por Alain de Benoist
(2015)
Até alguns anos atrás, o nome de Leo Strauss era pouco conhecido entre os acadêmicos, filósofos e cientistas políticos. No entanto, há algum tempo, ele adquiriu uma celebridade póstuma que, sem dúvida, surpreenderá muitos. Uma série de artigos e livros recentes discute como a “inspiração secreta” dos neoconservadores chegou ao poder nos Estados Unidos com George W. Bush. Esta teoria, lançada em 2003 por William Pfaff em um artigo no Herald Tribune, foi desenvolvida principalmente nos livros de Anne Norton e especialmente Shadia B. Drury: “Strauss – escreveu Drury – é o pensador chave para entender a visão política que inspirou os homens mais poderosos dos Estados Unidos sob George W. Bush.”
A tese se baseia no fato de que muitos neoconservadores eram ou haviam sido alunos de Strauss ou de seus discípulos. Este foi o caso de homens como Paul Wolfowitz, William e Irving Kristol, Richard Perle, Elliot Abrams, Robert Kagan, Abram Shulsky, Norman Podhoretz, Werner Dannhauser, David Brook, Leon Kass e muitos de seus colegas, que hoje se expressam em publicações como The Weekly Standard, The Wall Street Journal, Commentary, The New Republic, Public Interest, The National Review, etc.
Daí a considerar que "o caminho para Bagdá passa por Leo Strauss", como se chegou a escrever, há uma barreira que não pode ser cruzada sem cair nas teorias conspiratórias ou na interpretação errônea. Especialmente porque muitos straussianos (Stanley Rosen, Charles Butterworth, Joseph Cropsey) nunca apoiaram a atual política externa da Casa Branca, e entre os críticos de Strauss estão também autores incluídos na direita como Claes Ryn, Barry Alan Shain ou Paul Gottfried. Ensayistas como Steven B. Smith (Reading Leo Strauss) e Catherine e Michael Zuckert (The Truth about Leo Strauss) refutaram, por sua vez, as afirmações de Drury.
Para Leo Strauss, a compreensão filosófica passa, sobretudo, pelo estudo da história da filosofia. Portanto, ele defende um retorno reflexivo aos temas desenvolvidos pelos antigos, entre eles Aristóteles e Platão. Na tradição dos filósofos medievais, judeus e árabes, como Averróis, Avicena e al-Farabi, descobriu o ideal do filósofo, uma vez que é pelo estudo de Spinoza e Hobbes, e depois Maquiavel, que Strauss se compromete a explorar a modernidade. Sua abordagem é ler e interpretar a tradição filosófica europeia, o que o levou a estabelecer as bases de uma filosofia política, atualizando a querela entre os antigos e os modernos, e retomando novamente a questão central da “teologia política”.
Poucos filósofos anteriores a Strauss deram tanta importância ao conceito de filosofia política. Baseando-se principalmente na tese desenvolvida por Platão em sua República, Strauss afirma que a filosofia é a primeira forma dos estudos de opinião (doxa) na Cidade, e chegou à conclusão de que a primeira filosofia não é a metafísica, mas sim a filosofia política. A pergunta fundamental da filosofia: "O que é a boa vida?", é também, em si mesma, eminentemente política. Strauss não evoca a filosofia para fins políticos, como fizeram os homens do Iluminismo, mas retorna à política para permitir que a filosofia possa compreender-se melhor a si mesma. A filosofia política, diz ele, é uma tentativa de passar da opinião ao conhecimento, expondo as questões fundamentais sobre a ação e a política públicas e sobre a sociedade.
O filósofo deve prestar atenção à política, mas a Cidade não agrada ao filósofo, pois este busca, acima de tudo, a felicidade, não a sabedoria. O filósofo também desafia as convenções que regem a vida dos homens. Ao tentar transformar para o conhecimento as opiniões geralmente aceitas, o filósofo ameaça a ordem da Cidade. Por isso, ele deve adotar uma abordagem pragmática e cautelosa, especialmente cuidadosa com “a média de tudo para todos”.
O "elitismo" de Strauss, que muitas vezes tem sido mal interpretado, não tem outra origem. Strauss considera que a divulgação da ciência ou da filosofia representa um perigo para a estabilidade do vínculo social (tema que já é abordado por Rousseau em seu Discurso sobre as ciências e as artes). Daí sua teoria sobre a "escrita esotérica", exposta em 1952, em A perseguição e a arte de escrever, comentando sobre a "arte esquecida da escrita" para entender melhor como se concebe a relação entre o pensamento e a sociedade, e como os filósofos estão interessados na compreensão de si mesmos. Strauss observa que o que se ensina aos estudantes sobre as antigas escolas filosóficas difere do que foi divulgado por um grande número de filósofos, não só para tentar escapar da censura, mas porque a divulgação indiscriminada de uma série de verdades poderia constituir um perigo social.
Os modernos, como sabemos, adotaram a posição inversa. Para os teóricos do Iluminismo, a educação geral de todos é a própria condição do progresso: o "obscurantismo" deve dar lugar à razão, porque todo o mundo é igual perante a ciência e a verdade. O pensador deve ilustrar as massas o máximo possível. Isso também significa que é o presente que deve dar lições ao passado.
No frontispício da faculdade onde Leo Strauss ensinou em Chicago, podia-se ler a máxima de Lord Kelvin: "Tudo o que não pode ser medido não pode ser objeto da ciência". É precisamente essa ideia que Strauss refuta, pois a mesma se fundamenta na distinção weberiana entre fatos e valores, que ele considerou catastrófica.
Tentar cumprir a "neutralidade axiológica" implica distinguir radicalmente entre fatos e valores (o “ser” e o “dever ser”), fazendo do estudo dos fatos o único objeto das ciências sociais, o que, segundo Strauss, é ignorar que a ação humana nunca está isenta de orientação política, e que o componente político dos fenômenos humanos se baseia, antes de tudo, em um sistema de valores. Não se pode estudar as humanidades sem levar em conta os valores que impulsionam a conduta humana. A prova disso está na pergunta: qual é o melhor sistema político? – onde a própria noção de "melhor" se refere diretamente aos valores.
Uma verdadeira "ciência do homem" não pode separar a análise dos fatos de uma reflexão sobre os valores, pois essa é a única maneira de conceber a noção de “bem comum”. Como os antigos já haviam percebido, a vida política, que é uma característica da natureza humana, baseia-se em ações e escolhas que existem com vistas ao bem comum. Isso, por sua vez, implica a noção de finalidade, que domina o pensamento antigo. Platão afirma que tudo na natureza tem uma função específica que reflete sua natureza. Para Aristóteles, a natureza dos seres está ordenada aos efeitos que lhe são próprios. A natureza não pode ser concebida independentemente de um fim: o desenvolvimento de uma “coisa” é o cumprimento do fim da natureza. No homem, a virtude [1] é o cumprimento de sua própria natureza, sem que deva ser interpretada como o resultado de um dever-ser.
O bem comum é, por definição, a propriedade da pessoa, já que não procede da lei positiva, mas da lei natural. Isso implica um questionamento permanente dos fundamentos da legitimidade das decisões políticas. "Reconhecer a existência do bem comum não é mais do que a vontade de submeter a liberdade pessoal a uma ordem moral – escreve Strauss – mas é preciso criar o espaço para uma deliberação sobre o sentido que queremos dar à nossa condição cidadã." Isso significa que o bem comum é a fonte fundacional da legitimidade das decisões, a legalidade é em si mesma a legitimidade que se ordena para esse propósito.
Leo Strauss, a partir daí, ataca frontalmente o positivismo e o historicismo, cuja aparição, na linha da tradição de Augusto Comte e Hegel, constitui a terceira via – a primeira corresponde à obra de Maquiavel, a segunda aos filósofos da Ilustração – de uma modernidade na qual Strauss não hesita em ver a fonte do niilismo europeu.
Ao positivismo, que só considera os "meros fatos isolados", ele reprova descreditar todo pensamento oriundo da avaliação e não reconhecer a qualidade das ciências como formas de conhecimento que pretendem ser eticamente neutras. Portanto, não pode chegar a nenhum conhecimento genuíno do bem comum. O historicismo, por sua vez, afirma que todo o pensamento humano é apenas o resultado de circunstâncias históricas, enquanto oferece um plano ambicioso de desenvolvimento humano que encontra seu ponto culminante na ideologia do progresso.
Refletindo sobre a "crise do nosso tempo", Strauss também ataca o relativismo dos valores, tema que será depois amplamente desenvolvido por Allan Bloom em A Alma Desarmada (1987), mas também por Alain Finkielkraut em A Derrota do Pensamento. O relativismo propõe que todos os valores são iguais, que todos os pontos de vista são verdades arbitrárias. Ele até constrói uma regra moral: "não se devem questionar os valores dos outros”. Nessa "tolerância obrigatória" Strauss não vê mais do que uma “ignorância de seminário”. O relativismo, para ele, também se traduz em uma incapacidade para reagir contra a tirania: o nazismo não foi nada mais do que a resposta expressa da Alemanha à crise da modernidade.
Não há dúvida aos olhos de Strauss: a vitória dos modernos se confunde com o triunfo do relativismo e do niilismo moral. A distinção radical entre os fatos e os valores, de fato, teve como consequência a desconexão do pensamento político de toda questão filosófica. A crise do nosso tempo, diz Leo Strauss, deriva do fato de que a questão da finalidade da existência foi excluída da política e da razão. A modernidade repousa sobre uma dialética destrutiva, na medida em que toma a razão como fato, separando-a de toda reflexão sobre os valores como motor da atividade humana. Então, o bem sempre se confunde com o prazer, a crítica da tradição torna-se ela mesma uma tradição, a tradição daqueles que pretendem que já não é necessário acreditar em qualquer coisa e que o niilismo é o horizonte insuperável do nosso tempo.
Em Direito Natural e História (1953), Leo Strauss também enfatiza a diferença entre a tradição do direito natural clássico, que é uma lei objetiva, e a lei natural moderna, que levou à historização da lei e à ideologia dos direitos humanos. A crise do direito natural moderno é que a lei distingue o homem do cidadão. Nisso é herdeira do cristianismo, que faz do homem o titular de sua liberdade definitiva, independentemente de sua inclusão em um corpo social.
Heinrich Meier aponta corretamente que Leo Strauss considera a filosofia, não como uma disciplina acadêmica, mas como uma forma de vida: "A filosofia é uma forma de vida que se baseia no questionamento radical, e adquire a unidade interna porque a interrogação e a investigação irão satisfazer qualquer resposta que extrai sua legitimidade de uma autoridade superior".
Em 1964, Leo Strauss declarou que o "problema teológico-político" foi o tema central de toda sua pesquisa. A querela dos antigos e dos modernos deu uma guinada na década de 1930, especificamente em relação à origem com que as diferentes atitudes das duas escolas enfrentam o problema teológico-político: "Uma filosofia que acredita poder refutar a possibilidade do Apocalipse e uma filosofia que não acredita poder fazê-lo: esse é o verdadeiro significado da querela dos antigos e dos modernos".
O "problema teológico-político" em Strauss sustenta a tensão entre dois polos irreconciliáveis: a razão e a revelação, a filosofia e a teologia, a sociedade ordenada pelo direito, e o bem comum da sociedade governada por um corpo perfeito – em uma palavra, e por um famoso dito: Atenas e Jerusalém.
"Não podemos – escreve Heinrich Meier – conceber nenhuma objeção mais poderosa contra a vida filosófica do que aquela baseada na crença em um Deus onipotente." O que dizer? Essa filosofia considera que não pode haver liberdade para questionar se a resposta está dada por antecipação pela fé. É por isso que Strauss não hesita em afirmar que "a Bíblia tem a única pergunta que razoavelmente possa ser feita à pretensão da filosofia", e também que "basear-se em um ato de fé é fatal para qualquer filosofia". Como uma forma de vida, a filosofia representa um protesto radical contra o modo de vida baseado na obediência da fé. Em outras palavras, diz Strauss, "a possibilidade da revelação implica a possível irrelevância da filosofia." Diante da pergunta fundamental: "Qual é a boa vida?", a filosofia e, portanto, a revelação, podem adotar abordagens opostas. "A reconstrução da filosofia política e a confrontação com a religião revelada – aponta Heinrich Meier – são dois aspectos de uma mesma empresa."
Leo Strauss ainda não se pronuncia por “Atenas contra Jerusalém” ou por “Jerusalém contra Atenas”. Pensa que é mais a tensão entre esses dois polos, as demandas conflitantes da religião e da filosofia – o que constituiu até o século XVIII a força da civilização ocidental. O Apocalipse deve continuar sendo um desafio para a filosofia, assim como a filosofia continua sendo um desafio para o Apocalipse.
Diante dos modernos que consideram que o passado não pode educar, Leo Strauss não defende um retorno ao pensamento antigo, mas deseja abordar a modernidade sem perder seus princípios, reabrindo a atitude filosófica dos antigos, que favorece a pergunta sobre o sentido e o propósito, em vez de se direcionar ao positivismo e ao cientificismo. Por isso, ele sustenta que o estudo do passado é um caminho para a liberdade: não há vida sem o sentido consciente de um legado. E é também por isso que ele contesta radicalmente o progresso moral da humanidade: “O homem moderno, escreve, é um gigante que não sabemos se é melhor ou pior que o homem antigo”.
A ideologia moderna do progresso está, em si, vinculada ao desejo cartesiano de conquista da natureza: “o homem se torna mestre e senhor da natureza para melhorar sua própria condição”. No racionalismo moderno, que proclamou a autonomia humana esquecendo que o homem é basicamente um “ser ambíguo”, a razão não é mais que a garantia metafísica de uma concepção técnica da existência individual e coletiva. A ideologia do progresso serve para identificar “o Estado universal e homogêneo”, onde Strauss contempla “um Estado no qual a base da atividade humana desmorona ou no qual o homem perde sua humanidade: o ‘estado do último homem’, sobre o qual falava Nietzsche”. Resolutamente “antiglobalista”, Strauss afirma que a amizade, como a cidadania, implica uma certa exclusividade.
Muito apreciado na França por Raymond Aron, assim como por Claude Lefort, que fez muito para divulgar sua obra, Leo Strauss, sem dúvida, revitalizou a filosofia política em um país onde ela tendia a se diluir nas ciências sociais dominadas pelo positivismo. No entanto, Strauss continua sendo um autor bastante difícil, cuja leitura é suscetível a muitas interpretações equivocadas. Sua forma de argumentar não se faz a partir de uma exposição sistemática de seu pensamento, mas sua história da filosofia pode ser surpreendente. Isso transforma sua leitura em um trabalho de exploração que convida a superar certas obscuridades.
Leo Strauss morreu de pneumonia em 18 de outubro de 1973, em Annapolis (Maryland), onde está sepultado no cemitério judeu da cidade. Gostava de citar uma frase atribuída a Sócrates por Xenofonte a propósito de Heráclito: “O que compreendi é grande e nobre; penso que o mesmo se aplica ao que não compreendi”.