seja, feita pelo nòmos, pela lei, portanto, convencional). Assim, a Soberania, ou melhor, a Majestade do Povo não pode renunciar à sua moeda e ao direito de cunhá-la ou imprimi-la, cedendo-o ao banqueiro, que exercerá, como exerce, tal direito para seus fins lucrativos... (ver a respeito R. Dubail, "L’ordinamento economico nazionalsocialista", Ed. del Veltro, Parma 1991).
Na mesma empresa, o Fascismo tende a renovar e restaurar, mediante a desintoxicação dos venenos capitalistas e marxistas, ou seja, materialistas, o antigo sentido feudal da Comunidade de homens e mulheres, ligados por um projeto comum ao qual todos participam na gestão política; cada um respeitando suas competências e hierarquias; o dinheiro destinado a gerar mais dinheiro (investimentos puramente financeiros) não pode assumir a direção política da empresa, a qual cabe a ela mesma, como pequena corporação e, ascendendo na hierarquia da comunidade, aos vértices da Ordem político: a gestão política da empresa pertence a quem produz e não a quem não participa do processo produtivo, sendo estranho a ele e se limitando a investir seu dinheiro com fins lucrativos, a esse só caberá seu justo lucro (como disse Tomás de Aquino). Essencialmente, é o mesmo princípio que na ordem do Estado não pode permitir ao comerciante decidir os destinos da Nação e do Povo (algo hoje comumente aceito...).
Sendo nossa Tradição de natureza europeia e o Fascismo um fenômeno igualmente europeu, acreditava-se que a própria Europa só poderia se salvar da ruína materialista e hedonista mediante a restauratio Imperii, retornando à unidade do Princípio espiritual forte justamente por sua essência, em torno do qual giram livre e organicamente as cidades e as nações, imitando o império de Augusto como um ordenamento supranacional.
Podemos, chegados a este ponto, destacar "a contrario" os traços essenciais do homem moderno. O grau máximo de diferenciação em relação às sociedades tradicionais e orgânicas reside no fato de que o homem moderno é um indivíduo! Ele nasce como tal, no momento em que, ao final da Idade Média, por um conjunto de causas que não podemos abordar aqui por questões de espaço, torna-se cada vez mais "átomo", no sentido de sujeito que não reconhece mais nenhum modelo transcendente, nem qualquer vínculo social, político ou religioso, não tolerando, portanto, ser parte necessária de um organismo unitário, seja ele a sociedade política ou a ordem natural, e não partilha mais tradições comuns com seus semelhantes, que apesar disso vivem e operam com ele na mesma cidade. Não mais pensando a sociedade em termos holísticos, ou seja, como totalidade organizada, mas como simples soma de partes, ele "se liberta" de qualquer vínculo, seja o da Corporação de Artes e Ofícios, seja o decorrente do reconhecimento da autoridade superior Imperial ou Papal, inclusive no que se refere à liberalização da atividade econômica. O homem moderno não privilegia mais a terra, suas leis e seus bens, mas começa a acumular riqueza móvel, desenvolvendo cada vez mais uma atitude psíquica mercantil: assim, passa-se da progressão natural, finalizada, na economia pré-moderna, apenas à satisfação das necessidades essenciais, ou seja, Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria, para a típica da acumulação capitalista, que é Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro, onde na primeira a finalidade é a mercadoria, ou seja, os bens reais, e na segunda é o dinheiro, sendo esta a diferença radical entre economia real e financeira, prevalecendo atualmente de forma monstruosa a dimensão puramente financeira.
Esse indivíduo, fazendo parte de uma multidão solitária de outros tantos indivíduos, começa a pensar que, se não há "coisas" comuns que legitimem estar juntos formando naturalmente uma comunidade, então essas coisas nunca existiram, e a sociedade política tem uma única origem que é da mesma natureza daquele impulso egoísta que o leva a contrair vínculos, embora necessários, com outros indivíduos: assim nasceu o pensamento da origem contratual da sociedade política e não natural, como sempre se pensou e acreditou. Ou seja, desaparece a coincidência necessária entre microcosmo (sociedade orgânica dos homens) e macrocosmo (ordem universal), e a sociedade política não é mais pensada como imitação da ordem universal, mas como fruto das ideologias humanas.
Isso significa que se começa a imaginar que, assim como o indivíduo, para proteger um interesse atual ou realizar um potencial benefício, precisa firmar um contrato, os homens, para se defender dos perigos comuns ou proteger seus interesses, em tempos remotos, decidiram contratualmente se unir em uma sociedade que teve de aceitar a autoridade imperativa do Estado, considerado, porém, como um «mal necessário», dada a suposta natureza dos contratantes derivada do “princípio”: «Homo homini lupus» (o homem é lobo do homem).
Contudo, essa autoridade política, segundo o homem moderno, não deve interferir na esfera dos seus interesses, cada vez mais dominados pela ética da utilidade como medida de todas as coisas, bem como pela convicção de que é o homem o criador do próprio destino, e não mais qualquer divindade, lei, tampouco uma tradição comum. Por essa razão, ele criará um direito próprio, que é o jusnaturalismo individualista, racionalista e imanente, com apenas duas finalidades: a primeira, defendê-lo desse “mal necessário”, sempre um inimigo potencial, tolerado, portanto, a contragosto; a segunda, reconhecer, codificar e proteger, com uma aura de «sacralidade», o seu moderno conceito de direito de propriedade, que já não tem qualquer função pública, social ou política, como era reconhecido em toda forma de sociedade tradicional, mas apenas a de ser, em última instância, a projeção materializada de seu único ideal de vida, a própria razão de seu frenético operar: a riqueza e o luxo, frutos de sua nova religião que é o trabalho cego materializado, e, portanto, não mais elevado à Arte no sentido antigo do termo, bem como de sua ética do acúmulo monetário.
Portanto, pode-se afirmar sinteticamente, no nível da história geral das ideias do mundo moderno, que este é uma progressão evidente de subversões que gradualmente desmantelaram a ordem tradicional existente: a primeira é o Protestantismo, que é a revolução religiosa fundamental, que separa o homem religioso da autoridade superior, o isola, o autoriza à «livre» interpretação dos textos, mas, o que é ainda mais relevante, abençoa sua riqueza, reconhecendo a atividade econômica coroada de sucesso como “sinal” de benevolência divina; depois vem a segunda fase inevitável, após a religiosa, que é a política (afinal, depois de Deus vem o Rei...!), do Iluminismo e da revolução de 1789, para continuar no século XX com a revolução bolchevique de 1917, que é a subversão social, ou seja, da ordem natural da sociedade; enquanto está em curso a mais radical das subversões, que é a dos sexos, da manipulação genética e do próprio organismo humano (clonagem).