19/09/2024

Petr Savitsky - Pivô para o Oriente

 por Petr Savitsky

(1921)

 


Há uma certa constante e notável analogia na situação do mundo da França na época da Grande Revolução e da Rússia nos tempos atuais. No entanto, além dos detalhes e particularidades, há uma diferença fundamental que pode estar prenhe do futuro... Então (como é o caso agora), a Europa existia, e um dos países da Europa trouxe a Ela um 'novo Evangelho': este país, tendo deixado suas antigas fronteiras políticas em um estouro revolucionário para fora, conquistou quase todo o continente; no entanto, quando vacilou em suas conquistas, o resto da Europa (então unida em uma coalizão) conseguiu controlá-la e ocupá-la. Antes da guerra e da revolução, a Rússia "era uma civilização moderna do tipo ocidental, [embora] a menos disciplinada e mais desorganizada de todas as Grandes Potências..." (H. G. Wells). Durante a guerra e a revolução, porém, a "europeidade" da Rússia caiu, como uma máscara cai de um rosto, e quando vimos essa imagem da Rússia que não estava coberta por um tecido de decorações históricas, vimos uma Rússia com duas faces... Uma de suas faces estava voltada para a Europa, a da Rússia como um país europeu; como a França fez em 1793, ela traz para a Europa um 'novo Evangelho', desta vez o da 'revolução do proletariado', do comunismo manifesto... Sua outra face, no entanto, está voltada para longe da Europa... Wells conta como "Gorky... está obcecado por um pesadelo da Rússia indo para o Oriente..."

"Rússia indo para o Oriente". Mas a própria Rússia não seria "o Oriente"?

É possível encontrar muitos na Rússia através de cujas veias não corre sangue cázaro ou cumano, tártaro ou basquir, mordoviano ou chuvache? A marca do espírito oriental (seu misticismo, seu amor pela contemplação e, finalmente, sua preguiça contemplativa) é alienígena para muitos russos? Nota-se uma certa atração simpática pelas massas populares do Oriente entre as massas russas do povo comum, e através da fraternização orgânica dos ortodoxos com o nômade ou pária asiático, a Rússia é verdadeiramente um país ortodoxo-muçulmano, ortodoxo-budista.

Os bolcheviques lançaram uma campanha de perseguição contra a ortodoxia e de zombaria de toda religião. Isto é verdade. Ao mesmo tempo, no entanto, a atitude e direção religiosa dessas massas russas e não russas, pelos movimentos e sopros das quais o bolchevismo vive, vem à tona com ainda maior clareza e é enfatizada pela força total do contraste...

A zombaria bolchevique da religião, ou a indiferença bolchevique para com a religião, são de tanta utilidade para entender a Rússia quanto as tentativas dos bolcheviques de implementar as eloquentes profecias de Marx na prática.

Por esta razão, a Rússia não é apenas "o Ocidente", mas também "o Oriente", não apenas "a Europa", mas também "a Ásia", e nem mesmo a Europa, mas "a Eurásia"... Por esta mesma razão, a essência histórica que foi encarnada na Grande Revolução Francesa é unida por outra, muito distante de ser revelada, essência na Revolução Russa...

A Revolução Francesa foi uma revolução que ocorreu em um país europeu com uma população de 25 milhões e uma área de 540 mil quilômetros quadrados. A Revolução Russa está ocorrendo em um país que não é inteiramente europeu, ou mesmo europeu, e em um país com 150 milhões de habitantes e uma área de 20 milhões de quilômetros quadrados. A França é parte da Europa. A Rússia, por outro lado, é um "continente em si" que é (em certo sentido) "igual" à Europa... Os aliados de 1814-1815 conseguiram pacificar e ocupar a França. Quão grande deve ser a nova coalizão para ganhar a oportunidade de pacificar e ocupar a Rússia?.. A Grande Revolução Francesa é um dos episódios da história europeia. A Revolução Russa não é meramente um episódio da história europeia.

Dois problemas se fundem no período moderno. Um toca em questões profundas de ser e criação cultural; o outro traduz os termos das denominações ideológicas para a linguagem concreta da realidade cultural-geográfica, cultural-histórica.

Através de imenso sofrimento e privação, faminta e coberta de sangue e suor, a Rússia assumiu o fardo de encontrar a verdade de todos e para todos. A Rússia está mergulhada no pecado e na impiedade, coberta de sujeira e lama; no entanto, a Rússia está procurando e lutando em uma busca por uma cidade de outro mundo... O pathos da história não deterá sua mão contra aqueles que estão calmos em seu conhecimento da verdade, sobre aqueles que são autossuficientes e plenos. Línguas de fogo de inspiração não descerão sobre os beati possedentes, mas sobre aqueles que estão inquietos de espírito: as asas do anjo do Senhor perturbaram a água da fonte.

Parece que o mundo não mudou, exceto pelo fato de que a Rússia agora está ausente do mundo civilizado confortável. Nesta ausência reside a mudança, pois em seu tipo especial de "não existência", a Rússia está se tornando, em certo sentido, o centro ideológico do mundo.

Traduzindo o que foi dito acima para a linguagem da realidade, isso significa que um novo mundo cultural-geográfico que ainda não desempenhou um papel orientador apareceu na arena da história mundial. Um olhar intenso observa o futuro com desdém: poderia a deusa da Cultura, cujo pequeno acampamento havia sido montado entre os vales e colinas do Oeste Europeu, partir para o Oriente? Poderia ela partir para os famintos, os frios e os sofredores?..

Estamos sob o feitiço de uma premonição... E nesta premonição podemos obter uma fonte de contentamento de um tipo especial: o contentamento daqueles que estão sofrendo... Render-se ao contentamento significa morrer. Não é permissível esconder o que é considerado verdade. No entanto, também não é permissível relaxar na premonição. Não é pelo quietismo, mas pela conquista da autopurificação que a matéria da história é formada. Aqueles que se tornam orgulhosos serão abandonados pela graça da busca, e a maldição da infertilidade atingirá os autoconfiantes... Não há inevitabilidade. Há possibilidade. Apenas por meio de intensa criatividade sem medo de confessar os próprios erros e reconhecer as próprias fraquezas, apenas ao preço de constantes esforços realizados dentro dos limites deste 'mundo plástico' que está aberto à vontade, a possibilidade se torna realidade.