01/04/2020

Luca Siniscalco - Em Memória de Eduard Limonov: Sonhador e Guerreiro, Poeta da Superação da Solidão Cósmica

por Luca Siniscalco

(2019)



“Tenho várias vidas: a literária, a política, até mesmo a mística e, claro, a privada. Mas o destino não queria que eu sossegasse: as várias famílias que tentei constituir sempre se desmoronaram. E agora eu vivo assim: eu pego moças na estação de Leningradskaya ou, caso contrário, passo longos meses sozinho com o meu rato” (Zona Industrial)

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Soube agora da sua morte. O meu fôlego tropeça perante a memória de uma jornada decembrina de poucos meses atrás. O entusiasmo com a notícia do seu regresso à Itália, a alegria com a sua entrada no “palco” da conferência de imprensa (ele que era um ator shakespeariano nato), a honra de poder ter uma conversa, ainda que breve, com ele, a desilusão de reconhecer a sua dura frieza eslava, a serenidade, pouco depois, na experiência do pathos da distância – o que Nietzsche ensina, poucos compreendem, e menos ainda a praticam. Emmanuel Carrère tentou compreendê-lo, com resultados literários extraordinários, e conseguiu criar um fenômeno cultural generalizado: ao proletário anárquico e elitista que fundou Limonka – um jornal com o título dadaísta, “granada Limonov” – nunca foi de agrado.


Mas o meu sentimento plural não foi mais do que um déjà vu, lúcido no seu turbilhão, do nosso encontro anterior, na primavera de 2018: a busca do generoso editor Sandro Teti por entrevistar o titã do nacional-bolchevismo, as dificuldades logísticas do empreendimento, a dedicação da seu esplêndido Zona Industrial, o presente, da minha parte, de um pequeno volume coletivo, Studi evoliani 2013, que continha uma resenha minha do livro de Carrère, o espanto de saber que ele o levou consigo no voo para Moscou, finalmente a atmosfera disso, como se Limonov estivesse carregando um misterioso Graal, como se por trás de sua prosa insistente, suja, bukowskiana, ocultasse o olhar escatológico de Nossa Senhora de Kazan – ícone por excelência da Mãe de Deus (Theotókos), coração do Logos russo.

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Por trás do seu cenho, em vez disso, na sua voz carismática, escondia a marca da simplicidade. Pouca transcendência – embora O Triunfo da Metafísica, uma das suas obras-primas, fale abertamente da experiência do sagrado (“vazio mais pleno do que tudo aquilo de que o mundo está cheio, de uma ausência mais presente do que tudo que enche o mundo com a sua própria presença”) -, nenhum hiperurânio, mas sim uma desconcertante ausência de reducionismos, dualismos, parcelamentos de qualquer tipo. Somente o real, na sua nua, orgânica e provocante plenitude. Na dureza do seu impor-se sobre a fragilidade da existência do indivíduo. A escrita de Limonov, sua poética, reivindicava precisamente este poder: ver a beleza no instante, viver intensamente. Ele era um novo D’Annunzio russo: cabeça quente, olhos de gelo, caprichosamente antipático, esporadicamente empático, narcisista como o mundo é. Os seus esquemas geopolíticos, animados por uma intransigente fusão de ideal e pragmatismo maquiavélico, eram cartografias plásticas da sua alma, da sua inquieta narrativa interior. Um estilo completamente diferente do seu igualmente brilhante companheiro de juventude, Aleksandr Dugin. O mesmo se aplica aos seus projetos políticos: visões comunitárias feitas de pura estética, nas quais os “exércitos revolucionários dos derrotados” teriam mostrado o fracasso de tudo o que cheira a capitalismo, liberalismo e racionalismo. Não é coincidência que ele tenha sido descrito como “um sonhador cínico”.

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Muito tem sido escrito sobre sua obra literária, sua biografia e seu compromisso político. E muito terá que ser, com o rigor e a profundidade que fluirão do tempo e da maturidade generacional de seus futuros estudiosos. Eu próprio tentei, juntamente com o meu amigo Nicola Berti, a composição de um denso “dossiê” Limonov, para “L’Intellettuale Dissidente”. Xamã do culturalmente incorreto, nós o definimos no título. Não sei se o resultado foi satisfatório. Parecia assim, enquanto o excedente da vida do autor, o seu frescor intelectual e humano, alimentava a simples exposição. Agora que ele nos deixou – aos 77 anos de idade, uma idade palíndroma, quase um capricho estético -, neste preciso momento as fotos de que ele foi o protagonista falam muito mais francamente. A sua simples presença, para aqueles que o conheceram, para aqueles que ingenuamente talvez o tenham tomado por um mito, evoca um prisma incendiário.

“Eu gosto da loucura”, escreveu ele no Diário de um Perdedor, acrescentando: “Toda a minha vida é um exemplo. Não cultivei a lógica, mas o prazer. As minhas dores dão-me prazer”. Algumas páginas depois, seguia-se um aviso sombrio: “Deixem o meu sangue correr, matem-me, torturem-me até à morte, cortem-me em pedaços! Não pode existir um Limonov idoso! Façam-no nos próximos anos. Eu prefiro que seja abril ou maio!” Com um mês de antecedência, caro Eddie.

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Na verdade, enquanto escrevo estas linhas, não sei nada sobre as razões médicas da morte. Nem me importo. A Eurásia de Limonov – onde quer que ela esteja – hoje está de luto. Desapareceu o cantor do “instinto de superação da solidão cósmica”, aquele acontecimento, fundamental na vida do indivíduo, no qual “unindo-se a outro ser, é como se ele (ou ela) recarregasse as baterias” de sua própria existência. Mas ele ainda vive, com força renovada, em suas obras – extroversão narrativa de uma vida explosiva.