29/11/2019

José Alsina Calvés - Notas sobre a Geopolítica

por José Alsina Calvés

(2019)



Neste artigo introdutório à geopolítica, queremos discutir algumas questões relacionadas a esta disciplina.

Em primeiro lugar combater os erros e mentiras que certa propaganda de guerra se espalhou em algum momento sobre essa ciência. A geopolítica não faz parte da doutrina "nazista". Primeiro, porque suas origens são muito anteriores. Segundo, porque um de seus criadores, Halford Mackinder, era um inglês muito comprometido com a política externa do Império Britânico, a ponto de ser um dos ideólogos do Tratado de Versalhes. Terceiro, porque outro de seus criadores, o alemão Karl Haushofer (contrariamente ao que divulgou a imprensa britânica à época) não era o cérebro de Hitler, ao contrário, foi perseguido pelos nazistas, internado em Dachau e seu filho mais velho assassinado.

Mas em quarto lugar, e acima de tudo, porque a essência da doutrina nazista não era a geopolítica, mas a raciologia. As grandes decisões estratégicas que Hitler e seus colaboradores tomaram basearam-se em sua teoria da "raça ariana", segundo a qual a expansão da Alemanha seria realizada às custas dos povos eslavos, supostamente "raças inferiores", e devia-se buscar uma aliança com ingleses e franceses, que também eram da "raça ariana". Haushofer, com base em princípios geopolíticos, defendeu a aliança Alemanha-Rússia, seguindo a ideia de Mackinder de unir a Europa com o "Coração da Terra"; ele também defendeu o apoio alemão a povos subjugados pelo Império Britânico para que se rebelassem contra ele. Nenhuma dessas propostas agradou a Hitler, que desprezava os eslavos e que havia escrito no “Mein Kampf” que o Império Britânico e a Igreja Católica eram os principais bastiões da civilização ocidental. O verdadeiro ideólogo do nazismo não era Haushofer, mas Rosenberg, autor de “O Mito do Século XX”.

Outra questão interessante é o status epistemológico e gnoseológico da geopolítica: É uma ciência? É uma tecnologia? É um campo interdisciplinar? Quais são suas relações com outras disciplinas? À luz das possíveis respostas a essas perguntas, descreveremos uma pequena história da geopolítica. Por fim, analisaremos o possível papel da geopolítica na elaboração de um novo discurso na Teoria das Relações Internacionais e nos fundamentos teóricos de um mundo multipolar, como defendeu Aleksandr Dugin.

25/11/2019

Facundo Martín Quiroga - Transumanismo, Políticas de Gênero e Feminismo Ocidental

por Facundo Martín Quiroga

(2019)



O feminismo e as teorias de gênero, promovidas a partir do centro do poder acadêmico anglo-saxão, são elementos fundamentais da produção de uma ordem cuja apoteose é o transumanismo. Nesse mecanismo complexo, o progressismo esquerdista desempenha um papel fundamental. Os intelectuais progressistas estão determinados a convencer o resto da sociedade, neófita ou simplesmente indiferente, de que seus postulados têm um componente revolucionário e disruptivo. Hoje, mais do que nunca, as classes médias intelectuais de esquerda estão envolvidas em um papel central entre essas duas teorias e o transumanismo, incipiente nesta região, mas com grande aquiescência e desenvolvimento no norte global.

Construa um ser humano não mais superficial, mas diretamente supérfluo.

Trata-se disso.

20/11/2019

Aleksandr Dugin - Abstração e Diferenciação em Julius Evola

por Aleksandr Dugin

(2019)



A Inspiração do Último Evola

O primeiro opúsculo do Barão Julius Evola é chamado “Arte Abstrata” (1920)[1]. É uma obra juvenil, onde todavia é fácil entrever as principais linhas diretrizes deste autor, desta personalidade, deste mito. Conhecendo concorrentemente Julius Evola, a sua herança e o seu incrível destino, buscaremos inserir este pequeno opúsculo na monumental totalidade do seu pensamento.

Em um dos raros vídeos no qual aparece, Evola, já ancião, fala das suas simpatias dadaístas[2]. É impressionante ver como é vivaz, como brilham os seus olhos, como ele se inspira ao recordar o seu passado dadaísta, nos mínimos detalhes... Obviamente, ele amava tudo isso loucamente – e, de fato, ele se recorda disso com grande prazer. Seria divertido, em paralelo, ver o velho Guénon falar da sua poesia juvenil, dedicada às iniciações dos ciganos ou a uma certa reabilitação do diabo... Teriam seus olhos brilhado também? Não creio. Mas isto é algo que nunca saberemos...

Vamos, portanto, à “Arte Abstrata”. Por que abstrata? O que quer dizer Evola, o grande Evola, na sua totalidade, com a palavra “abstrata”?

15/11/2019

Sergio Fernández Riquelme – Três Acres e uma Vaca: O Distributismo ou A Opção Moral Radical da Economia Contemporânea

por Sergio Fernández Riquelme

(2012)



1 – Atrás das pistas do projeto distributista: da questão operária ao desenvolvimento humano

A economia, tal como a havia fundamental a Escola de Salamanca, havia deixado de ser uma ciência social a serviço do verdadeiro desenvolvimento humano. A industrialização, e seus “milagres técnicos”, a haviam convertido em uma idolatria capaz de substituir a vinculação tradicional do homem com seu entorno, material e espiritualmente, em benefício da planificação eficiente de um Mercado dominado pela plutocracia (sob o mito do “laissez-faire”) e da planificação burocrática de um Estado nas mãos de facções partidárias. Como ele captou com os reformistas agrários britânicos do final do século XIX, e em certa medida popularizou G.K. Chesterton (1874-1976), “three acres and a cow” eram suficientes para tornar o homem independente do salário fabril e do impulso estatal, e ligado à herança de seus antepassados e à terra natal (Chesterton, 2006).

Este foi o diagnóstico comum a uma geração de pensadores anglossaxões que, no início do século XX, fundaram uma doutrina econômica de claras conotações político-sociais, como foi o distributismo. Uma geração liderada por Hilaire Belloc (1870-1953) e o próprio G.K. Chesterton, marcadamente heterodoxa ao questionar os dogmas liberal-capitalistas na pátria pioneira da Revolução Industrial e do colonialismo moderno (através de seu apoio ao socialismo de guilda), e ao assumirem, mediante sua conversão, os postulados da nascente Doutrina Social Católica em um país oficialmente anglicano (Fernández Riquelme, 2009).

10/11/2019

Flaminia Incecchi – A Estética da Guerra no Pensamento de Giovanni Gentile e Carl Schmitt

por Flaminia Incecchi

(2018)



Introdução[1]

Esta nota de pesquisa é um rascunho preliminar de minha pesquisa doutoral. O objetivo do projeto é estabelecer um diálogo entre Giovanni Gentile (1875-1944) e Carl Schmitt (1888-1985). O diálogo que eu quero apresentar, se apoia em várias comunalidades entre os dois pensadores, tanto biográficas como intelectuais. Tanto Schmitt como Gentile estiveram envolvidos com os regimes nazista e fascista, Schmitt como jurista e Gentile como reformador e Ministro da Educação. Intelectualmente, eles partilham de vários traços: afiliações teóricas e interesses, bem como críticas a abordagens e tradições similares. Os dois pensadores enfatizam a concretude, bem como um interesse na história conceitual. Ainda que por motivos diferentes, Schmitt e Gentile foram extremamente críticos do positivismo, do liberalismo, do mecanicismo, de quaisquer teorias que adotem uma abordagem intelectualista (transcendental) da política e do direito (Schmitt), e da filosofia (Gentile). O diálogo leva a uma comparação de suas interpretações da guerra, que eu analiso através de uma moldura oferecida pela estética. No que segue, eu forneço uma breve apresentação de Gentile, seguida por um rascunho de minha leitura das interpretações da guerra feitas por Schmitt e Gentile, e para onde eu estou apontando no seu uso da estética.

06/11/2019

Felipe Nogueira – A Geopolítica da Distopia: O Totalitarismo de Orwell do ponto de vista da Teoria do Mundo Multipolar

por Felipe Nogueira

(2018)



1. RESUMO

O presente trabalho é uma leitura do romance 1984 de George Orwell do ponto de vista da Teoria do Mundo Multipolar (TMM) desenvolvida pelo filósofo político russo Aleksandr Dugin. Buscamos compreender a formação e a configuração geopolítica dos superestados da distopia orwelliana à luz dos pontos chaves da TMM. Comparamos o modelo de mundo multipolar proposto por Dugin com a multipolaridade da distopia orwelliana, evidenciando suas similaridades e divergências. Concluímos que a multipolaridade orwelliana não é uma multipolaridade no sentido da TMM, que propõe ao mundo multipolar a formação de blocos geopolíticos assentados sobre valores civilizacionais comuns a grandes espaços geográficos. Em vez disso, os superestados orwellianos se baseiam sobre ideologias totalitárias que possuem origem nos valores modernos universalizantes do Ocidente, criticados por Dugin como a origem dos totalitarismos e imperialismo ocidentais. Tais valores, argumentamos, poderiam levar a uma distopia futura similar à apresentada em 1984.

02/11/2019

Adriano Erriguel - A Desconstrução da Esquerda Pós-Moderna

por Adriano Erriguel

(2018)



Toda luta pela hegemonia política começa por uma definição do inimigo. Mas sendo a política o âmbito, por excelência, do antagonismo, é claro que essas definições nunca podem ser neutras. Não estamos aqui no campo da probidade intelectual, nem no das pautas verificáveis de objetividade e precisão. Toda luta política aspira mobilizar um capital emocional, se apoia em recursos retóricos, tenta arrastar o antagonista para um terreno de jogo arranjado. Nesse contexto, aquele que determina os códigos linguísticos venceu a partida. Não em vão, a hegemonia consiste precisamente nisso: em um jogo. Ou mais exatamente, em jogos de linguagem.

O pensamento hegemônico de nossos dias – tudo isso que o politólogo norte-americano John Fonte batizava há anos como progressismo transnacional – impôs de forma esmagadora sua definição do inimigo. Todo aquele que se enfrente a sua visão messiânica do futuro – um mundo pós-nacional de cidadania global, no qual uma governança mundial deslocará as soberanias nacionais – se verá imediatamente apelidado de reacionário, de ultraconservador ou de populista, quando não de algo pior. [1]

Cabem poucas dúvidas: no debate público atual quase todas as cartas estão marcadas. Ainda que a linguagem nunca seja neutra, hoje ela está mais enviesada do que nunca. Poucos diagnósticos mais errôneos – entre os formulados no século XX – do que aquele que profetizava o “fim das ideologias”. Hoje a ideologia está por todas as partes. A prova é que assistimos à imposição de uma linguagem extremamente ideologizada, ainda que de forma sub-reptícia e com o nobre aval de poderes e instituições.

Uma linguagem ideologizada? Ainda que por sua onipresença pareça invisível, essa linguagem existe e é o instrumento de uma sociedade de controle. O controle começa sempre pelo uso das palavras.

Que tipo de palavras? Como se organizam?