por Christopher Pankhurst
A campanha viral Kony 2012 gerou uma enorme quantidade de interesse. O vídeo postado no Youtube foi visto mais de 70 milhões de vezes em menos de uma semana.
O vídeo trata de Joseph Kony, o líder do Exército de Resistência do Senhor (LRA), uma milícia ugandense notória por seu sequestro de crianças que são então treinadas como soldados ou escravas sexuais. A ONG Invisible Children lançou o filme Kony 2012 em 5 de março com o objetivo de publicizar seus crimes e encorajar protestos. Eles esperam garantir sua prisão antes do fim de 2012.
A campanha Kony 2012 já conseguiu um sucesso massivo em gerar uma enorme publicidade. Ela efetivamente utilizou e ampliou as técnicas existentes de conexão social e campanha viral. E ela também tem sido criticada por neocolonialismo. Mas há outras questões relativas à campanha Kony 2012 sobre as quais nós deveríamos refletir. Essas questões tem relação com as tecnologias emergentes de Guerra de Quinta Geração. Seria Kony 2012 uma operação de guerra de quinta geração?
O modelo de guerra de quinta geração teve sua gênese em um artigo publicado na Marine Corps Gazette em 1989 entitulada "A Face Mutante da Guerra: Em Direção à Quarta Geração". Nesse artigo, Lind e companhia desenvolveram um modelo de guerra moderna descrito em termos de quatro gerações de desenvolvimento evolutivo. A primeira geração da guerra moderna era caracterizada pelo uso de linha e coluna, e de mosquetes. Essa geração foi exemplificada nas guerras napoleônicas. A segunda geração utilizou uma tecnologia mais impiedosa, como metralhadoras e rifles, e era taticamente mais móvel. A Primeira Guerra Mundial representa o ápice da guerra de segunda geração. A terceira geração foi o modelo dominante para a maior parte do resto do século XX. Ela tentou ultrapassar a linha de frente do inimigo através de infiltração e movimento rápido, e novamente utilizou tecnologias mais mortíferas como tanques. Ela é caracterizada pela blitzkrieg.
O artigo então defende que uma quarta geração da guerra estava emergindo. A quarta geração da guerra "provavelmente será amplamente dispersa e pouco definida; a distinção entre e guerra e paz será relativizada até o ponto da anulação. Ela será não-linear, possivelmente ao ponto de não ter campos de batalha ou frontes definidos. A distinção entre 'civil' e 'combatente' pode desaparecer". Operativos da guerra de quarta geração não serão necessariamente identificáveis como combatentes; ao invés eles se misturarão com a sociedade do inimigo até o momento de atacar. Obviamente, os ataques de 11/09 se encaixam muito bem nesse modelo.
Desde a publicação de "A Face Mutante da Guerra" tem havido tentativas de atualizar o modelo generacional para incluir uma quinta geração. Na guerra de quinta geração, o campo de batalha engloba a totalidade das esferas social, política, ideológica, científica, econômica e militar. É possível, e em muitos sentidos desejável, que os combatentes da guerra de quinta geração não saibam quem eles estão lutando, ou nem mesmo que eles estão lutando. Espera-se que todo o arsenal das tecnologicas NBIC (Nano-Bio-Info-Cogno) seja utilizado na guerra de quinta geração, ainda que de modos extremamente imprevisíveis, e talvez até invisíveis. Uma característica marcante da guerra de quinta geração é a manipulação do contexto dos observadores do conflito. Ao invés de focar na derrota física do inimigo, a guerra de quinta geração reconhece o potencial para que novas tecnologias manipulem os sistemas de crença dos observadores que podem apoiar ou se opôr ao conflito.
É possível que Kony 2012 esteja sendo utilizado, talvez mesmo sem o conhecimento da ONG Invisible Children, para realizar uma operação de guerra de quinta geração? Há fortes razões para suspeitar que este pode ser o caso.
Uma das armas mais potentes dessa campanha viral é a mira focalizada sobre "formadores de opinião" e "elaboradores de políticas" que podem ser contatados diretamente através de uma astuta interface na mesma página do vídeo. O propósito desse contato é manter a campanha no foco da mídia através dos formadores de opinião, e forçar os elaboradores de políticas a manter a uma presença americana na África Central. Como é afirmado no vídeo, Obama autorizou o envio de 100 "consultores americanos" à África Central para ajudar na caçada por Kony. "Foi a primeira vez na história que os EUA tomaram essa decisão porque o povo demandou. Não por autodefesa mais porque era certo". Ou, talvez, por causa do petróleo.
A descoberta de petróleo no Rifte de Albertina na Uganda, pode, para os de mentalidade mais cínica, oferecer uma excelente razão para o envio de forças americanas à Uganda. É certamente esperado que ela leve a um conflito, e um possível resultado pode ser visto olhando-se para os campos de petróleo da Nigéria.
O rico Delta do Níger ten sido cenário da possivelmente mais bem sucedida campanha de guerra de quinta geração da última década. Henry Okah tem sido lembrado como "uma das pessoas mais importantes vivas hoje, um brilhante inovador na guerra. Um verdadeiro guerrilheiro global". Ele é o cérebro por trás do Movimento pela Emancipação do Delta do Níger (MEND), uma organização dedicada a reter uma maior quantidade de petróleo para os nigerianos. Na busca por este objetivo, o MEND tem sabotado campos de petróleo, roubado petróleo, e tomado funcionários de petrolíferas como reféns. Essas ações todas objetivam tornam mais difícil para a Shell continuar suas operações no Delta. O MEND conseguiu reduzir em 29 bilhões de dólares a produção de petróleo da Shell.
O financiamento do MEND é minúsculo em comparação, já que ele opera como um ator de guerra de quinta geração. Mercenários são contratados por SMS para trabalhos específicos, assim a filiação é nebulosa. A publicidade para os ataques do MEND é gerada através de e-mails para redes de notícia clamando responsabilidade; mas a organização em si permanece invisível. Esse tipo de perturbação do sistema é facilmente copiada por seguidores simpáticos, assim a prisão de Okah (em 2008) não levou ao fim do MEND. Ao invés, Okah forneceu um modelo de guerra de quinta geração que permite que grupos outrora desconectados realizem ações em nome do MEND.
Quer a América faminta por petróleo estivesse vendo Kony como um possível imitador das táticas de Okah ou não, é irrelevante. Removê-lo em todo caso servirá ao motivo tático oculto de estabelecer uma presença militar na Uganda. Essa intervenção deveria, a primeira vista, ter sido extremamente impopular. Os americanos perderam a maior parte de seu apetite por intervenções estrangeiras, e os oponentes mais vocais são normalmente jovens estudantes universitários. Se há um componente oculto de guerra de quinta geração em Kony 2012 ele é primariamente dirigido a mobilizar jovens esquerdistas anti-imperialistas para forçar o governo americano a relutantemente intervir em um conflito estrangeiro.
Ao invés do modelo familiar de intervenção ocorrer e se arrastar apesar do inevitável atrito com a opinião pública, a ONG Invisible Children forneceu um modelo alternativo através do qual a intervenção se torna primeiro uma questão não-governamental, moral. Como o vídeo afirma, "porque nós não podíamos esperar para que instituições ou governos se posicionassem nós agimos por contra própria, com nosso tempo, talento e dinheiro". Ao desempenhar o papel de filantropos humanitários e apartidários, a Invisible Children tem sido capaz de angariar um enorme apoio para suas ações, e parece um pequeno passo para então pressionar o governo para que forneça alguns "consultores" para auxiliar em sua boa obra. Ao usar as tecnologias emergentes de redes sociais e campanha viral tem sido possível alcançar o amálgama perfeito entre sentimento de protesto anti-belicista e intervencionismo americano.
Eu suspeito que as pessoas que comandam a ONG Invisible Children não sejam senão decentes. Como afirmado antes, é parte do modelo de guerra de quinta geração que os atores en conflito possam não perceber que estão engajados. Enquanto eu estou disposto a dar o benefício da dúvida à Invisible Children, eu não sou estúpido o bastante para estender a mesma cortesia ao governo americano.
O deslocamento de militares americanos para um país no qual acabou de se descobrir petróleo não é mera coincidência. O que nós estamos testemunhando é a manipulação do "protesto" de modo a ocultar intenções políticas estrangeiras. O governo americano pode afirmar bem honestamente que ele foi forçado a intervir na Uganda graças a um apoio popular sem precedentes. O sucesso da campanha Kony 2012 sugere que essa será uma área de crescente interesse para as forças armadas americanas. Eu não finjo saber como que essa operação de guerra de quinta geração misturou-se com a ONG Invisible Children mas eu não tenho dúvidas de que foi isso o que ocorreu. Quando nós perguntamos "quem lucra?" nós normalmente encontramos o culpado.