por Aleksandr Dugin
(2004)
1. Três modelos (soviético, pró-ocidental, eurasianista)
Na Rússia atual, existem três modelos básicos de estratégia estatal mutuamente conflitantes, tanto em termos de política externa como doméstica. Estes três modelos constituem o moderno sistema de coordenadas políticas no qual cada decisão política do governo russo, cada passo internacional, cada problema social, econômico ou legal grave é resolvido.
O primeiro modelo representa o clichê inercial do período soviético (principalmente do final da União Soviética). De uma forma ou de outra, ele se enraizou na psicologia de certos sistemas organizacionais russos, levando-os, muitas vezes inconscientemente, a tomar esta ou aquela decisão com base em decisões anteriores. Este modelo é apoiado pelo argumento "sólido": "O trabalho já foi feito antes e será feito agora". Não diz respeito apenas aos líderes políticos que exploram conscientemente a tez nostálgica dos cidadãos russos. A referência ao modelo soviético é muito mais ampla e profunda do que as estruturas do PCFR [Partido Comunista da Federação Russa], que agora está à margem do poder executivo, longe dos centros de tomada de decisão. Em todos os lugares, políticos e funcionários, que de forma alguma se identificam formalmente com o comunismo, são guiados por este modelo. É um efeito da educação, da experiência de vida, do treinamento. A fim de compreender a substância dos processos subjacentes à política russa, é necessário admitir este "sovietismo inconsciente".
O segundo modelo é o modelo liberal-democrático e pró-americano. Começou a tomar forma com o início da "perestroika" e se tornou uma espécie de ideologia dominante na primeira metade dos anos 90. Como regra, os chamados reformistas liberais e as forças políticas próximas a eles se identificam com ela. Este modelo se baseia na escolha, como sistema interpretativo, do aparato sócio-político americano, rastreando-o até a situação russa e seguindo os interesses nacionais dos EUA no que diz respeito aos problemas internacionais.
Tal esquema tem a vantagem de permitir que ele se baseie no "presente estrangeiro" completamente real, ao contrário do "passado nacional" virtual em torno do qual o primeiro modelo gravita. Aqui também, o argumento é bastante simples: "Você trabalha para eles, você vai trabalhar para nós". Aqui é importante insistir que não estamos simplesmente falando de "experiência estrangeira", mas da orientação para os EUA como a vanguarda do mundo capitalista ocidental triunfante. Estes dois modelos (mais suas muitas variantes) estão amplamente representados entre os políticos russos. Desde o final dos anos 80, todos os conflitos sobre as visões de mundo, todas as discussões e lutas políticas aconteceram entre os portadores dessas duas visões.
O terceiro modelo é muito menos conhecido. Pode ser definido como "eurasianista". Estamos tratando aqui de procedimentos muito mais complexos do que simplesmente copiar a experiência soviética ou americana. Este modelo aborda tanto o passado nacional quanto o presente estrangeiro em termos de diferenciação: ele deriva em parte de nossa história política, em parte da realidade das sociedades modernas. O modelo eurasianista reconhece que a Rússia (como Estado, como povo, como cultura) é um valor autônomo da civilização, que deve salvaguardar sua singularidade, independência e poder, e que deve colocar a serviço deste propósito toda doutrina, sistema, mecanismo e técnica política que possa encorajar isto. O eurasianismo, desta forma, é um "pragmatismo patriótico" original, livre de todo dogmatismo - seja ele soviético ou liberal. Mas, ao mesmo tempo, a amplitude e flexibilidade da abordagem eurasianista não deve impedir que esta teoria seja conceitualmente sistemática, possuindo todas as características de uma visão de mundo orgânica, coerente e consistente. À medida que os dois antigos modelos clássicos mostram sua fraqueza, o eurasianismo se torna cada vez mais popular.
O modelo soviético trabalha com realidades políticas, econômicas e sociais obsoletas, explora a nostalgia e a inércia, falta-lhe uma análise sóbria da nova situação internacional e o desenvolvimento real das tendências econômicas mundiais. O esquema liberal pró-americano, em crise, por definição, não pode ser realizado na Rússia, sendo um componente orgânico de outra civilização, estranho à própria Rússia. Isto é bem conhecido também no Ocidente, onde ninguém esconde a preferência por não ver uma Rússia próspera e saudável, mas, ao contrário, uma Rússia enfraquecida, submersa no abismo do caos e da corrupção. É por isso que hoje o modelo eurasista se torna mais urgente, mais exigido pela sociedade. Portanto, devemos prestar mais atenção a isso.
2. Eurasianismo e política externa russa
Formulemos os princípios básicos do eurasianismo russo moderno. Começaremos com a política externa. Como em todo campo político, o eurasianismo se propõe a seguir o terceiro caminho - nem o sovietismo nem o americanismo. Isto significa que a política externa russa não deve reconstruir diretamente o perfil diplomático do período soviético (oposição rígida ao Ocidente, redescobrindo uma parceria estratégica com os "Estados-párias" - Coréia do Norte, Iraque, Cuba, etc.) e, ao mesmo tempo, não deve seguir cegamente os conselheiros americanos.
O eurasianismo oferece sua própria doutrina de política externa. Sua essência pode ser resumida como se segue. A Rússia contemporânea só pode ser salvaguardada como uma realidade política autônoma e independente sob as condições de um mundo multipolar. O consentimento para um mundo unipolar com a América em seu centro é impossível para a Rússia, pois em um mundo assim ela seria um dos objetos da globalização, perdendo inevitavelmente sua independência e originalidade. A oposição à globalização unipolar, a afirmação de um modelo multipolar, é o maior imperativo da política externa russa contemporânea. Esta condição não pode ser questionada por nenhuma força política: e daí decorre que os propagandistas da globalização americanocêntrica devem ser deslegitimados (pelo menos moralmente) dentro da Rússia.
A construção do mundio multipolar (vital para a Rússia) só é possível através de um sistema de alianças estratégicas. A Rússia sozinha não pode enfrentar este problema, pois não dispõe de recursos suficientes para uma autarquia completa. Portanto, seu sucesso depende em muitos aspectos da adequação e vitalidade de sua política externa. No mundo moderno existem certos atores geopolíticos que, tanto por razões históricas como civilizacionais, também estão vitalmente interessados na multipolaridade. Na situação que agora está emergindo, estes sujeitos representam os parceiros naturais da Rússia. Eles estão divididos em uma série de categorias.
Primeira categoria: potências regionais (países ou grupos de países), cujas relações com a Rússia podem ser convenientemente expressas pelo termo "complementares". Isto significa que estes países possuem algo vital para a Rússia, enquanto a Rússia possui algo extremamente indispensável para eles. Como resultado, essa troca estratégica de potenciais fortalece os dois atores geopolíticos. A esta categoria (simetricamente complementar) pertencem a União Europeia, Japão, Irã, Índia. Todas essas realidades geopolíticas podem razoavelmente reivindicar um papel como sujeitos autônomos em condições de multipolaridade, enquanto o centralismo americano os priva dessa possibilidade, reduzindo-os a meros objetos.
Como a nova Rússia não pode ser apresentada como um inimigo ideológico (condição que assegurou aos EUA seu maior argumento para atrair a Europa e o Japão para sua órbita e confundir a URSS em seu apoio ao Irã Islâmico durante o período da Guerra Fria), o imperativo de sua completa subordinação à geopolítica norte-americana não é mais apoiado por nada (fora da inércia histórica). Assim, as contradições entre os EUA e as potências que se complementam mutuamente com a Rússia se agravarão continuamente.
Se a Rússia provar ser ativa e provar com seu potencial a tendência multipolar, encontrando para cada uma dessas formações políticas os argumentos certos e condições diferenciadas para uma aliança estratégica, o clube dos partidários da multipolaridade pode se tornar forte e influente o suficiente para alcançar eficientemente a realização de seus projetos de um futuro sistema mundial. Para cada uma dessas potências a Rússia tem algo a oferecer - recursos, potencial estratégico em armamentos, peso político. Em troca, a Rússia receberia, por um lado, patrocínio econômico e tecnológico da Europa e do Japão, por outro - cooperação político-estratégica no sul, do Irã e da Índia. O eurasianismo conceptualiza este curso de política externa e o fundamenta com a metodologia científica da geopolítica.
Segunda categoria: formações geopolíticas interessadas na multipolaridade, mas não simetricamente complementares à Rússia. Estas são a China, o Paquistão e os países árabes. As políticas tradicionais destes sujeitos geopolíticos são de caráter intermediário, mas uma parceria estratégica com a Rússia não é sua maior prioridade. Além disso, a aliança eurasianista da Rússia com os países da primeira categoria fortalece os rivais tradicionais dos países da segunda categoria, a nível regional. Por exemplo, Paquistão, Arábia Saudita e Egito têm sérias brigas com o Irã, assim como a China com o Japão e a Índia. Em uma escala mais ampla, o relacionamento da Rússia com a China é um caso especial, complicado por problemas demográficos, pelo crescente interesse da China pelos territórios escassamente povoados da Sibéria, e também pela falta de potencial técnico e financeiro sério da China para resolver positivamente o grande problema de assimilação tecnológica da Rússia na Sibéria.
Todos os países da segunda categoria estão necessariamente destinados a manobrar entre a unipolaridade americanocêntrica (que não lhes promete nada de bom) e o eurasianismo. Com relação aos países desta categoria, a Rússia deve agir com muito cuidado - não os incluindo no projeto eurasianista, mas ao mesmo tempo procurando neutralizar ao máximo o potencial negativo de sua reação e conter ativamente sua inclusão ativa no processo de globalização unipolar (para o qual existe motivação suficiente).
Terceira categoria: representa os países do Terceiro Mundo que não possuem potencial geopolítico suficiente para reivindicar até mesmo o status de sujeitos limitados. A Rússia deveria seguir diferentes políticas em relação a esses países, contribuindo para sua integração geopolítica em zonas de "prosperidade comum", sob o controle dos parceiros mais fortes da Rússia dentro do bloco eurasiático.
Isto significa que na área do Pacífico é conveniente para a Rússia favorecer o fortalecimento da presença japonesa. Na Ásia é necessário incentivar as ambições geopolíticas da Índia e do Irã. Também é necessário ajudar a expandir a influência da União Europeia no mundo árabe e na África como um todo. Os mesmos Estados que estão incluídos na tradicional órbita de influência da Rússia devem naturalmente permanecer lá ou ser trazidos de volta. A política de integração dos países da CEI (Comunidade de Estados Independentes) é direcionada nesse sentido.
Quarta categoria: os EUA e os países do continente americano que estão sob controle americano. As políticas internacionais eurasianistas da Rússia devem ser orientadas para mostrar aos EUA em todos os sentidos a inconsistência do mundo unipolar, o caráter conflituoso e irresponsável de todo o processo de globalização americanocêntrica. Ao se opor de forma rígida e ativa (usando, antes de tudo, o instrumento da aliança eurasiática para este fim) a tal globalização, a Rússia deveria, ao contrário, apoiar a tendência isolacionista nos EUA, acolhendo a limitação dos interesses geopolíticos dos EUA ao continente americano.
Os EUA, como a potência regional mais forte, cujo círculo de interesse estratégico se situa entre os oceanos Atlântico e Pacífico, também pode ser um parceiro estratégico para a Rússia euraasiática. Além disso, tal América será extremamente desejável para a Rússia, pois delimitará a Europa, a Região do Pacífico e até mesmo o mundo islâmico e a China, caso suas aspirações sigam o caminho da globalização unipolar, com base em seu sistema geopolítico.
E se a globalização unipolar retornar ao cenário, é do interesse da Rússia retornar ao clima antiamericano da América Central e do Sul, enquanto ainda usa uma visão de mundo e um dispositivo geopolítico muito mais flexível e amplo do que o marxismo. Na mesma onda está a política de priorizar o trabalho com os círculos políticos antiamericanos no Canadá e no México. Possivelmente também utilizando a atividade de lobby da diáspora eurasiática nos EUA para este fim.