24/11/2011

A Música do Futuro

por Christopher Pankhurst

Um interregnum é um tempo de máxima possibilidade. Aprumados como estamos entre o fim da velha cultura europeia e a possibilidade de uma nova e renascida cultura europeia é útil refletir um pouco sobre a direção que nossa nova cultura deve tomar.

Que a velha cultura morreu será óbvio para qualquer um que tenha alguma sensibilidade para tais questões. A grande tradição musical que alcançou seu ápice com Bach, e que subsequentemente buscou expressão através do gênio individual de Beethoven e Schubert, teve sua marcha fúnebre nas Metamorphosen de Strauss. Essa obra intensamente triste para cordas evocava a grandeza destruída das casas de ópera alemães em que Strauss teve tantos sucessos, e que, como a própria tradição musical, estavam em ruínas na década de 40. Atonalidade, serialismo, jazz, todas passeavam arrogantemente e em certo sentido vingativamente sobre a tuma da tradição ocidental. Agora, na segunda década do século XXI, a feiúra tornou-se tão onipresente que nós estamos em risco de esquecer o que torna a beleza digna em primeiro lugar.



A tradição musical europeia era tão grandiosa, tão intensamente bela, que alguns apoiadores da cultura europeia querem reviver o cadáver e fazê-lo, como um zumbi demente, reviver seus maiores sucessos. Nós devemos ser claros em reconhecer que não importa quão sublime a música de nossa cultura passada foi, ela agora pertence a uma cultura que morreu. Não importa quão triste possa ser pensar que essa grande tradição jamais cantará novamente, nós não devemos ser indevidamente sentimentais no que concerne tais questões. Tudo morre, e nossa velha cultura europeia não é exceção.

Isso não quer dizer que devamos deixar de reconhecer a grandeza de nossa tradição. Ao contrário, nós devemos honrar nossos ancestrais falecidos e aprender com eles. O que não podemos suportar é qualquer engajamento em uma verborragia inútil de ressurreição cultural. Não haverá retorno da velha tradição musical europeia. Uma insistência doentia na superioridade da cultura defunda sobre todas as formas presentes resulta em um tipo de necrofilia cultural, e tende ao tipo de enervação cultura que está sendo explícitamente resistida. Resumidamente, é algo fútil.

Não houve uma gênese única para nossa cultura musical, mas o Concílio de Trento (1545-1653) é às vezes tomado como sendo a parteira do contraponto. Nessa conferência eclesiástica a questão do contraponto foi discutida. A questão era controversa porque era sentido por alguns que o contraponto estava sendo utilizado para mera ornamentação, com valor de entretenimento. Enquanto o cantochão permitia clareza completa nas linhas vocais da escritura, o contraponto tendia (assim argumentava-se) a obscurecer o texto pelo emprego de técnicas musicais elaboradas que demandavam adulação por si mesmas. A música era feita para ser um mero veículo da adoração a Deus. Lendas relatam que o compositor Palestrina persuadiu o Concílio dos méritos do contraponto compondo uma missa que utilizava essa técnica de modo tão belo que eles aceitaram sua aplicação como uma arte adequada à adoração.

Em todo caso, o contraponto, ou polifonia, veio a ser o modo quintessencialmente europeu de expressão em forma musical. Enquanto o resultado do Concílio permitiu ao gênio de Bach emergir em toda sua glória ele também, inadvertidamente e tortuosamente, levou à atual degeneração da música. Por que? Porque a decisão do Concílio inaugurou a possibilidade da composição musicial poder existir por conta própria, apartada da busca do numinoso.

O propósito de toda arte Tradicional é encontrar expressão para a apreensão numinosa, recriar o inefável através de um simulacro simbólico. Tão logo este imperativo retire-se da função criativa os apetites e desejos do homem tornam-se uma matéria válida para a expressão artística. O resultado final de tal processo, inevitavelmente, é o tipo de egoísmo degenerado mascarada como arte que nós vemos em todo lugar no Ocidente hoje.

Esse declínio de uma arte numinosa a uma arte pessoal pode ser mapeado de diversas formas mas, para o século XX, a emergência de numerosos modismos avant garde na música clássica é um bom exemplo. Para a maioria das pessoas, atonalidade, serialismo, et al., parecem ser demasiado desprovidas de alma. Essa opinião do senso comum possui uma grande medida de verdade, na medida em que essas formas musicais tentam elevar um senso de novidade e esperteza intelectual a uma posição que demanda adoração.

Aqui, talvez seja sábio ter em mente a origem da palavra 'cultura' no latim colere. Colere significa "habitar" daí a palavra "colônia" também derivada. "Cultivo", como na agricultura, é outra palavra derivada de colere, que então assume o sentido adicional de respeito e adoração, de onde "culto" desenvolve-se. Esse exercício etimológico é necessário porque alerta-nos para o fato de que a cultura era tradicionalmente relacionada ao respeito pela própria terra.

Dessa posição a importância da arte folclórica torna-se clara. Dessa arte folclórica é possível desenvolver uma cultura superior que esteja preocupada com a adoração do numinoso, mas é essencial notar que essa forma de adoração do numinoso cresce a partir de uma comunidade popular, enraizada. Dentro desse modelo de arte Tradicional não há lugar para arte "nova" ou "esperta". Adorar a própria soberba é mediocrizar o que significa ser humano.

Defensores da cultura europeia podem, como resultado de seu declínio, parecer estarem remontando dias de glória que nunca realmente existiram (ao menos não do modo em que imaginamos hoje). Esse conservadorismo cultural nunca pode ser realmente bem sucedido porque a cultura, mesmo enquanto retenha fidelidade à tradição perene, deve ser uma foma de vida dinâmica. O espírito que cria arte grande e duradoura é o mesmo espírito que é encontrado nos campos de batalha, ou na dor altruísta da mãe em trabalho de parto, mas não no espírito de um curador de museu. Esse espírito (se aceitarmos que o numinoso encontra expressão através do homem ao invés do oposto) buscará articulação em formas vitais, viventes, e não necessariamente respeitará nossas noções de gosto.



Ouça "Das Wirthaus" do Winterreise de Schubert, e então "Whilst the Night Rejoices Profound and Still", do Soft Black Stars do Current 93. Eu sugeriria que o tom aguda tristeza que permeia ambas canções brota da mesma fonte. Sugerir que uma é um clássico do cânon ocidental e condenar a outra ao status de Entartete Musik trai uma atitude que é cegada pela santimônia da anti-modernidade. Apenas o mais decidado taxonomista da arte europeia seria capaz de discernir qualquer distinção significativa entre as duas peças musicais. Em verdade, considerando que Schubert estava criando o molde para a canção pop moderna (curta, lírica, a emoção em primeiro plano, etc.) e que David Tibet está ativamente buscando uma forma de expressão mais profunda e espiritual, poder-se-ia dizer que Tibet é um exemplar maior de cultura europeia. Heresia para aficionados, sem dúvida, mas o que mais além de esnobismo sustenta sua opinião?


A perspectiva de Oswald Spengler será pertinente aqui. Em Declínio do Ocidente ele compara a Dies Irae cristã com a Völuspá pagã e encontra, "a mesma vontade determinada de superar e romper todas as resistências do visível". (1) Em nossa arte europeia encontra-se de tempos em tempos o mesmo espírito faustiano manifestando-se de várias formas superficialmente distintas. Como Odin, esse espírito vaga incansavelmente, envergando e descartando máscaras conforme sua conveniência. A tarefa importante para nós é discernir a verdadeira essência dentro da forma. No momento presente de nossa cultura esse espírito não é encontrado no mundo da música clássica.

Ao longo do século XX, é verdade, houve algumas obras musicais importante, até mesmo numinosas, criadas na tradição musical clássica. Pode-se considerar Ligeti, Messiaen, Pärt, et al. Mas essas obras tendem cada vez mais a serem criadas por gênios individuais excêntricos capazes de criar arte apesar da cultura, e não por causa dela.

A Tradição musical europeia costumava ser sinônima com música sacra, e enquanto tal estava firmemente ligada ao objetivo de presenciar o numinoso. Este era um projeto apoiado e financiado pelos poderosos das sociedades europeias. A arte elevou-se como um imperativo orgânico, articulando a alma do Ocidente em um nível superior.

Hoje não há uma única cultura europeia em existência em qualquer lugar no mundo. Consequentemente, o tipo de arte que surgiu de culturas passadas do Ocidente não é mais possível. Não há em lugar algum uma cultura europeia superior baseada em comunidades locais homogêneas pequenas, unidas por observâncias sagradas compartilhadas. Sem a existência de tal cultura, não pode haver continuação da corrente artística do passado.

Análogo ao desenvolvimenti e declínio da tradição musical é o declínio de nossa tradição literária. À época de Shakespeare, a literatura inglesa ainda era baseada em certas formas tradicionais autênticas (Hamlet, afinal, era originalmente uma saga germânica), mas a decadência de um cosmopolitanismo sofisticado já estava em evidência. Quando Macbeth lamenta que ,"Os multitudinosos mares encarnadinos/Fazendo do verde um vermelho", a supérflua segunda linha é simplsmente um eco elegante dos neologismos estrangeiros na primeira. Essa capacidade voraz de roubar palavras estrangeiras é uma das razões da eloquência de Shakespeare, mas também significava que a poesia já estava apelando aos desejos estéticos do homem ao invés de servir ao grande imperativo de santificar suas qualidades superiores. A tradição literária mais antiga, como evidenciada nos Eddas, nas Sagas, e nos poemas de batalha, buscavam tornar os feitos do homem sagrados imortalizando o heróico e santificando sua emulação.

Por volta da época de Wordsworth o declínio da literatura era tão preocupante que ele e Coleridge tentaram revive-la apresentando uma nova forma de balada poética. Eles tentaram descargar a retórica ornamentada e de corosa que havia tornad-se tão popular na poesia, e retornaram a uma tradução mais simples, quase campesina. As mais espiritualmente inclinadas Songs of Innocence and Experience de William Blake também tentaram um uso mais simples do inglês. Uma ação de retaguarda similar foi efetivada no século XX quando T.S. Eliot tentou reinventar a literatura através da utilização de diferentes registros discursivos e da justaposição de perspectivas distintas. O circo da pós-modernidade foi a recompensa por seus esforços.

A fasa do ciclo cultural que nós agora alcançamos é talvez a mais excitante de todas, já que contém a maior possibilidade. As estruturas de poder moribundas do Ocidente estão desabando ao nosso redor. O espírito faustiano do Ocidente não olhará para essas estruturas desprovidas de alma para sua manifestação, mas ao invés para formas novas, emergentes. Essas podem aparecer no mundo pretensioso da arte hermética ou, igualmente, em formas bem mais populares. O que é importante não é a pretensão de esnobismo, baseada em um gosto supostamente "refinado", mas a essência interna da forma da arte independentemente de seus meios de aparência. Coomaraswamy define bem a questão:

"A distinção não é tanto uma de cultura aristocrática em relação a cultura campesina quanto uma de culturas aristocráticas e campesinas em relação a culturas burguesas e proletárias...Um tradicional não deve confundir-se com uma arte acadêmica ou meramente ornamental; a tradição não é uma mera fixação estilística, nem meramente uma questão de sufrágio geral. Uma arte tradicional possui finalidades fixas e meios certificados de operação, tem sido transmitida em sucessão papilar desde um passado imemorial, e retem seus valores mesmo quando, como no presente, saiu de moda. As artes hieráticas e folclóricas são ambas tradicionais... Uma arte acadêmica, por outro lado, não importa quão grande seja seu prestígio, e quão elegante ela possa ser, pode muito bem e geralmente é de um tipo sentimental, profano, pessoal, e anti-tradicional". (2)

Como Coomaraswamy indica tanto em sua obra, são frequentemente as classes inferiores que são mais hábeis em preservar os ensinamentos Tradicionais porque elas são menos suscetíveis aos encantos do cosmopolitanismo sofisticado do que seus compatriotas mais afluentes. Essa opinião é bastante contra-intuitiva para muitos que percebem as classes mais educadas como sendo os melhores exemplares de cultura. É verdade que quando uma cultura está em seu ápice de realização seus frutos vem da elite. Mas quando essa elite apoia uma cultura degenerada, expressa através do materialismo, do hedonismo, e do egoísmo, nós devemos olhar para outras, talvez desprezadas, formas de expressão artística para encontrar algo que seja mais autenticamente europeu.

Se a roda há de virar uma vez mais e a cultura europeia há de experimentar uma nova fase de criação isso será possível apenas com a criação de novos tipos de sociedade que desprezem as pressuposições materialistas, globalistas, e autoritárias do tempo presente. Tais sociedades devem ser baseadas em comunidades menores, mais rurais, mais auto-suficientes. A vacuidade da cultura moderna é uma consequência de modos enervantes de vida que promovem ideologias abstratas, e relacionamentos virtuais, tudo sob a ordem do capital e do desgaste do numinoso. A arte Tradicional erguer-se-á apenas (à parte de ocasionais indivíduos de gênio) a partir de comunidades menores baseadas em relações sociais mais pessoais, e em uma compreensão mais autêntica da terra e da passagem das estações. Apenas em tais circunstâncias pode um novo (e ainda assim imemorialmente antigo) entendimento numinoso surgir.

Nesse momento nós devíamos estar buscando a formação de agrupamentos ao estilo Männerbund que garantam o ethos guerreiro necessário para a formação de tais comunidades. Esses agrupamentos são prováveis de serem formados em claques subculturais um tanto rebeldes, uma das quais já vimos na cena Black Metal. A cena Black Metal norueguesa foi demonstrada, em um livreto pelo escrito austríaco Kadmon (3), como sendo uma remanifestação inconsciente da Oskorei, a Caçada Selvagem.

Na Noruega, em tempos pagãos, grupos cúlticos de homens jovens solteiros cavalgavam com selvageria pela sua área local à época do Solstício de Inverno. Em comum com suas contrapartes posteriores no Black Metal eles vestiam-se como cadáveres, cometiam atos de incêndio premeditado, e fazia uma grande cacofonia. A relevância disso para a continuação da Tradição Musical europeia não será compreendida para muitos, mas o elemento-chave é que os músicos do Black Metal estavam restaurando um equilíbrio natural para o que havia tornado-se doentio. Os antigos grupos cúlticos ao estilo Männerbund não estavam simplesmente causando caos pelo caos. Eles possuíam uma função sagrada, e operando no Solstício de Inverno eles eram um contraponto "escuro" às celebrações de fertilidade "claras" da Primavera. Ambos são necessários para que o equilíbrio seja mantido.

Eu não estou tentando sugerir que o Black Metal é necessariamente o tipo de música que todos deveriam ouvir ainda que algumas faixas, tais como "Det Som Engang Var" do Burzum, possuam uma inegável beleza austera. Ao invés eu estou preocupado com o reconhecimento da manifestação do espírito numinoso faustiano do Ocidente independentemente de como esteja mascarado. Mais prosaicamente, nós seremos comovidos apenas por aquilo que fala efetivamente a nós. Sem dúvida é verdade que a tradição clássica representa a mais eloquente expressão da música europeia, mas a voz mais eloquente não é sempre a única que comover-nos-á mais urgentemente.


Na ausência de uma cultura funcional europeia as manifestações autênticas do espírito ocidental erguer-se-ão às margens da cultura. Quer seja no Black Metal, na música folk, no neofolk, ou em algo ainda por emergir, a questão importante é se estes grupos subculturais mantem uma conexão com a essência numinosa do espírito europeu. O fato de que há tanta estética pagã e ocultista nos gêneros supramencionados é causa para celebração já que demonstra uma preocupação em expressar uma visão-de-mundo autenticamente europeia e numinosa.

Se as novas formulações musicais expressadas através do black metal, do neofolk, ou do que seja são "melhores" ou "piores" que os clássicos do cânon europeu precedente é uma questão irrelevante. Talvez essas formas modernas sejam menos realizadas e menos musicalmente articuladas do que as formas precedentes. Mas a questão é que, na ausência de formas contemporâneas, autenticamente europeias, de expressão no idioma clássico, a existência dessas expressões populares do espírito faustiano deveria ser celebrada sem reservas. Não importa quão juvenis eles possam ser enquanto gêneros musicais (e aqui eu uso o termo "juvenil" apenas como um ponto de comparação musical com a tradição clássica - estes músicas não são pueris) permanece verdadeiro que um grande carvalho crescerá apenas de uma noz, e não de um galho caído.

Desde a Renascença o deus Orfeu tem sido uma figura arquetípica para a música europeia. Seu era o poder de enfeitiçar a natureza à submissão através de sua arte, um atributo assaz faustiano. Quando a mulher de Orfeu, Eurídice, morreu Orfeu viajou ao submundo e pela majestade de sua música persuadiu Hades e Perséfone a permitirem que Eurídice acompanhassem ele para casa, assim desafiando a morte. Os deuses do submundo estabelecem uma condição: que Orfeu não olhe para trás. Conforme Orfeu emerge vai emergindo do submindo ele é acometido de anseio por Eurídice e vira-se para olhar para ela, mas ela não havia ainda seguido para a Terra, então ela foi arrastada de volta, dessa vez para nunca mais voltar. Essa história é salutar para todos aqueles preocupados com o futuro da cultura europeia.