03/06/2023

Michel Lhomme - Ecologia Poética: Por Uma Metapolítica Possível da Ecologia

 por Michel Lhomme

(2020)



Embora os metafísicos evaporados não gostem, a questão do ser é, antes de tudo, a da economia, ou seja, da produção de bens materiais e sua troca, e da ciência, ou seja, a mobilização dos recursos lógicos que garantem sua eficiência. Falar de bens materiais é enfatizar por antinomia o princípio do valor. Perseverar humanamente em seu ser, ou seja, satisfazer as necessidades vitais (comer, beber, etc.) e, se possível, alcançar o bem-estar, é, independentemente do que se diga em uma perspectiva materialista, já estar animado pelo princípio do significado, ou seja, da orientação cultural que o valor dá ao ser. Portanto, é vital não reduzir o desenvolvimento econômico, que exige a realização humana, ao crescimento econômico, ou seja, ao simples aumento da produção e da troca, esse cenário materialista radical que nos prendeu por mais de dois séculos. Na verdade, é a incompreensão de nosso status poético no mundo que explica nossos impasses político-econômicos atuais. O erro do socialismo europeu foi o esquecimento ecológico, a confusão entre ciência e cultura, a crença de que o problema humano era "domesticar a natureza", a crença e a mitificação do conhecimento racional de que apenas o horizonte tecnológico era o caminho para a verdadeira realização. Pelo contrário, propomos aqui outro caminho, o caminho de uma ecologia poética, de uma metapolítica da ecologia, de uma ecologia naturalista, ou seja, de uma economia vista não como a dominação da natureza, mas como a modalidade humana de sua reafirmação naturalista.

Sejamos claros – e estamos a falar de África! -, a preocupação com o material sempre esteve em primeiro lugar porque as pessoas não podem viver uma vida autêntica na miséria, nas lutas sociais e na insegurança urbana, mas também não nos escapou que a criatividade econômica, a capacidade de assumir o desafio ambiental consiste em transformar a razão ocidental contra si mesma, a lógica técnica da Europa. Não obstante, cada vez mais parece que a opção técnica é na realidade apenas uma opção produtiva entre outras possíveis; a opção tecnológica ilimitada não é inevitável. Reflitamos, por exemplo, sobre a figura do engenheiro, ela é dupla: de um lado, o engenheiro cartesiano, o engenheiro da tecnologia da vida, cujo horizonte sombrio é possibilitar a entrega "como senhores e possuidores da natureza" e, de outro, o engenheiro da "poética da vida" de que falava o polêmico presidente-poeta Léopold Sedar Senghor, que aspirava mobilizar a criatividade tecnológica no horizonte fértil do domínio racional de uma natureza sem dominação. Para ele, era uma questão de redescobrir o significado etimológico da palavra "engenheiro" e, consequentemente, passar daquele para este: "o engenheiro é um homem habitado pelo espírito: um poeta, ou seja, um criador"[1]. Em outras palavras, o engenheiro deve deixar de ser uma engrenagem em uma máquina econômica obscura, o fantoche de uma tecnociência, e se tornar um homem de conhecimento prático, o antigo significado grego da palavra technê, conhecimento a serviço de uma forma criativa de habitar o mundo. É um horizonte poético que está, portanto, em jogo na fórmula ecológica do mundo. O desenvolvimento industrial apresenta problemas cujas soluções envolvem modalidades técnicas que são da competência dos engenheiros. O engenheiro tem um papel importante a desempenhar na perspectiva de uma poética ecológica da vida: cabe a ele articular as novas condições de habitação da natureza. O senegalês sabiamente observa que o que chamamos de design é uma tecnologia poética justamente porque se trata de "combinar eficiência com beleza, engenhosidade com arte"[2].

De modo geral, não podemos desfinanceirizar a economia, ou seja, subverter e ir além da econometria, se não articularmos a relação valor de uso/valor de troca de uma maneira diferente, uma vez que o cenário capitalista é caracterizado pela canibalização do valor de uso pelo valor de troca, reduzido a um simples cálculo mercantil. Sobre a questão do valor de uso, o frugal Epicuro teorizou para os séculos o ensinamento do senso comum: é o estômago que é a medida do apetite. Em outras palavras, é a natureza, irredutível aqui à natureza-matéria, que diz qual é o valor de uso. É uma questão de entender que é a natureza que diz àqueles que são capazes de ouvir e escutar, o limite humano que separa o que provavelmente favorecerá a sobrevivência e o bem-estar, por um lado, e o delírio consumista, por outro. "Não é a barriga que é insaciável, como acredita a multidão, mas a falsa opinião que temos de sua capacidade indefinida", escreveu o sábio grego do Jardim[3], sugerindo, como um verdadeiro cético, que seria insensato querer se afastar demais das lições simples da natureza.

É mérito de Marx ter percebido que é a própria natureza do cenário capitalista e a responsabilidade da burguesia reafirmar o valor de uso no e por meio do valor de mercado, em um sentido que coloca o último contra o primeiro. O cenário do mercado, que sempre garantiu a circulação social de mercadorias de uma forma ou de outra, agora está reduzido ao cenário mercantil, ao fetichismo da mercadoria e à canibalização das relações sociais. Em outras palavras, o capital vive apenas de devorar o trabalho, cuja atividade produtiva, no entanto, reafirma seu valor de uso no horizonte histórico da socialidade, força e fraqueza da civilização burguesa.

Trabalhar para a sua necessária reversão é, portanto, subverter esse cenário canibal, libertar-nos do fetichismo para abrir o horizonte ecológico da reconciliação do homem consigo mesmo, redescobrir a physis grega, a natureza no sentido mais abrangente do termo, o de Marcel Conche, por exemplo: "O absoluto para mim é a natureza. A noção de matéria me parece insuficiente. Além disso, ela foi desenvolvida por idealistas e é fora do idealismo que encontro meu caminho. É muito difícil pensar na criatividade da matéria. [...] A natureza deve ser entendida não como uma cadeia ou concatenação de causas, mas como improvisação; ela é poeta"[4].

A ecologia é apenas uma questão de enfrentar o desafio do capitalismo, ou seja, ser capaz de restaurar o valor de uso ao seu papel primordial, jogando a força do horizonte do capital contra sua força de impasse, mas isso também coloca frente a frente uma concepção antropocêntrica da ecologia, que seria a de um interesse individual e coletivo politicamente bem compreendido, e uma concepção integrista da ecologia, que representaria o autossacrifício em nome da Natureza como se ela fosse apenas uma exterioridade a ser defendida. A ecologia antropocêntrica é o cenário de uma redução ideológica da Natureza à natureza, e a ecologia integrista é o cenário de uma integração igualmente ideológica da natureza à Natureza essencializada. De fato, o valor de uso que o homem compartilha com os animais, que têm necessidades como o homem, só é verdadeiramente humano se for reafirmado em um horizonte poético da natureza cujo próprio valor é o da beleza. A sociedade requer, portanto, um senso de uso que implica a necessária definição da economia e da tecnologização da vida e, consequentemente, o caráter ecológico de uma genuína economia dos "bens comuns", uma economia baseada na solidariedade entre comunidades de usuários ou produtores que, juntos, administram um recurso coletivo.

A ecologia é verdadeira apenas na medida em que é uma inscrição poética do esforço humano para viver na Natureza. É em nome da Natureza que devemos fazer uso da natureza, ou seja, a distinção crucial entre a natureza no sentido vulgar da palavra, quer dizer, como um reservatório de disponibilidades, e a natureza-cosmos ou natureza-criação, que proíbe aabsolutizar a instrumentalização da primeira. A visão clara dessa diferença está no cerne da consciência ecológica da diversidade como reafirmação cultural e política da geografia e do "clima". O triunfo do homem tecnocêntrico significa, ao contrário, a espoliação dos seres humanos e a devastação da natureza, ao passo que uma ecologia poética, uma ecologia naturalizante, não pode ser reduzida à exploração razoável dos recursos naturais, à unificação verbal e verborrágica do "desenvolvimento sustentável" sem decrescimento.

Precisamos pensar na economia em termos de ecologia, e não o contrário: ecologia poética, economia metapolítica.

A crítica ao economismo está necessariamente associada à crítica à vontade de poder, ao sonho de Prometeu, mas também ao sonho de Narciso, porque os dois estão inextricavelmente ligados à dialética do poder. A imagem que Narciso contempla e na qual se afoga é tanto aquela refletida de volta para ele por sua vida de luxo quanto a da obediência incondicional dos outros ao seu modelo, à sua própria palavra. A necessidade vital da economia não deve nos levar a pensar que o corpo é o único propósito da economia. A ideia, é claro, é mais uma vez a da sabedoria clássica, de que o homem não come para comer, nem para se manter vivo ou para fortalecer seu corpo, mas que a preservação existencial só vale a pena em termos humanos dentro do horizonte metapolítico da autotranscendência intelectual e, portanto, dentro do horizonte poético.

Se o ser é alcançado por meio do ter, e se o ter se torna o objetivo absoluto na medida em que a felicidade que ele proporciona é alcançada por meio das aparências ou do virtual, da sociedade do espetáculo e da desmaterialização das relações sociais, o projeto econômico do conatus se transforma em desespero, que, em sua corrida desenfreada por sempre mais, só pode levar à solidão extrema e ao colapso social. A política e a economia não são mais forças da vida, mas impulsos da morte.

A criatividade poética do homem, por outro lado, exige criatividade coletiva para revivê-la, no sentido musical do termo - em outras palavras, uma repetição que é irredutível à repetição pura e simples. A instituição de uma escola ou de um hospital, por exemplo, de uma cooperativa agrícola ou de uma fábrica, só é verdadeira, ou seja, viva, se se afirmar como uma afirmação de solidariedade. A crise de saúde da covid-19 mostrou claramente que o ato de cuidar, para tomar apenas o exemplo do hospital, não pode ser corretamente reduzido à simples tecnologia de medicação e protocolos de saúde higiênicos, mas que só é humano se for afirmado na e pela comunicação, o que também promove a confiança no tratamento. Todo guerreiro conhece o efeito placebo de enfermeiras bonitas.

Não é coincidência que Platão, o inventor da polícia cultural, que atacou a liberdade criativa do poeta, mobilizado por sofistas tenha usado o mito de Prometeu no Protágoras para justificar a ideia de que o princípio da Ordem é o próprio princípio da política. O mito de Prometeu é um mito da gênese da vida. A história de seu cenário merece nossa atenção porque é a negação em ato do princípio poético, reduzindo e aniquilando toda a potência criativa do poder. Prometeu rouba de Hefesto, o deus da forja, o princípio da criação, e de Atena, deusa da luz do espírito, os recursos para o homem e não apenas da guerra, o do saber-fazer. Foi assim que o homem foi equipado para responder à necessidade biológica da utilidade. O que lhe faltava, entretanto, era a ciência política, ou seja, a capacidade de organizar a vida humana em conjunto. Ao insinuar essa falta, Platão dá a entender, no final, que esse é precisamente o dever que cabe à humanidade, à razão filosófica como um todo: recuperar o tubo da paz, o segredo do reinado sem conflitos de Zeus no Olimpo. Esse mito arcaico do poder distingue entre o direito natural dos animais e o direito natural do homem, mas o faz para dizer que o direito dos animais à vida deriva da atividade do outro irmão, da distribuição desigual, mas equilibrada, dos bens, de Epimeteu, em outras palavras, um ser que não é um deus, mesmo que esteja próximo dos deuses, enquanto o direito do homem à vida vem diretamente de Prometeu, que certamente também não é um deus, mas que teve a inteligência, a astúcia ou o engano para arrancá-lo dos deuses. Em outras palavras, o significado desse mito é considerar, e nos convidar a considerar, que o poder dos homens é equivalente ao poder dos deuses.

Por outro lado, ao afirmar que o princípio da poesia é o verdadeiro fundamento da existência humana, é esse princípio platônico da Ordem que está sendo contestado e questionado, inclusive por meio do elogio do ornamento e da decoração. De fato, é errado considerar a decoração como algo que é acrescentado, em nome do prazer, e que, portanto, não é fundamental. No entanto, trata-se de reconectar-se com o eterno barroco[5] e entender que, contra o minimalismo exclusivo, o ornamento reafirma. É no ornamento, e por meio do ornamento, que o que é passível de ser visto, seja ele manufaturado ou não, começa a ter uma profundidade artesanal e se afirma no horizonte do cenário humano ecológico, o horizonte etimológico do "oikos", da "casa", e do "logos", a ciência do habitat, e também não é coincidência que as palavras "cosmético" e "cosmos" tenham a mesma raiz (do grego kosmos, que significa "ordem", "harmonia", mas também "adorno"). Os arquitetos que se preocupam tanto com o útil quanto com o belo não podem ignorar o fato de que é na e pela combinação dos dois que eles conseguem realizar seu trabalho.

Tentar responder à pergunta sobre o tipo de vida a ser vivida na terra do homem hoje significaria, portanto, tentar construir uma ecologia poética, o primeiro passo, para nós, em direção a um novo habitat solar. A arquitetura é, ao mesmo tempo, uma arte e uma técnica, a reafirmação da arte em e por meio de uma técnica, o cálculo da razão e o cálculo do incalculável, acolhendo a surpresa, a possibilidade de hospitalidade, uma arquitetura horizontal de abertura em oposição à arquitetura vertical da morte, a arquitetura dos arranha-céus de Nova York desmontados por Lorca, o eclipse do sol sobre Pequim.

O povo-massa, a massa indiferenciada das grandes cidades, é a morte da afirmação singular barroca, em outras palavras, do estilo. A própria essência de qualquer singularidade verdadeira é afirmar-se como um estilo, o estilo da própria vida. É por isso que o estilo que caracteriza a verdadeira vida já pode ser encontrado na natureza, onde nenhuma folha de árvore se assemelha a outra, como Leibniz viu sem realmente ver o que tinha visto, porque nenhum algoritmo poderia explicar esse evento que é tão banal quanto inédito, que é, por exemplo, um sorriso, mesmo que comercial, ou o de um carcereiro ou de um policial em custódia de protesto após uma demonstração dos Coletes Amarelos.

O matemático e filósofo Pascal diz que o mal moral reside inteiramente no fato de querer ser "o centro de tudo". Ele disse isso sobre o indivíduo humano, mas será que isso também não se aplica a toda comunidade humana?

O princípio do lar, do enraizamento, o princípio de viver-juntos no lar ou na etnia, na nação ou na federação, é a força solar da ecologia poética. Ele revisita o conceito não da nação ou do mundo, mas da região, do "país", do terrunho. A região é a única maneira de vincular a vida de uma nação a um todo que a transcende e, ao mesmo tempo, a sustenta. Em outras palavras, para realmente pensar na afirmação regional, é preciso entender que a região é a modalidade política por excelência da ecologia poética e metapolítica que estamos delineando.

Notas

[1] Léopold Sedar Senghor, Liberté 5, Le dialogue des cultures, Paris Seuil 1993, p.124.
[2] Ibid, p. 127.
[3] Épicure, Sentences vaticanes, 59.
[4] « Entretien avec Marcel Conche » dans Philosophie magazine, n°1, mais adiante, o autor observa que: "A physis grega não se opõe a nada além dela mesma, ao passo que, no sentido moderno, a natureza se opõe à história, à mente, à cultura e à liberdade. A physis é omniabrangente". Para mais do autor sobre o conceito de natureza, Présence de la nature, Puf, Paris 2001.
[5] Eugenio d’Ors, Du baroque, trad. d’Agathe Rouart-Valéry, Gallimard, coll. « Idées », 1936 ; rééd. 2000.