15/09/2024

Mario Polia - Mater et Domina: Percepções do Feminino na Antiguidade

 por Mario Polia

(2023)


Uma famosa epígrafe romana sintetizava desta forma as virtudes da matrona falecida a quem era dedicada: «Foi casta, fiou a lã, preservou a casa». As afirmações contidas na epígrafe em questão – que na época soavam como elogios – foram objeto de ataques virulentos não apenas por parte do feminismo local, mas, em geral, da cultura “laica e progressista”. Elas demonstrariam, sem sombra de dúvida, como, na antiga Roma, o papel da mulher era circunscrito ao âmbito da relação conjugal, portanto limitado à esfera afetiva e à procriação e reduzido à gestão dos trabalhos domésticos dos quais a dona de casa tinha que se encarregar, ou aos quais, quando a posição social permitia, supervisionava na função de “domina”.

Esse modelo de feminilidade, considerado extremamente prejudicial ao direito à liberdade de opinião e de escolha e julgado contrário àquela igualdade entre os sexos que a mulher moderna reivindica para si, seria o resultado de uma imposição destinada a garantir ao homem a supremacia absoluta de que ele gozava em relação ao outro sexo, tanto dentro das paredes da domus quanto na estrutura da sociedade tradicional. Em outras palavras, de acordo com o mos maiorum, a mulher teria vivido em condição de subalternidade em relação ao homem. O uso, da nossa parte, dos verbos no condicional deriva do fato de que se trata de uma opinião cuja aderência à realidade histórica e existencial da mulher romana está toda por verificar.

Não é nossa intenção julgar as aspirações da mulher dos nossos tempos, pois, como antropólogos, somos obrigados a considerar uma determinada realidade cultural pelo que ela é e nos limitamos a estudá-la em relação à sociedade à qual ela pertence, aos valores que a cultura de pertencimento considera fundamentais e dos quais derivam os modelos gerais de comportamento e a personalidade básica dos componentes desse grupo ou desse contexto social.

Mas, justamente por isso, no que diz respeito aos valores ideais próprios da cultura dos nossos tempos e aqueles que foram próprios à civilização romana, se os colocamos em comparação, percebemos que eles pertencem a duas visões do mundo totalmente diferentes, por isso julgar um modelo – o romano ou, em geral, tradicional – da perspectiva moderna significa aceitar uma posição etnocêntrica que impede de captar as motivações ideais de uma cultura diferente e de compreender seu significado.

Infelizmente, o etnocentrismo – considerar a própria cultura (neste caso, a moderna cultura ocidental) superior a todas as outras e, por isso mesmo, com o direito de se impor sobre todas as outras culturas – é a verdadeira doença do Ocidente que parece ter tomado como modelo Procusto, aquele antigo bandido da Ática que, narra o mito, forçava os transeuntes a se deitar em uma cama, cortando suas extremidades ou esticando seus membros até que sua altura coincidisse perfeitamente com as dimensões de seu padrão de medida.

No caso que nos diz respeito, o ideal romano de “mater” e, em geral, de ser mulher propõe uma realização da feminilidade diferente da que prevalece hoje. O preconceito etnocêntrico consiste precisamente nisso: em negar que possa existir uma orientação diferente da própria, mas igualmente válida, pelo menos para um certo tipo humano; que um conceito de “mulher”, mesmo diferente ou até oposto ao proposto pela cultura moderna, possa possuir uma verdade intrínseca própria, uma verdade na qual pode não se acreditar e, portanto, pode-se recusar a seguir, mas sem excluir a possibilidade de que ela possa ser vivida, ou possa ter sido vivida, por um certo tipo de mulher com a mesma coerência com que a mulher de hoje segue seu próprio caminho.

A presunção de onisciência por parte da cultura moderna consiste em negar a validade de qualquer doutrina ou visão de mundo que se afaste daquela “oficial”. Em outras palavras, o preconceito e a arrogância – a hýbris – consistem em negar que, de uma perspectiva de amor e de livre dedicação, alguém, no nosso caso uma mulher, possa transformar até o mais humilde dos trabalhos domésticos em uma livre e alegre expressão de amor capaz de transfigurar esse trabalho em um rito, uma oferenda, um exercício espiritual.

Voltando a Roma, embora os valores aos quais a mulher romana era educada fossem aqueles resumidos pela famosa epígrafe e ilustrados em célebres exempla da tradição romana, verdadeiros “mitos de fundação” tendo como protagonistas mulheres, a presença da mulher no âmbito religioso era considerada extremamente importante.

Pense, por exemplo, no culto de Vesta cuja importância, afirma o augure Marco Túlio Cícero, era tal que, se aquele fogo se apagasse e o colégio das Vestais fosse disperso, Roma teria cessado de existir. E é justamente o significado desse culto, caracterizado pelo ignis perennis mantido aceso no templo de Vesta pelas virgens consagradas, que permite penetrar no sentido mais profundo do ser mulher contemplado na tradição romana. A Aedes Vestae, o santuário da deusa, tinha forma redonda, como a cabana arcaica das origens, morada dos povos latinos. O altar com a chama perene ocupava o centro do templo, assim como o fogão estava situado no centro da antiga morada, que também foi de Rômulo e da qual, no Palatino, mostravam-se os vestígios.

Entre os autores antigos, não faltou quem visse, na planta da Aedes Vestae, a existência de um significado simbólico em referência ao cosmos, representado pela forma circular do templo, e ao seu Princípio simbolizado pelo fogo central. Já Heráclito, entre os gregos, definira tal Princípio como um “fogo sempre vivo” do qual se originam os quatro elementos cuja união dá origem a todas as formas de manifestação universal que, surgidas do Uno, retornam ao Uno “seguindo ritmos determinados”.

A função do templo, o único de forma circular na Roma das origens e o único dedicado a Vesta em toda a história de Roma, não se esgotava em ser o edifício de culto dedicado à divindade titular. A Aedes Vestae era também o lararium do povo romano, ou seja, o lugar onde se venerava a memória dos antepassados das gentes que fundaram a Urbe e das que vieram a fazer parte de sua história, mas também era o lugar onde seus espíritos estavam presentes ao redor do mistério do fogo imperecível. Sobre essa característica ritual prerrogativa do fogo de Vesta, deve-se dizer que se trata de uma transposição, no âmbito da religião romana de Estado, de uma característica normal do fogão doméstico.

O fogo, na morada rural, nunca era apagado. À noite, sobre as brasas ardentes, espalhava-se uma camada de cinzas que as mantinha ardendo até o dia seguinte, quando, removida a cinza, colocavam-se nas brasas ramos secos para acender a nova chama. Um antigo ditado popular abruzzês, a este respeito, diz: “Na casa nunca escurece”.

Na sua função de lararium público, por outro lado, o templo de Vesta representava a transposição do culto doméstico oferecido, ao redor do fogão, aos antepassados da família: os Lares e os Penates domésticos aos quais se ofereciam porções de comida. Nesta transposição do privado para o público, da família para o Estado, a mater familias era substituída pela Vestal Máxima e seu colégio de virgens sacerdotisas.

Na casa, o fogão era o lugar onde os alimentos eram transformados pelo fogo; era o lugar onde os membros da família se reuniam para se aquecer, mas também para estar juntos (como ocorreu por milênios) e, ao redor do fogo da noite, através da palavra dos anciãos, ocorria a transmissão dos valores tradicionais, especialmente através da narração dos exempla encarnados pelos antepassados.

Ao mesmo tempo, o fogão era o lugar onde se celebrava um rito diário, voltado aos progenitores, que expressava, ao mesmo tempo, a gratidão em relação a eles por terem sido a origem da estirpe, mas também por serem aqueles que entregaram aos seus descendentes o depósito da tradição. Os antepassados eram os maiores, “os mais velhos”, mas também “os maiores” por terem sido – como afirma Cícero – “mais próximos dos deuses”. Dos maiores, naquele período da história em que é chamado a oferecer sua obra, o cidadão romano propõe realizar o exemplo. O latim substitui o termo genérico de “tradição” por uma expressão concreta que expressa, de modo claro e consequente, as origens e as características do modo de pensar e agir próprio do romano: mos maiorum, “os costumes próprios dos antepassados”.

Na sua função de guardiã do fogo doméstico, a mulher romana não realiza apenas uma de suas tarefas materiais, ela expressa a função sacerdotal implícita, segundo a tradição romana, na condição de mater que, ao educar a prole durante a infância, transmite aos filhos os valores herdados dos maiores, valores sobre os quais se funda todo o edifício, espiritual e material, do Estado romano.

A educação básica, antes que – no caso dos meninos – o filho passasse a fazer parte da sociedade dos homens, era impartida pela mater familias. Nessa primeira fase, evidentemente, a prole devia ser direcionada ao respeito e à prática daqueles valores que permitiriam ao futuro homem, ou à futura mulher, serem considerados “romanos”.

O conceito romano de “mater” abrange tanto a maternidade biológica quanto a espiritual: a mulher, através do dom do próprio sangue e depois do leite, transmite ao filho o nutrimento material; através da palavra e do exemplo, transmite o nutrimento espiritual.

“Educar” significa “conduzir a partir de”, e-ducere. No caso de Roma, significa fazer o filho passar da condição biológica de indivíduo pertencente à espécie humana para a condição cultural que o transforma em pessoa digna de pertencer à societas e em condições de oferecer sua contribuição ativa para a realização do projeto que Roma se propõe a executar, ou seja, um ciuis romanus, condição espiritual, antes que status de registro civil.

A primeira grande educadora, segundo o mito romano, foi Egeria, entidade divina que instruiu Numa, o maior e mais sábio dos reis de Roma, sobre o conhecimento das coisas divinas. O nome da ninfa evoca o sentido expresso por e-ducere, já que Egeria deriva de e-gerere, “fazer passar de”, no sentido da transmissão de um conhecimento que determina uma mudança ontológica na pessoa.

A ordem civil, jurídica e religiosa, fundada por Numa, é realizada pela pessoa do rex, mas é inspirada por uma entidade pertencente às Camenae ou Casmenae – figuras oraculares arcaicas assimiladas às ninfas – cujo nome deriva de canmen / carmen, o canto profético, a palavra da sabedoria. Egeria e as Camenae são entidades femininas e, em relação ao rei, desempenham uma função “materna” em sentido sapiencial: elas o educam no exercício da sua auctoritas, guiando-o para a plena realização do imperium, o poder espiritual que deriva da auctoritas com a qual foi investido por Júpiter.

A este respeito, é importante lembrar que alguns dos mais sagrados pignora imperii, os objetos fatais que asseguravam a Roma a aeternitas do seu império, eram guardados nos segredos do templo de Vesta. Entre esses objetos, estava o Paládio de Troia/Ílio, trazido para o Lácio por Eneias; o cetro do rei Príamo; o véu de Iliona. A presença desses objetos, pertencentes ao ciclo histórico e tradicional ao qual Roma atribuía suas origens, objetos que pertenciam aos ancestrais míticos da linhagem de Eneias e conservados no templo de Vesta, demonstra como, a todos os efeitos, este era considerado o lararium sagrado ao povo de Roma.

Egeria e as prístinas Camenae expressam, no âmbito do sagrado, a função “profética” da mulher derivada da posse de uma qualidade que a torna “mãe”, capaz, portanto, não só de transmitir a vida biológica, mas de permitir um “renascimento” em sentido espiritual e, no caso de Numa, em um âmbito nitidamente iniciático, como é o da realeza sagrada. Investido diretamente por Júpiter, sem outros intermediários visíveis ou invisíveis, após os auspicia terem garantido por meio de sinais certos e inequívocos a realidade dessa investidura, o rex é introduzido ao conhecimento das coisas divinas, à prática das ações rituais e ao conhecimento das fórmulas. Em outras palavras, “Egeria” guia o rei no cumprimento de sua função sacerdotal, função inerente à auctoritas e inseparável da condição de rex.

Quanto à importância do culto de Vesta e das Vestais no mundo religioso de Roma, basta lembrar que, em todas as partes do território romano, desde a Roma Quadrata das origens até o império, para que os sacrifícios oferecidos aos deuses fossem válidos, as vítimas sacrificiais deviam ser aspergidas, antes do sacrifício, com uma mistura especial de farinha de farro e sal preparada unicamente pelas Vestais: a mola salsa, da qual deriva o verbo “imolar”. Fora do âmbito romano e muito antes de Roma ser fundada pelo rito romulano, na matriz linguística comum indo-europeia, a condição de “mãe” era expressa por duas raízes diferentes, exprimindo duas diferentes funções da maternidade: de uma deriva anna, que em sânscrito e no latim arcaico significava “nutrimento” (veja, por exemplo, Anna Perenna, ou o sânscrito Annapurna); da outra raiz deriva o sânscrito matar, o latim mater, o grego meter, etc., para indicar a “mãe” na plenitude de suas funções, que incluem também a maternidade espiritual, ou seja, sua função de educadora e de iniciadora ao conhecimento tradicional.

Essa “maternidade” não-material remete ao estado de virgindade exigido às Vestais e à “virgindade” ritual do ignis Vestae, que não deveria ser filho de nenhum outro fogo, uma chama pura surgida da faísca extraída do sílex ígneo ou do raio do espelho queimador, direcionados aos galhos das arbores felices, ou seja, árvores que dão frutos. Esse último elemento do rito remete ao significado metafísico da geração, expresso pelo fogo perene, especialmente em referência à continuidade espiritual de Roma ao longo do tempo através de sua iuventus, que só pode ser chamada de romana na medida em que encarna, na história de Roma, a perennitas dos ideais transmitidos pelos antepassados.

Ritualmente apagado e reacendido a cada ano, próximo ao equinócio de primavera, ou seja, no momento em que o sol entra no signo ígneo de Áries — o mesmo momento em que, segundo antigas tradições das quais ecos chegam até Dante Alighieri, o ciclo universal teve início — o fogo de Vesta é uma imagem eficaz do Fogo eterno e imperecível de onde toda existência se origina e do qual a Tradição surge e é vivificada, contanto que a pietas permita ao eterno agir entre os homens. E a pietas da mãe romana em relação aos deuses e à linhagem concretiza-se em criar os filhos tanto no corpo quanto no espírito, preparando-os para receber os valores da tradição romana. Sob essa perspectiva, a pietas materna é também pietas para com os antepassados e para com Roma, cuja missão é realizar, ao longo dos séculos, o mandato que eles transmitiram.

No que diz respeito à dignidade sacerdotal da mulher nas tradições antigas, há muito a ser dito. Basta lembrar a figura e o papel da Sibila de Delfos, profetisa de Apolo e centro espiritual do mundo grego.

A Grécia, que, ao contrário de Roma, não realizou a ideia de um Estado unitário, apesar das discórdias e lutas que muitas vezes opunham cidade contra cidade, povo contra povo, nos momentos cruciais de sua história encontrou união em torno do sagrado oráculo de Delfos. E, como no caso da resistência vitoriosa do sangue grego contra o invasor persa, a palavra da virgem sacerdotisa de Apolo contribuiu para a salvação da Grécia e determinou os destinos futuros do Ocidente.

Se a epígrafe citada no início sintetiza o conceito romano de “mater”, em relação ao homem romano, seu filho, vale citar outra epígrafe, aquela em que Cneu Cornélio, filho de Cipião Hispânico, resume sua vida: «Reuni em meus costumes a virtude de minha linhagem. Gerei uma descendência. Igualei as façanhas de meus pais. Alcancei a glória de meus ancestrais, tanto que eles se alegram por terem me gerado para a sua glória. Com minhas honras, dei brilho à minha linhagem».