por Eduard Popov
A ascensão do movimento de protestos no Donbass (e outras regiões da Nova Rússia histórica) que resultou na proclamação das Repúblicas Populares, foi uma reação ao golpe de Estado em Kiev e às políticas russofóbicas agressivas. Não é acidente que o primeiro passo legislativo das novas autoridades ucranianas foi abolir a lei dos idiomas, ratificada em 2003 pela Verkhovna Rada em linha com a Carta Europeia para Idiomas Regionais ou Minoritários, o que efetivamente empurrou o idioma russo para fora do espaço educacional e cultural-informacional da Ucrânia. Porém, o movimento popular no Donbass no fim do inverno e na primavera de 2014 também tinha motivos mais profundos. A proclamação das repúblicas populares do Donbass foi uma reação lógica ao desmonte do Estado ucraniano como ele havia sido constituído no esquema da República Socialista Soviética Ucraniana. As novas autoridades ucranianas violaram o contrato social tácito de lealdade ao Estado existente em troca por um mínimo de direitos linguístico-culturais garantidos para as regiões "Sudeste" (Nova Rússia histórica).
Imediatamente após o golpe de Estado em Kiev em fevereiro de 2014, associações de cidadãos começaram a emergir, mas foram reprimidas pelas ações das forças armadas do Euromaidan. Porém, no Donbass pós-soviético, diferentemente da Crimeia, não havia tradições fortes de movimentos russos ou autonomistas. Uma das razões para isso eram as operações centralizadas do Partido das Regiões, que objetivava subordinar todos os partidos e movimentos orientados para a representação dos interesses da metade russa da Ucrânia e restaurar os laços econômicos e humanitários com a Rússia. No Donbass, o Partido das Regiões se consolidou mais plenamente como força monopolizadora dos interesses das regiões russas da Ucrânia (o "Sudeste").
Isso desempenhou um papel decisivo na futura construção estatal das repúblicas do Donbass. O Partido das Regiões "atropelou" os movimentos sociais independentes. O movimento social República de Donetsk e as filiais regionais do Partido Bloco Russo não tinham papel significativo na vida política do Donbass, e não havia projetos políticos relevantes sob slogans russos. Apenas o Partido Comunista da Ucrânia representava algum tipo de competição para o Partido das Regiões no Donbass.
O movimento em apoio à independência do Donbass surgiu como algo repentino, uma reação visceral ao golpe oligárquico/neonazi em Kiev e em grande medida com base em células locais do Partido das Regiões e de forças da oposição de esquerda, como do Partido Comunista da Ucrânia e do Partido Socialista Progressivo da Ucrânia.
Foi predominantemente por essas forças que o referendo de independência foi organizado e preparado. Além deles, associações sociais também tiveram papel ativo no surgimento do movimento de independência. em particular, um papel enorme foi desempenhado, principalmente no primeiro momento, pelas organizações de "afegãos" (veteranos da guerra no Afeganistão), que vieram a compor o núcleo das unidades de milícia. Na região de Lugansk, um papel importante e até decisivo foi desempenhado pelas comunidades cossacas que possuíam rica experiência de auto-organização e laços desenvolvidos com os cossacos do Don na região russa vizinha de Rostov.
Por volta do fim de fevereiro e início de março de 2014, as organizações sociais do Donbass estavam disputando o controle dos municípios, seus opositores sendo as autoridades regionais. Após o fracassado Congresso de Kharkov em 22 de fevereiro de 2014, no qual os líderes do Partido das Regiões de Kharkov e da região de Kharkov, G. Kernes e M. Dobkin, essencialmente se recusaram a se opôr aos golpistas de Kiev, as burocracias das regiões de Donetsk e Lugansk se depararam com a difícil escolha de ou se submeterem ao novo e ilegítimo governo de Kiev, ou se exporem ao risco de repressão junto à população das regiões. Eles decidiram de forma razoavelmente rápida e declararam lealdade aos golpistas de Kiev. Uma fórmula conveniente justificando isso foi encontrada na noção de preservar a unidade da Ucrânia sob a condição de que Kiev expandisse a autoridade das regiões. em um fórum sobre o desenvolvimento da autoadministração local realizado em Lvov em 27 de março de 2014, o Presidente do Conselho Regional de Donetsk, A. Shishatsky, delineou sua ideia de governo descentralizado, segundo a qual redistribuir autoridade em favor das regiões envolveria excluir o ditado econômico e político de Kiev. Em 31 de março de 2014, o Conselho Regional de Donetsk apelou à Verkhovna Rada da Ucrânia com o pedido de tomar medidas para estabilizar a situação no país emendando a Constituição para empoderar o autogoverno local. [1]
Em 17 de abril de 2014, o Partido das Regiões realizou um congresso extraordinário no qual participaram os deputados dos conselhos locais da região de Donetsk bem como 29 deputados da Verkhovna Rada, que após o golpe de 21 de fevereiro haviam perdido sua legitimidade. (Não obstante, a Verkhovna Rada continuou a operar até que eleições parlamentares foram realizadas em 26 de outubro de 2014 literalmente sob mira de armas). Os líderes do Partido das Regiões, B. Kolesnikov e N. Levchenko, anunciaram que somente eles representavam o "Sudeste" na capital. Uma resolução proposta no congresso continha demandas de que Kiev garantisse autonomia fiscal às regiões orientais, desse status oficial ao idioma russo, e anistia plena a todos os manifestantes. Ao mesmo tempo, a resolução pedia que todos os manifestantes ocupando prédios nas regiões orientais baixassem as armas. Esta última demanda era, de fato, a principal, e ainda assim os líderes do Partido das Regiões admitiram que eles não podiam garantir que Kiev cumprisse os pontos sobre autonomia e status do idioma russo.
Manifestantes viram nessas ações do Partido das Regiões uma tentativa de enganar os movimentos contrários ao golpe. [2] Caracteristicamente, propostas similares buscando um compromisso com o movimento social do Donbass foram vocalizadas por representantes das novas autoridades de Kiev. O governador da região de Donetsk apontado por Kiev, Sergey Taruta, também declarou a necessidade de realizar um referendo nacional sobre o status do idioma russo e para descentralizar a autoridade. Como eventos subsequentes provaram, as afirmações e ações do Partido das Regiões eram apenas para despistar, já que emendas expandindo os direitos das regiões não foram incluídas na Constituição Ucraniana ou na prática jurídica. E o idioma russo foi gradativamente empurrado para fora da vida sóciopolítica e cultural-educacional da Ucrânia.
As declarações e ações das autoridades regionais dos Conselhos Regionais de Donetsk e Lugansk essencialmente legitimavam o governo golpista de Kiev. O Partido das Regiões, tendo emergido como instrumento político da elite financeira-industrial da região de Donetsk, se transformou em um partido clamando representar os interesses de todo o Sudeste. A participação do Partido das Regiões na Verkhovna Rada após o golpe de Estado, seus representantes (M. Dobkin e O. Tsarev) participando nas eleições presidenciais ilegítimas na primavera de 2014, e as atividades dos conselhos regionais das regiões de Donetsk e Lugansk que legitimavam as novas autoridades, demonstraram que o Partido das Regiões havia se transmutado em um dos partidos do Euromaidan ucraniano. Sua função principal se tornou, assim, fornecer um verniz de legitimidade para o governo ilegal dos golpistas de Kiev para o Sudeste.
O Donbass entrou assim na primeira fase de seu desenvolvimento político-estatal privado de sua própria classe política. Na primeira fase, o aparato estatal das regiões de Donetsk e Lugansk (as administrações regionais e a burocracia central das organizações regionais do Partido das Regiões) declarou lealdade às forças que haviam lançado o golpe de Estado em Kiev. A vasta maioria das velhas elites políticas, econômicas e administrativas da região do Donbass (as regiões de Donetsk e Lugansk), assim, apoiavam o novo regime em Kiev e abandonaram o território. A "Primavera Russa" no Donbass pode, assim, ser sociologicamente caracterizada pela frase "povo sem elite". Alternativamente, na expressão figurativa de um veterano dos eventos em Lugansk, essa foi uma revolta dos escravos. A ruptura entre apoiadores do novo governo em Kiev e o movimento russo logo recaiu em linhas socioproprietárias.
A Formação dos Sistemas Político-Partidários da RPD e da RPL: Entre a Primavera Russa e a Experiência Estatal Ucraniana
O nascimento das repúblicas populares do Donbass ocorreu sob o estandarte de um construto ideológico que foi batizado de "Primavera Russa" (imitando a "Primavera Árabe") nas obras de escritores de Moscou. Ignorando o fato de que este termo não se encaixa na situação do Donbass (a população jovem e crescente do Oriente Médio árabe vs. a população velha e em declínio do Donbass), é impossível não reconhecer a imensa importância mobilizadora desse termo no momento inicial do movimento.
O movimento popular no Donbass começou sob slogans proclamando a construção de um Estado russo e/ou de um Estado socialmente justo. Um amplo espectro de forças sociopolíticas apoiando o Donbass - de nacionalistas radicais russos e monarquistas a comunistas e anarquistas - foi unificado por uma rejeição comum do neonazismo ucraniano e de aspectos do Estado ucraniano como a burocratização, o ultracentralismo, a corrupção e a ditadura oligárquica. Na porção de protesto de seu programa, os ativistas do movimento popular do Donbass declaravam solidariedade com os slogans do Euromaidan que sonhavam com enterrar o "velho" Estado ucraniano. A "Revolução da Dignidade" (nome oficial utilizado na Ucrânia para o Euromaidan) acabou no colapso completo de todas as esperanças, o que até os mais ardentes apoiadores do Euromaidan são agora forçados a admitir. Mas o que trouxe vitória à Primavera Russa e às repúblicas do Donbass?
Em 7 de abril de 2014 o Conselho Popular da República Popular de Donetsk foi estabelecido, o qual se declarou a máxima autoridade na república. O corpo consistia de aproximadamente 70 pessoas eleitas pela cooptação de um representante ou de um coletivo de trabalhadores locais ou de uma organização social municipal (dependendo do tamanho da população) que assim se tornava o representante de sua cidade ou distrito no mais alto órgão de poder da RPD. Todas as organizações municipais da antiga região de Donetsk (com exceção dos órgãos repressoras ativamente leais ao novo regime de Kiev, ou seja, o Ministério de Assuntos Interiores e a SBU) estavam representadas no Conselho Popular da RPD. Uma parte importante do Conselho Popular consistia de representantes existentes de conselhos municipais e distritais, ou seja, pessoas eleitas a órgãos locais de poder e possuindo experiência municipal. Além desse grupo, o Conselho Popular da RPD cooptou representantes de coletivos de trabalhadores e de organizações sociais operando nos municípios.
Assim, na fase de surgimento de sua natureza estatal, a RPD e a RPL realizaram o princípio básico de soberania popular refletido nos nomes das repúblicas.
Os deputados do Conselho Popular realizaram a parte principal do trabalho de rascunhar a Constituição da RPD e preparar o referendo sobre independência. Em 7 de abril de 2014, o conselho emitiu a Declaração de Soberania da República Popular de Donetsk e o Ato sobre Independência Estatal da República Popular de Donetsk.
Apesar da pressão política, informacional e militar cada vez maiores e das provocações, um referendo foi realizado nas regiões de Donetsk e Lugansk que perguntava: "Você apoia o Ato de Independência da RPD/RPL?". Na região de Donetsk, 89.7% dos eleitores disseram "sim", enquanto 10.19% dos residentes d região votaram contra a autodeterminação e 0.74% dos bilhetes foram reconhecidos como inválidos. O comparecimento foi de 74.87%.
Na região de Lugansk, a independência foi apoiada por 96.2% dos eleitores e oposta por 3.8%, com um comparecimento total de 81%. Os referendos essencialmente legitimaram o que se tornaria a segunda parte do conflito interucraniano, as Repúblicas Populares, que se opunham ao governo ilegal em Kiev por motivos ideológicos, políticos e militares. Em 14 de maio, o Conselho Popular da RPD se transformou no Supremo Conselho da RPD composto por 150 deputados (apesar do número efetivo ser menor). Após o referendo, ministérios e departamentos começaram a ser formados, e em 14 de maio de 2014, a Constituição da RPD foi adotada. [3]
Eleições para a composição constituinte do Conselho Popular da RPD foram realizadas com observância de todos os procedimentos democráticos, enquanto o mesmo não poderia ser dito sobre as eleições presidenciais extraordinárias ucranianas realizadas em 25 de maio de 2014, que foram marcadas por grosseiras violações procedimentais. A falta de termos competitivos iguals na mídia e nas comissões eleitorais, e intimidação e violência contra candidatos e eleitores do "Sudeste" fizeram da campanha eleitoral ucraniana uma farsa.
Organizações sociais se tornaram uma fonte importante para formar o aparato administrativo e a classe política da RPD e da RPL. Em certas áreas da RPL e em menor medida da RPD, um papel decisivo foi desempenhado pelos cossacos, primariamente por aqueles ligados aos não-registrados cossacos do Don. O líder desse grupo político-militar era o famoso comandante Pavel Dremov. Planos para uma República Cossaca de Stakhanov são atribuídos a ele. (O QG do 6ª Regimento Cossaco de Infantaria Motorizada "Ataman Platov" da Milícia Popular da RPL, contando com mais de 2.000 homens, estava localizado em Stakhanov).
Na fase inicial da existência das repúblicas, líderes carismáticos locais (P. Dremov em Stakhanov, I. Bezler em Gorlovka, I. Strelkov em Slavyansk, A. Mozgovoy em Alchevsk, etc.) eram essencialmente incontroláveis pela liderança republicana em Donetsk e Lugansk. Os líderes políticos da RPD e da RPL (à época, D. Pushilin e V. Bolotov respectivamente) não desfrutavam de prestígio em círculos militares.
No primeiro momento, sob o estandarte da Primavera Russa, a formação e desenvolvimento das repúblicas do Donbass se desdobraram segundo o princípio do governo popular com grande importância atribuída ao autogoverno locao ou literalmente "autoridade no chão". Em alguns casos, autoridades locais operavam segundo as leis da "democracia militar" (por exemplo, na "República Cossaca" de P. Dremov). Este processo tinha um lado negativo que se tornou aparente após a eclosão da guerra. A "democracia militar" não raro se transformava em anarquia e uma forma de controle por grupos armados sobre certos territórios e sua população local. Ao mesmo tempo, a introdução de ordem e segurança básicas, bem como o melhoramento da eficiência das forças armadas demandavam que inúmeras brigadas milicianas fossem transformadas em um corpo militar regular subordinado a um comando centralizado.
O processo de centralização dos grupos armados, assim, afetava tanto as esferas militar como a civil. Segundo representantes de média hierarquia do comando militar da RPD questionados por nós, bem como especialistas civis em ambas as repúblias, este processo pode ser considerado de modo geral como tendo tido sucesso. Mesmo as Forças Armadas Ucranianas, os "batalhões voluntários" e especialistas militares ocidentais notaram a melhoria no gerenciamento das forças armadas da RPD e da RPL. Como qualquer processo social complexo, transformar a milícia em um exército regular não ocorre sem certos custos. Por exemplo, especialistas notaram um declínio na motivação ideológica dos soldados das repúblicas e um percentual maior de oportunistas que serviam apenas por salários e privilégios.
As forças armadas da RPD e da RPL são, atualmente, a instituição social mais importante cujo papel político não corresponde a seu status real. Se o desejo por um representante militar pode ser visto no líder da RPD, Aleksandr Zakharchenko, veterano da brigada Oplot, então na RPL, desde a morte do Ataman Pavel Dremov, o exército tem estado essencialmente privado de representação e influência política nos órgãos supremos de poder.
As repúblias há muito desenvolveram seus próprios órgãos de poder e sistemas político-partidários portando especificidades pronunciadas. Em primeiro lugar, todos os partidos ucranianos foram banidos de operar nos territórios das repúblicas, uma decisão motivada pela concordância dos partidos ucranianos de trabalhar na Verkhovna Rada após o golpe de fevereiro de 2014, uma ação que legitimava o novo governo de Kiev e a "Operação Antiterrorismo".
Na RPD, duas forças políticas reais se formaram que estão representadas no parlamento. Primeiro, há o movimento social República de Donetsk, fundado por Andrei Purgin e então transformado em partido sob o mesmo nome, atualmente chefiado pelo líder da RPD, Aleksandr Zakharchenko e pelo Presidente do Conselho Popular Denis Pushilin. O segundo partido, ou melhor conglomerado de partidos e movimentos, é o Donbass Livre. As diferenças programáticas entre os dois partidos representados no Conelho Popular da RPD são mínimas.
Dois partidos também se formaram na RPL, nomadamente, o movimento Paz para Lugansk, chefiado pelo presidente da República, Igor Plotnitsky, e o União Econômica de Lugansk. Estas forças políticas são ativas foram dos parlamentos também. Ideólogos do Paz para Lugansk orgulhosamente proclamaram um crescimento nas fileiras do movimento, que agora já conta com 87.500 membros. [4]
Tal sistema bipartidário permite que seus líderes controlem de maneira razoavelmente estável o processo político nas repúblicas. Enquanto ideias comunistas tem alguma popularidade na população do Donbass e partidos comunistas na RPD e RPL pudessem contar com apoio eleitoral, nas condições de uma situação semibeligerante, a liderança atual das repúblicas não está interessada em criar um ambiente político-partidário muito competitivo. Porém, os "partidos do poder" eles mesmos cada vez mais se assemelham ao banido Partido das Regiões, dos quais alguns deles são clones.
Alto percentual de representação dos novos "partidos do poder" na equipe administrativa de ambas as repúblicas inclui ex-funcionários do Partido das Regiões. Ao longo de nossas entrevistas com especialistas, quase todos os entrevistados notaram uma tendência perturbadora: o retorno de facto do Partido das Regiões e da burocracia ucraniana às estruturas políticas e administrativas da RPD e da RPL junto a uma separação cada vez maior entre a classe burocrática e a população. Os ex-regionalistas ocupam cada vez mais espaço não só nos órgãos administrativos, mas também nas estruturas partidárias da RPD e da RPL. Este é o mesmo processo descrito por Trótski como "burocratização de um Estado de trabalhadores isolado e a transformação da burocracia em uma casta privilegiada".
Consciência desse processo pode ser vislumbrado até mesmo a partir das publicações oficiais da RPD e da RPL. Em 14 de janeiro de 2017, o presidente da RPD Aleksandr Zakharchenko "deu um duro ultimato aos líderes inescrupulosos", prometendo supervisionar pessoalmente o trabalho das recepções públicas do movimento República de Donetsk. Sua declaração apresentou uma avaliação certeira das atividades do "partido do poder" que se transformou de "intermediário entre o governo e o povo" em um obstáculo burocrático. Zakharchenko também ressaltou um aumento no número de reclamações da população em relação ao trabalho do movimento República de Donetsk. [5]
Após o golpe em Kiev, funcionários alfandegários ucranianos (um dos setores mais corruptos do funcionalismo público ucraniano) apoiaram o novo governo de Kiev e subsequentemente fugiram para a Ucrânia após o início dos conflitos no Donbass. Por volta do verão de 2015, porém, eles retornaram em massa a seus postos, e as alfândegas na RPD e RPL passaram a estar manejadas majoritariamente por funcionários públicos leais ao governo de Kiev. O mesmo se aplica à liderança dos departamentos alfandegários na RPL. O alto percentual de funcionários públicos ucranianos que retornaram ao Donbass após os Acordos de Minsk se acomodaram nas estruturas do Ministério de Assuntos Interiores e do Ministério de Segurança Estatal. Casos absurdos são conhecidos nos quais graduandos da academia da SBU ucraniana nascidos em Donetsk e Lugansk retornaram para seus locais de origem no Donbass para trabalhar para os ministérios de segurança da RPD e da RPL. Funcionários ucranianos similarmente penetraram agências civis na RPD e na RPL, a única exceção nisso sendo as Milícias Populares na RPD e na RPL que cumprem as funções de ministérios de defesa.
Em algumas das agências governamentais da RPD e da RPL, funcionários ucranianos que retornaram já são predominantes, especiamente nos ministérios de impostos e taxas, que são particularmente "férteis" para a corrupção. Funções fiscais estão sendo, assim, realizadas por especialistas cuja lealdade às repúblicas do Donbass é, no mínimo, questionável. É apenas natural que na opinião de representantes entrevistados de círculos empresariais da RPD, toda informação sobre atividades empresariais no Donbass sejam de conhecimento instantâneo em Kiev.
Simultaneamente com o retorno do funcionalato ucraniano às estruturas políticas e administrativas da RPD e da RPL, veteranos do movimento para o estabelecimento das Repúblicas Populares tem sido cada vez mais politicamente marginalizados. Dos primeiros membros do Conselho Popular e do Supremo Conselho da RPD, apenas um punhado retém postos significativos nas esferas política e administrativa. O Partido das Regiões, que perdeu a batalha para os apoiadores do estabelecimento da RPD e da RPL na primavera de 2014 está agora consistentemente recuperando suas posições perdidas em uma "contrarrevolução burocrática".
Instituições influentes, porém informais, também estão presentes junto às elites políticas e administrativas formais da RPD e da RPL. Um papel especialmente significativo e até decisivo na região do Donbass ainda é desempenhado por oligarcas. Este papel ainda não desapareceu da vida econômica da região. É bem conhecido que o Partido das Regiões era a instituição política da oligarquia industrial-financeira de Donetsk na Ucrânia pós-soviética. Na região de Donetsk e na RPD, o "rei do Donbass", o oligarca Rinat Akhmetov, preserva relevância particular. Segundo alguns relatos, "exércitos privados" de Akhmetov até deram apoio a ativistas da Primavera Russa em Donetsk. No que concerne a situação na região de Lugansk, pode-se falar de um papel reservado ao oligarca Aleksandr Efremov (líder da facção do Partido das Regiões na Verkhovna Rada ucraniana de 2010 a 2014, e o líder da organização regional do partido em Lugansk).
A desoligarquização está acontecendo neste momento nas repúblicas do Donbass, mas essa campanha, até agora, tem adquirido apenas contornos vagos. Ela afeta não só a esfera econômica, mas as relações políticas e sociais, às quais agora nos voltaremos na próxima parte de nosso artigo.
Processos Econômicos e Sociais nas Repúblicas Populares do Donbass
A tendência para a oligarquização, ou para a formação de grandes posses de oligarcas através de privatizações injustas e de sua influência ativa ou decisiva nas políticas públicas, foi mais radical na Ucrânia pós-soviética do que em qualquer outra antiga república da URSS no continente europeu. Os oligarcas receberam amplas propriedades não por mérito, mas graças a sua proximidade com o governo ou mesmo participação no governo. Por exemplo, em certa época o homem mais rico na Ucrânia era Viktor Punchuk, genro do segundo presidente ucraniano, Leonid Kuchma. De modo geral, dois grandes clãs territoriais de oligarcas se desenvolveram na Ucrânia: os clãs de Dnepropetrovsk e de Donetsk. A região do Donbass (as regiões de Donetsk e Lugansk da antiga Ucrânia) é a região com a maior concentração de propriedade oligárquica. O oligarca número 1 não só do Donbass mas de toda a Ucrânia durante o Euromaidan era Rinat Akhmetov, que vem de círculos semicriminosos.
A preservação da propriedade oligárquica estava na contramão dos slogans sociais tanto da Primavera Russa como do Euromaidan. A questão da nacionalização da propriedade oligárquica ucraniana emergiu na primeira fase da formação das autoridades estatais independentes do Donbass. Mas nessa fase inicial do estabelecimento das repúblicas populares surgiu um sistema absurdo no qual a propriedade dos oligarcas ucranianos na RPD e RPL, ou seja, empresas que pagavam impostos que iam parar no orçamento militar ucraniano, foi preservada. Segundo o Ministério das Finanças da Ucrânia, entre o início de maio de 2014 e o fim de maio de 2016, empresas registradas nas partes de Donetsk e Lugansk não controladas por Kiev pagaram impostos, taxas e contribuições sociais no total de 36.8 milhões de hryvnias, ou aproximadamente 1.5 bilhão de dólares.
Inicialmente, os pagamentos de impostos para Kiev eram uma medida necessária, como pode ser visto no excerto de uma entrevista com um dos líderes da cidade de Konstantinovka (à época, território da RPD, mas atualmente controlada pela Ucrânia), Vladimir Bugai. A entrevista foi conduzida em meados de junho de 2014:
Eduard Popov: "Como o sistema tributário da cidade de Konstantinovka e da RPD como um todo funciona?"
Vladimir Bugai: "A República de Donetsk coleta impostos que eram previamente pagos para o orçamento local, enquanto os imposts de renda e outras taxas ainda são pagos a Kiev, de modo que eles ainda pagam nossas pensões e benefícios, porque não há sistema previdenciário pronto aqui ainda".
Popov: "Isso quer dizer que as pessoas recebem seus benefícios da Ucrânia?"
Bugai: "Até o mês passado todo mundo recebia tudo. Para maio de 2014 todo mundo recebeu 100%... Eu conversei com a liderança da República de Donetsk e eles disseram que precisamos avançar [rumo a um sistema previdenciário independente] gradualmente. Se cortarmos tudo, a economia entrará em colapso. A maioria dos impostos, ao que parece, tomamos para nós mesmos, mas parte dos impostos entregamos a Kiev para que eles paguem nossos benefícios sociais. Funciona assim: Damos a eles dois rublos e eles nos devolvem um. Assim isso agrada a eles por enquanto, e eles obviamente nos pagam, mas se eles subitamente deixarem de nos pagar, então tentaremos impedir que os impostos cheguem neles".
O "prefeito do povo" de Konstantinovka, Vladimir Bugai, acrescentou: "Temos muitas empresas trabalhando em Donetsk que estão registradas em outras regiões e pagam todos os seus impostos a Kiev, mas agora surgiu a questão sobre re-registrar essas empresas nas repúblicas do Donbass já que elas estão aqui". O proprietário da maioria dessas empresas é Rinat Akhmetov e, novamente nas palavras de Bugai, "ele não tem interesse em pagar impostos à República de Donetsk. Propusemos isso a ele e ele recusou. Agora declaramos que se suas empresas não forem re-registradas nas repúblicas até o fim do mês, então elas serão nacionalizadas. Pushilin anunciou isso em um de seus últimos discursos". [6]
Na prática, porém, a liderança da república foi cada vez mais compelida a respeitar os interesses empresariais dos oligarcas ucranianos. Segundo os especialistas que entrevistamos, criaturas dos grupos oligárquicos estão presentes nas lideranças das duas repúblicas. A nacionalização prometida em maio de 2014 pelos então líderes da RPD não aconteceu. Similarmente às promessas anti-oligárquicas do Euromaidan, os slogans da Primavera Russa sobre combater os oligarcas e construir uma sociedade socialmente justa não se concretizaram. Mas a razão para isso é mais profunda e complexa do que a mera presença de criaturas influentes dos oligarcas ucranianos no alto escalão das lideranças da RPD e da RPL, ainda que este aspecto não deva ser descontado. Ao longo de pesquisas com especialistas na RPD e na RPL conduzidas com representantes de círculos políticos e empresariais, era frequentemente dito que um desmonte radical do modelo econômico existente levaria à paralisação das grandes empresas do Donbass e, assim, privaria pelo menos dezenas de milhares de pessoas de trabalho, o que significaria que, junto com suas famílias, centenas de milhares perderiam os meios de sustento. Porém, todos os entrevistados notaram que a preservação da propriedade oligárquica ucraniana e a continuação dos pagamentos para o orçamento bélico ucraniano eram um beco sem saída.
Mas o problema não é apenas que as repúblicas do Donbass estão financiando a guerra contra elas mesmas através das deduções de impostos para o orçamento ucraniano de empresas pertencentes a oligarcas ucranianos. Ademais, o capitalismo oligárquico desenvolvido na Ucrânia é economicamente inviável, não é competitivo, e contradiz princípios de justiça social. Amplos segmentos da população da RPD e da RPL sonham com a construção de um Estado mais justo que poderia ser considerado uma nova forma de "socialismo russo" livre dos erros doutrinários da URSS e da Ucrânia neonazi/oligárquica.
A situação começou a mudar em fevereiro de 2017. O presidente e o gabinete de ministros da Ucrânia apoiaram o bloqueio do Donbass organizado no fim de 2016 por grupos neonazistas ucranianos na chamada zona da "operação antiterrorismo". O presidente ucraniano Petro Poroshenko ordenou a suspensão temporária de transporte de todos os bens, com exceção dos de natureza humanitária, através da linha de contato entre o território controlado pela Ucrânia e os distritos "ocupados pelos pró-russos" do Donbass. Essa foi uma violação direta dos Acordos de Minsk, especificamente do Ponto 8 que garante a restauração plena dos laços socioeconômicos entre as repúblicas do Donbass e a Ucrânia. [7] Essa decisão do presidente Poroshenko em 15 de março de 2017 foi formalizada em um decreto do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia no mesmo dia.
O bloqueio do Donbass, primeiro de facto e depois de jure, forneceu às autoridades das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk fundamentação para introduzir gerenciamento externo nas empresas ucranianas localizadas em território das repúblicas a partir de 1 de março. Em 27 de fevereiro, durante uma reunião extraordinária do Conselho Popular da RPD, os deputados adotaram um projeto de lei emendando o sistema tributário da república. [8] Uma decisão correspondente foi adotada pelo parlamento da RPL. A essência dessas emendas se resumia a um ultimato: Empresas de cidadãos ucranianos localizadas na RPD e na RPL tinham que ser registradas novamente para pagar impostos para os orçamentos das repúblicas até 1 de março de 2017. Os decretos subsequentes introduzindo gerenciamento externo nas empresas ucranianas na RPD e na RPL estão sendo implementados, e as empresas pertencentes aos oligarcas ucranianos estão continuando a funcionar apesar da resistência de seus proprietários. Um trabalho difícil e nem sempre de sucesso para reorientar os mercados está ocorrendo neste momento.
Aqui intencionalmente colocamos um ponto e descontinuaremos temporariamente nossa análise da situação socioeconômica das repúblicas, sobre a quai esperamos desenvolver um artigo separado. Como os sistemas de seguridade social na RPD e RPL estão estruturados é uma questão totalmente distinta que discutiremos em nosso próximo artigo.
Conclusão
Em termos econômicos, sociais e políticos, as repúblicas do Donbass representam um fragmento da Ucrânia pós-soviética portando todas as características de seu sistema econômica e de sua casta gerencial, tal como uma base tecnológica e produção obsoletas, currupção, uma burocracia incompetente, uma classe política incompetente, desigualdade entre diferentes grupos sociais, etc. A preservação da propriedade oligárquica ucraniana no território da RPD e da RPL, de fato, nos impede de falar em uma soberania real das repúblicas. Até pouco tempo atrás, as empresas oligárquicas ucranianas pagavam ao orçamento ucraniano e, com osegue, financiavam a guerra contra o povo do Donbass. Desde fevereiro de 2017, processos contraditórios de desoligarquização e construção de um modelo econômico mais justo desde as perspectivas nacional e social estão ocorrendo. No momento atual, ainda não há material suficiente para tirar conclusões.
Rumo a que sistema socioeconômico as repúblicas populares do Donbass grvitarão? Será criada ali uma variante "nacional-capitalista" (enfatizando as empresas previamente pertencentes aos oligarcas ucranianos) ou um novo tipo de "socialismo russo"? Ou será preservado o capitalismo oligárquico, sob alguma forma? A nacionalização da propriedade dos oligarcas, por si só, não garante o desenvolvimento socioeconômico, já que um resultado possível poderia ser a substituiçã oda velha classe de grandes proprietários por uma nova casta de oligarcas, que já estava em formação nas repúblicas do Donbass.
A RPD e a RPL, nas mais duras condições, conseguiram defender sua independência do atual governo de Kiev e tiveram sucesso em formar uma Força Armada do Donbass (as milícias populares da RPD e da RPL). Desde a primavera de 2015, os serviços sociais começaram a funcionar, a ameaça de fome foi eliminada, e a população idosa tem recebido suas aposentadorias. Graças ao auxílio russo, as repúblicas do Donbass, no mínimo, não estão em situação socioeconômica pior que as regiões vizinhas da Ucrânia. Ademais, graças ao auxílio russo o Estado tem cumprido seus compromissos mínimos, incluindo na questão da fixação de preços (os bens custam significativamente menos que na Ucrânia), etc.
É óbvio que sem a ajuda continuada da Rússia, as repúblicas do Donbass, mesmo assumindo reformas sociais e econômicas, seriam entidades inviáveis. A única garantia de seu desenvolvimento futuro é a integração econômica, social e humanitária da RPD e da RPL no espaço russo seguindo o modelo osseta e abcázio. O futuro das repúblicas do Donbass pode ser determinado pelos processos políticos e pelas tendências desintegrativas continuamente avançando na Ucrânia.
[1] http://www.sovet.donbass.com/?lang=ru&sec=04.01&iface=Public&cmd=shownews&args=id:3559
[2] http://www.regnum.ru/news/polit/1792792.html#ixzz4UyyrNkH0
[3] Украина: война с собственным народом. Доклад Московского бюро по правам человека. 19/05/2014 // URL: http://www.perspektivy.info/rus/gos/ukraina_vojna_s_sobstvennym_narodom_2014-05-19.htm
[4] http://lug-info.com/news/one/obschestvennoe-dvizhenie-mir-luganschine-naschityvaet-875-tys-uchastnikov-4658
[5] https://av-zakharchenko.su/inner-article/Stati/Aleksandr-Zaharchenko-budet-lichno-kontrolirovat-rabotu/
[6] http://old.newstracker.ru/news/interview/donbass-ne-dozhdalsia-pomoshchi-rossii-deputat-dnr/
[7] https://ria.ru/world/20150212/1047311428.html
[8] http://dnr-online.ru/parlamentom-respubliki-zakonodatelnogo-uregulirovan-poryadok-vvedeniya-vneshnego-upravleniya-na-predpriyatiyax-ukrainskoj-yurisdikcii/