30/09/2017

Luca Siniscalco - Pensamentos para um Novo Humanismo: A Metanoia Antropológica (Comunitarista) de Mircea Eliade

por Luca Siniscalco



Minha intervenção se desenvolve a partir de dois pressupostos teóricos essenciais, que vale a pena assinalar de imediato para evitar equívocos ou sobreposição de planos de análise heterogêneos.

Em primeiro lugar, é fundamental, enquanto elemento crítico constitutivo, assumir que não pode haver uma filosofia política sem uma prévia e coerente antropologia (seja esta descritiva ou normativa). Sem dispôr de uma ideia precisa do homem, entendido como sujeito operante em uma rede de relações interpessoais com outros atores - assunção inevitável para escapar de qualquer perspectiva niilisticamente solipsista - não pode haver uma especulação razoável sobre modelos teóricos através dos quais examinar e organizar dita ação. Estudar o homem, e fazê-lo, empregando o vocabulário husserliano, considerando não só a quantidade, mas acima de tudo sua qualidade, e portanto a via régia com o fim de elaborar uma perspectiva comunitária advertida, que não se limita a brincadeira ingênua e sentimental.

Em segundo lugar, é importante em minha opinião estender a reflexão comunitarista a autores normalmente descuidados pelos principais teóricos dessa corrente filosófica; não por cometer estéreis parricídios ou realizar forçações ideológicas, aplicando facciosamente esquemas teóricos a autores estranhos a esta corrente com o simples objetivo de exibi-los como estampas de uma nova religião secular, mas para aceitar o desafio proposto por Aleksandr Dugin quando, em seu ensaio fundador A Quarta Teoria Política [1], convida o leitor a considerar o próprio modelo não sic et simpliciter a hipóstase de uma doutrina completa, mas uma "obra aberta" com o fim de estimular, especialmente nas pars construens, as melhores mentes da cultura antimodernista, o esforço de identificar uma postura capaz de alcançar aquela superação da linha do niilismo com a qual se enfrentaram Jünger e Heidegger na famosa Sobre a Linha [2].




É precisamente sobre a base desses dois pressupostos que tenho ai ntenção de apresentar um exame sintético sobre o "novo humanismo" teorizado pelo historiador das religiões Mircea Eliade, para mostrar como tal perspectiva pode ganhar legitimamente um lugar no debate comunitarista e sugerir núcleos conceituais particularmente eficazes na resolução de algumas problemáticas antigas, em primeiro lugar, a relação entre os pólos do universal e do particular, vínculo sempre filosoficamente polêmico - no sentido etimológico, e especificamente heraclítico, do grego polemos, "guerra".

O "novo humanismo" não é certamente um dos temas principais da obra de Eliade, que centrou sua investigação no estudo principal das religiões segundo a metodologia discutida em diferentes lugares de sua própria obra - em primeiro lugar, no Tratado de História das Religiões [3]. Não obstante, se trata de uma das expressões mais fecundas para dar forma àquela inspiração teórica que anima toda a investigação eliadiana e que às vezes emerge em algumas passagens, em ocasiões icônicas e figurativas, outras vezes dialéticas, através da qual se manifesta em toda sua dinâmica energeia aquele eros filosófico e, assim, espiritual, que anima a investigação histórico-religiosa do autor e que contribui para construir a hermenêutica [4].

A imagem do "novo humanismo" é amplamente debatida por Eliade em seu ensaio Pensamentos para um Novo Humanismo [5]. O ensaio de Eliade oferece uma exegese fenomenológica do mundo globalizado moderno, identificando alguns dos processos que estão impulsionando a transformação da cultura mundial. Os fenômenos fundamentais encontrados são dois: em primeiro termo, o confronto do Ocidente com o universo dos povos extraeuropeus, em particular os asiáticos, que começam a reclamar um papel político de peso em escala global, fazendo sua primeira entrada na temporalidade histórica; em segundo lugar, o desenvolvimento da "psicologia profunda", que abriu à razão ocidental os horizontes infinitos do inconsciente, com seus abismos perturbadores e suas revelações iniciáticas. Ambos os fenômenos puseram o homem ocidental no confronto com a alteridade radical. Eliade afirma que "o encontro com o 'totalmente diferente' [...] traz consigo a experiência de uma estrutura religiosa" [6]: trata-se da mesma estrutura, ainda que em uma escala ontológica diferente, que se manifesta no encontro com a alteridade do sagrado. Dos encontros, assim como dos enfrentamentos, de tipo espiritual surge sempre uma nova criação. Nessa situação histórica, assinala Eliade, pode-se, então, hipotetizar o advento de um novo humanismo, baseado na investigação dos orientalistas, etnólogos, psicólogos e historiadores das religiões comprometidos com o logro de um conhecimento total e orgânico do homem. Seu interesse pela dimensão mítico-simbólica, deixada de lado pelas ciências "duras" e pelas tendências culturais ocidentais, em sua maioria inspiradas pelo progressismo e pelas distintas formas de cientificismo e positivismo, permite identificar novas ideias para uma fundação cultural renovada. É nessa inspiração cultural, espiritual e ecumênica, que se reúne uma superação ulterior, por parte de Eliade, do campo específico da história das religiões. O estudioso reconhece em efeito que as estruturas e os descobrimentos de sua própria disciplina, se integram em uma Weltanschauung mais ampla, podendo oferecer sugestões não de conceitos ou puramente acadêmicas, mas filosóficas e existenciais. Para aproveitar este potencial é oportuno considerar inclusive o processo pelo qual nos aproximamos aos fatos estudados: "A atitude apropriada para compreender o significado de uma situação humana prototípica não é a 'objetividade' do naturalista, mas a simpatia inteligente do exegeta, do intérprete. [...] Aproximar-se a um símbolo, um ritual ou um comportamento arcaico como expressões de situações existenciais, significa já reconhecer neles uma dignidade humana e um significado filosófico" [7]. O conhecimento do outro, seja uma alteridade enraizada nos espaços distantes do mundo ou nos da psique, acrescenta Eliade, pode ajudar o homem ocidental a se conhecer melhor e, inclusive, a desenvolver com vigor renovado a própria busca teórica milenar. Eliade tem bem claro este último ponto, que a filosofia contemporânea não nos deixa de confirmar, demonstrando a previsão do erudito romano. Ele o explica claramente indicando:

"A vontade de compreender adequadamente os 'outros' dará lugar a um enriquecimento da consciência ocidental. O encontro poderia, inclusive, conduzir a uma renovação da problemática filosófica, da mesma maneira que o descobrimento das artes exóticas e primitivas abriu há meio século, novas perspectivas na arte europeia. Nos parece, por exemplo, que um estudo profundo da natureza e da função dos símbolos poderia estimular o pensamento filosófico ocidental e ampliar seu horizonte. É surpreendente que os historiadores das religiões tenham sido levados a ressaltar as audaciosas concepções dos 'primitivos' e dos orientais sobre a estrutura da existência humana, sobre a queda na temporalidade, sobre a necessidade de conhecer a 'morte' antes de poder acessar o mundo do espírito, reconhecendo ideias muito próximas às que hoje estão no centro mesmo da busca filosófica ocidental". [8]

A necessidade de encontro com a alteridade pressiona. Ela insta tanto porque o homem ocidental necessita um repensar e uma nova compreensão de uma parte importante de sua própria herança - aqui a referência está bastante clara: trata-se da dimensão mítico-simbólica suprimida da modernidade - enquanto que "mais cedo ou mais tarde o diálogo com os 'outros', quer dizer, com os representantes das culturas tradicionais asiáticas e primitivas, deverá ser mantido não já na linguagem empírica e utilitária de hoje [...], mas em uma linguagem cultural capaz de expressar as realidades humanas e os valores espirituais" [9]. Trata-se de uma linguagem metafórica e não coisificadora, de tipo mítico-simbólico. O mito, como representação plástica do sagrado, volta a brilhar dentro da prosa eliadiana em sua principal função mediadora: não só entre o imanente e o transcendente, sobre um plano ontológico, mas também entre diferentes culturais, no plano antropológico, que é um singular, mas fascinante reflexo do metafísico.

Sem entrar em mais considerações metodológicas utilizadas por Eliade neste artigo - mas também em um ensaio relacionado, Um Novo Humanismo [10] - destinado a conjugar o "novo humanismo", a hermenêutica e a história das religiões, é oportuno considerar as repercussões teóricas que tais considerações podem ter em um debate comunitarista. O resumo em cinco pontos fundamentais:

* O confronto com a alteridade não é um fenômeno acessório e contingente, mas um dado elementar da natureza humana, que demanda um "outro de si" para reconhecer a própria autoconsciência. Uma perspectiva comunitarista capta e interpreta este processo de um modo mais eficaz que a orientação individualista própria do modelo liberal capitalista.

* O universalismo pode ser compreendido, mais além de qualquer deriva niveladora, igualitária e sincretista, à luz das constantes da natureza humana, que Eliade reconhece como pertencentes à esfera do sagrado, já que, de acordo com qualquer metafísica tradicional, unicamente o sagrado (das Heilige) é propriamente real (das Seiende), ao menos no sentido ontológico forte. Uma perspectiva esta que, ainda que em diferentes facetas, é geralmente compartilhada pela escola da philosophia perennis e pelo pensamento Tradicional [11].

* O humanismo não é o humanismo. Sim, de fato, o conceito de "humanismo" implica principalmente no debate cultural novecentista um antropocentrismo inspirado em princípios racionalistas e imanentistas, a noção de "humanismo", em sua exemplariedade histórica valorizada pela ótica histórico-religiosa adotada por Eliade, representa um panorama dentro do qual a centralidade humana está intimamente ligada, pelo menos segundo a interpretação proporcionada pelo intelectual romeno, à transcendência e ao misticismo, de acordo com um ideal orgânico e holístico do portato cósmico. O humanismo eliadiano é, então, "anti-humanista", de acordo com as categorias descritas por Martin Heidegger em sua famosa Carta sobre o Humanismo [12], e reivindica uma filiação direta da tradição renascentista do homem integral, ao mesmo tempo cientista, alquimista e filósofo.

* As estruturas mítico-simbólicas das quais se constituem tanto a ontologia do real como as formas cognitivas humanas, são coessenciais à antropologia e não podem ser eliminadas do imaginário arquetípico do homem, inclusive do moderno, ou do pós-moderno. O homem é aristotelicamente "animal político", mas inclusive antes homo religiosus, ou melhor homem "total", cujas manifestações são concretamente irredutíveis à parcialidade das disciplinas que se ocupem disso e sempre excedem os planos das ciências particulares, sendo o excesso um caráter constitutivo de sua natureza. Repensar o homem, mais além do dualismo de molde cartesiano e remontando a suas raízes espirituais - meio fundamental entre a dimensão da imanência e a da transcendência, entre a comunidade dos vivos e dos mortos, poderíamos dizer - é uma tarefa mais urgente do que nunca.

* Uma nova resolução da relação entre o particular e o universal é, assim, emblematicamente oferecida pela antropologia elidiana. O resultado dessa última é paradoxal: o homo religiosus é realmente um homem precisamente na medida em que não é homem, isto é, em sua atitude perante a impessoalidade que converge na união mística com o divino. Uma existência aberta para o mundo - em sentido vertical e axial, não horizontal - permite ao sujeito reconhecer a si mesmo e proporcionar um sentido à própria ação, que se mostra já não desligada em relação à estrutura universal, mas complementar a ela. Microcosmo e macrocosmo aparecem em um novo equilíbrio dinâmico, segundo uma resolução da relação entre o individual e o universal que Eliade persegue em toda sua obra: a nível individual, como uma harmonia entre os ritmos do homem e os ciclos cósmicos; a nível comunitário, como conexões vitais entre os membros de uma comunidade e o centro da mesma nas relações entre o indivíduo e as formas de coletividade ulteriores ou ampliadas, a nível metafísico, mediante a ontologia da coincidentia oppositorum (coincidência dos opostos).

Estas breves notas, que demandariam maior aprofundamento, esclarecimento e, principalmente, uma contextualização dentro da obra elidiana e dentro dos temas que nessas notas sobre o comunitarismo são propedêuticas ou consequentes - cito como exemplo os problemas do Centro, a dialética hierofânica, da origem - tem um valor eminentemente evocador. Mas quiçá seja justamente de poderosas evocações e apelações correspondidas de que mais tem necessidade a mísera idade contemporânea a nós. O caminho mais além da consciência infeliz, rumo a uma metanoia que seja uma transformação real - metafísica, portanto - do coração.

1 Arktos, London 2012.

2 A cargo de F. Volpi, tr. it. di A. La Rocca e F. Volpi, Adelphi, Milano 2010.

3 A cargo de P. Angelini, tr. it. di V. Vacca, Boringhieri, Torino 2008.

4 Aquela hermenêutica que Eliade define como "criativa" e "total" e crê ser metodologia irrefutável de uma ciência histórico-religiosa realmente consciente. Aquela hermenêutica que é fundação de uma teoria fenomenológica e descritiva, e que se baseia paralelamente na consciência da impossibilidade de se aproximar ao dado puro – o fato – religioso, sob pena de recair em um naturalismo neopositivista olvidado de toda a problemática gnoseológica. Neste âmbito de estudos metodológicos a obra de Eliade tem muito a oferecer, até invadir problemáticas especificamente teóricas. Uma contribuição a ser redescoberta que, em minha opinião, apresenta concordâncias significativas com as agudas e bem conhecidas considerações desenvolvidas por Husserl em La filosofia come scienza rigorosa, prefacio de G. Semerari, tr. it. de C. Sinigaglia, Laterza, Roma-Bari, 2005) y La crisi delle scienze europee e la fenomenologia trascendentale, prefacio de G. Semerari, tr. it. de C. Sinigaglia, Laterza, Roma-Bari, 2005). Sobre la fenomenología de Eliade, cfr. S. Alexandrescu, “Per una discussione filosofica dell’opera di Mircea Eliade”, en AA.VV., Confronto con Mircea Eliade. Archetipi mitici e identità storica, a cargo de L. Arcella, P. Pisi, R. Scagno, Jaca Book, Milán 1998, pp. 401-409.

5 En «Antaios», IV, (1963), pp. 113-119; tr. it. como prefacio a M. Eliade, Mefistofele e l’androgine, tr. it. di E. Pinto, Mediterranee, Roma 2011, pp. 7-13.

6 M. Eliade, Gedanken zu einem neuen Humanismus (Pensieri per un nuovo umanesimo), cit., p. 115.

7 Ibíd., p. 116.

8 Ibíd., pp. 117-118.

9 Ibíd., pp. 118-119.

10 En M. Eliade, La nostalgia delle origini. Storia e significato nella religione, tr. it. di A. Crespi Bortolini, Morcelliana, Brescia 2000, pp. 13-23. Trata-se de uma versão revisada e ampliada de um artigo originalmente chamado História das Religiões e um Novo Humanismo, que foi publicado pela primeira vez em História das Religiões I (1961).

11 Dentro do qual, em certo sentido, é justamente a Tradição que serve como universal e que se encontra em um continuum com suas manifestações históricas específicas. A literatura sobre a relação entre Eliade e os tradicionalistas é interminável, e com frequência conduz a considerações divergentes. Me limite a remeter aqui a: “Diorama letterario”, Storia, mito e sacro, n. 109 (1987); M. De Martino, Mircea Eliade esoterico. Ioan Petru Culianu e i “non detti”, Settimo Sigillo, Roma 2008, pp. 367-412; L. Sanjakar, Mircea Eliade e la tradizione. Tempo, mito, cicli cosmici, Il Cerchio, Rimini 2014; P. Pisi, “I “tradizionalisti” e la formazione del pensiero di Eliade”, in AA.VV., Confronto con Mircea Eliade. Archetipi mitici e identità storica, cit., pp. 43-133.

12 A cargo de F. Volpi, Adelphi, Milano 1995.