por Ernesto Milà
(2010)
Geralmente, pensa-se que a chamada Tríplice A era a sigla da "Aliança Anticomunista Argentina" e que havia surgido nos esgotos do Ministério do Bem-Estar Social, dirigido por José López Rega, em uma tentativa de acabar com as chamadas "organizações armadas" da esquerda peronista. Isso é inquestionavelmente verdade. Havia uma "Tríplice A" encarregada de eliminar fisicamente os ativistas mais destacados da esquerda. Também é verdade que, na confusão da época, alguns aproveitaram para liquidar seus inimigos pessoais (tanto da esquerda quanto da direita). Hoje, ninguém duvida que a Tríplice A foi impulsionada por López Rega quando Isabel Martínez de Perón, elevada à presidência da nação devido à morte do general, assinou o decreto 2772 que autorizava "Executar as operações militares e de segurança que sejam necessárias para aniquilar a ação dos elementos subversivos em todo o território do país". Era o início da "guerra sucia". A esse decreto seguiu-se uma onda de violência generalizada que não conseguiu acabar com a violência, mas apenas eliminar alguns ativistas muito destacados e demasiadamente ingênuos para serem capturados. Em março de 1976, a repressão contra a guerrilha esquerdista adquiriria um caráter sistemático e científico, após o pronunciamento militar. Nove meses depois, o então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Roberto Viola (que mais tarde substituiria o General Videla na presidência de facto), divulgou uma diretiva secreta de luta contra a subversão na qual ordenava "aplicar o poder de combate com a máxima violência para aniquilar os delinquentes subversivos onde quer que sejam encontrados. ... o delinquente subversivo que empunhar armas deve ser aniquilado, pois quando as Forças Armadas entram em operações, não devem interromper o combate nem aceitar rendição".
Mas essa violência já havia sido organizada com Perón vivo. De fato, a "mãe de todos os crimes" da Tríplice A coincidiu com o retorno de Perón à Argentina e com as centenas de mortos no aeroporto de Ezeiza. Por trás dos eventos de Ezeiza estava José López Rega, já ministro do Bem-Estar Social, embora apenas o tenente-coronel Osinde, seu subordinado, tenha sido obrigado a assumir a responsabilidade pelo ocorrido lá.
No entanto, havia outra "Tríplice A" que nada tinha a ver com todas essas ações. Era uma teoria entre mística e geopolítica. Havia sido enunciada pelo espiritista Menotti Carnicelli quase vinte anos antes que a Tríplice A semeou o terror entre os terroristas. É hora de voltar ao estudo do texto da Loja Anael "A Razão de Ser do Terceiro Mundo".
Avaliando os eventos de 1955 (durante os quais Perón foi destituído da presidência e teve que se exilar), Anael faz uma pergunta aparentemente extemporânea: "Estavam os povos do triângulo escaleno da Tríplice 'A' suficientemente consolidados para sustentar e manter vitoriosa a revolução justicialista argentina?". Inicialmente, é impossível saber do que se está falando: qual é esse "triângulo escaleno da Tríplice A"? O autor alude aos países da Ásia, África e América Latina, estes são a primitiva "Tríplice A".
Anael-Carnicelli reconhece um pouco mais adiante que, justamente nos momentos do golpe dado pelos generais Aramburu e Leonardi e pelo almirante Isaac Rojas, "um membro da Loja Anael, entrevistando-se com Perón", este comentou que "entregaria o governo e não deveria haver derramamento de sangue. Que fatos posteriores a serem realizados demonstrarão a conveniência de proceder assim, resultando benéfico para a evolução progressiva do triângulo da Tríplice A e que, procedendo assim, ele retornaria forçosamente como líder da América Latina". Mais adiante, acrescenta: "O homem que entrevistou o General agia como homem de ligação entre Getúlio Vargas e Perón". É evidente que o autor está se referindo a si mesmo e que a reunião é a que sabemos que ele teve na Casa Rosada em 1954, quando visitou a Argentina em uma de suas turnês para difundir o espiritismo...
Quanto a Getúlio Vargas, ele protagonizou no Brasil um experimento muito semelhante ao de Perón na Argentina e praticamente nos mesmos anos. Vargas foi chamado de "pai dos pobres", da mesma forma que Perón foi o "pai dos descamisados". No entanto, o destino de "don Getúlio" foi muito mais dramático que o de Perón, que, afinal, morreu de velhice e doença. Vargas, por sua vez, suicidou-se. Apesar de geralmente ser omitido em suas biografias, Vargas era um espiritista convicto e membro da Loja Anael (militância que o autor do texto reconhece quando, na página 18, diz: "Vargas está morto: como membro que foi da Loja, não julgamos sua atitude") que acabou se suicidando em 1954. As semelhanças entre o Estado Justicialista peronista e o Estado Novo promovido por Vargas dão certa veracidade ao papel desempenhado por Carnicelli como elo entre ambos. Além disso, se Vargas era espiritista como uma parte substancial da população brasileira (considera-se que as diferentes seitas espiritistas incorporam 1,5% da população), não é menos verdade que Perón já havia participado de uma organização secreta, a loja chamada Grupo de Oficiais Unidos, que o havia catapultado para a presidência do país. Tanto Vargas quanto Perón, por outro lado, coincidiam em suas linhas ideológicas: "nem capitalismo, nem comunismo". Desconfiavam dos EUA, antes da Segunda Guerra Mundial não puderam esconder certas simpatias pela causa do Eixo, sentiam-se alheios ao comunismo e extremamente hostis às oligarquias locais. Eram nacionalistas e populistas, um na versão brasileira e outro na versão argentina. O suicídio de "don Getúlio" foi um golpe para as esperanças dos ocultistas brasileiros, no entanto, na Argentina, Perón continuava polarizando a atenção, passando a ser uma figura quase simbólica e emblemática: como o Rei Perdido da tradição ocidental, despojado de seus atributos, mas não morto, de quem seu povo esperava que voltasse quando necessário. Não é à toa que a Loja Anael foi a primeira a assumir o slogan que presidiria os próximos 20 anos na vida do justicialismo argentino: "Perón volta". No texto da Loja Anael que comentamos, pode-se ler na página 19: "Um dia, quando se falava da queda iminente de Perón, o Dr. Anael, reunido com um grupo de amigos, fez o seguinte comentário: 'O general Perón será presidente perpetuamente' e acrescentou: 'decifrem a metáfora'. Ficou pensativo e voltou a acrescentar: 'Será aquele que irmanará os povos filhos de San Martín e Bolívar em um abraço indestrutível'. A profecia apenas se cumpriu até certo ponto: Perón voltou à Argentina e morreu como presidente (em certo sentido, foi, portanto, 'perpetuamente'), mas seu último período de governo resultou caótico e não houve possibilidade de irmanar nada...
Mas em 1965, os membros da Loja Anael tinham ilusões sobre o futuro e sobre o papel que lhes restava desempenhar. Foi então que elaboraram sua teoria sobre “os três vértices do triângulo da tríplice A” (pág. 20, op. cit.). Essa teoria sustenta que em 1945 se iniciou a “ativação do primeiro vértice” (Ásia) com o início da descolonização. A partir desse momento, de fato, a Holanda descolonizou a Indonésia, o Reino Unido iniciou a retirada da Índia, Paquistão, Birmânia e Ceilão. A França iniciou a evacuação da Indochina e, finalmente, assistiu-se à “longa marcha” maoísta que concluiu com a entrada do Exército Popular Chinês em Pequim. Por isso, a Loja Anael proclama que “começa a se consolidar o primeiro vértice magnético do triângulo: Pequim” (pág. 19, op. cit.). No momento em que a obra era publicada, para completar, estavam ocorrendo “lutas de libertação” no Vietnã e no Laos. A Loja Anael identifica em todos esses países os mesmos problemas que na Argentina e no Brasil: existe um inimigo oculto que representa o mal, as “oligarquias nativas” que sempre acabam formando um eixo com o “imperialismo”. Quando Anael analisa o regime chinês, não vê nele uma ditadura comunista-stalinista, mas simplesmente um regime “nacionalista”, não muito distante de Perón ou de “don Getulio”. Não vê “comunismo” na China, mas “cooperativismo”. Considera até que o conflito que opunha a China à URSS era saudável e estava previsto. O doutor Anael, em 1954, havia escrito: “Com os anos, inevitavelmente, [a China] se distanciará da Rússia, seu destino é lutar pelas massas sofridas e pelos povos marginalizados da história”.
O “segundo vértice” é a África, onde estava ocorrendo naquele momento um processo semelhante ao asiático: a Inglaterra havia se retirado do Egito e do Sudão, a França preparava a independência do Marrocos e da Tunísia. Pouco a pouco, os diferentes países da África Subsaariana iam alcançando a independência. Anael escreve: “A Argélia liberada configura o 2º vértice magnético do triângulo”. Considera que o interesse pela Argélia, acima do Egito, reside no fato de que o primeiro país alcançou sua independência por meio das armas e que sua contribuição acabará fortalecendo a “revolução nasserista” no mundo árabe. Anael escreve: “[A Argélia] radicalizará a África, como foi previsto em São Paulo no final de 1956”. Em seguida, menciona a reunião da Organização de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos, OSPAA, que ocorreu em Argel em março de 1964, na qual foi proclamada a necessidade de que os povos que lutam contra o imperialismo estreitem seus laços. Acrescenta-se ainda que “a loja esteve presente nessa reunião”. O “Doutor Anael” previu naquele momento o renascimento da Argélia.
Quanto ao “terceiro vértice”, é especificamente americano. Aludem à América Latina, claro, e enigmaticamente à “L” inclinada: o traçado que vai de Lima a Buenos Aires e de lá a São Paulo. Anael constrói a tese das “duas independências” e diz: “Assim como o primeiro passo de nossa independência política partiu do Rio da Prata e buscou o oeste, nossa segunda independência – a econômica – deve partir do mesmo lugar, mas buscando o leste-oeste. Ou seja, a ‘L’ inclinada” e, ainda mais enigmaticamente, acrescenta: “Com a ‘L’ inclinada, revolucionária, os vulcões da Cordilheira dos Andes estarão em erupção, especialmente no Chile. A tática da segunda metade do século XX deve ser mais fulminante que a do XIX”… É até certo ponto perturbador reconhecer que foi precisamente no Chile que ocorreu a ascensão de Salvador Allende ao poder em 1969, à frente de uma coalizão de partidos marxistas (Unidade Popular), com o apoio da Democracia Cristã.
Assim, o “terceiro vértice” é um L que passa por Buenos Aires, São Paulo e Lima. Nesta última capital, naquele momento, estava começando o movimento de Velasco Alvarado, uma espécie de peronismo à peruana. Getúlio Vargas havia sido substituído por governantes de muito pouca estatura (João Goulart, Brizola, Julião) e a Loja Anael havia apostado em “um dos seus”, Adhemar de Barros. E quanto à Argentina, já se sabe: “Perón volta” e quando o fizer “será para sempre”. Mas por que a Loja Anael não conta com Cuba? Afinal, não deveria o castrismo ser considerado um dos baluartes anti-imperialistas? Não sem certa razão, a Loja Anael não atribui um papel decisivo a Cuba por duas razões: “É uma pequena ilha” e “Está muito próxima de Wall Street”. Cuba tem um papel: “Provocar o imperialismo e mostrá-lo como ele é: de palavra, partidários da paz e da liberdade, mas, na prática, sustentáculo, coluna vertebral do privilégio, contrários à autodeterminação dos povos”. A Loja define Cuba como “a revolução sacrificada”, “a vanguarda”. Chegam a negar tacitamente a vinculação do castrismo à esfera de influência soviética: “Está realmente? Taticamente pode estar, estrategicamente faz parte da América Latina”.
O inimigo, portanto, é o imperialismo e as oligarquias locais que colaboram com ele. Mas a evolução da humanidade prossegue inexoravelmente através dos três vértices, cuja “vibração” faz com que atuem em sinergia suficiente para derrubar o “imperialismo”. Essa “vibração” será tanto maior quanto nos aproximarmos da “nova era”, surgirá uma nova geração de líderes que cristalizarão em si mesmos esses processos e os acelerarão. Não será nenhuma das “pernas” da Tríplice A, nem a América Latina, nem a África, nem a Ásia, que conseguirá derrotar o imperialismo e a oligarquia, mas a ação conjunta e a sinergia entre as três: daí a importância do conceito de “Tríplice A” para a Loja. Essa “vibração” é, ao mesmo tempo, “cósmica” (já que depende das posições dos astros e do trânsito zodiacal da Era de Peixes para a de Aquário), mas também se experimenta na humanidade, favorecendo o surgimento de um “homem novo” que encarnará os valores de justiça social, igualdade, solidariedade, humanidade que Carnicelli-Anael percebia tanto no peronismo quanto no Estado Novo de “don Getulio”.
No entanto, ao longo da segunda metade dos anos sessenta, algumas dessas esperanças foram frustradas. Em 1954, Adhemar de Barros foi derrotado por Janio Quadros nas eleições no Estado de São Paulo. No ano seguinte, seria novamente derrotado nas eleições presidenciais. É verdade que, mais tarde, em 1962, ele venceu Quadros à frente de São Paulo, cargo que manteve até 1966, chegando a manter boas relações com o general De Gaulle. O golpe militar forçou-o ao exílio, e foi aí que a sua estrela se apagou, falecendo em 1969. Perón voltou na data indicada por López Rega com base nos seus cálculos astrológicos, a 20 de junho de 1973... no auge do "segundo decanato" de Touro, considerado como gerador da maior das fortunas.
A Loja Anael começara como uma entidade anti-imperialista que extraía a sua força da consideração de que a humanidade se aproximava de uma mudança cosmogónica, contando com elementos bem posicionados em cargos de poder no Brasil e na Argentina, mas depois, a reviravolta imprevista que ocorreu com a ascensão de López Rega e do seu projeto pessoal fez com que tudo isso fosse por água abaixo. Carnicelli, Urien e os outros viram-se superados, por um lado, por uma situação internacional que cada vez menos se encaixava no seu esquema: a Argélia tornou-se um regime burocratizado que, frequentemente, fazia o trabalho sujo encomendado pelos serviços secretos soviéticos. Nos anos 70, os diversos governos militares ibero-americanos geridos por elementos saídos da Escola das Américas, dependente do Comando Sul do Panamá, abandonaram qualquer tentação nacionalista e anti-imperialista para se limitarem a combater o comunismo. Alguns, como Ongania, fizeram-no em nome dos valores cristãos; a maioria, simplesmente como uma forma de demonstrar a sua fidelidade a Washington. Em África, as coisas não podiam estar pior. E na Ásia, parece que a loja não conseguiu contactar significativamente com nenhum governo.
Do ponto de vista psicológico, é compreensível que López Rega, que conhecia perfeitamente a doutrina da Loja Anael sobre a Tríplice A, a redirecionasse e a distorcesse até a transformar numa negação: a Tríplice A já não seria o esforço "vibratório" conjunto dos países da Ásia, África e América Latina, mas sim a Aliança Anticomunista Argentina que, como vimos, escolheria até mesmo alguns membros da Loja Anael para os liquidar fisicamente nos seus primeiros meses de atividade terrorista. O processo psicológico é bastante claro: Rega recordava os tempos em que era o aluno aplicado da Loja, o silencioso que cumpria ordens e subia na estrutura, aquele que teve de receber ordens imperativas de Urien e a reprimenda de Bernardo Alberte quando estava prestes a embarcar no avião para a Espanha acompanhando "Isabelita". Nos dois anos seguintes, ele libertou-se completamente da tutela de Anael. Substituiu as relações com a Loja por outras com uma loja ainda mais sinistra, a italiana Propaganda 2. E propôs-se a algo mais no autoexílio madrileno: ser como Licio Gelli, um homem de poder, não mais um astrólogo de poucas vendas e um coadjuvante na Loja Anael. Não foi, certamente, por acaso que Rega deu aos seus pistoleiros o nome de Tríplice A. Foi a exteriorização de uma rejeição ao que Anael representara na sua vida: o papel de subordinado. A partir de agora, ele marcaria os tempos e os ritmos, ele marcaria a estratégia e os objetivos. Nada de projetos anti-imperialistas.
"O Bruxo" acreditava sinceramente na teoria das "vibrações" cósmicas e no advento de uma nova era. Enquanto astrólogo, sabia melhor do que ninguém que o movimento de oscilação do eixo terrestre fazia com que o sol fosse variando pouco a pouco o seu nascer durante o solstício de verão, de um signo para outro, de Peixes para Aquário. Ele via sinais inequívocos de que esta transição estava a ocorrer: a Terra estava a chegar ao período em que a "humanidade" seria o seu leitmotiv. Mas isso, no que ele continuava a acreditar, deixara de lhe interessar prioritariamente. Ele tinha a confiança de "Isabelita", conquistada graças às práticas espíritas, aos passes mágicos e às invocações nas quais acabara por se tornar um mestre. Estava convencido de que "o oculto" governava os destinos do mundo. Enquanto Perón se mantivesse vivo, ele geriria o mito, e quando ele morresse, bastava-lhe estar perto de "Isabelita" para continuar a ser o titereiro que movia os fios... exatamente o papel que Licio Gelli reivindicava em Itália: o de "burattinaio" (titereiro, em italiano).
O ideal mais elaborado da Loja Anael, a doutrina sobre os três vértices vibratórios, a Tríplice A, que constituía a razão de ser da Loja, foi pisoteado e arrastado pela lama, transformado na sigla de um bando de pistoleiros e assassinos sem escrúpulos, paradoxalmente emanados de um ministério de nome beatífico: "bem-estar social"... houve, portanto, duas Tríplices A: a original e a sua inversão.