por José Alsina Calvés
(2024)
Introdução
Os tratados biológicos de Aristóteles constituem um quinto da obra conservada do estagirita. Apesar disso, durante muito tempo não despertaram grande interesse entre os especialistas, mais voltados para a Metafísica e a Lógica. Mas, há já bastante tempo, a crítica voltou a interessar-se pela biologia aristotélica. As causas são diversas.
Em primeiro lugar, alguns autores, como Pellegrin[1] ou Balme[2], demonstraram que as teorias biológicas de Aristóteles se inseriam em seu programa de filosofia geral, de modo que seu estudo não interessava apenas aos historiadores da Biologia, mas também aos analistas da filosofia do estagirita. A teoria das quatro causas, a distinção matéria-forma ou as ideias sobre o movimento parecem concretizar-se de forma clara nos tratados sobre os seres vivos.
Por sua vez, G.E.R. Lloyd[3], sem negar essa relação, moderou um pouco as expectativas e destacou barreiras entre a Metafísica e os tratados biológicos.
Além disso, a interpretação histórica ou biográfica da obra aristotélica, iniciada por Werner Jaëger[4], voltou a dar certa relevância às obras biológicas. Segundo essa interpretação, as contradições que encontramos na filosofia aristotélica explicam-se a partir de sua evolução pessoal, que vai do platonismo de sua fase acadêmica até o empirismo no final de sua vida, passando por uma etapa especulativa e dedutiva.
O fato de obras biológicas importantes, como Partes dos animais (PA) e, sobretudo, Geração dos animais (GA), serem datadas do período final da vida de Aristóteles foi um elemento importante no desenvolvimento dessa interpretação. No entanto, o fato de outra obra relevante, História dos animais (HA), de conteúdo muito mais empírico e descritivo que as anteriores, ser datada de um período inicial da vida de Aristóteles contradiz essa hipótese. De qualquer forma, nas discussões sobre essa interpretação, as obras biológicas tiveram um papel importante.
Na interpretação estrita da obra biológica, é preciso citar a polêmica em torno do suposto projeto taxonômico da zoologia aristotélica. Diversos autores da filosofia e da história da biologia (E. Mayr, M. Ruse)[5] defenderam que a biologia aristotélica é fixista e essencialista e busca uma classificação natural. O conceito tipológico ou essencialista de espécie, derivado das filosofias de Platão e Aristóteles, seria o "precursor" da ideia de espécie de Lineu e seus seguidores.
Essa interpretação foi criticada por Balme[6], que defendeu o caráter não essencialista da biologia aristotélica, e por Pellegrin[7], argumentando que os termos genos (gênero) e eidos (espécie) na obra biológica de Aristóteles não têm um significado taxonômico, mas lógico.
Por sua vez, Marcos[8] fez uma crítica muito interessante ao suposto projeto taxonômico aristotélico. Sustenta que, para um projeto taxonômico, devem ser atendidas as seguintes condições:
- Categorias fixas ordenadas hierarquicamente.
- Cada categoria contém uma série de táxons.
- Cada elemento pertence a um táxon de cada categoria.
- Há pertencimento hierárquico.
Nenhuma dessas condições está presente na obra de Aristóteles. Os termos genos e eidos não correspondem a categorias taxonômicas fixas, e não há qualquer tipo de ordenação hierárquica. Além disso, afirma que, na realidade, Aristóteles de fato classifica os animais, mas não o faz uma única vez, e sim várias, e não com base em um projeto taxonômico, mas com outros objetivos de pesquisa[9]: estudo de suas partes, formas de reprodução etc. Assim, encontramos os seguintes agrupamentos:
- Sanguíneos / Não sanguíneos
- Vivíparos / Ovíparos / Ovovivíparos
- Sociais / Solitários
- Selvagens / Domesticados
- Entre outros.
Por fim, vamos nos referir à questão que este artigo se propõe a tratar. Trata-se de ver se a metodologia real que Aristóteles segue em seus estudos biológicos corresponde de fato à sua teoria da ciência, exposta nos Analíticos Posteriores (AP). Para isso, analisaremos primeiro qual é essa teoria da ciência e a metodologia que dela decorre, e depois examinaremos as obras biológicas, para ver se há essa correspondência.
O conjunto de obras aristotélicas dedicadas à lógica e à metodologia das ciências foi editado sob o nome de Organon: Categorias, Tópicos, Sobre as Refutações Sofísticas, Sobre a Interpretação, Analíticos Primeiros e Analíticos Posteriores.
Nos Analíticos Primeiros, Aristóteles trata da teoria e prática do silogismo, enquanto nos Analíticos Posteriores (AP), da ciência demonstrativa ou apodítica. Inicialmente, o modelo apresentado nos AP é o axiomático-dedutivo. Aristóteles parte de "primeiros princípios", evidentes por si mesmos, a partir dos quais se deduzem as diversas proposições. Parece tomar como modelo a matemática. Demonstra que as cadeias demonstrativas não podem ser infinitas, nem para baixo (em direção à percepção fenomênica), nem para cima (em direção aos primeiros princípios).
Porém, esse modelo é próprio de uma ciência já constituída e pode ser relacionado à atividade pedagógica de Aristóteles. De fato, muitos de seus escritos parecem ser notas para exposição em aula.
A questão é: como se chega a esses primeiros princípios? Na matemática, a resposta pode ser simples: eles são evidentes por si mesmos e não precisam de demonstração. Mas e nas ciências naturais?
Na demonstração axiomático-dedutiva, partimos do universal para chegar ao particular, ou seja, de conceitos teóricos (explanandum) para explicar fenômenos (explanans). Porém, na descoberta desses princípios, partimos do particular, do percebido, para alcançar o princípio universal.
Daí vem a definição do método aristotélico como indutivo-dedutivo. Na fase indutiva (epagoge), parte-se de particulares, mas "a partir da pluralidade de singulares, torna-se evidente o universal"[10]. Em seguida, a partir desses universais, deduzem-se explicações para os fenômenos.
Como assinala Düring[11], no final do Livro II dos AP, Aristóteles descreve como, por meio da indução ou epagoge, é possível chegar aos conceitos universais. Nesse sentido, é interessante a distinção aristotélica entre o "anterior por natureza" e o "anterior para nós", ou, em outras palavras, entre "o mais conhecido" e "o mais conhecido para nós"[12].
Quando fala do "anterior por natureza", refere-se aos princípios a partir dos quais se deduzem as proposições. Em uma ciência constituída, apodítica e demonstrativa, eles são "anteriores", pois a demonstração começa neles. Também pode ser entendido do ponto de vista didático: ao ensinar uma ciência, começamos por esses princípios, por isso são "anteriores por natureza".
No entanto, na elaboração dos conhecimentos da ciência natural, devemos começar pelo "anterior para nós", que é a percepção. Da percepção nasce a memória, e de muitas imagens da memória, a experiência[13]. Dessa acumulação de dados da percepção sensível e por um processo de abstração, surge o universal[14].
Aristóteles insiste que a percepção e a sensação são apenas dos "singulares", e que não é possível adquirir diretamente "ciência deles"[15]. Somente quando a faculdade inteligível (o logos) atua sobre as experiências acumuladas pela sensação e, por um processo de abstração, se chega ao universal, é que podemos falar verdadeiramente de ciência.
Devemos, portanto, distinguir entre o conhecimento dos fatos observados e a explicação das causas desses fatos[16]. Somente quando podemos fornecer essa explicação das causas é que podemos falar de conhecimento científico autêntico. Mas, para isso, precisamos conhecer os princípios, e chegamos a eles por indução a partir dos particulares.
Tudo isso se relaciona com as ideias sobre a percepção defendidas por Aristóteles em seu tratado De Anima. Nesse sentido, e como destacou Düring[17], a tese de que a percepção é uma faculdade passiva é importante, pois serve de fundamento para sua distinção entre pensar e perceber.
Nossa tese é que não há nenhum divórcio entre a metodologia exposta nos Analíticos Posteriores (AP) e a metodologia realmente empregada nos tratados biológicos. Mesmo correndo o risco de certa simplificação, podemos dizer que História dos Animais consiste em uma grande quantidade de observações cuidadosas, que fornecem as experiências que levam aos princípios, enquanto Partes dos Animais e Geração dos Animais (junto com outras obras menores) constituiriam a segunda parte do processo, em que, por dedução, buscam-se as causas.
O Livro I de Partes dos Animais
Há um amplo consenso de que este Livro I foi escrito não como uma introdução metodológica apenas a PA, mas como uma introdução metodológica geral a todos os tratados biológicos[18]. Nele, discutem-se diversas questões, como a rejeição à classificação dicotômica praticada na Academia platônica, ou questões relacionadas à analogia, aos gêneros e às espécies.
Do ponto de vista que nos interessa, há algumas alusões a como o naturalista deve passar do particular para o geral, ou do "que é primeiro para nós ao que é primeiro por natureza". O que ele diz é perfeitamente congruente com o defendido nos AP.
Assim, ele afirma que "é preciso começar primeiro a partir da coleta das características de cada gênero, para depois falar sobre suas causas e sua geração"[19]. Também diz que "o naturalista deve observar primeiro os fenômenos relativos aos animais e as partes próprias de cada um, e depois explicar o porquê e as causas"[20].
O naturalista, portanto, parte da observação dos particulares, ou seja, da sensação. O acúmulo de sensações produz experiência, e o pensamento ou "logos", atuando sobre essa experiência, por abstração, chega aos universais. Em contraste com a sensação, que é passiva, o pensamento é ativo. A partir desses universais, já se pode construir uma ciência apodítica ou demonstrativa e especular sobre as causas.
Vemos, assim, que não há contradição entre as ideias epistemológicas e metodológicas defendidas nos AP e o tratado metodológico sobre como operar no estudo dos animais.
Passaremos agora a analisar as três obras biológicas mais importantes de Aristóteles: História dos Animais (HA), Partes dos Animais (PA) e Geração dos Animais (GA), partindo da hipótese de que HA corresponde basicamente à primeira parte do processo, ou fase indutiva, na qual, a partir da observação dos particulares, chega-se aos princípios (sem prejuízo de que possa haver algum raciocínio dedutivo), enquanto PA e GA correspondem à fase dedutiva, em que se buscam as causas (sem prejuízo de que possam aparecer observações de particulares).
A metodologia em História dos Animais
O tratado História dos Animais contém 10 livros, dos quais os livros I-VI e o VIII são indubitavelmente aristotélicos. Trata-se de um compêndio de observações sobre os animais que, em sua maioria, constituiriam a primeira parte do método aristotélico: passar das observações particulares para as premissas universais. Diferentemente de Partes dos Animais (PA) e Geração dos Animais (GA), raramente encontramos especulações ou busca pelas causas.
Do ponto de vista metodológico, é interessante a citação: "Abarcar, em primeiro lugar, os caracteres distintivos e os atributos comuns; depois, tentar descobrir as causas" [21]. Em HA, basicamente, Aristóteles dedica-se à primeira parte do processo — buscar caracteres distintivos e atributos comuns —, deixando para PA, GA e outros tratados a investigação das causas.
A maioria das contribuições de HA resulta da observação de particulares e sua elevação a princípios gerais, mas raramente encontramos especulações sobre as causas, ao contrário do que ocorre em PA e GA. Assim, por exemplo, ele afirma que tanto os animais voadores com penas (aves) quanto os voadores de asas membranosas (mamíferos voadores, morcegos) são todos animais sanguíneos (vertebrados). Já os voadores de asas membranosas (insetos) são animais sem sangue (invertebrados) [22].
Não é difícil reconstruir o método. Após múltiplas observações de voadores com penas, ele verificou que SEMPRE eram animais sanguíneos e NUNCA eram animais sem sangue: a partir da observação de particulares, o logos abstraiu uma proposição universal, que, por sua vez, poderia ser utilizada de modo dedutivo, à maneira silogística.
- Os animais voadores com penas são sanguíneos.
- O pardal é um voador com penas.
- O pardal é sanguíneo.
O tratado As Partes dos Animais
O Tratado da Geração dos Animais
CONCLUSÃO
Notas
[2] Balme, D. (1987) “Aristotle’s Biology was not essentialist”, en Gotthelf y Lennox (ed.) Philosophical Issues in Aristotle’s Biology. Cambridge, Cambridge University Press.
[3] Lloyd, G.E.R. (1970) Early Greek Science: Thales to Aristóteles.
[4] Jaëger, W. (1946) Aristóteles. México, Fondo de Cultura Económica. Ver también Alsina Clota, J. (1986) Aristóteles, de la filosofía a la ciencia. Barcelona, Ed. Montesinos.
[5] Ereshefsky, M. (ed.) (1992) The Units of Evolution. Massachusset, MIT Pres.
[6] Balme, obra citada, pp. 291-312.
[7] Pellegrin, obra citada.
[8] Marcos, A. (1996) Aristóteles y otros animales. Una lectura filosófica de la Biología aristotélica. Barcelona, Promociones y Publicaciones Universitarias, pp. 44-52. (1998) Invitación a la biología de Aristóteles, Los filósofos y la biología. Themata, nº 20, pp. 25-48.
[9] Marcos, (1996), p. 45.
[10] AP 88a, 5.
[11] Düring, I. (2005) Aristóteles. Méjico, UNAM, p. 165.
[12] AP 72a
[13] Tópicos, 125b 7.
[14] Düring, obra citada, p. 177.
[15] AP, 81b 5.
[16] Boylan, M (1983) Method and practice in Aristotle’s biology. Boston, London, University Press of America.
[17] Obra citada, p. 887.
[18] Jiménez, E. (2000) Introducción a Las Partes de los animales. Madrid, Editorial Gredos, p. 22 y p. 27.
[19] PA 640a-15.
[20] PA 639b-5-10.
[21] HA 491 10. Uma afirmação muito parecida encontramos em PA, I, 5, 645b e seg.
[22] HA, 480a 5-10.
[23] HA, 499b 15-20
[24] HA, 505a
[25] PA, 646a 10.
[26] HA, 501a 10
[27] HA, 501a 14
[28] PA, 661b
[29] PA, 661b 5-10.
[30] PA, 661b 15-25
[31] PA 661b 25-30
[32] PA 661b 30-35 y 662a.
[33] Obra citada, p. 178.
[34] HA 509a 30-35.
[35] HA 509b 5 y 15-20
[36] HA 559a 5
[37] GA, 716a 5-10
[38] GA 716a 25-30
[39] GA 716b 30
[40] GA 717a 30-35.
[41] GA 718b 10-20
[42] GA 719a 15.
[43]GA 733b 25.
