Embora eu já tenha escrito muito sobre o tema da Morte e do Renascimento, particularmente no meu texto intitulado A origem e a evolução da vida, Morte e Renascimento entre ciência, filosofia e cinema, ainda acredito que há muito a ser dito sobre esse assunto. Especialmente no mito, na mitologia e no cinema de animação, sem mencionar a grande música clássica, onde o tema da Morte e do Renascimento é onipresente. Morte e Renascimento que, de forma marcante, se relacionam também com outro grande tema que me é caro: a relação entre o Apolíneo e o Dionisíaco, tema que também tratei e identifiquei em alguns dos meus escritos. No meu texto anterior, muitos pontos de conexão não foram abordados e, por isso, com este texto, procurei preencher essa lacuna. Este novo ensaio/estudo analítico busca, portanto, explorar pela segunda vez esse tema, por meio de várias obras e autores, diversos argumentos e tópicos, que mais uma vez formarão um mosaico de situações e conexões entre várias disciplinas e culturas. Em particular, três obras foram de fundamental importância para este ensaio: A Fênix (1954–1988, edições J-Pop), de Osamu Tezuka (1928–1989); O herói de mil faces (primeira edição em 1949, Edições Lindau 2012), de Joseph Campbell (1904–1987); e A última viagem: A consciência no mistério da morte: dos antigos rituais xamânicos à nova cartografia da mente (Edições Feltrinelli), do psicólogo e psiquiatra tcheco Stanislav Grof (1931-…). Além das obras mencionadas, considero também outros textos muito importantes para o tema em questão, como, por exemplo, o livro de Eckhart Tolle, O Poder do Agora: Um guia para a iluminação espiritual (Edições Mylife, 2013). Certas palavras, como Morte, Renascimento, Princípio Primeiro e Devir, foram escritas com a inicial maiúscula para destacar que se tratam de conceitos filosóficos e não de simples palavras. Esclarecido isso, passemos ao desenvolvimento do tema.
O grande estudioso americano de mitos Joseph Campbell (1904–1987), em sua obra fundamental O Herói de Mil Faces (Edições Lindau, 2012), descreve e analisa todos os mitos e heróis de diversas tradições mundiais: desde a celta até a ameríndia, passando pela japonesa e a chinesa, bem como pelas tradições africanas e russas. No capítulo intitulado O Retorno, dedicado ao tema do herói que retorna à vida cotidiana após ter descido aos Infernos, Campbell aborda o herói celta Taliesin. O herói celta Taliesin encarna perfeitamente o arquétipo de Morte e Renascimento. Taliesin é um herói criança, um Puer Aeternus. Vale lembrar que a maioria dos mitos que têm como protagonista um Puer Aeternus (como Tammuz, O Pequeno Príncipe, ou Sun Wukong) narra a história de um grande herói, pois o verdadeiro herói é um Puer Aeternus. A história de Taliesin é um entrelaçamento de lenda e realidade. Segundo testemunhos e fontes literárias, Taliesin (534 d.C. – 599 d.C.) foi um poeta, mais precisamente um bardo de língua galesa. De acordo com as fontes, ele teria escrito inúmeros poemas e, segundo alguns estudiosos de literatura celta, teria sido um dos principais mestres da corte de três reis da Grã-Bretanha do País de Gales. Já a figura mitológica de Taliesin surgiu entre o século X e o século XVI, com a publicação do chamado Livro de Taliesin (século X d.C.) e O Conto de Taliesin (século XVI). No Livro de Taliesin, encontramos numerosos poemas, dos quais cerca de 12 foram compostos pelo Taliesin poeta que realmente existiu. Durante o século XVI, a revisão mitológica da figura de Taliesin foi realizada por Elis Gruffydd (1490–1552), um historiador, tradutor e copista. Ele consolidou a imagem mitológica de Taliesin em sua obra O Conto de Taliesin (1552), parte de sua crônica universal intitulada Chronicle of the Six Ages (1552), que vai da história de Adão e Eva até o ano de 1552.
Elis Gruffydd narra o mito que Campbell descreve em O Herói de Mil Faces. Taliesin atravessa múltiplos nascimentos e mortes. Ele aparece pela primeira vez no mundo como Gwion Bach, que vivia na família de Ceridwen. Ceridwen era uma feiticeira, uma mulher que preparava poções mágicas. No relato, a feiticeira estava preparando uma poção mágica para tornar seu filho Morfran bonito. Ceridwen contrata um homem cego para manter a chama sob o caldeirão onde a poção era preparada, enquanto Gwion Bach, a primeira versão de Taliesin, recebeu a tarefa de mexer a poção com uma grande colher. Contudo, Ceridwen proibiu que alguém provasse a poção, pois as três primeiras gotas concediam sabedoria, mas todas as demais eram venenosas. Enquanto Gwion Bach mexia a poção, três gotas espirraram em sua mão, queimando-a. Instintivamente, Gwion Bach levou a mão à boca e, imediatamente, as três gotas lhe concederam grande sabedoria. Ceridwen, furiosa, começou a persegui-lo por todo o reino, pois não podia aceitar que uma pessoa de posição inferior tivesse adquirido o poder da sabedoria.
Quando a feiticeira Ceridwen persegue Gwion Bach, ele inesperadamente se transforma em um coelho, para ser mais ágil na fuga. Sabemos que coelhos e lebres são animais muito rápidos na corrida. A feiticeira Ceridwen, então, se transforma em um cão. Quando Gwion Bach, transformado em coelho, chega às margens de um rio, ele se torna um peixe, e nesse momento Ceridwen se transforma em uma lontra. Após a transformação em peixe, Gwion Bach vira um pássaro, mas Ceridwen também se transforma em uma ave de rapina, um falcão. Gwion Bach, então, tenta sua última estratégia e, como pássaro, decide se transformar em um grão de trigo, jogando-se no meio de um celeiro. Ceridwen, por sua vez, se transforma em uma galinha e devora todos os grãos do celeiro, incluindo Gwion Bach.
Depois de alguns meses, de volta à sua forma humana, Ceridwen percebe que está grávida: é Gwion Bach, que, na forma de grão de trigo, está germinando dentro dela. Quando Gwion Bach renasce na forma de um bebê, a feiticeira inicialmente deseja matá-lo, mas, diante de sua beleza, decide abandoná-lo nas águas do mar, envolto em um saco de couro. No mar aberto, o bebê Taliesin flutua até ser encontrado por um jovem pescador chamado Elphin, filho de Gwyddno Garanhir. Quando Elphin resgata o bebê das águas, ele o chama de Taliesin, nome que, em língua celta, significa "da testa resplandecente", pois imediatamente nota a testa branca do recém-nascido. Colocando-o em um cesto para peixes, Elphin fica preocupado, pensando no pai, que provavelmente o repreenderia por voltar para casa com um bebê: "O que poderia fazer com um recém-nascido?"
No entanto, o pequeno Taliesin começa a cantar e diz as seguintes palavras a Elphin, prevendo honra, glória e riqueza:
A pequenez do bebê oculta, na verdade, um imenso poder. A versão infantil de Taliesin aconselha o pescador a confiar nas maravilhosas leis da natureza e, com confiança, tirar proveito delas:
Elphin, incrédulo e ainda triste, vai até seu pai, que pergunta a Elphin o que ele pescou. Elphin responde que encontrou um bardo recém-nascido chamado Taliesin, e o pai retruca: "De que isso vai te servir?" Taliesin, então, responde: "Vai te render mais do que qualquer barragem poderia render!" O pai de Elphin, Gwiddno, ficou espantado e perguntou ao pequeno Taliesin: "Você, tão pequeno, já sabe falar?" "Eu sei falar melhor do que você sabe perguntar!", respondeu Taliesin. Gwiddno, então, pede ao pequeno Taliesin que faça um discurso. Taliesin começa a entoar uma canção de caráter filosófico.
Certo dia, quando o rei organiza um encontro em sua corte, Taliesin canta sobre todas as suas aventuras e origens. Ele narra as suas façanhas, mas não por vanglória ou vaidade, mas como expressão de sua energia renovadora, que atravessa todos os ciclos e reinos da existência. Com suas inúmeras transformações, o bardo Taliesin morre e renasce várias vezes, num ciclo eterno de renascimento e transformações.
A figura mítica de Taliesin é muito semelhante à da Fênix, retratada no ciclo de mangás de Osamu Tezuka (1928–1989), que também está em constante transformação e renascimento, mantendo, no entanto, seu imenso poder, essência e forma inalterados. O recém-nascido Taliesin encarna a essência do Puer Aeternus: um arquétipo universal que narra a história de uma criança dotada de capacidades físicas extraordinárias e imensa sabedoria.
De fato, todos os heróis na infância são caracterizados por esses poderes, que muitas vezes se manifestam nos primeiros anos de vida. No mito de Hércules, por exemplo, conta-se que, ainda em seu berço, o herói recém-nascido estrangula duas serpentes enviadas para matá-lo. Além disso, a origem da Via Láctea está ligada à força precoce de Hércules: enquanto ele mamava no peito de sua mãe, Hera, apertou o mamilo com tanta força que uma gota de leite espirrou no céu, dando origem à galáxia, cujo nome significa "láctea" em grego (galaxis).
Outros heróis da mitologia contemporânea e popular, como nos quadrinhos e animações, também retratam esse mesmo arquétipo de heróis dotados de capacidades extraordinárias desde a infância. É o caso de Goku, criado por Akira Toriyama e inspirado no protagonista Sun Wukong, da obra Jornada ao Oeste, um clássico imortal da literatura chinesa. Desde pequeno, tanto Sun Wukong quanto Goku possuem uma força inimaginável, capaz de derrotar qualquer inimigo que cruze seu caminho.
Outras figuras infantis com força extraordinária incluem o guerreiro menino da tradição celta, Cuchulainn, e Kullervo, da tradição escandinava, cuja história é narrada no poema Kalevala e também abordada por Tolkien em sua obra A História de Kullervo.
Voltando ao jovem Taliesin, transcrevo o seu discurso na corte do rei, presente no magnífico livro de Joseph Campbell, O Herói de Mil Faces:
"Eu sou um bardo de Elphin, minha região é a das estrelas do verão…
Estive com nosso Senhor nas esferas mais elevadas,
Quando Lúcifer caiu nas profundezas do inferno;
Eu carreguei um estandarte diante de Alexandre,
Conheço os nomes das estrelas do Norte ao Sul;
Estive na galáxia, no trono do Distribuidor,
Instruí os profetas Elias e Enoque;
Estive no local da crucificação do nosso glorioso Filho de Deus,
Eu sou uma maravilha, cuja origem é desconhecida;
Estive na Índia quando Roma foi construída,
Presenciei a destruição de Sodoma e Gomorra;
Vim agora das ruínas de Troia,
Estive na manjedoura junto ao meu Senhor;
Dei força a Moisés através das águas do Jordão,
Obtive inspiração do caldeirão de Ceridwen;
Toquei harpa para Lleon de Lochlin;
Fui criado na terra das Divindades,
Fui mestre de todas as inteligências;
Sou capaz de instruir todo o universo!
Passei nove meses no ventre da feiticeira Ceridwen,
Em minha origem, fui o pequeno Gwion…
E agora sou Taliesin!”[4]
O significado filosófico oculto do relato de Taliesin
As palavras do bardo Taliesin escondem, evidentemente, um segredo: o segredo da morte, do renascimento e da contínua transformação da vida. Taliesin, na verdade, é o Princípio Primeiro eterno, imutável, imanente e transcendente. Ele é o princípio do Ser parmenidiano que se encarna de época em época. O primeiro princípio que deu origem a tudo que existe na realidade: na verdade, toda a realidade é sustentada por esse princípio universal que, desde os primeiros instantes do universo até agora, não para de criar e gerar vida.
O Princípio Primeiro, o Uno plotiniano, o princípio inteligente e universal, já estava presente nos primeiros milésimos de segundo do universo, nas primeiras estrelas, nos primeiros aglomerados de galáxias, nos primeiros bilhões de anos do cosmos. Estava na primeira galáxia com um sistema solar, nos primeiros sistemas solares, no nosso sistema solar e no nosso planeta Terra.
Nas primeiras formas de vida unicelulares, que surgiram na Terra há cerca de 600 milhões de anos, durante o período Proterozóico, o princípio do Ser continuou a se expressar pelas sucessivas eras geológicas. No Proterozóico superior, entre 620 e 550 milhões de anos atrás, começaram a surgir os primeiros organismos multicelulares, ainda em transição entre organismos animais e vegetais. Entre esses primeiros organismos multicelulares, estão a Dickinsonia costata, Cyclomedusa, Ovatoscotum e Tribrachidium heraldicum, agrupados na fauna de Ediacara.
No período Cambriano, iniciado há cerca de 540 milhões de anos, ocorreu a chamada Explosão Cambriana, quando apareceram as primeiras formas de vida multicelulares estruturadas com conchas e esqueletos rígidos. Os fósseis preservaram exemplos curiosos como a Opabinia, uma criatura com cinco olhos; a Hallucigenia, uma pequena criatura com longos espinhos; a Wiwaxia, com o formato de uma panqueca; a Canadaspis, que deu origem aos artrópodes; e a Pikaia gracilens, que possuía uma coluna vertebral primitiva ou notocorda, precursora de todos os vertebrados.
O princípio eterno e universal continuou a se manifestar durante o Devoniano, há cerca de 400/385 milhões de anos, com a transformação dos peixes sarcopterígios, como o Eusthenopteron, que possuía nadadeiras carnosas sustentadas por ossos robustos e medula óssea – características ausentes em outros peixes. Esses peixes começaram a viver na terra firme, levando ao surgimento dos primeiros anfíbios, como o Acanthostega gunnari, o Ichthyostega e o Tiktaalik rosae. Esses anfíbios lentamente deram origem aos primeiros répteis amniotas, capazes de depositar ovos com líquido amniótico, como as espécies Casineria kiddi e Westlothiana lizziae.
A partir dessa linhagem de répteis, evoluíram os primeiros dinossauros e mamíferos. Os mamíferos, que inicialmente também botavam ovos, posteriormente desenvolveram a placenta, permitindo que os fetos crescessem internamente. A maioria dos mamíferos atuais, incluindo a nossa espécie, são placentários (Eutheria, Huxley 1880) e descendem de ancestrais como as espécies Eomaia scansoria e Juramaia sinensis.
Embora a história da vida na Terra seja marcada por inúmeras extinções em ciclos de milhões de anos, o Ser criativo, o Princípio Primeiro eterno, nunca para. Desde a formação do planeta, cataclismos e extinções massivas ocorreram repetidamente, como a extinção no limite Permiano/Triássico, que eliminou cerca de 57% das espécies terrestres e 80% das marinhas. No entanto, em cerca de 10 milhões de anos, a vida ressurgiu, povoando novamente a Terra com novas espécies.
Exemplos de morte e nascimento na história da vida
Muitos fósseis de ictiossauros, como o Ophthalmosaurus (Seeley, 1874), uma espécie de ictiossauro que viveu no final do Jurássico, registram perfeitamente a conexão entre morte e nascimento no mesmo instante: o fóssil em questão mostra um ictiossauro morto enquanto estava dando à luz um filhote, que também morreu enquanto saía à luz. No momento em que se nasce, já se está morto. Nossa sociedade sabe bem disso, onde os bebês recém-nascidos são imediatamente rotulados por esquemas mentais do ego, que nada mais fazem do que matar os neonatos antes mesmo de nascerem; como consequência, os adultos se tornam mortos que caminham pelas ruas e calçadas.
Muitos fósseis de dinossauros, em particular os de Oviraptor philoceratops (Osborn, 1924), foram descobertos em posição de incubação, ainda com ovos e embriões fossilizados em seu interior. Os embriões estavam em fases iniciais de sua formação embrionária. Outros fósseis que imortalizam a morte e o nascimento incluem a "Mulher de Ostuni": trata-se de um fóssil de um indivíduo do sexo feminino, pertencente à população de Cro-Magnon, que chegou ao sul da Itália durante o período Gravettiano, há cerca de 27.000 anos. Esse achado, descoberto por acaso pelo paleoarqueólogo italiano Donato Coppola em 1991, na gruta de Santa Maria di Agnano, revela uma mulher que morreu devido a uma complicação gestacional enquanto estava grávida de oito meses. Dentro de seu corpo, foram encontrados também os restos do esqueleto do feto.
No mundo da arte, há inúmeras referências à morte e ao nascimento; entre elas, destaca-se a pintura do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918), A Mãe Morta (1910).
O crítico de arte Marco Vozza, em um texto publicado na revista Humanitas 54 (5/1999), intitulado O sentido do fim na arte contemporânea (O apocalipse da história), afirma a esse respeito:
"Egon Schiele sabe que tudo o que vive também está morto, carrega consigo seu cumprimento existencial desde o instante de sua concepção. Isso é atestado pela pintura de Egon Schiele, A Mãe Morta (1910), onde o ventre aparece como um lúgubre manto, um invólucro mortuário que encerra o ‘ser para a morte’ do nascituro…"[5]
As palavras de Marco Vozza descrevem filosoficamente a obra de Egon Schiele. No entanto, é como se o pintor austríaco quisesse transmitir a mensagem de que a vida, e tudo o que vive e é vivo, é ao mesmo tempo morte, pois a vida, no exato instante em que se manifesta, está sujeita às leis destrutivas do tempo, como o envelhecimento, a morte e a degeneração entrópica de todas as coisas. Por trás do mundo apolíneo, ou seja, da vida e sua beleza, esconde-se o dionisíaco, isto é, a destruição, o lado horrendo da existência com todo o seu peso destrutivo.
Após a extinção dos dinossauros, ocorrida ao final do Cretáceo, durante o Maastrichtiano, há 65 milhões de anos, o Princípio Primeiro continua a viver nos mamíferos e em todas as outras formas de vida que não foram afetadas pela extinção, evoluindo e prosperando. Os mamíferos evoluíram e se diversificaram em várias espécies, assim como os pássaros, os insetos e os vertebrados marinhos, como os primeiros cetáceos. Em um dos ramos da grande árvore dos primatas, uma espécie de hominídeo começa sua jornada em direção à consciência: o Princípio Primeiro eterno alcança em Homo sapiens a plena consciência.
Isso se manifesta nos primeiros instrumentos de caça, nas pinturas rupestres encontradas nas cavernas das primeiras civilizações, no desenvolvimento da agricultura e das primeiras cidades, até as primeiras organizações estatais com leis escritas e com o surgimento da escrita. A história da vida na Terra e da espécie humana é um jogo eterno de morte e renascimento. As civilizações e as espécies vivas surgem e desaparecem, deixando para trás os vestígios de um passado distante. A mesma lei é válida para corpos celestes, estrelas e galáxias. Tudo o que existe no universo é regido pelas leis da morte e do renascimento, que não são meros conceitos filosóficos abstratos, mas duas leis fundamentais das formas manifestadas. Se quisermos dar uma interpretação filogenética ao mito de Taliesin, podemos arriscar que suas peripécias, caracterizadas pela metamorfose, percorrem os estágios evolutivos e filogenéticos da Terra: de ser humano, ele regride ao estado de coelho, cão e lontra, posteriormente ao estado de ave, transformando-se em falcão e galinha, até se tornar um simples grão de trigo, sendo devorado pela bruxa Ceridwen. Uma vez transformado em grão de trigo, Taliesin é como se estivesse morto. Mas apenas sua forma morreu, enquanto sua essência continua a viver. E é precisamente essa essência primordial, onipresente e desconhecida, que fará Taliesin renascer.
O ventre da mulher, na simbologia psicanalítica e universal, representa o túmulo, a terra escura que silenciosamente acolhe a semente. Não é por acaso que o espermatozoide, ao penetrar no óvulo, perde sua cauda, o precioso flagelo que o guiou até o destino: para renascer, é necessário morrer; para renascer, é preciso perder uma parte de si, descer ao nada e mudar de forma. Apenas atravessando o vazio pode-se criar uma nova vida. E é isso que acontece com Taliesin. No ventre da bruxa, sob a forma de um grão de trigo, ele começa a germinar, assumindo a aparência de um feto e, então, de uma criança. Uma vez nascido, a bruxa o confia às águas, que simbolizam o líquido amniótico. As águas do mar, em psicologia e psicanálise, representam o líquido amniótico. E o líquido amniótico e a placenta representam as profundezas do oceano. Das águas, o recém-nascido Taliesin renasce como bardo e começa uma nova vida. Mas esta é apenas mais uma, pois, como vimos, Taliesin passou por inúmeras metamorfoses e transformações que atravessam todas as épocas. Esse conceito, ou seja, a essência primordial eterna e imortal que se propaga através das épocas da história da vida na Terra e da espécie humana, é representado em imagens no filme de Stanley Kubrick (1928-1999), 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), baseado no belo romance homônimo de Arthur Charles Clarke (1917-2008). No prólogo do filme, O Amanhecer do Homem, uma das cenas mais famosas da história do cinema, observa-se um grupo de Australopithecus caçando; mas, de repente, um deles lança ao céu um pedaço de osso de animal que lentamente se transforma em uma nave espacial. Essas imagens representam a síntese da evolução humana por meio do espírito criativo que se projeta para o alto.
Mas o final do filme, e também do livro, apresenta outra imagem particular: o feto Starchild, ou A Criança das Estrelas. Quando David Bowman, a bordo da nave espacial, observa várias versões de si mesmo, ele percebe a última versão, a de Bowman já idoso. O velho Bowman tenta tocar o monólito negro, mas se transforma em um feto flutuante, um feto cósmico que representa o renascimento da vida humana, uma promessa de uma nova humanidade. Nada morre, mas tudo renasce e se regenera infinitamente em inúmeras formas. Porém, o ser primordial permanece imutável. O ventre materno, como vimos anteriormente, é um túmulo, portanto, um lugar de morte, mas do qual a vida nasce. Consequentemente, também o ovo, símbolo cósmico do renascimento universal em todas as culturas mundiais, é ao mesmo tempo um túmulo e um local de nascimento. O embrião, tanto no ventre materno quanto no ovo, parece estar morto, pois está estático; mas, ao mesmo tempo, está nascendo para uma nova vida ou, melhor, preparando-se para a vida. A incubação é, portanto, uma espécie de morte aparente. O ciclo de desenvolvimento larval de alguns insetos, como as cigarras (Cicadidae, Westwood, 1840), famosos insetos que cantam nas noites quentes de verão, também é uma espécie de morte à espera do renascimento: as larvas desses insetos, ao saírem dos ovos, enterram-se no solo por um longo período, que pode durar até 17 anos, durante o qual se alimentam de substâncias nutritivas do solo, como água, organismos e sais minerais, sugando-os das raízes das plantas e árvores próximas. Posteriormente, de forma sincronizada, todas as larvas emergem do solo, agora como cigarras adultas. Observamos aqui mais um exemplo de morte e renascimento na natureza. Outro exemplo é o da semente: o conhecido órgão de proliferação de todo tipo de planta. A semente, enterrada na terra, pode germinar e dar origem à planta a que pertence, seja um carvalho, olmo, choupo, feijão, lentilha ou milho. Somente se a semente permanecer enterrada, atravessando o estado de morte, ela pode dar origem à planta e, portanto, ao renascimento.
Parte Segunda:
Morte e Renascimento na Obra "A Fênix" de Osamu Tezuka (1928-1989)
Origem e Mito da Fênix
A Fênix é, sem dúvida, o animal mitológico mais misterioso de todos. Sua primeira descrição aparece na obra Histórias (Historiae, 440/429 a.C.), escrita pelo pai da história, Heródoto (484 a.C. – 425 a.C.), o famoso historiador grego que foi o primeiro a mencioná-la. Segundo Heródoto, que descreve a Fênix por meio de uma pintura descoberta no Egito, esta ave, sobre a qual todos falam, mas que ninguém jamais viu — nem mesmo o próprio Heródoto — deveria ser semelhante a uma grande águia, com penas coloridas, em parte douradas e em parte vermelho-púrpura. Daí vem o nome "fênix", derivado do termo grego que depois foi latinizado como phoenix, significando exatamente "vermelho-púrpura". A principal característica da Fênix é sua imortalidade: esta ave mítica tem a extraordinária capacidade de se regenerar infinitamente cada vez que se consome em chamas. Heródoto foi o primeiro a narrar que a Fênix se regenera por meio de inúmeras conflagrações. Sobretudo, o relato de Heródoto confirma que sua aparência é muito semelhante à da águia em forma, tamanho e contornos. A imagem da Fênix renascendo das chamas foi ampliada pelo poeta latino Públio Ovídio Nasão (43 a.C. / 23 a.C.), que em suas Metamorfoses (8 d.C.), narra como a Fênix, ao alcançar a idade de quinhentos anos, repousa sobre aromas como canela e incenso, onde morre para renascer novamente das chamas. No entanto, a verdadeira Fênix pode ser rastreada em uma espécie extinta de garça (Ardea bennuides, Hoch, 1977), que viveu nos territórios da Arábia Saudita até cerca de 5.000/3.500 a.C. O estudioso dinamarquês Ella Hoch, porém, não fornece uma descrição satisfatória dos restos fósseis dessa espécie pré-histórica de garça: ele descreve apenas uma parte de um osso dessa espécie extinta. [6]
O nome da nomenclatura científica dessa espécie de garça pré-histórica, que era muito maior que a maior espécie atual de garça, a Ardea goliath (Cretzschmar, 1827), deriva diretamente de Benu, o deus egípcio do nascimento, da morte e da ressurreição, protótipo da Fênix. É interessante notar que, antes de o deus Benu ser representado pela espécie Ardea bennuides, era a lavadeira (Motacilla flava, Linnaeus, 1758), um pássaro cantor pertencente ao grupo dos Oscines (Linnaeus, 1758), que representava o deus Benu. Isso significa que até mesmo nas representações das divindades encontramos um tipo de evolução, ao menos em nível conceitual e figurativo. A Ardea bennuides era, portanto, uma garça pré-histórica, muito provavelmente surgida durante o Pleistoceno, que sobreviveu até a época histórica da espécie humana. A Fênix é conhecida também em outras culturas do mundo, como na China, Japão e Rússia. Na China, é chamada de Fenghuang; no Japão, Ho-oh; e na Rússia é conhecida como Pássaro de Fogo, que aparece em muitos contos do folclore popular russo. Esses contos foram estudados pelo filólogo e folclorista russo Aleksandr Nikolaevich Afanasev (1826–1871), seguindo os passos da obra dos irmãos Grimm, e posteriormente reunidos no volume Antigos Contos Russos.
Nesse volume, há cerca de três contos onde o Pássaro de Fogo, a Fênix do folclore eslavo e russo, aparece como protagonista:
No volume, há cerca de três fábulas em que aparece como protagonista o pássaro de fogo, a Fênix do folclore eslavo e russo:
- O pássaro de fogo e a princesa Vassilissa.
- O jovem corajoso e a água da vida.
- Kaschei, o imortal.
Muito material dessas três fábulas foi utilizado pelo compositor russo Igor Stravinsky (1882–1971) para o seu primeiro balé, O Pássaro de Fogo (1910). O rei Kaschei, o imortal, é muito provavelmente o equivalente à bruxa Baba Yaga do folclore eslavo. Além disso, ele possui o mesmo comportamento do dragão das tradições nórdicas e escandinavas, já que gosta de proteger seus imensos tesouros. As três fábulas russas que têm o pássaro de fogo como protagonista são todas caracterizadas pela obsessiva busca pela imortalidade e, consequentemente, pela vida eterna, bem como pela incessante busca do pássaro de fogo para capturá-lo. O pássaro de fogo é, de fato, escorregadio e difícil de capturar, e essas características e temáticas serão retomadas no ciclo do mangá de Osamu Tezuka, como veremos adiante.
O significado do fogo da Fênix
O elemento ígneo da Fênix não é, obviamente, casual: o fogo é, por excelência e antonomásia, o símbolo da purificação e do renascimento. O fogo destrói tudo com suas chamas, mas, ao mesmo tempo, purifica tudo. O fogo é o principal instrumento dos rituais religiosos, pois purifica o ambiente em que se encontra. Além disso, todos os principais ritos de passagem estão associados às chamas e ao fogo, porque as chamas queimam o velho e dão lugar ao novo. As chamas do Purgatório, por exemplo, são chamas de purificação e não de condenação, como as chamas dos condenados no inferno. O fogo, portanto, é o elemento da imortalidade e do contínuo renascimento eterno. Como elemento purificador, o fogo foi, então, associado ao estado do Purgatório. Na teologia católica, o Purgatório é o reino das almas que aguardam ser purificadas; não estando condenadas, são purificadas para entrar no Paraíso, já que o fogo purifica e remove alguns pecados menores da vida passada. Para a concepção grega do cosmos, todo o universo não é senão um eterno Devir incessante, onde o fim de tudo será a Conflagração Cósmica, ou seja, a Ekpyrosis (Ecpirose), na qual o fogo destruirá tudo, e novos universos renascerão das cinzas. O mundo e o universo não são entidades estáticas e imutáveis, como, por exemplo, na concepção cristã/católica, mas sim realidades em contínua morte e renascimento, onde destruição e criação de novas formas prosseguem infinitamente. O princípio filosófico do Arché do pré-socrático Heráclito de Éfeso (535 a.C. – 475 a.C.) afirma que o mundo deriva de quatro elementos: água, fogo, terra e ar. Para Heráclito, o mundo começa primordialmente pelas águas, mas o fogo também é um elemento importante na formação do Devir e da realidade. O fogo é, para Heráclito de Éfeso, o próprio Deus, a divindade criadora de todas as coisas e, ao mesmo tempo, destruidora de tudo. Lê-se, de fato, em um de seus fragmentos da obra Sobre a Natureza e em um testemunho de Clemente de Alexandria (150 d.C. – 215 d.C.), extraído do quinto livro de sua obra Stromateis:
"Esta ordem, que é idêntica para todas as coisas, não foi criada por nenhum dos deuses nem dos homens, mas sempre existiu, existe e existirá como fogo eternamente vivo, que se acende segundo medida e se apaga segundo medida; Que Heráclito considerasse o mundo sujeito ao nascimento e à corrupção é atestado pelas seguintes palavras: transformações do fogo: em primeiro lugar o mar, metade dele a terra, metade vento ardente. De fato, ele afirma que o fogo, em função do logos e do deus que governa todas as coisas, ao passar pelo ar transforma-se em umidade, que é como a semente da ordenação do mundo, a qual ele chama de mar, e do mar, por sua vez, geram-se a terra, o céu e as coisas que neles estão contidas. A maneira como o mundo, então, retorna novamente ao início e é consumido pelo fogo é indicada com estas palavras: a terra, dissolvendo-se, torna-se mar, e este atinge uma medida nas mesmas proporções que tinha antes de se transformar em terra." [7].
O fogo, portanto, ao mesmo tempo que transforma e destrói todas as coisas, fazendo-as renascer, representa o Devir incessante da vida e do universo. Um universo cíclico, que, assim como todos os outros elementos do Cosmo, segue as mesmas leis de nascimento, crescimento, evolução, desenvolvimento e morte, para então reiniciar o ciclo em um novo Devir incessante e Universal. O mesmo ciclo do Devir incessante e eterno encontra-se em uma estrela, nas galáxias, no sistema solar, nos planetas e nas espécies vivas. Assim, o tempo da morte e do renascimento é um tempo cíclico; não é uma linha de tempo reta, como o pensamento Ocidental imprimiu na mentalidade comum. Toda a vida é caracterizada pela ciclicidade da morte e do renascimento, que, por sua vez, caracterizam todos os eventos do mundo.
Sobre o conceito de Ecpírosis, pode-se afirmar que ele despertou muita imaginação sobre a maneira de conceber o fim do mundo e o próprio Apocalipse, desde escritores de ficção científica até poetas. Por exemplo, o poeta americano Robert Frost (1874–1963), nascido na Califórnia, mas posteriormente transferido para a Nova Inglaterra, em um de seus poemas intitulado Fogo e Gelo, imagina como o nosso mundo conhecido pode terminar, se pela obra do gelo ou pela do fogo:
"Alguns dizem que o mundo terminará no fogo,
outros dizem que no gelo.
Pelo que provei do desejo,
fico com aqueles que defendem o fogo.
Mas se tivesse de perecer duas vezes,
acho que sei o suficiente para dizer
que, para destruição, o gelo também é bom
e bastaria." [8]
Desses versos, entende-se que Frost concebe os elementos principais do cosmos, como o fogo e o gelo, como ambos elementos destrutivos. O fogo, entretanto, é o elemento destrutivo que sustenta o devir do mundo, criando os ciclos de destruição e renascimento. O gelo também é um elemento destrutivo, mas que congelaria o tempo e o espaço, impedindo assim a regeneração. Pois, para que algo renasça e se regenere, é necessário primeiro aniquilar-se e desaparecer, não congelar-se e ficar preso em um estado perpétuo.
A simbologia da salamandra e do fogo
Além da Fênix, outro animal associado ao fogo e à regeneração é a salamandra (Gerstalt, 1764), um anfíbio que faz parte dos urodelos.
A salamandra, assim como a Fênix, está ligada a uma frase: Nutrisco et extinguo. A Fênix, por sua vez, está associada ao lema Post fata resurgo.
A frase Post fata resurgo significa Depois da morte, ressuscito, aludindo à capacidade da Fênix de se regenerar e à essência da vida de continuamente se levantar e superar as adversidades.
A frase Nutrisco et extinguo indica a capacidade atribuída à salamandra, pelos alquimistas, de atravessar o fogo, destruindo a parte ruim e nutrindo a parte boa do fogo. Essa concepção é encontrada na obra do naturalista e alquimista alemão Joachim Camerarius, o Jovem (1534–1598): Symbolorum et Emblematum ex Acquatilibus et Reptilibus, publicada em 1590.
Na alquimia, a Fênix é representada pela Rubedo: o estágio final da transformação da matéria. A Rubedo, e portanto a Fênix, é a última grande fase da evolução da matéria, ou seja, o cumprimento da Grande Obra. O psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875–1961), em seus estudos sobre as analogias entre psicologia e alquimia, identificou a Rubedo como a transformação interior do indivíduo e o término do processo de individuação, onde o Eu e seu arquétipo alcançam sua realização.
O tema da “Dança Macabra” nas artes e na música
Durante os séculos da Idade Média, especialmente o período do baixo medievo, entre os séculos XIV e XV, difundiu-se por toda a Europa a iconografia das Danças Macabras. O tema da morte permeou toda a Idade Média, provavelmente também devido ao fato de que esses foram séculos marcados por guerras e pela epidemia de peste que assolava a Europa. Assim, os artistas, tanto por encomenda quanto por inspiração, criaram inúmeras obras que retratavam a morte em ação. A iconografia das Danças Macabras, em particular, apresenta esqueletos dançando em cemitérios e cidades. A Dança Macabra, ou Dança dos Mortos, é fundamentalmente uma reflexão artística sobre a condição humana e de todos os seres vivos. A mensagem que emana dessas obras, ao mesmo tempo enigmática, é que tudo neste mundo está destinado à morte. O esqueleto é a fenomenologia da morte que se manifesta no mundo através da matéria. O tempo, sobretudo, é o verdadeiro antagonista do mundo manifestado: tudo o que existe parece estar sujeito às suas leis, que inexoravelmente conduzem tudo o que existe à entropia.
No século XIX, com o advento do Romantismo — movimento cultural que abrange música, pintura, literatura e poesia — o tema da Dança Macabra foi retomado na música. Em particular, o pianista e compositor húngaro Franz Liszt (1811–1886) revisitou o tema iconográfico sob a forma de poemas sinfônicos. A obra mais significativa do pianista húngaro que aborda esse tema é a Totentanz (1834–1859), para piano e orquestra, dedicada ao pianista alemão Hans von Bülow (1830–1894). A inspiração para a peça veio muito provavelmente do ciclo das Danças Macabras O triunfo da morte, do pintor Buonamico Buffalmacco (1290–1340).
A composição, em ré menor, é caracterizada pela obsessiva repetição do tema do Dies irae (O dia da ira divina), uma sequência litúrgica do canto gregoriano atribuída a Tommaso da Celano (1190–1265). Esta sequência, de tom claramente apocalíptico, foi recuperada por Liszt na música após séculos de esquecimento. Antes de Liszt, o primeiro compositor a utilizar o tema do Dies irae foi o francês Hector Berlioz (1803–1869), em sua Sinfonia Fantástica (1830), no quarto movimento intitulado Sonho de uma noite de sabá, estruturado, não por acaso, como uma Dança Macabra.
O Dies irae também foi utilizado por outros compositores, como o russo Sergei Rachmaninov. Ele o incorpora no terceiro movimento das Danças Sinfônicas (1940), na Rapsódia sobre um tema de Paganini (1934) e no grandioso poema sinfônico A Ilha dos Mortos (1908).
Morte e renascimento na música do Genesis
A concepção da salamandra capaz de se lançar no fogo para se purificar, além de purificar o próprio fogo, também aparece na letra de uma música do Genesis, a banda britânica de rock progressivo, The Carpet Crawlers, que faz parte do grande clássico da banda: The Lamb Lies Down on Broadway.
Nos primeiros versos da canção, lê-se:
"A salamander scurries into a flame to be destroyed"[9]
(Uma salamandra corre para as chamas para ser destruída).
A música The Carpet Crawlers (em português, Os rastejadores do tapete) representa o auge poético do álbum e talvez de toda a discografia do Genesis. Repleta de referências religiosas e místicas, aborda a morte e o renascimento, um processo de purificação que só pode ser alcançado por meio da morte. A salamandra, portanto, não é mencionada por acaso: ela simboliza alguém que está morrendo para renascer. Esse alguém é Rael, o protagonista da história de The Lamb Lies Down on Broadway. A música instrumental Hairless Heart (Coração sem espinhos) descreve, em melodia, a purificação da alma de Rael. Já em The Carpet Crawlers, Rael está atravessando o corredor da morte para renascer como uma nova pessoa. Trata-se, então, de um processo alquímico.
Para os alquimistas, o processo alquímico era uma constante morte e renascimento: as fases da Grande Obra — Nigredo, Albedo e Rubedo — representam a travessia pela morte até alcançar o renascimento. A Rubedo, o estágio do renascimento, é simbolizada pela Fênix.
Além disso, o refrão da canção The Carpet Crawlers repete a frase:
"We got to get in to get out"[10]
(Precisamos entrar para sair).
O verso se refere aos rastejadores do tapete que estão entrando em um corredor vermelho-ocre para depois sair dele. Mas e se os rastejadores do tapete fossem, na verdade, espermatozoides atravessando as trompas uterinas (o corredor vermelho-ocre) para alcançar o óvulo (a saída)? Os rastejadores do tapete seriam então a salamandra lançando-se no fogo para renascer em uma nova forma de vida, mas também os espermatozoides que morrem para que apenas um deles renasça através do óvulo, dando origem a um novo ser vivo. O verso
"There is only one direction in the faces that I see"[11]
(Há apenas uma direção nos rostos que vejo)
pode ser interpretado como os espermatozoides seguindo todos na mesma direção única em busca do óvulo.
Mas neste fascinante álbum, o tema da morte e renascimento não se limita a essa música. Na verdade, todo o álbum é um percurso de morte e renascimento. Rael, o protagonista dessa história surreal escrita por Peter Gabriel — cujo nome é um anagrama de Peter Gabriel, além de seu alter ego —, é um jovem porto-riquenho que vive em Nova York. Rebelde e aparentemente fora da lei, ele se vê subitamente catapultado para um mundo subterrâneo por meio de uma densa nuvem de fumaça. Essa é a primeira morte do protagonista, que deve atravessar essa jornada sozinho, no subsolo de sua alma, para depois renascer como um novo homem.
Na jornada subterrânea por Nova York, que metaforiza sua introspecção, Rael encontra criaturas estranhas como os rastejadores do tapete, seres mitológicos como as traiçoeiras Lâmias, deusas como Lilith, além de salas enigmáticas e personagens excêntricos como a Colônia dos Slipperman. Contudo, é sobretudo com a morte que Rael se confronta, pois é ela quem, mais que qualquer outro obstáculo, o permite renascer e se purificar.
O título da obra, The Lamb Lies Down on Broadway, contém a palavra lamb (cordeiro). Na tradição judaico-cristã, o cordeiro representa a morte e o renascimento. Este filhote de ovelha é imolado para a ressurreição e simboliza o próprio Cristo, que morre e renasce. Na tradição cristã, na Páscoa, mais do que cordeiros, nossa mesa é abundante de ovos de chocolate e pombas. O ovo é o símbolo cósmico do nascimento e renascimento, uma simbologia tão antiga que remonta à pré-história. A quebra da casca do ovo e o nascimento do pintinho que emerge lenta e arduamente simbolizam o eterno parto da vida, que continuamente se regenera. A pomba também pode ser vista como um símbolo de renascimento, além de representar o Espírito Santo. Seu plumagem branca, na alquimia, está associada à Albedo, o alvorecer de uma nova vida, enquanto ela emerge do corvo da Nigredo que lentamente se transforma.
As músicas do álbum The Lamb Lies Down on Broadway abordam temas variados, como a sexualidade em The Lamia e The Colony of Slipperman, a morte em Anyway e Here Comes the Supernatural Anaesthetist, ou o medo ancestral de espaços claustrofóbicos em In the Cage.
A música The Lamia descreve o encontro de Rael com as sombrias Lâmias, criaturas meio serpentes e meio mulheres da antiga mitologia grega. Além de abordar a sexualidade, a música trata do feminino sombrio e tóxico, que engana aqueles que cruzam seu caminho. Cabe ao herói resistir à tentação do engano. Assim, o final do álbum é claramente um renascimento para Rael, que supera todos os obstáculos.
"A Fênix" (1954-1988), de Osamu Tezuka
A obra A Fênix, de Osamu Tezuka, foi concebida e realizada ao longo de um período muito extenso, cerca de trinta anos de trabalho (1954-1988). Isso porque o “deus do mangá”, como era apelidado Osamu Tezuka, estava simultaneamente ocupado com outras obras. Tezuka foi um autor de mangás extremamente prolífico, com uma produção completa que compreende cerca de 400 volumes de desenhos, painéis e ilustrações. Entre suas obras mais importantes estão Astro Boy, Kimba, o Leão Branco, A Princesa e o Cavaleiro, Melmo: Os Doces Mágicos de Lilly, Unico, entre muitas outras.
A Fênix foi idealizada por Tezuka como a suma de seu pensamento e de seu ideal de mangá japonês. As histórias narradas são inúmeras, abrangendo desde a pré-história do Japão até o futuro ultratecnológico da humanidade.
O fio condutor do ciclo do mangá é, obviamente, a Fênix. No mangá, ela aparece tanto na forma de um pássaro de fogo quanto como uma mulher com patas e rosto de ave.
As histórias foram reunidas em doze volumes, publicados na Itália pela editora J-Pop, que também lançou outras obras de Tezuka. Com exceção do último volume, As Origens, que é uma espécie de prelúdio ou spin-off de toda a história, são onze volumes que narram as gestas épicas da Fênix e a história da humanidade em forma de imagens. Infelizmente, a obra permaneceu inacabada devido à morte do autor. O papel da Fênix nessas histórias é fundamental, ainda que muitas vezes oculto, representando a essência primordial de todas as coisas. Através da pré-história, do presente e do futuro da humanidade, a Fênix manifesta sua essência por meio de conselhos, ajudas, inumeráveis metamorfoses, aparições milagrosas, presenças inesperadas, curas, inspirações para artistas e escultores e como guia espiritual.
Como Tezuka não era ateu, mas agnóstico, ele admitia um princípio criativo eterno e transcendente que habita o mundo. A Fênix pode muito bem representar esse princípio eterno, divino e imutável que permeia todo o universo. O princípio universal da morte e do renascimento é um conceito universal, semelhante ao O Rei do Mundo, de René Guénon, em que o autor fala de uma sabedoria universal que está na origem de todo conhecimento.
A obra A Fênix de Osamu Tezuka, no entanto, não é a única em que o tema da morte e do renascimento está presente. Mesmo o mangá mais famoso do autor, Astro Boy, contém essa mesma temática. A própria criação do pequeno robô é o resultado da morte do filho de um cientista. Essa bela história inspirou um filme de Steven Spielberg, mas originalmente escrito por Stanley Kubrick: A.I. Inteligência Artificial, lançado em 2001. No entanto, essa é uma discussão para outro momento.
O futuro da humanidade imaginado por Tezuka é frequentemente distópico, controlado de forma abrangente pela tecnologia e pelo pensamento científico e tecnológico. Episódios como A Ressurreição e O Livro do Futuro mostram uma tecnologia que se tornou onipresente, em que decisões sobre guerras e a sociedade são delegadas a robôs. A Fênix observa o desenvolvimento da humanidade e seu caminho rumo à destruição, estando pronta para ajudar aqueles que estão preparados para compreender o mistério da morte e da vida.
Os ciclos narrativos do mangá são os seguintes:
- O Livro do Amanhecer
- O Livro do Futuro
- O Livro de Yamato / O Livro do Universo
- O Livro do Mito
- O Livro da Ressurreição / O Livro do Manto de Penas
- O Livro da Nostalgia
- O Livro da Vida / O Livro dos Seres Fantásticos
- O Livro do Sol
Este, dividido pela editora em dois volumes, é talvez a narrativa mais madura de todo o ciclo. Junto com O Livro do Futuro, é possivelmente a história mais complexa da série. Morte e renascimento se entrelaçam profundamente com o protagonista e sua jornada. O protagonista é um soldado cujo rosto humano original foi desfigurado e substituído, em um ato de escárnio, por uma cabeça de cão-lobo. Quando encontra sua prometida na tribo dos canídeos, ele se apaixona pela jovem, que, no entanto, é completamente uma loba. Apenas em raras ocasiões, ela pode se transformar em ser humano. A história se passa tanto no passado quanto no futuro, em épocas onde a guerra religiosa devasta: entre o budismo e o paganismo no passado, e entre a luz e as sombras no futuro. No passado, o herói encontra a fênix, que lhe explica que as guerras religiosas sempre existirão e que ela não interfere, pois cabe à humanidade compreender o significado de seus atos. Mil anos depois, no futuro, o protagonista se sacrifica para salvar sua facção, enquanto no passado recupera sua aparência humana, conforme predito pela fênix. No final da história, a prometida do futuro, tendo bebido o sangue do pássaro de fogo, é submetida a uma prova: atingida por uma metralhadora e reduzida a cinzas, ela renasce na forma de loba e se reencontra com seu amado no reino da fênix. Ainda assim, o ápice poético do ciclo é alcançado em O Livro do Futuro, O Livro da Nostalgia e O Livro da Vida e dos Seres Fantásticos.
O Livro do Futuro, o segundo volume da série, começa em um futuro distante, já em declínio, tanto vital quanto moralmente. Estamos no ano 3404 d.C., e a Terra perdeu a maior parte de seus seres vivos. Ela se encontra em seu estágio final, com os humanos vivendo em cinco grandes cidades subterrâneas, pois a superfície tornou-se inabitável. Pouquíssimos seres vivos ainda sobrevivem na superfície da Terra.
Um soldado valente e de grande ética moral chamado Masato Yabanobe vive com uma alienígena feminina metamorfa de aparência humana, por quem está loucamente apaixonado. No entanto, seu superior, chamado Rock, ordena que ele elimine imediatamente a alienígena da raça Moopi, pois a lei proíbe severamente não apenas conviver com eles, mas até mesmo interagir.
Yabanobe tenta obedecer à ordem de seu superior, que num instante se torna seu maior inimigo. Porém, ele não tem coragem de eliminar sua amada alienígena e decide planejar uma fuga.
Após inúmeros obstáculos na cidade subterrânea, Yabanobe decide ultrapassar os limites da cidade e sair para a superfície exposta, onde nenhum mortal consegue viver. Rock, percebendo sua fuga, consulta um robô chamado Halleluja, uma máquina que decide o destino dos humanos quando consultada. Rock ordena que o computador elimine Yabanobe, mas a máquina se recusa. Então, o próprio Rock ordena que soldados com cães-radares procurem Yabanobe por toda a superfície. Enquanto isso, Yabanobe e sua companheira alienígena encontram-se nas proximidades do laboratório do Dr. Saruta.
O Dr. Saruta é concebido por Tezuka como um eremita do futuro, um cientista solitário obcecado em devolver a vida a todos os seres vivos extintos no passado. Após uma vida viajando pelo universo e pelas estrelas, agora, aos cem anos, ele se estabeleceu longe das cidades e vive em seu laboratório, onde realiza experimentos com a vida. No laboratório, o Dr. Saruta construiu dezenas de úteros artificiais nos quais flutuam espécies extintas do passado, como pássaros, mamíferos, répteis e anfíbios. Ele vive em busca de reverter o destino dessas criaturas, dedicando-se a recriar a vida em um mundo que já quase a perdeu por completo.
Nessas cubas com líquido amniótico artificial, os seres vivos se nutrem, aprendem e vivem. No entanto, é exatamente essa característica que representa o principal problema: fora dessas cubas e úteros artificiais, os seres vivos recriados não conseguem sobreviver. Quando um deles, um ser humano recriado com células artificiais, tenta sair do cilindro artificial — ou seja, quer nascer pela primeira vez no mundo —, ele morre imediatamente assim que é retirado do cilindro e do líquido amniótico. O Dr. Saruta sabia que essa criatura também morreria, pois todas as suas criações dependem do líquido amniótico artificial. Nessa imagem, temos a morte e o nascimento sutilmente entrelaçados: o nascimento é sempre acompanhado pela morte e, vice-versa, a morte é acompanhada pelo nascimento.
Desesperado, o Dr. Saruta clama por ajuda a Deus, suplicando que suas criaturas vivas, mesmo que artificiais, não morram tão logo nasçam. Suas preces parecem ser ouvidas, e uma Fênix resplandecente aparece diante dele, brilhando na escuridão da noite. O Dr. Saruta, atônito, pergunta ao pássaro misterioso o que ele era, o que queria e se pretendia entrar em seu laboratório. A Fênix responde que ouviu suas súplicas. O Dr. Saruta pergunta então se a Fênix seria Deus, mas ela responde que não conhece nem mesmo a palavra "Deus", definindo-se como uma parte viva da Terra. A Fênix explica que a Terra e todo o universo não são mais do que seres vivos e, como todos os seres vivos, estão sujeitos a doenças e envelhecimento. O Dr. Saruta, incrédulo, hesita diante de tais afirmações, mas a Fênix o tranquiliza, dizendo que, através de um ser humano muito especial, a humanidade e os seres vivos poderão recuperar sua antiga forma. Esse ser humano especial é Masato Yabanobe. A Fênix conduziu pessoalmente o jovem ao laboratório do velho cientista e recomenda que ele o receba imediatamente.
Quando Masato Yabanobe chega ao laboratório do Dr. Saruta, seu inimigo Rock também o alcança e consegue entrar no local. Após discussões e confrontos, a Fênix adentra o laboratório, levantando a escotilha do teto com a força do pensamento. Assim que vê Masato Yabanobe, ela se comunica telepaticamente com sua alma e diz:
"Masato Yabanobe, escute-me: apenas você pode fazer a Terra renascer! Foi por esse motivo que o guiei até aqui!"[12]
Masato, incrédulo, não consegue compreender tais afirmações e, principalmente, como ele poderia realizar tamanha tarefa. A Fênix, então, esclarece:
"Eu o tornarei imortal: essa é a sua missão. Você viverá neste lugar por dezenas de milhares de anos, até que nasça uma nova estirpe de indivíduos."[13]
Logo em seguida, a Fênix toma Masato pela mão e o conduz em uma viagem pelo universo infinito, para que ele observe atentamente as galáxias e o cosmos, e pelo universo microscópico, para que contemple a infinita pequenez dos átomos e da estrutura da matéria. A Fênix afirma que tudo no universo é matéria viva, porque tudo é Cosmozônio.
Com esse termo, ela se refere à Quintessência do cosmos, que, para os antigos filósofos, era constituída de fogo, água, ar e terra. Para o pensamento hinduísta, usa-se o termo Akasha, que designa o Éter, elemento que engloba tudo no mundo conhecido. Tanto no pensamento hinduísta e budista, a Terra e o universo são vistos como entidades vivas, quanto no pensamento gnóstico, que compartilha essa visão. Além disso, a corrente alquímica, como demonstrado pelo alemão Basílio Valentino (1394?) em sua obra De Microcosmo deque Magno Mundi Mysterio, et Medicina Hominis, também concebe a Terra e o mundo como seres vivos, e não como objetos inanimados. No entanto, essa visão não deve ser confundida com as interpretações modernas do movimento New Age, que adaptaram filosofias antigas em uma chave contemporânea.
Após o encontro com a Fênix, duas máquinas dotadas de inteligência artificial — dois robôs — decidem declarar guerra às cinco cidades, que acabam destruídas. Masato Yabanobe, o último habitante da Terra, torna-se aquele a partir do qual toda a vida se desenvolverá novamente no planeta. Aos dez mil anos, já à beira da decomposição, sua essência regenerativa fertiliza as águas, iniciando assim um novo processo de renascimento. Das criaturas primordiais aos dinossauros, dos primeiros mamíferos até o surgimento do ser humano, a vida volta a ser protagonista na Terra — uma vida que nasce da morte. Até Masato Yabanobe renasce e se funde com a Fênix, unindo sua energia à do pássaro de fogo imortal. Tezuka narra, com suas imagens, o processo eterno e imortal de morte e renascimento que permeia o mundo.
O significado do ovo como símbolo do renascimento
O ovo, na história da vida na Terra, remonta às origens mais remotas dos primeiros invertebrados. Durante o Ordoviciano, no Paleozoico, criaturas invertebradas do período Pré-Cambriano já depositavam ovos. Essas criaturas incluíam organismos com formas de concha e bivalves, além dos ancestrais de polvos e lulas. Os organismos da chamada Explosão Cambriana, que viveram há cerca de 541 milhões de anos, reproduziam-se expulsando ovos rudimentares através de ovidutos primitivos. Até mesmo os ovos dos primeiros peixes eram extremamente rudimentares, com cascas gelatinosas e frágeis. Essas características também se aplicavam aos ovos dos primeiros anfíbios e dos primeiros tetrápodes terrestres.
Os primeiros ovos depositados em terra firme pertencem às criaturas amniotas, como a Casineria kiddi (Paton, Smithson e Clack, 1999), que viveu no período Carbonífero, há cerca de 340 milhões de anos. Esses ovos continham líquido amniótico, ou âmnio, algo completamente novo para a época. Posteriormente, essa estrutura evoluiu nos mamíferos para formar a placenta. Inicialmente, os primeiros mamíferos ainda depositavam ovos, o que representava uma desvantagem, especialmente para aqueles que viviam próximos aos dinossauros.
Mamíferos arcaicos como o Morgonucodon e o Megazostrodon, que viveram no final do Triássico e eram semelhantes a pequenos roedores, eram altamente vulneráveis por ainda depositarem ovos. Essas espécies eram predadas por dinossauros terópodes em evolução, como o Coelophysis bauri (Cope, 1889), que se alimentavam tanto dos pequenos mamíferos quanto de seus ovos. A pressão predatória dos dinossauros desencadeou um processo evolutivo irreversível, levando os mamíferos subsequentes a desenvolverem a placenta, permitindo que o embrião e o feto se desenvolvessem em maior segurança.
Os primeiros mamíferos placentários surgiram no Cretáceo Superior, com espécies como Eomaia scansoria (Ji et al., 2002) e Juramaia sinensis (Luo et al., 2011), que já haviam evoluído a placenta. Nesses primeiros mamíferos placentários estava oculto o destino de todas as espécies futuras de mamíferos placentários e marsupiais, incluindo o ser humano. Durante décadas, acreditou-se na teoria de Ernst Haeckel (1835–1919), que afirmava que a filogênese recapitula a ontogênese. Embora cientificamente incorreta, essa teoria ilustra, do ponto de vista psicológico, o forte vínculo entre a espécie humana e os outros animais, assim como entre a humanidade e toda a vida na Terra. A simbologia do ovo confirma esse vínculo.
O ovo possui uma forma geométrica esférica e alongada, ou seja, ovoide. Os olhos, os ovários, os ovócitos, as cabeças dos espermatozoides, os testículos, o cérebro e a cabeça humana lembram ovos. Tudo relacionado ao nascimento e à introspecção remete à forma do ovo. No cérebro humano, uma nova essência e uma nova vida podem ser geradas e, posteriormente, trazidas ao mundo. O ovo simboliza o olho interior, o começo do mundo, a pedra filosofal e o renascimento interior. Além disso, o ovo também representa a esfericidade da Terra, dos planetas, do Sistema Solar e do universo.
O renascimento interior e a analogia com a metamorfose dos animais
As espécies animais são conhecidas por sua extraordinária capacidade de transformação e mutação corporal. Por exemplo, as cobras trocam de pele. Durante esse processo, milhões de células morrem para dar lugar a novas, permitindo o surgimento de uma nova pele. Durante esse período, as cobras se escondem em locais solitários e escuros e permanecem em jejum, como se entrassem em um estado de morte simbólica para renascer com uma pele renovada. O mesmo ocorre com muitas espécies de insetos (Insecta, Linnaeus, 1758).
Nem todas as espécies de insetos passam por uma metamorfose completa. Gafanhotos e cigarras, por exemplo, nascem com uma forma semelhante à dos adultos, conhecida como ninfas ou neânidas. São adultos incompletos, ainda em estágio larval. Já insetos como borboletas, abelhas e vespas atravessam várias fases de transformação corporal até alcançarem a forma adulta. Suas larvas e lagartas passam pelas fases de pupação, casulo ou exúvia, até o momento do surgimento como adultos. O tempo de metamorfose varia entre as espécies: as larvas de cigarras, por exemplo, levam 17 anos para emergir, enquanto as lagartas de borboletas e outros lepidópteros (Lepidoptera, Linnaeus, 1758) completam o processo em dias ou semanas.
O termo latino Exuvia, traduzido para o italiano como "esuvia", refere-se ao invólucro deixado após a muda de artrópodes, como cigarras, gafanhotos, libélulas (Odonata, Fabricius, 1793), aranhas, caranguejos e lagostas. Desde as formas primitivas de artrópodes, como os trilobitas, as exúvias sempre foram uma presença constante nesse processo. Entre os insetos, as libélulas (Linnaeus, 1758) são um exemplo notável: mudam de pele e forma dezenas de vezes antes de alcançarem a fase adulta. Ao nascer, as libélulas são aquáticas. Suas ninfas são agressivas e vorazes, o que evidencia que a evolução primitiva dos insetos ocorreu originalmente na água, de onde a maioria dos seres vivos iniciou sua evolução.
Os insetos foram os primeiros organismos a voar na história da vida na Terra, muito antes do surgimento das aves, que apareceram entre o final do Jurássico e o Cretáceo. Não é coincidência que o animal símbolo do renascimento, a Fênix, seja uma ave. As aves carregam a simbologia das asas e dos ovos: os ovos representam o nascimento de uma nova vida, enquanto as asas simbolizam o espírito da vida e do universo. Antigas civilizações reverenciavam aves, como corujas, mochos e águias, considerando-as guardiãs e mensageiras de uma sabedoria primordial que remontava aos primórdios do mundo.
No entanto, como mencionado anteriormente, as asas e o voo não começaram com as aves, mas com os insetos (Insecta, Linnaeus, 1758). O fóssil mais antigo de inseto conhecido é o Rhyniognatha hirsti (Tillyard, 1928), que viveu no Devoniano Inferior, há cerca de 400 milhões de anos. Não se sabe exatamente o que era, mas provavelmente era um artrópode da classe Exapoda, possivelmente um gafanhoto ou libélula. Desses organismos, apenas partes do corpo, como mandíbulas, foram encontradas, mas acredita-se que já possuíam asas, derivadas de estruturas antigas das brânquias e mandíbulas, desenvolvidas quando os primeiros seres aquáticos começaram a evoluir apêndices laterais que mais tarde se transformariam nas asas dos insetos.
Cada evolução é um ciclo de morte e renascimento. Para dar o próximo passo evolutivo, um organismo precisa "morrer" de certa forma. A morte e a destruição abrem espaço para o novo, permitindo o surgimento de uma nova espécie. O mesmo acontece com o renascimento interior: ele só pode ocorrer se os desconfortos existenciais, como depressão, ansiedade e ataques de pânico, forem vivenciados e permitirem a destruição de padrões mentais obsoletos que já não nos pertencem. A psicanalista junguiana Marie-Louise von Franz, em seu livro Alquimia, dá grande importância à tristeza e à depressão, interpretando-as como manifestações da Nigredo. No processo alquímico e evolutivo da Grande Obra (Opus Magnus), a Nigredo é fundamental, pois é através dela que se alcançam os níveis mais elevados da transformação rumo ao renascimento interior. Quanto mais profundo o estado depressivo, maior é o potencial para um renascimento significativo. O guia espiritual contemporâneo Eckhart Tolle, em seu livro O Poder do Agora, descreve como a depressão o levou ao ponto do suicídio aos 29 anos. Ele recorda que foi precisamente essa depressão feroz que o despertou e permitiu seu renascimento, abrindo seus olhos para a verdadeira vida.
Na alquimia, o processo de individuação é chamado de Grande Obra, dividido em três estágios: Nigredo, Albedo e Rubedo. O primeiro estágio, a Nigredo, é frequentemente simbolizado por um pássaro: o corvo (Corvus corax, Linnaeus, 1758). Pode-se dizer que o corvo é a nêmesis da Fênix, seu lado sombrio. Contudo, a verdade vai além dessa dualidade.
O corvo e a morte: morte, incubação e renascimento
O corvo é uma ave pertencente à família Corvidae (Vigors, 1825), que também inclui as pegas, gralhas e aves-lira. Evidências fósseis de corvos pré-históricos remontam ao período Mioceno, cerca de 15 milhões de anos atrás, como demonstrado pela descoberta de restos fósseis (tarsos, metatarsos e tíbias) do Miocorvus larteti (Lambrecht, 1933).
Esse corvídeo pré-histórico habitava as florestas da França (Occitânia) e do sudeste da Romênia (Dobruja), que no Mioceno eram povoadas por vastas florestas de pinheiros, abetos e faias.
Ao longo dos milhões de anos seguintes, com a evolução dos lobos, cães e da espécie humana, os corvos começaram a seguir seus rastros em busca de alimento. Os corvos são aves extremamente inteligentes, talvez entre os animais mais inteligentes do planeta. Os canídeos, os lobos e os humanos são carnívoros, e os corvos, ao acompanhar seus deslocamentos, conseguiam aproveitar a carne das presas caçadas por eles. As movimentações de Homo neanderthalensis (King, 1864), especialmente aquelas populações do norte da Europa, eram frequentemente seguidas pelos corvos, que também acompanhavam seus cães e lobos. Hoje, os corvos mantêm o mesmo comportamento em relação aos lobos, seguindo-os durante as caçadas. A grande inteligência e engenhosidade dessas aves atingiram níveis elevados, talvez superiores aos de alguns primatas e dos primeiros ancestrais da espécie humana, como os hominídeos Australopithecus afarensis (Dart, 1925).
Mas será que sua inteligência sempre foi tão avançada? Ou, como nos humanos, ela evoluiu ao longo do tempo?
No imaginário coletivo de muitos povos, o corvo está associado à morte e ao além. Por exemplo, expressões como "virar comida para corvos" significam ser devorado pela morte. O corvo contém, na verdade, dois simbolismos: sua plumagem preta pode representar a noite e a escuridão, típicas do ventre materno e do subterrâneo da terra, onde o embrião e a semente incubam antes de germinar. Como mencionei anteriormente, a incubação de todos os seres vivos é uma espécie de morte — uma morte para nascer, para se preparar para a vida. O corvo, portanto, representa esse tipo de morte.
De fato, o corvo é uma ave xamânica, presente desde as primeiras representações artísticas rupestres, como na Caverna de Lascaux, situada no sudoeste da França. Datada do período Gravettiano, entre 19.000 e 15.000 anos atrás, além dos conhecidos animais como cervos e bisões, a caverna traz a figura de um xamã com a cabeça de corvo. Corvos também aparecem na mitologia nórdica, mencionados na Edda Poética como conselheiros de Odin, chamados Huginn e Muninn.
A grande inteligência do corvo já era reconhecida pelos povos antigos, e é por isso que ele frequentemente aparece em fábulas e lendas como um trickster — um trapaceiro ou malandro. Essas figuras mitológicas estão presentes em contos e histórias de todas as épocas e culturas. Já mencionamos que, na alquimia, o corvo representa o estágio da Nigredo — o estado primordial da matéria, escuro e sombrio. Nos livros ilustrados de alquimistas, o corvo aparece com frequência. Na obra do alquimista, médico e naturalista alemão Johann Daniel Mylius (1583–1642), Philosophia Reformata (1622), que contém numerosos símbolos e alegorias alquímicas em forma de imagens, o corvo preto (Corvus corax, Linnaeus, 1758) é retratado empoleirado na mão direita de um esqueleto que está de pé sobre o sol negro. O Solis Niger simboliza a noite primordial de todas as coisas — a matéria em putrefação e decomposição que se prepara para o renascimento e para ressurgir sob uma nova luz.
O Solis Niger está obviamente conectado à plumagem negra e brilhante do corvo. Podemos afirmar com certeza que o Sol Negro, ou Solis Niger, é o primeiro estágio primordial do mundo, isto é, a Nigredo. A Nigredo é a matéria-prima caracterizada pelo estágio bruto, confuso e caótico das fases iniciais da matéria. Posteriormente, ocorre a Coniunctio dos elementos masculino e feminino, que "morre" logo após a união (essa fase alquímica lembra muito a fecundação do zigoto). Da Coniunctio surge a purificação, que dá origem à Albedo — o amanhecer do mundo. Essa fase também é conhecida pelos alquimistas como Cauda Pavonis, pois o branco contém todas as cores do mundo. Mas a Rubedo, representada pela Fênix, é um salto ainda mais elevado. A Rubedo é o nascer do sol, o início de um novo dia e, portanto, de um novo renascimento após a morte representada pela noite da Nigredo.
Morte e Renascimento / Apolíneo e Dionisíaco e Conclusão
O Sol Niger também aparece no romance apocalíptico da escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851), O Último Homem (1826), cuja história narra o fim da humanidade devido a uma bactéria da peste. Apenas um homem sobrevive misteriosamente. Durante o desenvolvimento da peste, que começa nos países da Ásia e depois se espalha por todo o mundo, surge um misterioso Sol negro: deste objeto celeste escuro e tenebroso, muitas sombras são projetadas sobre o mundo, envolvendo-o em uma noite perene. Parece que a maioria dos autores de ficção científica, tanto escritores quanto quadrinistas, imaginam o futuro da humanidade e da Terra com grande desconfiança no gênero humano e, sobretudo, com uma perspectiva apocalíptica sobre os eventos do mundo. O fim da humanidade causado por doenças misteriosas ou por monstros criados em laboratório ou vindos do espaço parece ser uma constante na imaginação de muitos autores do século XX. Mas não devemos esquecer que da morte e da escuridão nascem lentamente uma nova vida e um novo caminho a seguir.
O Sol negro é o lado dionisíaco da natureza, o aspecto destrutivo do mundo. O mundo sustenta-se em dois opostos: Apolíneo e Dionisíaco. O mito narra que Dionísio foi despedaçado pelos Titãs e recomposto por Apolo. O Apolíneo, de fato, é o mundo manifestado, aparentemente sublime e ordenado. O Dionisíaco é o verdadeiro rosto do mundo, que está oculto, e é caótico e destrutivo. A parte dionisíaca do mundo manifesta-se, por exemplo, nos cataclismos naturais e na ferocidade dos animais. O lado apolíneo, por outro lado, está na parte aparentemente ordenada e bela do mundo. Nós nascemos e morremos todos os dias. Nossa embriogênese não se interrompe após a gestação, mas se estende por toda a vida. O mundo, de fato, contém uma energia que se renova a cada segundo, a cada minuto, a cada hora. No entanto, quando nossa vida se enclausura no passado ou no futuro, ela se paralisa e morre. Somente no Agora a vida pode se regenerar infinitamente: apenas no Agora a vida pode ser uma constante renovação e metamorfose. Mas o verdadeiro segredo para o renascimento está em voltar a ser nada, como afirma a fênix a Masato Yabanobe:
"Você deve voltar a ser nada para poder renascer para uma nova vida" (14).
Por ora, encerro aqui, mas este fascinante tema exige inúmeros outros desdobramentos, que serão aprofundados e analisados em uma terceira parte.
Notas
[1] Osamu Tezuka: : La Fenice, volume 2 : Il libro del futuro; edizioni J- pop, pag. 156 , traduzione di Hazard edizioni, a cura di Giulia Gabrielli.
[2] Joseph Campbell: L’eroe dai mille volti; pag. 286 , edizioni Lindau, 2012. Traduzione di Franca Piazza.
[3] The Poems of Taliesin: traduzione in lingua inglese di Ifor Williams. Dublin Institute of avanced studies, 1967, 1975 ,1987.
[4] Joseph Campbell: L’eroe dai mille volti. Pag. 288- 289. Edizioni Lindau, 2012. Traduzione di Franca Piazza.
[5] Marco Vozza : il senso della fine nell’arte contemporanea, da L’apocalisse nella storia, Humanitas 54 ( 5/ 1999 ); pag . 884.
[6] Ella Hoch: Reflections on prehistoric life at Umm annar ( Trucial oman) , based on faunal remains from the Third millennium B.C, in South Asian Archeology. Papers from the Fourht enternational Conference of the association of South Asian Archeologists. In Seminario di studi Asiatici, Series minor 6, M. Taddei, 1979, pag. 589 – 638.
[7] I Presocratici: prima traduzione integrale con testi originali a fronte delle testimonianze e dei frammenti nella raccolta di Hermann Diels e Walther Kranz. 22. Eraclito di Efeso: testimonianze e frammenti, B. Frammenti dall’opera “ Sulla natura”. Cap. 30- 31, pag. 349 . Edizione Bompiani a cura di Giovanni Reale , 2015.
[8] Robert Frost : Fuoco e ghiaccio, da “ Fuoco e ghiaccio “, edizioni Adelphi; pag. 283 , traduzione e cura di Ottavio Fatica, 2022.
[9] Genesis : The carpet crowlers. Da “ The lamb lies down on Broadaway.
[10] Ibidem…
[11] Ibidem…
[12] Osamu Tezuka: La Fenice; volume 2 : il libro del futuro; pag. 148 , edizioni J- pop. Traduzione di Hazard edizioni. A cura di Giulia Gabrielli.
[13] Osamu Tezuka : La Fenice: volume 2, il libro del futuro, pag. 156, edizioni J- pop. Traduzione di Hazard edizioni. A cura di Giulia Gabrielli.
[14] Osamu Tezuka: La Fenice, volume 2 ,Il libro del futuro, pag. 156, edizioni J- Pop. Traduzione di Hazard edizioni. A cura di Giulia Gabrielli.