02/03/2023

Hervé Cavallera - O Mal do Presente

 por Hervé Cavallera

(2016)


Existe, no presente e não apenas na Itália, um mal-estar generalizado que se afirma na própria juventude. Uma sensação de cinzentismo, mesmo de escuridão. O amanhã é incerto. A crônica registra os retumbantes fracassos de qualquer tentativa que poderia não ter vindo de más intenções. O fracasso dos concursos para postos docentes escolares, com a arbitrariedade de algumas comissões, com a incapacidade de conseguir a contratação dos vencedores, com a contradição radical de um julgamento que pretendia ser objetivo e que de fato se transformou na avaliação subjetiva da retórica oral; a corrosão da qualidade dos estudos universitários em querer garantir a graduação em massa que não garante empregos; a necessidade de reformas que, ao invés de serem justificadas por sua natureza intrínseca, se justificam em nome do fazer; o medo generalizado dos arquivos fiscais da Equitalia vistos como uma força vampírica; os bancos cada vez mais percebidos como locais para corrupção e engano dos clientes; a incapacidade de dominar a imigração em massa. Tudo isso e muito mais decorre da afirmação de dois mitos, o da validade da ciência e o da validade da tecnologia. 

Eles se inseriram numa cultura, a ocidental, que é essencialmente cristã e, portanto, voltada à solidariedade, a uma boa disposição para com todos. O progresso, de fato, foi percebido mais no nível de "viver confortavelmente" do que no nível ético, e isto permitiu que o estado de espírito solidário parecesse estar assegurado pela ciência e pela tecnologia, com sua aparente neutralidade e universalidade, com as promessas de um mundo materialmente melhor. Por trás disso (Weber havia explicado) estão o nascimento do capitalismo, mas também o sonho do Iluminismo, o sonho da razão, a afirmação positivista da objetividade científica, as indubitáveis conveniências oferecidas pela tecnologia. Em suma, as grandes tentações que têm destruído a alma ética da sociedade ocidental.

É, portanto, um processo lento que só foi plenamente realizado com o final do século XX. É preciso perceber o que aconteceu no século passado. O grande projeto, se assim se pode dizer, tem sido, no Ocidente e sempre dentro da tradição cristã e especulativa, garantir o triunfo da justiça social. Isto foi fortemente sentido pelos grandes totalitarismos através da inserção do projeto em uma estrutura hierárquica na qual o conceito de justiça social era flanqueado pela ideia de desigualdade ou melhor, diversidade das habilidades, capacidades, potencialidades e aspirações dos indivíduos. A hierarquia era ou queria ser a de cada pessoa em seu lugar de direito.

Depois o que aconteceu desde os eventos que levaram à Segunda Guerra Mundial até a crise do comunismo. O único rastelo sobrevivente do século XX foi e é o rastelo capitalista baseado nos EUA que proclamou a igualdade de todos e, ao mesmo tempo, a licitude da competição pelo sucesso.

O homem se considerou verdadeiramente destinado a dominar os outros e o próprio habitat do planeta. Avante o mais capaz! Uma capacidade, entretanto, medida pela escala de sucesso imediato, neste mundo. Daí o hedonismo (é preciso desfrutar) e o relativismo (todos desfrutam como acham conveniente). Ambos apoiados pelos avanços oferecidos pela ciência e pela tecnologia e embelezados como democráticos na medida em que nada é excluído de ninguém. O que pode ser traduzido em termos ainda mais simples: o triunfo do individualismo. Um individualismo no qual, no entanto, todos podem se reconhecer e que, portanto, é confundido com igualitarismo. O líder é muito "melhor" na medida em que se parece com todos, fala como todos... Não mais o campeão da elite, mas o exemplo do homem comum. Que este não é o caso na realidade é claro, mas também é claro que o líder escolhido (basta olhar para os EUA) é aquele que pode se comunicar com o homem comum. Aqui, paradoxalmente, há uma referência inconsciente ao mundo comunista. O autor destas linhas lembra muito bem como um conhecido colega de esquerda lhe disse, em uma conferência pública, como os professores não deveriam fazer com que os alunos subissem ao seu nível, mas que deveriam descer ao dos alunos. Tudo isso significava que, a partir de uma hierarquia fundada (ou que se esperava estar fundada) na meritocracia fundida na ética, passamos à aceitação de uma hierarquia factual (teoricamente negada) baseada no sucesso econômico obtido por qualquer método, tentando salvaguardar ou contornar as regras. Por qualquer método, precisamente porque a ciência e a tecnologia desconsideram a ética e, portanto, não se colocam tais problemas, ainda mais se se aceita a ideia de que todos são livres (mas a liberdade não é necessariamente responsabilidade). Isto tem levado a uma proliferação indiscriminada de possibilidades. Basta pensar nas teorias de gênero e na "descoberta" de sexos de todo tipo. O que existe, na medida em que está lá, justifica sua existência. Se se falasse especulativamente, a existência justifica a si mesma, excluindo o discurso da essência.

É, portanto, um Ocidente que se desmorona em si mesmo e é incapaz de fazer escolhas políticas orgânicas de alto nível, mostrando-se despreparado diante de qualquer comportamento "forte" (por exemplo, o terrorismo fundamentalista). As contradições e as situações grotescas em que nos encontramos diariamente tornam-se então compreensíveis e inevitáveis. Não que a solidariedade não seja falada e celebrada hoje. E há verdade em tal instância. Mas ela se contradiz, na medida em que para se afirmar verdadeiramente deve excluir da esfera da gestão pública, a primazia da economia ligada à ciência e à tecnologia. E ainda assim, deve-se dizer que há uma crescente consciência de que as coisas não estão indo bem e que há uma necessidade de mudança radical. Se estas forças e expectativas encontrassem um verdadeiro coletor, uma renovação decisiva poderia ser alcançada com o estabelecimento de uma nova ordem.