11/03/2023

José Alsina Calvés - A Dissidência Falangista e o Grupo de Burgos

 por José Alsina Calvés

(2007)


Sobre a suposta oposição falangista ao regime de Franco


Desde o fim do regime de Franco e o início da transição, vários grupos falangistas reivindicaram uma suposta oposição falangista ao regime de Franco, que se ligaria à figura de Hedilla (condenado à morte e posteriormente indultado por se opor ao decreto de unificação) e que culminaria na criação do partido Falange Española Auténtica, que se dizia democrático e anti-Franco.

É chocante que na literatura e nos escritos produzidos por estes setores "dissidentes" falangistas não haja praticamente nenhuma referência ao "grupo de Burgos", personalidades falangistas que se reuniam nesta cidade castelhana sob a liderança inquestionável de Dionisio Ridruejo, mesmo antes do fim da guerra civil. O grupo de Burgos não só reuniu os intelectuais mais brilhantes dos falangistas (poetas como Ridruejo, Rosales e Vivanco; intelectuais como Laín e Tovar; romancistas como Torrente Ballester), mas alguns de seus membros estiveram envolvidos em confrontos diretos ou indiretos com o próprio Franco (carta de Ridruejo sobre seu retorno da Rússia; incidentes na Universidade de Madri em 1956) muito antes mesmo de a "oposição democrática" sonhar em fazer algo semelhante.

Agora que os ventos estão soprando a favor da "recuperação da memória histórica", acho que seria bom "recuperar" historicamente o grupo de Burgos. Há um pequeno problema: apesar da evolução posterior (muito posterior) de muitos de seus membros para outras posições políticas, os membros do grupo de Burgos eram inequivocamente fascistas. Que os primeiros opositores de Franco eram fascistas não se encaixa muito bem nos padrões do politicamente correto, para o qual a palavra fascista deixou de ser a palavra que designa uma ideologia (ou um conjunto de ideologias) que surgiu na Europa entre guerras, para se tornar um insulto (mais do que um insulto, uma desqualificação ritual), que pode ser aplicada a grupos ou pessoas absolutamente díspares (Franco, Saddam Hussein, Aznar, Pinochet, ETA, etc.).

A "recuperação" da história traz surpresas.


Formação do grupo de Burgos


A história do grupo de Burgos encontra-se na revista Jerarquía, publicada em Pamplona pelo padre Fermín Yzurdiaga, delegado nacional de imprensa e propaganda do Falange. Nesta revista, da qual apenas quatro números foram publicados, encontramos vários colaboradores, muitos dos quais veremos pouco depois no grupo de Burgos: Pedro Laín, Torrente Ballester, Ángel María Pascual, Luis Felipe Vivanco, Luis Rosales, Rafael García Serrano, sem esquecer Eugenio D'Ors.

Em 9 de março de 1938, com o primeiro governo de Franco, e graças ao apoio de Serrano Suñer, Dionisio Ridruejo assumiu o Serviço Nacional de Propaganda e se estabeleceu em Burgos. A Ridruejo, líder indiscutível do grupo, juntaram-se pessoas que já haviam feito parte da redação de Jerarquía, como Laín, Torrente, Vivanco, Rosales[1], e novas adições, como o grupo de catalães que editou o semanário Destino em Burgos, Ignacio Agustí, José Vergés, Javier de Salas e Juan Ramón Masoliver.

O grupo de Burgos se consolidou rapidamente, tanto ideologicamente, quanto politicamente e pessoalmente (ali foram forjadas amizades que durariam uma vida inteira). Como um grupo que aspirava ser a "classe política líder" do Novo Estado, ele se caracterizava por uma ideologia, uma estratégia e uma tática.

A ideologia do grupo era o nacional-sindicalismo radical [2]. Neste sentido, o verdadeiro intelectual orgânico do grupo foi Pedro Laín Entralgo[3], que desenvolveu suas teses em três obras fundamentais: Os Valores Morais do Nacional-Sindicalismo); A Geração de 98 e A Espanha como Problema. O discurso ideológico de Laín deriva das teses históricas desenvolvidas por Ramiro Ledesma em seu Discurso às Juventudes da Espanha: mais do que uma "decadência", devemos falar de uma derrota da Espanha. No século XVII, a Espanha foi derrotada, não pela Europa, mas pela Reforma Protestante e pela Inglaterra. Como consequência desta derrota, a Espanha se fechou sobre si mesma, e a modernidade foi construída sobre suas costas.

No século XIX, quando as grandes nações europeias (França, Alemanha) estavam construindo seus Estados-nações, a Espanha estava imersa em uma "luta estéril entre os tradicionalistas que não sabiam ser modernos e os liberais que não queriam ser espanhóis". Já no século XX, a Espanha estava dividida em três partes: a dos partidos, a das classes sociais e a dos territórios. A tudo isso deve ser acrescentada a ameaça da revolução comunista, que para os falangistas era "justa em suas origens", mas mal orientada por sua ideologia e sua trajetória.

A Espanha era, portanto, um problema. A mera vitória militar não é a solução, mas apenas uma premissa ou condição para que a solução fosse tentada[4]. A solução está na revolução defendida pela Falange e na construção do Estado Nacional-Sindicalista. Este Estado cumprirá a missão de integrar todos os espanhóis nos níveis nacional, social e cultural.

Em nível nacional, através da criação de mecanismos de participação, mobilização e organização como alternativa à democracia liberal, e com especial atenção aos territórios, como a Catalunha, onde o separatismo estava (e está) mais profundamente enraizado. À simples repressão Laín opõe à fórmula orteguiana do "projeto sugestivo de vida em comum".

No campo social, o projeto falangista radical propôs a criação de uma poderosa organização sindical que, de fato, dirigiria a vida econômica do país. Esta ideia do social nada tem a ver com a simples ideia de "assistência social" ("caridade" na versão cristã, ou "solidariedade" na versão progressista). Na verdade, não é uma ideia "social", mas uma ideia "política", que, se tivesse sido realizada, teria sido verdadeiramente revolucionária[5].

No campo cultural, ela propõe a integração numa "cultura nacional" de todos os autores, escritores, poetas e artistas que, de uma forma ou de outra, e de qualquer lado que venham, tenham "sentido" a Espanha. Menéndez Pelayo e a Geração de 98 (assim como Ortega y Gasset) são as linhas fundamentais deste projeto, e a "recuperação" do poeta republicano Antonio Machado[6] um dos objetivos mais acarinhados. O projeto cultural do grupo tomou a forma da revista Escorial.

Este projeto político, que responde ao "problema" da Espanha, tem uma projeção europeia. A síntese nacional que o Falange representa na Espanha também está ocorrendo em outros países europeus, embora com outras peculiaridades. Em resumo, seria a síntese entre o nacional e o social.

Para Laín, a "moral nacional" foi expressa pela primeira vez na história na batalha de Valmy, no grito francês de "Vive la Nation"! Há aqui uma leitura positiva de alguns aspectos da Revolução Francesa. A "moral do trabalho", que seria o outro pólo dialético desta síntese, encontra-se nos diversos movimentos socialistas. Laín dá à síntese o nome genérico de "Eestado nacional-proletário". Em outras palavras, o projeto falangista radical é a versão espanhola de um movimento que está ocorrendo em toda a Europa: o fascismo.

A estratégia política do grupo de Burgos, pelo menos nesta primeira etapa, estava ligada à carreira política de Ramón Serrano Suñer, cunhado de Franco e uma figura altamente influente no início do regime de Franco. A estratégia política de Serrano, e portanto a do grupo de Burgos, baseava-se nos seguintes projetos:

  • A entrada da Espanha na Segunda Guerra Mundial ao lado das potências do Eixo. A guerra aceleraria a "falangização" do Estado, e a vitória do Eixo garantiria sua projeção internacional na "Nova Europa". É nesta linha que vai o famoso discurso de Serrano, "a Rússia é culpada". O projeto fracassou. Franco preferiu a solução da "Divisão Azul". Por um lado, ele se livrou dos falangistas mais radicais; por outro, manteve uma posição ambígua, que lhe permitiria sobreviver a quem quer que ganhasse a guerra.
  • Ele queria construir a arquitetura do "Novo Estado" sobre o modelo fascista: um partido único para controlar o governo (FET y de las JONS) e uma poderosa organização sindical (liderada pelos falangistas) para controlar a economia. Este projeto também fracassou. Ridruejo se enfrentou duramente em duas ocasiões com Pedro Sainz Rodríguez, Ministro da Educação e o principal representante intelectual do grupo Acción Española. A primeira vez foi sobre a elaboração do "Código do Trabalho". Diante das propostas de Ridruejo, Sainz Rodríguez retorquiu "mas isso é revolução"; o poeta soriano respondeu "naturalmente, não se trata de outra coisa". A segunda ocasião foi quando o esboço dos novos estatutos do FET y de las JONS estava sendo discutido: nesta ocasião, o próprio Franco interveio, repudiando Ridruejo.
  • No campo sindical, a ofensiva desenvolvida por Gerardo Salvador Merino, Delegado Nacional dos Sindicatos desde setembro de 1939, um "camisa velha" e muito próximo de Serrano e Ridruejo, foi importante. Para Salvador, o aparato sindical deveria ter supremacia na esfera econômica, assim como o "partido" deveria ter supremacia na esfera política. A crescente capacidade da central sindical nacional de organizar e mobilizar as massas foi vista com desconfiança por outros setores do regime, especialmente os militares, que acabaram bloqueando o projeto.

Em termos gerais, a estratégia política de Serrano e do grupo Burgos para o controle do Estado Novo foi um fracasso, mesmo antes da derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial, o que não significa que por alguns anos não ocuparam posições importantes de poder.

Sua tática principal durante esses anos foi focalizar os aspectos estéticos e de propaganda, com a ideia equivocada de que uma fascistização externa do regime levaria automaticamente a uma fascistização interna. Esqueceram a distinção que Ramiro Ledesma havia estabelecido em seu livro Fascismo na Espanha entre "fascista" e "fascistizado".

Mas mesmo nesta área, eles tinham suas limitações. Alguns aspectos do fascismo convinham a Franco (enquanto havia esperança de vitória do Eixo), mas não outros. Os comícios de massa, as grandes cenografias, a exaltação de sua liderança não só eram permitidos, mas encorajados. A campanha de propaganda que Ridruejo havia preparado para a Catalunha, em catalão, insistindo na "libertação" e, sobretudo, visando os setores da classe trabalhadora da capital catalã, para atraí-los ao nacional-sindicalismo, foi bloqueada por ordem do General Eliseo Álvarez Arenas, chefe dos Serviços de Ocupação.

A primeira tentativa de ação política do grupo de Burgos para a "conquista do Estado" foi um fracasso. A derrota do Eixo e a queda política de Serrano Suñer desativaram o grupo. Nos anos 50, sob a proteção do Ministro da Educação Joaquín Ruiz Giménez, o grupo de Burgos voltaria a ocupar o centro do palco. A estratégia e as táticas seriam diferentes, mas a ideologia seria a mesma. Mas, entretanto, ocorreu um evento importante: a ruptura de Ridruejo com Franco.

Ridruejo contra Franco


Em 4 de agosto de 1941, Ridruejo participou de uma transmissão na Rádio Berlim, na qual justificava a participação da Espanha na guerra; depois partiu para a frente de batalha. Houve muita especulação sobre a influência da guerra em Ridruejo, sobre suas motivações pessoais, sobre seu "complexo" de ter passado a guerra civil na retaguarda, sobre o reflexo da guerra em sua obra poética (Cadernos da Rússia). Foram feitas comparações com Jünger (Tempestades de Aço). Mas existe um mito absolutamente falso a refutar: o Ridruejo que foi à Rússia como fascista e voltou como "democrata".

Os defensores deste mito têm um argumento "incontestável": ao voltar da Rússia, Ridruejo confrontou Franco, portanto voltou um "democrata" e um "pacifista". A realidade é exatamente o oposto: Ridruejo voltou mais convencido do que nunca de seus ideais nacional-sindicalistas. Foi quando ele percebeu que estes ideais estavam divorciados da realidade do regime que ele decidiu romper com ela.

Em maio de 1942, pouco depois de seu retorno da Rússia, Ridruejo foi recebido por Franco. Nesta entrevista ele foi bastante crítico da situação, especialmente do que ele considerava ser uma corrupção desenfreada, visível em todos os lugares. No início do verão, Ridruejo reuniu-se com Arrese, na época secretário geral do FET y de las JONS, e um bom representante da posição oportunista. Totalmente decepcionado com essas reuniões, Ridruejo decidiu romper com o regime.

Em 7 de julho de 1942, Ridruejo enviou a Franco uma carta de coragem incomum. É difícil imaginar que o general no curso de sua carreira como chefe de Estado teria recebido outra carta tão franca e crua. O conteúdo da carta era tão duro que não se podia voltar atrás na decisão de se distanciar do aparelho oficial do regime. Destaquemos alguns parágrafos:

"Tudo parece indicar que o Regime está afundando como empreendimento, mesmo que seja sustentado como 'edícola' [...] O senhor acha que eu poderia ter maior infortúnio, por exemplo, do que ser baleado na mesma parede do General Várela, do Coronel Galarza, do Sr. Esteban Bilbao ou do Sr. Ibáñez Martín? Não é uma questão de não morrer. Mas por Deus! não morrer confundido com o que se odeia [...] Esta não é a Falange que queríamos nem a Espanha que precisamos".

Nem todos os membros do grupo de Burgos tiveram a coragem de Ridruejo. Tovar e Laín, por exemplo, se aposentaram discretamente para suas cadeiras universitárias para esperar tempos melhores. Ridruejo, que não tinha outra profissão senão a de poeta, e que nem sequer havia terminado seus estudos de Direito, foi deixado em uma posição pessoal precária quando deixou todos os seus postos oficiais.

Em 16 de agosto do mesmo ano, aconteceram os "eventos de Begoña". Em um evento realizado no santuário da Virgem de Begoña (Vizcaya), ocorreram incidentes entre falangistas e requetés. O inspetor nacional do SEU, Juan Domingo Muñoz, acusado de ter jogado uma granada e de ser um "agente dos ingleses" foi condenado à morte, e a sentença foi executada apesar da intensa pressão de Franco por numerosos líderes falangistas para que a sentença fosse comutada[7].

O resultado da crise foi o abandono definitivo da política por parte de Serrano Suñer. Dionisio Ridruejo, embora não tivesse nada a ver com todo o caso, foi preso e confinado, primeiro em Ronda e depois na Catalunha. Ridruejo poderia agora ser considerado um "antifranquista", mas ele permaneceu um falangista. Por volta desta época ele escreveu a Serrano: "Eu não vou deixar a Falange essencial".


Anos 50: o Grupo de Burgos volta à briga


Em julho de 1951, Franco fez uma ampla mudança no governo, dando a Joaquín Ruiz Jiménez um cargo no Ministério da Educação Nacional, cargo que até então sempre havia sido ocupado por homens ligados à Acción Española e/ou sua continuação natural, o Opus Dei. Como aponta Morente[8], esta figura é normalmente identificada como "católica", mas isto não quer dizer nada (todos os membros do grupo de Burgos eram católicos). Ruiz Jiménez era um falangista, e não tinha nenhuma conexão com o Opus Dei, nem estava ligado à Acción Española.

Sob o guarda-chuva de Ruiz Jiménez (como Serrano tinha sido antes dele) os membros do grupo de Burgos lutariam sua última batalha para reorientar o regime a partir de dentro. A ideologia do grupo continuava a ser o falangismo radical, cada vez mais distante do "falangismo oficial". A estratégia e as táticas serão muito diferentes. O objetivo não era mais a ocupação do Estado, mas a agitação cultural e universitária, a entrada em instituições educacionais e uma tentativa de assumir a liderança em uma agitação universitária latente que já estava em fase de preparação. Em suma, um programa gramscista que, anos depois, os comunistas concretizariam com notável sucesso.

Ruiz Giménez ofereceu a Laín o cargo de subsecretário do Ministério, que ele recusou, mas aceitou o cargo de reitor da Universidade Complutense de Madri. Antonio Tovar (outro membro do grupo de Burgos) assumiu o cargo de reitor da Universidade de Salamanca. Outros cargos importantes no Ministério foram ocupados por falangistas próximos ao grupo de Burgos. Ridruejo não ocupou nenhum cargo, mas aproveitando as plataformas que seu status de notável jornalista e escritor lhe oferecia, ele subiu repetidamente ao palco para defender a política que estava sendo promovida pelo Ministério por seus amigos Laín e Tovar.

Quem eram os principais opositores do projeto Ruiz Giménez? Os herdeiros do catolicismo fundamentalista da Acción Española, que hoje fazem parte de uma geração intelectual agrupada em torno do Opus Dei, com Rafael Calvo Serer[9] e Florentino Pérez Embid como suas principais referências intelectuais.

A batalha política teve sua projeção intelectual. À publicação de Laín Espanha como Problema em 1948, Calvo Serer respondeu com a Espanha sem problemas em 1949, um título que em si mesmo era uma bofetada na cara de Laín[10].

Durante alguns anos, o trabalho cultural, político e ideológico do grupo foi contínuo, a partir de uma grande variedade de tribunas. No nível universitário, os candidatos falangistas da SEU começaram a ganhar títulos de professor a um ritmo nunca antes visto. Isto coincidiu com a atividade frenética das revistas universitárias falangistas, onde uma nova geração de jovens militantes tomou seus primeiros braços, revelando o crescente descontentamento daqueles que haviam sido socializados na ideia de uma revolução nacional que não podiam ver tomando forma em lugar algum.

Em outro nível, devemos mencionar a aprovação em 1953 da Lei de Regulamentação do Ensino Médio, que melhorou substancialmente a lei do bacharelado de 1938. O objetivo era aumentar o controle do Estado sobre a educação privada (que na época era toda religiosa). A lei foi totalmente oposta pelos opusdeístas, com o apoio da hierarquia da Igreja, e foi um grande golpe político para Ruiz Jiménez.

A vida universitária neste período foi caracterizada por uma crescente efervescência política. Uma causa subjacente ao crescente descontentamento estudantil foi o crescente desemprego acadêmico, ou seja, as dificuldades que os graduados tinham em encontrar trabalho, em parte como resultado de uma administração bloqueada na década anterior por todos aqueles que, com base nos méritos da guerra (reais ou fictícios), haviam assumido cargos e empregos em todos os níveis da administração.

Outro fator que impulsionou a agitação estudantil foi a própria atitude do SEU. Para recuperar terreno, a União intensificou suas atividades assistenciais, ao mesmo tempo em que deu a suas revistas e publicações um tom mais crítico e combativo, sempre sob a perspectiva do nacional-sindicalismo radical e com o firme apoio de reitores como Laín e Tovar.

A atmosfera aqueceu consideravelmente em janeiro de 1954, quando o SEU convocou uma manifestação estudantil para protestar contra a visita da Rainha da Inglaterra a Gibraltar. A manifestação foi violentamente interrompida pela polícia. Os estudantes ficaram indignados contra a liderança do SEU que os havia convocado. O líder do SEU, Jordana de Pozas, teve que ser resgatado de uma assembleia universitária pelo próprio Laín Entralgo, quando os seuisatas perderam completamente o controle da situação.

Laín fez um pacto com o Ministro do Interior, Blas Pérez, para que a polícia não entrasse na Universidade, e conseguiu pacificar a situação com uma intervenção pessoal em uma assembleia na qual participaram entre dois e três mil estudantes, embora com uma certa perda de prestígio entre as massas estudantis. Enquanto isso, outro protagonista coletivo aparecia: o primeiro núcleo de ativistas comunistas, formado por Javier Pradera, Enrique Múgica, Ramón Tamames e Fernando Sánchez-Dragó[11]. Estes ativistas trabalhariam para virar os estudantes contra o SEU e reverter a situação para que os falangistas perdessem o controle da mesma.

O gatilho final da crise política veio com a proibição por parte das autoridades do Congresso de Jovens Escritores, cujas cordas eram puxadas pelos falangistas e que teve o apoio explícito de Ridruejo. O núcleo comunista aproveitou o descontentamento para propor a convocação de um Congresso Nacional de Estudantes, que se tornaria o único órgão legítimo de representação dos estudantes.

A partir deste ponto, surgiu um novo ator, a "falange" oficial, ou seja, aquela ligada à estrutura do Movimento. Em 7 de fevereiro, um grupo uniformizado da 20ª Centúria da Guarda de Franco interrompeu violentamente as eleições para representantes dos estudantes na Faculdade de Direito. No dia 8, os incidentes foram repetidos. Parece que muitos dos que participaram do assalto não eram estudantes e, durante o mesmo, o reitor da faculdade, o falangista Manuel Torres López, foi agredido. Os estudantes responderam esmagando as instalações do SEU.

Estas ações foram desastrosas para a estratégia do grupo de Burgos. O movimento estudantil escorregou completamente de suas mãos. Como se isso não bastasse, no dia 9 de fevereiro, os confrontos eclodiram nas ruas e Miguel Ángel Álvarez Pérez, um membro de dezenove anos da Centúria "Álvarez de Sotomayor" das Falanges Juvenis de Franco, foi morto a tiros. Nunca foi esclarecido de onde veio o tiro, embora, segundo o médico que o operou, ele tenha sido disparado por trás, o que torna plausível que o tiro tenha sido disparado acidentalmente de uma arma carregada por um de seus camaradas ou pela polícia. É improvável que os estudantes mobilizados pelos comunistas estivessem carregando armas.

A leitura do Regime sobre os acontecimentos em Madri foi inequívoca: os comunistas estavam por trás de tudo isso. Esta leitura envolveu não apenas fundamentalistas do Opus Dei, mas também muitos falangistas do Movimento. Girón de Velasco falou de uma conspiração de "marxistas e monarquistas[12]". Este foi o caso a partir daquele momento. A queda de Ruiz Giménez, a renúncia de Laín e Tovar, a prisão de Ridruejo e a dissolução do SEU abortaram completamente a tentativa do falangismo radical de liderar, ou pelo menos de participar do movimento estudantil.

O vácuo deixado pelo falangismo radical na universidade espanhola seria preenchido pelo ressurgimento do Partido Comunista, que ao longo dos anos 60 e 70 praticou com sucesso a política de entrismo e agitação cultural uma vez tentada pelo grupo de Burgos. Esta foi a universidade que muitos de nós conhecemos.

Se havia uma dissidência falangista contra Franco, era a do grupo de Burgos. O resto são contos de velhas.

Notas

[1] Rosales era um amigo pessoal de Garcia Lorca, a quem ele tentou salvar escondendo-o em sua própria casa. No final, o poeta sevilhano foi assassinado por ordem de um líder local da CEDA com o apoio dos militares.
[2] Francisco Morente, em seu livro Dionisio Ridruejo, del fascismo al antifranquismo, distingue três "famílias políticas" entre os falangistas durante a Guerra Civil e o início do regime franquista: os radicais, liderados por Serrano Suñer, o mais próximo do fascismo europeu, que aspiravam à construção do Estado Nacional-Sindicalista sem concessões; os "legitimistas", constituídos por pessoas próximas ao ambiente pessoal de José Antonio Primo de Rivera, como sua irmã Pilar ou José Antonio Girón, que aspiravam apenas a parcelas de poder e influência no Estado Novo, e os "oportunistas", que aspiravam a uma carreira pessoal, colocando a Falange a serviço de Franco sem contrapartidas políticas, como Arrese ou Fernández Cuesta.
[3] Que ele foi um dos mais distintos intelectuais espanhóis do século XX.
[4] É aqui que a diferença entre o grupo de Burgos e outro grupo muito influente de intelectuais no regime de Franco, o da Acción Española, ou seja, os discípulos de Ramiro de Maeztu, que mais tarde formou o Opus Dei, pode ser vista com mais clareza.
[5] Se era economicamente viável ou não, é outra questão. Nem Laín nem qualquer outro membro do grupo de Burgos era economista.
[6] Alguns dos poemas de Antonio Machado sobre Castela poderiam ter sido escritos por um falangista.
[7] Juan Domingo Muñoz foi o único falangista fuzilado por Franco.
[8] Dionisio Ridruejo: del fascismo al antifranquismo, Ed. Síntesis, Madrid 2006, p. 381.
[9] Este personagem, após sua defenestração política, começou a falar da "terceira força" e do centrismo. Suas ideias tomariam forma mais tarde na formação da UCD.