02/10/2025

Francesco Boco - A Arte e a Vanguarda

 por Francesco Boco

(2000)


 

Identidade como cidadãos e artistas;
firmeza inalterável na ideia da grandeza italiana;
consciência das necessidades espirituais,
dos apelos da linhagem: construir. (Mario Sironi)


A sociedade da imagem, como é comumente chamada aquela em que vivemos e trabalhamos, tem um aspecto positivo: embora o bom hábito da leitura, bem como o simples interesse pela cultura, esteja se perdendo lentamente, ao mesmo tempo a importância e o papel da imagem e do slogan projetado ad hoc se fortaleceram. Isso não é necessariamente uma coisa ruim, no sentido de que é possível, como sempre, fazer da necessidade uma virtude e reverter o negativo em seu oposto. Isso significa que a imagem pode - e deve - ser colocada nas mãos da vanguarda cultural e, assim, tornar-se o veículo, o meio privilegiado, para comunicar mensagens, chocar o conteúdo, de forma imediata. É claro que a tarefa de se comunicar dessa maneira deve ser atribuída da forma mais ampla possível à arte, arte que não deve mais ser entendida como “neutra” (arte pela arte...), mas como arte que transmite uma visão do mundo, uma arte mágica cujo objetivo é despertar poderes elementares, guiar o homem, capacitá-lo, renová-lo para renovar o mundo.


Arte neutra?


Quando um artista nos diz que sua arte é “arte pela arte”, implicando assim que sua arte é neutra e não implica uma visão do mundo, mas pretende ser “objetiva”, por assim dizer, ou seja, uma visão estética pura sem significado, ele está simplesmente sendo hipócrita, já que a própria intenção de produzir arte neutra é um ato voluntário e intencional e, portanto, transmite uma mensagem em si, que é a do artista neutro, da arte em que o significado é dado pelo usuário. Mas o próprio título da obra influencia o observador, a própria consciência das intenções do autor influencia a leitura da arte. Na verdade, não existe arte neutra, porque a própria arte neutra não é neutra, mas apenas quer ser neutra - e o fato de que ela não pode ser neutra reside precisamente no fato de que ela quer ser assim. Somente a natureza pode ser, nesse sentido, considerada neutra, ou seja, um fim em si mesma. Tudo o que o homem faz é sempre o resultado de uma intenção, de uma visão do mundo, é sempre o projeto que a vontade realiza. A arte influencia o mundo, a arte é uma mensagem que tende a mudar a visão das coisas. Falo da arte como um meio privilegiado - hoje ainda mais - de transmissão de imagens fortes, de entrada elétrica, de eletrochoque.

Jünger coloca a arte ao lado de eros e tanatos[1], como os únicos oásis de pura liberdade no mundo niilista, bosques nos quais se pode restaurar o espírito, refúgios nos quais o Leviatã não pode entrar, as últimas trincheiras defensivas das quais se pode atacar como leões para conquistar a terra.


Depois do Futurismo


A vanguarda não pode evitar se interessar pela arte, nem pode evitar trabalhar e operar por meio dela; é a arte que antecipa os tempos e impõe modas e modos de vida, é a arte que espelha o mundo em que se vive e o mantém vivo, mas pode ser a própria arte, por essa mesma razão, que leva um mundo ao seu fim e depois o regenera.

O futurismo ensina que nada mais deve ser preservado, nem mesmo os maravilhosos vestígios de civilizações antigas, ele promove uma renovação total do mundo, uma destruição criativa de tudo. É claro que tudo o que o futurismo diz deve ser lido em diferentes níveis e de diferentes perspectivas, pois a mensagem é muitas vezes deliberadamente exagerada para que o conteúdo profundo atinja o espectador em suas entranhas. Pouco importa se a informação é recebida conscientemente ou não, o que importa é que o impulso elétrico produza frutos. E o Futurismo produziu muitos frutos de várias maneiras, e continua produzindo até hoje. Ele influenciou sua época e as posteriores das mais diversas maneiras, desde as trincheiras da Grande Guerra até a pintura aérea.

Os herdeiros do futurismo, se de fato se encaixam na ranhura dessa “tradição” energética, não podem, no entanto, evitar confessar que ela própria é passado e, portanto, deve ser superada. A herança desse eminente movimento artístico - “o último verdadeiro movimento artístico italiano”, como já foi dito - não pode ser desperdiçada, mas, por meio de um processo de internalização, deve ser superada, transformada e fortalecida. Essa me parece ser uma atitude coerente com a teoria futurista. É por isso que hoje não podemos falar de futurismo, mas sim de arqueofuturismo ou, melhor ainda, de algo que ainda está para ser inventado. Porque a invenção é futurista.


O “clima cultural” de uma época


Drieu La Rochelle escreveu um belo ensaio sobre Van Gogh e Nietzsche [2], no qual ele basicamente diz que os dois, que viveram nos mesmos anos e cujas obras eram quase paralelas, representam corretamente o “clima de uma época”. De fato, os temas e as sensibilidades retornam tanto em um quanto no outro em diferentes formas, mas sua mensagem e conteúdo permanecem inalterados. Veja, por exemplo, A Noite Estrelada (junho de 1889) ou Noite Estrelada no Ródano (setembro de 1888). Com relação à primeira obra, Van Gogh escreveu em uma carta: "[...] Esta manhã, da minha janela, olhei para o campo por um longo tempo antes de o sol nascer, e não havia nada além da estrela da manhã, que parecia muito grande. Daubigny e Rousseau já pintaram isso, expressando toda a intimidade, toda a paz e a majestade, além de acrescentar um sentimento tão comovente, tão pessoal. Não desgosto dessas emoções. […]» [3]; na segunda, um céu estrelado reflete-se no Ródano, e a Ursa Maior ilumina o céu azul-cobalto; em ambas as obras, as luzes parecem as estrelas caóticas de que Nietzsche escreveu em sua prosa elegante e energética, parecem os fogos que irrompem na noite do mundo moderno, rasgando o véu e renovando tudo na luz poderosa de um caos sideral.

E como não relacionar as paisagens luminosas do sul da França pintadas por Van Gogh com a paixão de Nietzsche pelos lugares ensolarados das regiões mediterrâneas, locais onde ele reencontrava a explosão alegre da vida, o calor intenso de um sol não sufocado pela decadência? Sob essa perspectiva, os dois representam as duas faces de uma época que avança; sem eles, o Futurismo não teria sido possível, mas sem Wagner, Nietzsche não teria existido: falo da tendência sobre-humanista e de sua influência nas décadas seguintes.


A influência wagneriana


Wagner quis criar uma arte total em que palavra, música e drama se unissem em um todo evocativo e indivisível. Suas obras extraordinárias são a reconstrução de mitos fundadores e sua reapresentação sob a forma de tragédia. Wagner pretendia, de fato, retornar à tragédia como era vivida pelos gregos, um mito coletivo em torno do qual a comunidade se unia para encontrar suas raízes, suas imagens-guia [4].

Não há dúvida de que a influência da teoria e do drama wagneriano chegaram, através de Nietzsche, até o Futurismo, condicionando muitos de seus aspectos. O Futurismo quis ser arte total: teatro, imprensa, poesia, música, culinária, literatura, pintura, escultura… nada foi ignorado pelo Futurismo, que, aliás, sempre tentou sintetizar múltiplas sensações em uma única obra, com a intenção de intensificar ao máximo a percepção e a experiência artística. O último verdadeiro movimento artístico italiano foi, portanto, profundamente influenciado pelos dois gigantes do século XIX, Wagner e Nietzsche; o Futurismo foi uma das melhores ramificações da tendência sobre-humanista. Essa influência ainda não se esgotou, mas, pelo contrário, a fase mítica desse movimento ainda está em gestação, como o caos do qual nasce uma nova estrela.


Arte de vanguarda


O que a arte de vanguarda persegue, por definição, é a transformação do mundo por meio de choques de natureza diversa. Esse tipo de arte antecipa os tempos, é revolucionária e conservadora ao mesmo tempo, pois preserva a possibilidade histórica da mudança, e é revolucionária porque produz o fim de um mundo exausto, regenerando-o e criando uma nova origem. A arte de vanguarda propõe seus mitos e, através deles, gera um novo tipo de homem, informa-o até edificar uma nova visão do cosmos e das coisas. Ela toma em suas mãos todo o passado e o assume como parte de seu projeto: edifica o futuro por meio de uma ação que reinterpreta todo o "foi" em função do "será".

É uma arte ainda em definição, seus contornos permanecem evanescentes, e ela parece poder invadir e permear inúmeros e diversificados campos, sentindo-se em todos à vontade, dominando a cena e impondo seu estilo inconfundível.

O problema urgente que essa arte deve enfrentar, e de fato enfrentou, é o de "falar a linguagem" e, através dela, veicular novas mensagens; como bem diz Adriano Scianca, trata-se de «dominar a linguagem, portanto. Impor uma lógica nova que desconstrúa os paradigmas dominantes, que dissolva e remodele os alinhamentos. A vanguarda deve distinguir-se por "uma ação sistemática e culturalmente eversiva, que vise introduzir no circuito ideias 'envenenadas', que aponte não tanto para influenciar, demonstrar, convencer ou organizar burocraticamente, mas para golpear, fascinar, criar dúvidas, gerar necessidades, aumentar consciências, produzir atitudes e condutas desestabilizadoras. Deve, numa palavra, falar e saber falar a linguagem do mito, criar por si mesma seu próprio público, apoiar-se plenamente tanto nas tendências espontâneas de rejeição política da realidade do Sistema em suas várias articulações, quanto nos arquétipos romântico-faustianos que ainda circulam no inconsciente coletivo europeu".

Chocar e seduzir. Mas, para isso, é necessário outro estilo, que saia definitivamente da ritualidade vazia do saudosismo, dos slogans batidos e rebatidos, do conformismo sectário. Superar os estereótipos, falar uma linguagem nova, rejeitar as lógicas do Sistema para impor outras, confrontar-se com o presente e projetar o futuro – eis o nosso objetivo» [5].


Esta arte já existe


Alguns exemplos atuais de arte de vanguarda podem ser encontrados em Dragos Kalajic, Daniel Casarin e Mario Romano Ricci, todos voltados para uma arte poética, mítica e heroica ao mesmo tempo. A revista Panorama dedicou, em seu tempo, um artigo por ocasião da exposição das pinturas do pintor e geopolítico sérvio, realizada em 2004 na Galeria Egidio Eleuteri. Vale a pena citar sua parte final:


«As imagens em cores esmaltadas (branco, azul, ouro, cinábrio) de uma visão de alta altitude destilam, assim, uma cintilante cosmogonia situada entre os quadrinhos de ficção científica (Flash Gordon) e as aeropinturas futuristas de Fillia e Tullio Crali, onde lançadores de dardo, águias e Dioscuros de pedra, prismas e cometas errantes simbolizam identidades míticas que unificam o mundo espiritual europeu de Leste a Oeste, segundo uma linha de continuidade que associa Moscou a Roma até os confins do Atlântico. Esse cuidadoso panorama de "ícones", ilustrado de diversas formas por símbolos e alegorias animais, humanas e monumentais, conduz-nos quase pela mão a "dar um passeio entre os heróis" e dá forma à lenda hiperbórea, que identifica no vento gélido do Norte da Europa o elemento ordenador ("masculino") da civilização, em permanente dialética com o elemento caótico ("feminino") de origem sudeste. Entre cruzes celtas e encontros figurados entre Terra (mulher) e Céu (homem), Dragos Kalajic expõe com eficácia visual o coração de uma experiência "arqueofuturista" de uma hiperEuropa que, partindo das imagens do mundo clássico romano, viaja no tempo e reatualiza antigos cultos solares com a ideia da mítica Thule, pátria lendária dos povos europeus. E assim, a melhor vocação do pintor "metapolítico", sobrepondo-se com a fantasia das imagens "intempestivas" às intenções prosaicas do escritor "geopolítico", resume o sentido de toda uma pesquisa.» [6]

Alguns belíssimos quadros de Daniel Casarin foram usados como imagem de capa em edições passadas da revista Orion, e neles encontramos uma notável estratificação de mensagens e conteúdos que nos faz entender o quanto nossa juventude ainda tem a dizer e em que nível sabe trabalhar quando realmente o deseja.

De Mario Romano Ricci, recordo aqui o valioso livro da exposição realizada em janeiro de 2006 em Brescia, intitulada "Da Vontade Criadora à Identidade". Nele estão contidas as imagens de suas esculturas dedicadas ao tema; o autor concebe a arte como uma moldura que encerra todo artifício humano: criar significa, portanto, fazer arte.

Esses três nomes, porém, ainda que excepcionalmente talentosos, não representam uma cena tão diversificada, oculta e dispersa, e eu faltaria com o respeito e consideração devidos a tantos outros que não citei se me alongasse mais. Prefiro, então, encerrar aqui os exemplos e referências a autores próximos a nós, deixando a cada um o prazeroso dever de buscar esses artistas extraordinários. O que importa aqui é deixar claro que artistas de vanguarda já existem.


Arte e informática


Uma vanguarda não é verdadeiramente tal se não souber utilizar plena e frutuosamente as tecnologias e inovações que seu tempo coloca à sua disposição – seria ainda melhor antecipá-las. Hoje, as tecnologias nos permitem criar projetos gráficos de extraordinária eficácia, comunicar a distâncias impensáveis em tempo real, baixar vídeos da internet, produzir nossos próprios vídeos praticamente sem custo, criar música (eletrônica) com programas gratuitos, editar fotos e transformá-las em verdadeiras obras de arte. A arte hoje passa necessariamente pelas tecnologias da informática. Nossas vidas estão informatizadas e, enquanto soubermos controlar essas ferramentas extraordinárias, isso será algo positivo.

A publicidade também é uma forma de arte, e hoje é a mais eficaz: a vanguarda deve saber explorar as linguagens informáticas, deve aprender a modificá-las e "dirigi-las" na direção que deseja, ou seja, transformar o veneno em remédio.

O processamento de imagens e textos, os habituais cartazes de concertos e conferências que bem conhecemos, tornam-se então um momento fundamental de comunicação com o mundo exterior e com aqueles que estão distantes ou ainda não próximos de nós. É preciso saber fascinar e impactar, sem concessões fáceis. Os projetos gráficos desenvolvidos pela Casa Pound, Zetazeroalfa, Noreporter, mas também pela Base Militante Projeto Torino ou pelo Thule Seminar, entre outros, possuem todos uma marca absolutamente inovadora nesse sentido, e toda a vanguarda tem a aprender com eles em eficácia e impacto. É hora de renovar definitivamente a estética e a arte, porque só assim será possível renovar os homens e o território. O trabalho artístico nesse sentido está, repito, apenas no início, e todos os espíritos artísticos deveriam se envolver, dadas as imensas possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias.

O cinema, naturalmente, não pode ser ignorado, e o projeto Corti e Ribelli me parece seguir o caminho certo; e quanto ao teatro, não podemos deixar de citar a companhia Vertex Teatro.

Tudo gira em torno de uma imaginação vibrante e de uma grande inventividade. Vulcanismo?

Ernst Jünger, em "O Contemplador Solitário", escreve numa carta a Henri Plard: «O Trabalhador é um titã e, como tal, um filho da Terra; segue, como diz Nietzsche, o sentido da Terra, e isso até ao ponto em que parece destruí-lo. O vulcanismo intensificar-se-á. A Terra não fará apenas surgir novos géneros, mas também novas ordens. O Super-Homem ainda pertence à espécie [...] Para começar, a derrubada dos deuses é o assalto material ao mundo paternalista, com os seus princípios, os seus sacerdotes e os seus heróis, e ainda não terminou. A resposta estará à altura do ataque. Hesíodo e a Edda tornam-se atuais outra vez» [7].

Como foi dito, o termo "Futurismo" seria hoje "passadista", e uma arte que queira ser verdadeiramente vanguarda não pode permanecer ligada a fórmulas do passado; muito mais atual é, sem dúvida, o oxímoro "Arqueofuturismo", que não recebeu uma definição clara, o que, aliás, é difícil de fazer. No entanto, propor e criar novas definições e novas fórmulas expressivas e representativas de uma atitude artística seria, na minha opinião, útil. Jünger fala de vulcanismo, e me parece uma boa definição para um tipo de arte que pretende renovar e que, ao mesmo tempo, extrai sua energia do elementar. Vulcanismo remete à terra e ao fogo, nele se concentram o poder e o enraizamento, e evoca a imagem de uma energia imparável, a força de uma explosão elemental que irrompe das entranhas da Terra, arrasando tudo em seu caminho. É a força telúrica dos Titãs, que empunham o poder da técnica e voltam o olhar para o futuro. É o Futurismo em potência máxima, uma vontade que aguarda, sepultada na Terra, o momento propício para se espalhar como um incêndio que tudo renova.

 

Notas 

 

[1] Ernst Jünger – Martin Heidegger, Oltre la linea, Adelphi e E. Jünger, Trattato del Ribelle, Adelphi.
[2] Drieu La Rochelle, Eresie, Edizioni di Ar
[3] http://www.astroarte.it/astroarte/artivisive/storia/nottestellata.htm
[4] Giorgio Locchi, Wagner Nietzsche e il mito sovrumanista, Akropolis
[5] Adriano Scianca, Il mito e l’avanguardia.
[6] Duccio Trombadori, Quattro passi fra gli eroi, Panorama del 
17/6/2004. www.panorama.it
[7] In Alain de Benoist, L’Operaio fra gli dèi e i titani, [versione Web] Terziaria. Pag. 105