01/07/2022

Aleksandr Dugin - A Doutrina Tradicional dos Elementos (Lição VII) - A Matéria vista da Direita

 por Aleksandr Dugin

Transcrição da comunicação do VIIº Encontro do Clube dos 5 Elementos


Pensar a matéria vista da Direita é pensar uma crítica do atomismo dogmático, que só é capaz de conceber matéria descontínua

Primeiramente, precisamos compreender que a vontade de poder, tal como descrita por Nietzsche, se aplica perfeitamente às ciências naturais onde há um domínio e poder epistemológico que não é menor do que nas ciências humanas. 

A crítica do conceito de matéria é a raiz da Revolução Conservadora. Sem a revisão desse conceito central das ciências, das ideologias, das epistemologias não podemos libertar nossa mente dessa hegemonia da ideologia dominante. A ideologia dominante se projeta no conceito de matéria, que é o fundamento de todas as construções científicas.

Essa ideia de observar a matéria como continuidade é fundamental. Essa ideia é própria da física quântica, por exemplo, que é uma abordagem interessante mais ou menos pós-moderna. Aqui, apesar de ter mencionado um conceito pós-moderno de matéria é importante que o conceito de Quarta Teoria Política em sua crítica busca fazer coincidir uma perspectiva pré-moderna e uma pós-moderna.

Temos aqui uma apresentação da matéria no contexto da visão da física tradicional ou sagrada. Vê-se que a matéria coincide com a potencialidade pura, ou potencialidade absoluta, com a continuidade, com o apeiron. Apeiron é a ausência de peras (limite). Por isso, a matéria não tem limite, ela é contínua, é potencialidade pura, e por isso não é coisa alguma, é nada. A matéria é nihil, potencialidade, continuidade.

Esse conceito da matéria exclui radicalmente a existência do átomo. Átomo é peras, átomo é limite, é a coisa existente absolutamente fora da mente, na externalidade pura. Na concepção tradicional não há lugar ôntico para a existência do átomo. O átomo não pode existir, trata-se de um conceito ou partícula carente de fundamento. A partícula, que surge como desenvolvimento ou variação do átomo, é a proposição de uma parte sem o todo e, portanto, tampouco é possível.

O mais importante aqui é que o átomo como partícula sem o todo, como partícula do nada, partícula sem o integral, não existe. A eliminação da hipótese do átomo é o primeiro passo para a superação do conceito de matéria vista da Esquerda. A matéria vista da Esquerda é atomismo, que opera com partículas isoladas postas na externalidade. Essa realidade é concebida como descontínua, como não-nada, não potencialidade pura mas algo atual, não apeiron, a matéria atomística não pode ser apeiron precisamente porque sua definição é o ter peras. Sem esse limite não poderíamos dizer que essa partícula existe.

O prof. Roberto Germano demonstrou que a molécula de gás e a molécula de água não são a mesma coisa, não são moléculas idênticas. São coisas diferentes, porém contínuas. Essa contradição subsiste e é intrínseca ao contexto da identidade atomística, mas no contexto da física tradicional não há contradição aí. Matéria é devir puro, a coisa puramente material não É, ela devém. Mas ela devém sequencialmente de forma contínua. Essa é a essência ou natureza do devir. Tudo devém, e nada daquilo que devém, É.

O devir é precisamente a mudança onde não há nada de constante que permaneça si mesmo. Precisamente essa mudança, esse devir, essa continuidade, essa potencialidade pura, esse nada, é exatamente a definição da matéria vista da Direita. 

Se colocarmos essa definição da matéria nas fórmulas, nas leis, da ciência moderna, obteremos imediatamente outros resultados. A exclusão ou negação da existência dos átomos imediatamente nos dará outra física, outras fórmulas, outras leis. 

Por isso, a ideia da matéria não atomística é precisamente o princípio fundador para recriar radicalmente todas as ciências naturais, até mesmo a química (que opera com a massa atômica), etc. 

O átomo é ilusão pura, de modo que tudo que se baseia no princípio ontológico da existência do átomo na externalidade, tudo isso se baseia em falsos fundamentos, em contradições e perversões da realidade. Trata-se de pseudologia. A afirmação da existência de coisas fora do espírito, a matéria sendo nesse sentido considerada como fora do espírito, torna a matéria idêntica a nada. E por isso não podemos organizar nenhum experimento com essa matéria pura porque tudo que podemos individuar como algo, como corpo, como parte, como coisa existente não pode ser nunca puramente material, deve ser necessariamente algo em alguma medida formal.

Tudo que existe envolve convergência entre matéria e forma, o ente obtém possibilidade de existir apenas graças à forma. A matéria não pode existir sem a forma. Quando não há forma, quando ela desaparece, não há mais matéria. A matéria desaparece com o desaparecimento da forma. A forma pode permanecer na mente, mas a matéria não pode permanecer fora da mente porque a matéria pura não existe. A matéria existe com a forma, ela não coincide com a forma, mas não pode subsistir depois do desaparecimento da forma.

É muito importante compreender corretamente a matéria na visão sagrada, pré-moderna da física sagrada. 

Como pode nascer o conceito errôneo de partícula, átomo, etc.? Trata-se precisamente da perversão das proporções ontológicas. Segundo a visão da física tradicional de Aristóteles, existe um ponto de descontinuidade somente no centro do intelecto, do espírito, da consciência. 

Tudo é animado, ainda que nem tudo que é animado possui consciência/intelecto. Mas todas as almas são como círculos ao redor da alma racional. No centro da alma humana, há um intelecto ativo que é o ponto de descontinuidade, que coincide precisamente com o ponto lógico, filosófico, geométrico, não físico. Esse ponto existe de forma paradoxal porque não há nele nenhuma potencialidade, é um ponto-limite, é a origem de todas as descontinuidades, de toda quantidade. Por isso, a quantidade provém graças a esse ponto do ato puro, do logos, do intelecto ativo.

Esse ponto é precisamente a origem da quantidade, do limite, de peras. Mas entre o ato puro, a descontinuidade, o ponto e a matéria está o mundo. O mundo está entre a matéria pura, que é potencialidade pura, e o intelecto puro ou ativo. O mundo está entre os dois, e a estrutura do mundo podemos ver como a estrutura do corpo que consiste de forma e matéria. As formas pertencem à interioridade, as formas sempre são eidos, ideia, mas não coincidem com o intelecto ativo.



O intelecto ativo é a origem das formas, ele não é formal é supraformal. Quando falamos das formas, do eidos, das ideias, se trata de projeção do intelecto ativo, não do próprio intelecto ativo. Quando se trata da projeção podemos separar o interior da consciência, da mente, da alma, podemos individuar duas zonas, a zona central, onde está o próprio ponto que coincide com o intelecto ativo e que é ato puro, ato absoluto, sem potencialidade, e uma outra zona, que é onde há uma parte de atividade e uma parte de potencialidade. A memória, as previsões, as formas, as representações são exemplos dessa atividade potencial. Não são ativas, mas não são passivas, não são ato ou matéria, são coisas ainda não corpóreas. 

Com o raio que provém do intelecto ativo há uma projeção da limitação da quantificação que passa através dessa atividade potencial ou intelecto passivo, segundo Aristóteles. Esse intelecto passivo recebe da atividade e também colabora com a concretização das formas. Precisamente, não se trata de um processo simples porque também no intelecto passivo ainda não há um ponto, há algo que é uma prefiguração das coisas. O ponto só existe na zona central e saindo dessa zona central entramos na física. Há, portanto, uma física da consciência. Há uma transformação das leis lógico-matemáticas puramente metafísicas já na consciência.

A física, ou materialidade, já está prefigurada na consciência que, com este raio, passa através da centralidade puramente individual, da alma animal, da alma vegetal até chegar onde está o corpo e onde há uma fronteira com a matéria, com o nada. Este ponto é o mais distante do intelecto puro, mais passivo, mas a coisa, o ente, está entre a matéria que é nada e a forma imaginal, racional que provém do intelecto ativo. O ente, por isso, devém e É. Ele devém porque pertence simultaneamente a forma e a matéria. Como a matéria cerca tudo, tudo que está dentro desse círculo pertence ao Ser, tudo que está no limite, na circunferência pertence ao devir (que sempre se torna outra coisa).

Matéria é movimento, não é característica do corpo que se move, ela mesma é movimento. Ela é mais primordial do que o sujeito que devém. Por isso, esse devir, essa mudança, esse movimento, não pode existir fisicamente sem o corpo, mas metafisicamente a matéria vista da Direita existe como potencialidade pura, ela existe metafisicamente. Metafisicamente ela “é”, com o princípio do devir. O princípio do devir é totalmente oposto ao ato puro e, por isso, é potencialidade.

Depois disso é necessário desmistificar a matéria. É necessário dar à matéria seu lugar metafisicamente correto. Tudo então obtém proporções verdadeiras, porque quando falamos das coisas menores, dos estados físicas dos entes estamos falando sempre da projeção da forma sobre a matéria, mas de uma matéria que não É sem essas projeções.

Essa projeção da forma sobre o nada é o momento fundamental. Mas esse nada quando recebe a projeção se torna algo. Trata-se de um nada atualizado. Sem essa projeção não há nada. Mas quando o corpo/ente é, significa que a matéria está dentro dessa coisa. Essa matéria ativada, potencialidade ativada na coisa se separa da potencialidade pura que não está ativada e está fora do ente. Não há nada ali, e esse nada é a matéria pura absolutamente externa.

Por isso só podemos estudar coisas dotadas de forma. E a matéria que sempre desaparece não é palpável, não pode ser tocada ou estudada, tudo que percebemos com os sentidos são as formas, são entes dotadas de peras, de limites. Sem isso não podemos nem mesmo perceber “quente” e “frio”, porque estes são limites, são relações. Não há nada absolutamente quente ou absolutamente frio. 

Todos os dados de nossos sentidos são relações e são relações com limite e, por isso, esses limites são formas dos estados. O mesmo se dá com o vazio. O vazio não existe, é o anticonceito do átomo. Átomo e vazio são dois princípios do atomismo, sem átomo não podemos conceber o vazio. Átomo e vazio são ideias da metafísica falsa da modernidade, individuadas fora da consciência.

Nem vazio, nem átomo existem. São dois conceitos vinculados entre si e quando refutamos o átomo devemos refutar também o vácuo. Não há átomo ou vácuo, há nada, mas o nada é, ele existe metafisicamente como nada.

Por isso a física pode se ocupar dos corpos, como processo da formação das formas, há até mesmo uma física psíquica, por exemplo, porque sem a psique não há corpo. Alma e corpo são graus da exteriorização da projeção do intelecto ativo sobre a periferia absoluta que está na fronteira, no limite entre consciência e matéria. A matéria não é outra zona, ela é zero, é nada. Por isso não podemos individuar o ponto concreto onde está essa separação, onde está o limite entre alma e matéria. Esse limite é lá onde está o corpo, o corpo é precisamente o limite. O corpo sensível, o corpo que podemos observar com instrumentos, sem instrumentos, etc. Os instrumentos são prolongamentos dos sentidos.

Esse retorno da matéria à zona metafísica correta, com isso podemos fazer uma grande revisão da física moderna com a ajuda da ciência pré-moderna que é mais correta na definição ontológica dos entes. Mas também podemos com essa preparação reler a física quântica. Heisenberg, Schroedinger, Pauli chegaram à conclusão de que os objetos da ciência quântica são projeções das ideias da racionalidade humana, são objetos construídos pela mente. Esses físicos compreendem perfeitamente que o objeto do estudo da física não é a matéria, mas a materialização de conceitos mentais, racionais.

Essa é uma reabilitação ou restauração da dimensão ontológica na física, graças a essa reinterpretação correta, pré-moderna e pós-moderna, da matéria. Com esse quadro podemos desenvolver um discurso puramente físico, psicológico, intelectual para compreender como funciona a racionalidade, lá onde se encontram as leis da lógica, da matemática, que não pertencem ao mundo dos corpos.

O mundo dos corpos é projeção das leis que existem no centro absoluto da própria internalidade. Esse intelecto ativo cria o mundo através da mente humana, que é intermediária, o meio entre o mundo dos corpos e o intelecto ativo, que para Aristóteles é Deus.

Para Platão e Aristóteles não era problemático explicar onde o intelecto ativo obtém seu conteúdo que depois se projeta, porque o intelecto ativo é Deus. É Deus que está no centro do ser humano, no núcleo da alma humana. Somos seres pensantes porque Deus está dentro de nós. Recebemos todo o conteúdo de nosso pensamento de dentro, desse ponto do intelecto ativo mais oculto em nossa alma. 

Não vemos que somos nós que criamos os corpos e o mundo precisamente porque o centro de nosso ser está mais exterior que o intelecto, mais próximo à corporeidade, mais próximo à alma animal, vegetal. Somos mais animais e vegetais do que seres divinos porque esquecemos dessa dignidade de nosso pensamento. Conhecemos apenas uma pequena parte do processo de pensar, não podemos reativar nosso centro. Perdemos nosso centro, o centro de nossa alma. Com o centro de nossa alma existe a possibilidade de transformar apeiron em coisas, em peras, em coisas limitadas e concretas que existem, graças a essa possibilidade divina dentro de nós.

A lógica, a matemática e a geometria são coisas divinas que pertencem à divindade interior do homem, e não reflexos de coisas externas. As coisas externas é que são criadas pela projeção dessas leis interiores. A isso corresponde todo o pensamento tradicional e religioso.

Também a própria física quântica pode representar um suporte para continuar essa luta pela verdade. A verdadeira ciência é a luta pela verdade, e não um mero poder epistemológico.

Quando se insiste em uma dogmática cientificista, como a do atomismo, já se trata de uma usurpação da verdade. Para nós é mais importante começar a revolução epistemológica lutando pela verdade, não por nossa superioridade epistemológica. Nós devemos lutar pela libertação epistemológica, pela liberdade, não por nosso poder.

Se a verdade nos conduzirá a revelar que estamos no erro, que seja, devemos escolher a verdade, acima de nós mesmos. A verdade é mais importante do que nós mesmos. Não devemos submeter a verdade a nós, a nossos interesses políticos, etc.

A matéria vista da Direita é a matéria vista a partir da Verdade, e não a partir de partidos direitistas, é a matéria vista tal como ela é, não é escolha de posição. É a matéria vista da perspectiva de Deus, da verdade pura. Não é uma forma de manipulação da ciência, mas libertação da ciência, é o retorno da ciência a suas origens científicas.