ÍNDICE
Lição I: A Restauração dos Fundamentos Filosóficos da Ciência
Lição II: Continuidade e Descontinuidade dos Elementos
Lição III: Os Elementos no Mito da Caverna de Platão. Símbolos da Hierarquia Ontológica e dos Estados do Ser
Lição IV: A Metafísica da Luz
por Aleksandr Dugin
(2021)
Transcrição da comunicação do IIIº Encontro do Clube dos 5 Elementos
Para começar, gostaria de dizer que no platonismo há uma particularidade na semântica dos termos mais centrais. Nos termos que formam uma estrutura essencial da filosofia platônica. O momento central é precisamente a separação ou divisão entre mundo intelectual ou contemplativo e o mundo sensível ou perceptível, que podemos tocar ou perceber fenomenologicamente.
É interessante que há dois polos:
• o sensível.
Em certo sentido, porém, um se manifesta e o outro permanece oculto. Mas quando começarmos a observar um pouco mais de perto esses termos usados para descrever, no platonismo, o mundo fenomenológico e o mundo contemplativo/intelectual, de maneira paradoxal, não encontramos termos opostos.
Por exemplo, o mundo fenomenológico/sensível, o mundo dado a nossos sentidos, se define com o termo phainesthai, phaino, phos, deixar perceber na luz. O mundo sensível é o mundo visível. Podemos vê-lo. Essa visibilidade é característica essencial do mundo estético (aisthesis), do mundo fenomenologicamente dado.
Podemos dizer que este é o mundo da luz, onde as coisas existem de maneira clara, manifesta. Mas isso só é possível graças a certa luminosidade. Podemos ver e isso significa que podemos sentir. A visão é síntese de todos os outros sentidos. Quando vemos algo, é certo que esse algo é, que ele existe, que está aí. Ver é quase o mesmo que existir de maneira imediata e direta, intuitiva.
É por isso que a visão é a característica do mundo imanente, sensível, estético, que necessita da luz. A luz é o fundamento da sensibilidade. A luz obtém aqui características do onticamente imediato. A luz é um denominador para isso.
Nesse sentido, é interessante que a oposição platônica entre mundo transcendente e imanente é uma oposição entre luz e luz. Isso é importante porque as ideias são coisas que podemos ver, são coisas vistas. Mas a mesma coisa é também característica das manifestações físicas, naturais, do mundo imanente.
Aqui se contrapõem duas visibilidades, duas luzes, duas luminosidades. Uma luz contemplativa e uma luz sensível, mas as duas são luzes. Uma visibilidade contra outra visibilidade. Uma visibilidade faz da outra visibilidade escuridão. Por isso, o mundo sensível obscurece o mundo intelectual, o oculta. E o mesmo faz o mundo intelectual/contemplativo, o mundo dos arquétipos, obscurecendo o mundo sensível.
Quando pensamos não percebemos/sentimos as coisas imanentes. Quando percebemos as coisas imanentes não podemos pensar de forma pura. Por isso são duas formas de luz e de visão, visão imanente e visão transcendente que se contradizem, se contrapõem, mas são duas possibilidades de visibilidade e manifestação: uma manifestação visível intelectualmente ou uma sensivelmente, fisicamente, esteticamente.
Mas aqui pode ser mais interessante tentar pensar uma natureza única, uma natureza que une as duas luzes, porque possuem o mesmo nome. O nome na Tradição é bastante importante. Se duas coisas possuem o mesmo nome são a mesma coisa. Por isso é importante ver, intelectualmente e com os sentidos, uma visão integral, física-metafísica, que é unitária mas simultaneamente dual. Porque quando há uma percepção da luz metafísica, a luz física se escurece. E o mesmo se dá no sentido oposto. Quando estamos na manifestação visual e perceptível com os sentidos, a luz metafísica se apaga.
É a natureza do véu, muro ou firmamento que separa duas Águas ou Luzes, a luz superior e a luz inferior.
Quando apresentamos essa visão afirmando as duas naturezas da Luz Incriada e da Luz Criada, metafísica/intelectual x física/sensível, vem à tona o problema do limite, do limiar, do véu. O problema não é tão grande. Esse limiar é precisamente o ato da ausência da medida comum entre Deus e o Mundo. Essa é uma ação criacionista, gera distância ontológica entre Deus e a natureza, que é o mais importante da religião, da teologia. Esse véu, essa distância é a essência da religião. Aqui estamos falando de algo que pode parecer “banal” ou “óbvio” para nós.
Mas ainda é interessante para compreender a natureza da luz considerar esse véu, esse limiar que separa duas luzes na física-metafísica da própria luz. Porque a luz se separa em duas partes pela luz. Então aqui aparece uma terceira luz, a luz intermediária, que está no meio entre Luz metafísica e Luz física.
Guénon, em sua obra O Rei do Mundo, disse que a semântica da palavra latina Céu, caelum, celare, significa esconder . Daqui caligo e occultus. Mas o mesmo Guénon no outro lugar diz que a palavra latina re-velare significa em mesmo tempo mostrar e esconder. Aquilo que deixa ver também oculta da mesma forma. Esse Véu é o Véu dos Céus, é um Véu celestial, como o Firmamento que está sobre a Terra, o Firmamento que separa as Águas.
Com essa Terceira Luz podemos chegar a uma Física ou Ciência natural correta, que não nega a dimensão metafísica, mas que ao mesmo tempo não faz confusão entre transcendência e imanência, e conserva essa diferença porque as leis da física imanentes não são as leis da metafísica transcendente. A diferença é necessária, mas não apenas a diferença, mas também a comunidade e unidade dos dois domínios.
Em Hegel e Aristóteles éter e luz são coisas muito próximas ou idênticas. O éter é luz. Por isso é importante que a luz ou éter está para além de outros elementos, mas é a raiz comum de todos os elementos mais grosseiros.
Por isso é necessário recordar que a luz física possui origem não física. A luz física não é meramente física. É física em certo sentido, no aspecto da separação com o véu luminoso, mas ao mesmo tempo a luz física está em relação com a luz metafísica, com a luz escura, com a luz negra. A luz negra é precisamente a luz das ideias, é a luz que está na origem da luz física. São duas luzes diferentes, separadas pelo véu luminoso, mas separadas em osmose, não são duas zonas ontológicas totalmente, irreversivelmente separadas e autossuficientes.
São partes, modalidades da mesma realidade, de uma realidade universal que pode ser e existir apenas graças a essa Luz intermediária, porque com essa separação podemos distinguir entre Ser e Existir, entre transcendência e imanência, mas esses mundos não são autossuficientes. Ambos estão ligados ao véu.
A escuridão é necessária para luz. Sem escuridão não há luz. A luz obtém sentido comparada e contrastada com a escuridão. Só com essa comparação a luz é luz.
É importante introduzir esse terceiro elemento com a visão da Luz, porque com este elemento podemos unificar e desenvolver a dialética entre a física e a metafísica através da luz. A luz é o caminho que une transcendência e imanência, por não ser um fenômeno que não é meramente física.
Uma luz exclusivamente física inexiste. Toda a luz física possui em si mesma algo de metafísico. Por isso ela não nasce aqui, desce do alto. A luz não nasce do fogo. O fogo nasce da luz. Por isso Fulcanelli dizia que o Sol é uma pedra fria e negra. O Sol não é fogo, é luz, o fogo nasce da luz.
Essa compreensão da luz que une física e metafísica, com ela percebemos que a luz física miraculosamente não é física. Não podemos compreender a luz a partir do fogo, mas ao contrário, compreender o fogo a partir da luz. O ar a partir do fogo, a água a partir do ar, e a terra a partir da água.
Para nós, essa luz, quando reconhecemos sua realidade, é algo que segue, um resultado teórico, racional, da necessidade do limiar que separa duas zonas.
Mas outra visão é possível. É possível afirmar que essa luz intermediária é a luz única, a única luz, que oferece duas consequências, a luz que vai de si mesma à periferia, ou de si mesma ao seu centro. A luz em si mesma pode ser compreendida nos dois modos de direcionalidade:
- Direção para si mesma, para a zona metafísica, o mundo das Ideias, o Uno, que está no centro, o Um apofático, o Um negro, o Um pré-ontológico.
- Direção para a exterioridade, a luz física, que é a manifestação da mesma luz intermediária, na direção da periferia.