28/04/2020

Kerry Bolton - A Resposta Corporativista

por Kerry Bolton

(2019)



Quando um Estado cai no caos e na falência, seja do tipo econômico ou moral, pode haver uma reação das partes saudáveis remanescentes do povo na direção da regeneração. Oswald Spengler referiu-se em “O Declínio do Ocidente” a esta época como um retorno do "Cesarismo" e a derrubada da plutocracia. Embora seja uma reação, ela é, no entanto, revolucionária, porque o estado de decadência é tão avançado que apenas uma mudança radical, não apenas nas estruturas de governança, mas na psicologia das pessoas, é necessária. É literalmente uma "revolução", na medida em que procura um regresso às origens.

Na época da decadência da Civilização Ocidental - que tem vindo a ocorrer através de transformações como a Reforma, incluindo a de Henrique VIII, a "Revolução Gloriosa", a Revolução Cromwelliana, a Revolução Jacobina, a Revolução Industrial, a Revolução Americana e as revoluções de 1848 - cada passo minou ainda mais a ordem social e abriu caminho, geralmente em nome do "povo", para um aumento da influência dos interesses comerciais, até se alcançar a fase de plutocracia (domínio do dinheiro).


O Papel da Burguesia


A Revolução Francesa de 1789 foi fundamental e o seu impacto só aumentou no mundo inteiro. Dessa revolução surgiu o capitalismo liberal e a esquerda. Eles caminharam de mãos dadas. A Revolução aboliu os vestígios finais das guildas medievais na França sob a Lei Chapelier de 1791. Mesmo quando estes antepassados do "socialismo" promulgavam o livre mercado, os padrões de produção declinaram acentuadamente e começou a crescer uma insatisfação generalizada com essa "liberdade". Tal era a preocupação com esta destruição das guildas (ou corporações) que a Assembleia Nacional em 1795 reiterou que elas não seriam ressuscitadas, e a proibição tornou-se o artigo 355 da Constituição, o que significava que uma emenda constitucional seria necessária para reverter a lei. Na utopia popular da França revolucionária, a era da guilda era lembrada como uma era de felicidade e abundância. Faltando estabilidade, fraternidade (apesar do slogan irônico da Revolução ser: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade") e o propósito maior que as guildas ofereciam, a agitação operária era generalizada. Os supostos representantes do povo expressaram preocupação com a crescente "insubordinação" dos trabalhadores. Houve um debate prolongado sobre a reconstituição das guildas sob Napoleão Bonaparte, mas finalmente os radicais do laissez-faire ganharam.[1]

É historicamente significativo notar (mas não muito compreendido por acadêmicos, jornalistas e outros charlatães) que a destruição das guildas foi iniciada pela esquerda, assim como a economia de livre mercado. Quando a "direita" é hoje descrita como sinônimo de capitalismo e livre comércio, isso é um disparate. Karl Marx considerava o livre comércio como "subversivo" e o protecionismo como "conservador", e por isso apoiava o livre comércio como uma fase necessária da dialética histórica rumo ao comunismo. Marx era particularmente veemente sobre aqueles que ele chamou de "reacionários" que visavam restabelecer as guildas. Marx observou que eles incluíam artesãos, camponeses, aristocratas, sacerdotes e burgueses; uma verdadeira colaboração social e de classe unida contra a plutocracia. Todas essas classes tinham um inimigo comum no industrialismo desenfreado e nos bancos por trás dele, que tinham destruído a economia rural, a economia de aldeia, deslocado os camponeses e artesãos e resultado em cidades superlotadas povoadas por um proletariado alienado, sem laços de Igreja, aldeia e guilda. Nada disso Marx queria que fosse restaurado. Trazê-lo de volta à vida seria equivalente a parar a marcha dialética da história rumo ao comunismo.[2]

Marx escreveu no “Manifesto Comunista” que "a burguesia, historicamente, desempenhou um papel muito revolucionário", pôs fim às "relações idílicas" feudais, "despojou de sua auréola toda ocupação até então honrada". A burguesia não pode existir "sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção".[3] O marxista chama isso de "progresso". Assim como a burguesia, como o instrumento desta ruptura. A diferença entre o liberal clássico e o marxista é que o marxista visa garantir o papel revolucionário burguês para o proletariado como a próxima fase da dialética histórica.

A direita não viu nada de louvável nisso. Não se considera o câncer como uma forma desejável de progresso simplesmente porque muda as células de um organismo. A luta de classes é literalmente um câncer do organismo social. O médico visa restaurar a saúde de um organismo, não celebrar o câncer como desejável por causa das alterações que ele causa. A direito procurou restaurar a saúde do organismo. Elementos da esquerda perceberam que o marxismo e o liberalismo nascem da mesma perspectiva. Para enfrentar a crise da era industrial moderna, eles se uniram no que é genericamente chamado de "fascismo". É por isso que estudiosos como Zeev Sternhell dizem que o fascismo não é "nem de esquerda nem de direita". Foi uma síntese; visava a transcendência.

É oportuno que a resistência ao triunfo do comércio sobre a ordem social tenha começado na França, onde grande parte da podridão do capitalismo moderno teve origem através da Revolução Francesa. Os trabalhadores tentaram reconstituir os laços sociais através dos sindicatos, e o resultado foi uma guerra de classes contra as forças que também tinham sido deslocadas pela revolução. A ironia adicional foi que os trabalhadores se voltaram para a esquerda, que ajudou a inaugurar a era capitalista moderna, tendo adotado as doutrinas liberais inglesas, que agora são assumidas como de "direita".

Crise da Esquerda


Sternhell apresenta um argumento convincente para o "fascismo" ter nascido na França, e entre os francófonos mais distantes (“Nem Esquerda nem Direita: Ideologia Fascista na França”, 1996). Havia esquerdistas que consideravam o marxiano e outras formas de socialismo como inadequadas, e análises históricas baseadas no reducionismo econômico e no materialismo dialético como insuficientes. Eles viam que tal "socialismo" era uma tentativa de apropriar-se do espírito capitalista burguês para o trabalhador, em vez de transcender essa perspectiva.

Henri de Man, líder do Partido Trabalhista Belga, chegou ao ponto de acolher a ocupação alemã como uma resposta ao Zeitgeist burguês do século passado. De Man, apesar de sua virada para o "fascismo", ainda é considerado como um importante teórico do socialismo e crítico do marxismo, sendo seu "neossocialismo" (também conhecido como "planismo") um fator ideológico significativo entre a esquerda francófona que se voltou para o fascismo. O marxismo, afirmou De Man, reduz o homem "ao nível de mero objeto entre os objetos de seu ambiente, e essas ‘relações’ históricas externas são consideradas como determinantes de suas volições e decisões sobre seus objetivos".

Para muitos socialistas que rejeitaram Marx, a Primeira Guerra Mundial foi um evento seminal em suas perspectivas. O fascismo surgiu entre os soldados retornados de todas as nações que queriam continuar a camaradagem da linha de frente em tempo de paz, no que o líder fascista britânico, e antigo notável do Partido Trabalhista, Sir Oswald Mosley apropriadamente chamou de "socialismo das trincheiras". De Man escreveu em “A Psicologia do Socialismo Marxiano” (1928):

“A guerra, na qual participei como voluntário belga, abalou a minha fé marxista até às suas fundações. É a experiência em tempo de guerra que me dá o direito de dizer que meu livro foi escrito com sangue, embora eu não possa ter certeza de ter sido capaz de transformar esse sangue em espírito. O conflito de motivos cujo resultado foi que eu, um ardente antimilitarista e internacionalista, senti o meu dever de pegar em armas contra a Alemanha; a minha desilusão com o colapso da Internacional; a demonstração diária da natureza instintiva dos impulsos de massa, graças à qual até mesmo os membros socialistas da classe trabalhadora tiveram suas mentes envenenadas com o vírus do ódio nacionalista; meu crescente afastamento da maioria dos meus associados marxistas de algum tempo, que foram para o campo bolchevique - graças a todas essas influências conjuntas, eu estava cheio de dúvidas e escrúpulos cujos ecos serão ouvidos neste livro”.[4]

De Man tinha sido um dos ideólogos primários do marxismo. Após a Primeira Guerra Mundial, ele se retirou da política por vários anos para refletir sobre seus pensamentos e vida. Ele concluiu que o que era necessário não era apenas “revisar” ou “adaptar” o marxismo, mas liquidá-lo.[5]

Na França, o líder do Partido Socialista Marcel Déat, o anarcossindicalista George Valois e o ex-prefeito de Paris, Jacques Doriot, estavam entre os líderes do fascismo francês. Sir Oswald Mosley tinha-se demitido como a estrela em ascensão do Partido Trabalhista devido à inação do socialismo ortodoxo e fundou a União Britânica dos Fascistas em 1932, com base nas suas propostas para reviver a Grã-Bretanha que tinham sido rejeitadas pelo governo trabalhista. Mussolini tinha sido um líder do Partido Socialista, e muitos dos seus camaradas no Fascio fundado imediatamente após a guerra tinham vindo da esquerda sindicalista. Eles não abandonaram a esquerda ortodoxa e juntaram-se ao fascismo apenas por uma fixação súbita de querer estabelecer campos de concentração, suprimir sindicatos e instalar uma junta militar, como a representação estereotipada do "fascismo" insiste simplisticamente. Desta situação do pós-guerra para os socialistas, De Man afirmou:

“Não é surpreendente que o socialismo esteja em plena crise espiritual. A guerra mundial levou a tantas transformações sociais e políticas que todos os partidos e todos os movimentos ideológicos tiveram que sofrer modificações em uma direção ou outra, a fim de se adaptarem à nova situação. Tais mudanças não podem ser realizadas sem fricções internas; elas são sempre acompanhadas de dores de crescimento; elas denotam uma crise doutrinal”.[6]

O marxismo permaneceu “enraizado nas teorias filosóficas que foram dominantes durante as décadas intermediárias do século XIX, teorias que podem ser provisoriamente resumidas nas palavras-chave determinismo, mecanicismo causal, historicismo, racionalismo e hedonismo econômico”,[7] escreveu De Man. Então longe de os burgueses estarem cada vez mais proletarizados devido à crise do capitalismo, como Marx tinha previsto no “Manifesto Comunista”, De Man viu que "a classe trabalhadora tende a aceitar os padrões burgueses e a adotar uma cultura burguesa".[8] “Em última análise, a razão pela qual a burguesia é a classe alta hoje, é que todos gostariam de ser burgueses”.[9] Hoje, mais do que nunca, está claro que a dialética histórica não se desdobrou da maneira como Marx previu. O "culto das massas" foi uma invenção dos intelectuais burgueses, incluindo Marx, que estavam longe das massas;[10] uma "recaída na ingenuidade da primitiva adoração democrática primitiva da multidão".[11] As massas ocidentais são completamente burguesas em temperamento e desejos.

Ao comparar a era pré-capitalista das guildas da época medieval com a era capitalista da produção, De Man apontou que:

“A essência da acusação feita pelo marxismo contra o capitalismo é que o método capitalista de produção divorciou os produtores dos meios de produção. Na verdade, o capitalismo fez algo muito mais sério; divorciou o produtor da produção, o trabalhador do trabalho. Dessa forma, ele gerou uma aversão ao trabalho que muitas vezes é aumentada em vez de diminuída por uma melhoria nas circunstâncias materiais da vida, e não pode ser curada por qualquer mera mudança nas relações de propriedade.

Especialmente conspícuo é o contraste entre o trabalhador industrial de hoje e o artesão medieval que era membro de sua guilda artesanal. O artesão da Idade Média poderia ou não ser o proprietário de sua casa, sua oficina, ou seu estande; sua posição poderia ser boa, financeiramente falando, ou o inverso. Mas, pelo menos, ele era mestre de seu próprio trabalho...

O artesão da Idade Média se deleitava em seu trabalho; vivia em seu trabalho; para ele, seu trabalho era um meio de auto-expressão”.[12]

É esse desprendimento do trabalhador de seu trabalho que o fascista procurou corrigir com um retorno às guildas ou corporações; o trabalho tinha sido visto como um chamado espiritual durante a era medieval. Nas constituições corporativistas de muitos Estados, da Itália ao Brasil, o objetivo era reconectar o trabalhador ao seu trabalho com o retorno de um ethos que havia sido eliminado pelo industrialismo e pelas revoluções burguesas. Não era a propriedade que era o problema; era a forma como essa propriedade era utilizada. As constituições corporativistas afirmaram que a propriedade privada tem uma "função social". Mesmo o proprietário do Estado corporativista permanece um guardião do que ele possui, e isso pode ser confiscado pelo Estado se ele não servir ao interesse comum. No entanto, a acusação contra o fascismo é de que foi o "último recurso na defesa do capitalismo". Spengler viu o contrário: é o marxismo que reflete o espírito do dinheiro, que procura apropriar-se do capitalismo ao invés de superá-lo.

De Man lidou diretamente com os trabalhadores, e muitas vezes através de sua própria falta de compreensão, foram ensinadas muitas lições sobre o ethos dos trabalhadores que seriam consideradas como "reacionismo" por aqueles muito imbuídos da visão burguesa, como Marx, para entender. A certa altura, De Man alude ao apego pessoal que o comerciante tinha pelas suas próprias caixas de ferramentas, um ethos que vai além da compreensão da doutrina marxiana.[13] Essa realização é a base do pensamento corporativista. De Man afirmou que as teorias marxistas sobre a solidariedade da classe trabalhadora careciam de um ethos e eram mecanicistas. Eles procuravam construir algo meramente na base de modos de produção. Este é o "homem econômico", o "hedonista" e "egoísta".[14] O desejo de solidariedade nasceu não dessa visão burguesa, mas do instinto que existiu durante a era medieval; uma de ethos cristão; de "fraternidade artesanal" defendida pelas corporações.[15] O socialismo, disse De Man, deveria ter como objetivo reavivar um ethos social que fosse instintivo, não mecanicista.[16] De Man aludia a dois postulados que servem como base ética para um "novo socialismo", que foi também o fundamento do ethos corporativista: "1. Os valores vitais são mais elevados que os valores materiais; e dos valores vitais, os valores espirituais são os mais elevados. … 2. Os motivos do sentimento comunitário são mais elevados do que os motivos do poder pessoal e da aquisição pessoal".[17]

Um fator adicional na falácia do marxismo foi que, especialmente desde a Primeira Guerra Mundial, o proletariado se tornou mais nacional e menos internacional.[18] As máquinas e os modos de produção[19] podem, de fato, ser internacionais e o que hoje é chamado de globalização mostra que o capital está se internacionalizando, como Marx previu. Mas as pessoas são mais do que os seus modos de produção, embora o socialismo ortodoxo pense o contrário. De Man via o movimento socialista como intrinsecamente nacional e o proletariado como mais do que um glóbulo de massa a ser moldado para fins de produção, seja pelo liberalismo ou pelo marxismo:

“A revolução francesa, que foi a luta suprema no continente europeu para a realização das exigências políticas da burguesia, foi (assim pensavam os revolucionários) culminar numa elevação universal dos povos contra os déspotas, e fazer da Declaração dos Direitos do Homem a constituição de toda a raça humana. A Deusa da Razão, em cuja honra a revolução estabeleceu seus altares, se tornaria a divindade de toda a humanidade.[20]

O sentimento nacional é parte integrante do conteúdo emocional do socialismo de cada país. Ele cresce na proporção em que a sorte das massas trabalhadoras de qualquer país está mais estreitamente ligada à sorte do próprio país; também na proporção em que as massas ganharam para si mesmas um lugar maior na comunidade da civilização nacional. No fundo, esta absorção parcial do sentimento socialista pelo sentimento nacional não precisa nos surpreender. Temos apenas de reconhecer que se trata do regresso de um sentimento à sua fonte. O próprio socialismo é o produto da interação entre um determinado sentimento moral e um determinado ambiente social. Não é apenas o ambiente social que tem um carácter nacional. O outro fator, do mesmo modo, o sentimento moral, tem primariamente, em diferentes povos, um tom peculiar, derivado de um passado nacional peculiar”.[21]

Ascensão do Sindicalismo e do Corporativismo na Direita


Estes foram os sentimentos não só de De Man, mas também dos sindicalistas na França e na Itália. Eles queriam transcender o capitalismo e não, como Marx, se apropriar dele. O sindicalista italiano Alfredo Rocco declarou em 1914 que "as Corporações [guildas], que foram derrubadas pelo individualismo da filosofia dos direitos naturais e do igualitarismo da Revolução Francesa, podem muito bem viver novamente nos ideais sociais do nacionalismo italiano. ... Nas corporações não temos uma igualdade absurda, mas disciplina e diferenças. Nas corporações todos participam da produção, sendo associados em uma genuína e frutífera fraternidade de classes".[22] Rocco tornou-se porta-voz econômico da Associação Nacionalista Italiana, que adotou uma política sindicalista. A Associação Nacionalista fundiu-se com o partido fascista em 1923. Rocco serviu como Ministro das Finanças no Gabinete de Mussolini de 1925 a 1932, e redigiu legislação fascista importante, particularmente sobre o Estado Corporativo. Em 1934, a Rocco apresentou à Câmara dos Deputados o projeto de lei relativo à "formação e funções das corporações", afirmando que o "organismo-chave" da economia fascista "é a corporação em que estão representadas as várias categorias de produtores, empregadores e trabalhadores e que é certamente a mais adequada para regular a produção, não no interesse de um único produtor... mas, sobretudo, no interesse nacional".

A Associação Nacionalista Italiana, fundada em 1910, uma década antes do partido fascista, adoptou a doutrina sindicalista em 1919, se não antes, no mesmo ano em que foi fundado o movimento Fascio. Na luta entre capital e trabalho, Enrico Corradini, líder dos nacionalistas, afirmou que "o nacionalismo é, por definição, uma força unificadora". Corradini afirmou que a organização sindical poderia unificar todas as forças produtivas. Ele considerava que as organizações sindicais haviam transcendido os partidos políticos. Portanto, os Sindicatos - Corporações - deveriam se tornar os órgãos representativos no parlamento ao invés de partidos.[23]

Na França, a convergência da direita monarquista com a esquerda sindicalista dentro da Action Française estabeleceu as fundações do fascismo pré-italiano. O principal porta-voz do Sindicalismo na Action Française, foi Georges Valois, um ex-anarcossindicalista. Valois fundou Le Faiscseau em 1925. Ele foi o primeiro na França a usar a palavra fascista para designar uma organização. A Action Française, fundada em 1898, vinte anos antes do fascismo italiano, chamou sua doutrina de "Nacionalismo Integral". Já em 1914, Valois disse que "o movimento sindicalista substitui as massas de indivíduos que o Estado Republicano deseja ter sob ele com os agrupamentos profissionais pelos quais a monarquia tradicional francesa foi apoiada".[24] Henri de Man chegou à mesma conclusão em relação à monarquia; um monarca transcendia facções classistas e partidárias.

Doutrina Social Católica


A doutrina social católica foi a outra corrente primária que contribuiu para a nova síntese. Esta foi particularmente formulada para os tempos modernos pelas encíclicas papais de Leão XIII e Pio XI. Significativamente, estes Papas abordaram as mesmas preocupações sobre materialismo, egoísmo, liberalismo e industrialismo que diziam respeito à direita e aos elementos heréticos da esquerda. Eles viram esses fatores como criando conflitos de classe e entregando as classes trabalhadoras nas mãos do marxismo ateu. A encíclica de Leão, Rerum Novarum, foi sucintamente subentitulada "Direitos e Deveres do Capital e do Trabalho", tornando claras as intenções corporativistas. Leão falou de uma era de grande riqueza e grande pobreza, de ciência e tecnologia em meio à degeneração moral e tumulto social. Leão delineou uma "constituição cristã do Estado". Tal como os corporativistas e sindicalistas, referiu-se à abolição das corporações durante o século passado, sem que outras organizações de proteção as substituíssem. Assim, gradualmente, aconteceu que os trabalhadores se renderam, isolados e impotentes, à dureza de coração dos patrões e à ganância da concorrência desenfreada. A situação foi agravada pela "usura voraz",[25] a que a Igreja tradicionalmente se opunha, mas que era agora o principal fator do capitalismo através da indústria bancária e, se poderia acrescentar, com a ajuda da Reforma. O capital e o poder sobre as massas trabalhadoras estavam cada vez mais concentrados em menos mãos. A resposta socialista é eliminar a propriedade privada. Entretanto, o motivo do trabalho era adquirir propriedade. Além disso, a proposta socialista de reduzir a sociedade a "um nível morto" de igualdade nega as diferenças inerentes entre os homens que são vantajosas para todos. Leão descreve o "Estado orgânico" usando a analogia do corpo humano:

“O grande erro cometido em relação ao assunto agora em consideração é retomar a noção de que classe é naturalmente hostil a classe, e que os ricos e os trabalhadores estão destinados, por natureza, a viver em conflito mútuo. Tão irracional e tão falsa é esta visão que o contrário direto é a verdade. Assim como a simetria do quadro humano é o resultado do arranjo adequado das diferentes partes do corpo, também em um Estado é ordenado por natureza que estas duas classes devem habitar em harmonia e concordância, de modo a manter o equilíbrio da política corporal. Um precisa do outro: o capital não pode prescindir do trabalho, nem o trabalho sem o capital. O acordo mútuo resulta na beleza da boa ordem, enquanto o conflito perpétuo produz necessariamente confusão e barbárie selvagem”.[26]

O empregador e o trabalhador são aconselhados a respeitarem-se mutuamente de forma honrosa e justa para benefício mútuo. Sobre o dever do Estado, Leão novamente faz alusão ao caráter orgânico da sociedade, sendo o Estado o meio pelo qual os componentes do organismo social são mantidos em saudável equilíbrio:

“Há uma outra consideração mais profunda que não deve ser perdida de vista. Quanto ao Estado, os interesses de todos, sejam eles altos ou baixos, são iguais. Os membros das classes trabalhadoras são cidadãos por natureza e pelo mesmo direito que os ricos; são partes reais, vivendo a vida que compõe, através da família, o corpo da Comunidade Nacional; e não é preciso dizer que eles estão em todas as cidades, em grande maioria”.[27]

Contudo, o Estado deveria permanecer tão discreto quanto possível nos assuntos do lar e da família de um homem. Em preferência à intrusão do Estado, Leão defende um renascimento da ordem tradicional quando as vocações se organizam para autoajuda em guildas, corporações ou sindicatos, como são chamados de várias maneiras:

“Em último lugar, os empregadores e os trabalhadores podem, por si mesmos, influenciar muito, na matéria que estamos a tratar, através de associações e organizações que oferecem ajuda oportuna aos que se encontram em dificuldades, e que aproximam as duas classes mais estreitamente.[28]

As mais importantes de todas são os sindicatos de trabalhadores, pois estes incluem praticamente todos os outros. A história atesta os excelentes resultados alcançados pelas corporações de artesãos de outrora. Eles foram o meio de proporcionar não só muitas vantagens para os trabalhadores, mas em um grau não negligenciável de promover o avanço da arte, como numerosos monumentos permanecem para dar testemunho. Tais sindicatos deveriam ser adequadas às exigências desta nossa era - uma era de educação mais ampla, de hábitos diferentes, e de exigências muito mais numerosas na vida diária. É gratificante saber que não existem, de fato, poucas associações dessa natureza, consistindo de trabalhadores sozinhos ou de trabalhadores e empregadores juntos, mas era muito desejável que elas se tornassem mais numerosas e mais eficientes”.[29]

Em 1931, Pio XI aumpliou a Rerum Novarum de Leão com a Quadragesimo Anno, reiterando que, contrariamente ao liberalismo, o Estado tem a responsabilidade de assegurar o funcionamento harmonioso das partes constituintes do organismo social. Pio esclareceu o significado social da propriedade: "Resulta daquilo a que temos chamado o carácter individual e, ao mesmo tempo, social da propriedade, que os homens devem considerar nesta matéria não só a sua própria vantagem, mas também o bem comum".

É da responsabilidade do Estado definir os deveres sociais, ao mesmo tempo que defende o direito de herança.[30] Ao criticar as leis econômicas dos chamados "liberais de Manchester", Pio escreveu: "A propriedade, isto é, ‘o capital’, há muito que é, sem dúvida, capaz de se apropriar demasiado para si próprio. O que quer que tenha sido produzido, o que quer que tenha sido obtido, o capital reivindicou para si próprio, dificilmente deixando para o trabalhador o suficiente para restaurar e renovar as suas forças".[31] Na tentativa de retificar isto, os trabalhadores voltaram-se para o socialismo. A resposta da Igreja não é abolir a propriedade privada, mas assegurar a sua distribuição mais ampla: "Portanto, a riqueza que os desenvolvimentos econômico-sociais aumentam constantemente deve ser tão distribuída entre pessoas e classes individuais que a vantagem comum de todos, que Leão XIII havia elogiado, será salvaguardada; em outras palavras, que o bem comum de toda a sociedade será mantido inviolado".[32] A coparticipação deveria tornar-se a prática das empresas: "Os trabalhadores e outros empregados tornam-se, assim, participantes na propriedade ou na gestão ou participam de alguma forma nos lucros recebidos".[33] Pio reiterou o caráter orgânico - empresarial - da sociedade:

“É óbvio que, como no caso da propriedade, assim como no caso do trabalho, especialmente o trabalho contratado a terceiros, há um aspecto social que também deve ser considerado para além do aspecto pessoal ou individual. Com efeito, o esforço produtivo do homem não pode dar os seus frutos se não existir um verdadeiro corpo social e orgânico, se não existir uma ordem social e jurídica que zele pelo exercício do trabalho, se as diversas ocupações, sendo interdependentes, cooperarem e completarem-se mutuamente, e, o que é ainda mais importante, se a mente, as coisas materiais, o trabalho se combinarem e se formarem como se fossem um todo”.[34]

Estas encíclicas de Leão e Pio foram um fator significativo no desenvolvimento dos Estados corporativistas em todo o mundo, particularmente no Brasil (Vargas), Portugal (Salazar), Espanha (Franco), França (Petain) e Áustria (Dollfuss). A doutrina social da Igreja forneceu um nexo em torno do qual a esquerda sindicalista e a direita tradicionalista podiam se unir. Para os monarquistas católicos da Ação Francesa, por exemplo, as doutrinas sindicalistas de Georges Valois et al, foram aceitas como o meio de restabelecer a ordem social tradicional que tinha sido terminada pela Revolução de 1789. A aversão pela revolução burguesa é algo que compartilhado por sindicalistas, monarquistas e católicos.

Conclusões


Enquanto o fascismo como síntese nacional e social teve seu tempo e lugar, sua reação ao legado do liberalismo e seu derivado marxista através de um retorno à comunidade orgânica, através do que foi chamado de "corporativismo" em todo o mundo, permanece intrínseca à Direita. O Estado orgânico não é algo confinado em tempo e lugar; é o método perene de organização social. O fascismo foi sua manifestação durante o final do século XIX e início do século XX, respondendo à crise de deslocamento social gerada pelo liberalismo e pelo marxismo; verdadeiros cancros sociais. O Estado corporativo revive o organismo social ao retornar ao modo tradicional de relações sociais. O corporativismo restabelece a Direita como inerentemente anticapitalista, enquanto destaca a conexão que existe entre o liberalismo e o marxismo.

Notas

[1] See: Michael P. Fitzsimmons, ‘The Debate on Guilds under Napoleon’, The Proceedings of the Western Society for French History, Vol. 36, 2008.

[2] Karl Marx, The Communist Manifesto (1848), ‘Bourgeois and Proletarians’.

[3] Marx, ibid.

[4] Henri de Man, The Psychology of Marxian Socialism ([1928] New Brunswick, New Jersey: Transaction Books, 1988), 12.

[5] Henri de Man, ibid., 14.

[6] Henri de Man, ibid., 19.

[7] Henri de Man, ibid., 23.

[8] Henri de Man, ibid., 25.

[9] Henri de Man, ibid., 103.

[10] Henri de Man, ibid., 35.

[11] Henri de Man, ibid., 36.

[12] De Man, ibid., 65-67.

[13] De Man, ibid., 75.

[14] De Man, ibid., 127.

[15] De Man, ibid.

[16] De Man, ibid., 131.

[17] De Man, ibid., 189.

[18] De Man, ibid., 303.

[19] De Man, ibid., 313.

[20] De Man, ibid., 321.

[21] De Man, ibid., 325-326.

[22] Alfredo Rocco, Idea Nationale, 23 May 1914, quoted by H. W. Schneider, Making the Fascist State (Oxford University Press, 1928), 150.

[23] Enrico Corradini, ‘Nationalism and the Syndicates’, speech at Nationalist Convention, Rome, 16 March 1919.

[24] Georges Valois, La Monarchie et la Classe ouvrière (Nouvelle Librairie Nationale, 1914), 4; quoted by Zeev Sternhell, Neither Left Nor Right: Fascist Ideology in France (Princeton University Press, 1986), 62.

[25] Leo XIII, Rerum Novarum, 1891, http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerumnovarum.html

[26] Leo, ibid., para. 19.

[27] Leo, ibid., para. 33.

[28] Leo, ibid., para. 38.

[29] Leo, ibid., para. 49.

[30] Pius, Quadragesimo Anno, para. 49, https://w2.vatican.va/content/pius-i/en/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html

[31] Pius, ibid., para. 54.

[32] Pius, ibid., para. 57.

[33] Pius, ibid., para. 65.

[34] Pius, ibid., para. 69.