29/05/2019

Andrea Virga - “Um Socialismo Sustentável e Próspero”: Uma Investigação sobre a Transição Econômica Cubana

por Andrea Virga

(2018)



“Cuba, por exemplo, pode transicionar rumo a instituições inclusivas e experimentar uma grande transformação econômica, ou pode permanecer sob instituições econômicas e políticas extrativistas” – Daron Acemoglu – James A. Robinson, 2012)

“A batalha econômica constitui hoje, mais do que nunca, o principal dever e o centro do trabalho ideológico das fileiras, porque a sustentabilidade e a preservação de nosso sistema social dependem disso”. – (Raúl Castro Ruz, 2010)

Introdução

É interessante notar que, entre o número de experiências e casos históricos descritos no opus magnum de Acemoglu e Robinson “Por que Nações fracassam”, Cuba emerge como notavelmente ausente, apesar de que suas peculiaridades teriam sido bastante interessantes, especialmente se apresentadas na forma dessa nova interpretação da economia política. Nas quase 400 páginas de texto, essa pequena ilha-nação é mencionada apenas oito vezes: metade delas no contexto geral da economia das plantations caribenhas e metade em relação ao período revolucionário. Dessas últimas quatro escassas referências, o problema da transição de uma economia comunista é citado apenas duas vezes. Isso é muito estranho se considerarmos como a história cubana divergiu tão fortemente de seus vizinhos nos últimos sessenta anos, e ainda mais estranho se prestarmos atenção à importância desproporcional que Cuba tem tido na política americana e internacional em comparação com seu tamanho e poder efetivos. 

Em minha humilde opinião, essa omissão não depende tanto de falta de interesse, mas da grande complexidade do caso cubano, e da dificuldade de reconciliá-lo adequadamente com os modelos delineados pelos dois autores. Isso não quer dizer que sua interpretação é inútil. Ao contrário, como eu vou demonstrar, ela dá insights preciosos sobre como abordar e explicar a economia cubana. Categorias como “inclusivo” e “extrativo”, bem como a “lei férrea da oligarquia”, parecem ser definitivamente úteis. No núcleo do ensaio de Acemoglu e Robinson jaz a importância fundamental das instituições políticas para o desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) econômico. Essa pressuposição refuta convincentemente teorias essencialistas baseadas nas origens geográficas ou etnoculturais de um país. Porém, eu penso que há uma simplificação exacerbada das relações entre elite e sociedade, e entre elite e políticas públicas, que emerge claramente se examinarmos o caso. 

Portanto, eu farei um amplo uso de fontes cubanas, tanto científicas como políticas, as quais estão baseadas em uma perspectiva distinta da de Acemoglu e Robinson, já que elas são definitivamente influenciadas pelo marxismo-leninismo, apesar de filtradas pelo idealismo de Martí e pelo nacionalismo de Castro. A comparação entre essas duas representações e interpretações distintas seria especialmente estimulante. A visão marxista concorda com nossos autores sobre a importância das instituições políticas, mas as vê como produto natural dos interesses materiais das elites. Porém, Acemoglu e Robinson concordam que as elites agem em seu interesse próprio, mas eles afirmam que a inclusividade social e o pluralismo dos grupos sociais, de uma maneira não muito diferente em si do conceito de luta de classes, pode contrastar o elitismo, resultando em legalidade e uma prosperidade geral. Ademais, as duas posições diferem em um ponto crucial: na perspectiva cubana, a prosperidade econômica está subordinada ao desenvolvimento social, enquanto em “Por que as Nações dão errado” esta não é tão discutida, sendo mais propriamente entendida como consequência daquela.

Agora, este não é o lugar adequado para uma crítica da democracia liberal e do capitalismo, defendidos pelos dois autores. Eu vou me concentrar, ao invés, na transição cubana, ou seja, na resposta do governo cubano ao crítico Período Especial e, consequentemente, na transição gradual rumo a uma economia mista, sustentando, ao mesmo tempo, seu sistema sociopolítico. Um conceito similar jaz na base dos processos reformistas da China e do Vietnã, ainda que essas instâncias sejam muito diferentes da cubana. Eu fornecerei uma breve revisão da história econômica cubana até então, mas a máxima atenção será dada às políticas governamentais recentes e sua implementação. No processo, eu vou relacioná-las às teses de Acemoglu e Robinson, de modo não só a compreender melhor a economia cubana em transição, mas também fornecer objeções e críticas úteis à teoria desses autores.


O Caso Cubano

A história econômica cubana pode ser claramente dividida entre antes e depois da Revolução de 1959. Antes dessa data, ela era essencialmente uma colônia, cuja economia era ajustada para a exploração e interesse estrangeiros. Depois dessa data, seus recursos passaram ao controle do Estado cubano e ficaram subordinados a objetivos políticos. Isso não quer dizer que o comércio exterior cessou. Na verdade, a falta de autossuficiência forçou Cuba a buscar integração política e econômica no Bloco Soviético, até o fim da Guerra Fria, seguida pela participação, no século XXI, na crescente integração latino-americana. Um conhecimento geral dessa história é necessário para compreender as características gerais dessa terra e os desafios econômicos do presente.

A Colonização Espanhola

Desde sua descoberta por Cristóvão Colombo em 1492, Cuba foi colonizada pela Espanha, constituindo uma possessão fundamental de seu Império, graças à sua posição geográfica no meio do Mar do Caribe. Toda a ilha, com os portos de San Cristobal de la Habana e Santiago de Cuba, havia se tornado uma parada importante nas rotas marítimas entre as colônias americanas e a Metrópole, e sua população espanhola desfrutava de uma fatia das riquezas trazidas rumo ao leste a partir do Novo Mundo. No curso do século XVI, colonizadores haviam lentamente povoado a ilha, enquanto a população indígena foi majoritariamente morta por doenças, guerras e exploração. Apesar da presença de alguma atividade mineradora, especialmente na parte oriental, como cobre perto de Santiago ou níquel em Moa, e os já mencionados portos comerciais, a ilha carecia das grandes riquezas minerais do Peru e do México.

Porém, no século XVII, com a introdução de escravos negros da África Ocidental e a divisão da terra por agricultores, Cuba se tornou parte da mesma economia das “plantations” estabelecida nas outras ilhas caribenhas, seus principais produtos sendo cana-de-açúcar e tabaco. Esta economia extrativa enriqueceu a classe criolla de terratenentes, gerando prosperidade nas cidades e vilas. Não obstante, a Coroa Espanhola se apropriava de uma parte relevante dessa riqueza, já que Cuba só tinha permissão de fazer comércio com a Espanha, e portanto, os preços de importação/exportação eram geralmente fixos. A única exceção ocorreu durante a breve ocupação britânica de Havana, durante a Guerra dos Sete Anos, quando ela foi tornada um porto livre pelos ocupantes. Ao mesmo tempo, a pirataria, tanto espontânea quanto a patrocinada por Estados, era onipresente.

Essa situação se desenvolveu em uma crescente insatisfação por parte dos terratenentes cubanos, especialmente após o começo das revoluções em outras colônias latino-americanas, e o fortalecimento do governo espanhol na ilha. A maior parte do século XIX foi, portanto, dominado pelo conflito entre nacionalistas cubanos e o governo colonial espanhol. Os primeiros eram em sua maioria da burguesia educada criolla, especialmente no campo, e eram inspirados por ideologias liberais e democráticas, enquanto os segundos, sendo monarquistas e conservadoras, tinham o apoio do clero, dos burocratas locais e dos comerciantes e oficiais espanhóis das cidades. Além da luta pela independência, também foi avançada a questão do abolicionismo, mesmo porque vários escravos foram libertados e armados por seus mestres para lutar contra os soldados espanhóis, apesar da escravidão só ter acabado em 1886. Apoio estrangeiro por parte de emigrantes cubanos e simpatizantes em outros países americanos, especialmente nos EUA, foi de importância central nessa luta, que durou da insurgência de Céspedes em 1868 à derrota espanhola em 1898, após a intervenção armada dos EUA.

O Neocolonialismo Americano

A intervenção americana não foi uma surpresa, já que anexar Cuba havia sido proposto várias vezes no Congresso, e certas ofertas de compra já haviam sido feitas à Espanha. Ao mesmo tempo, independentistas cubanos já possuíam fortes laços políticos e culturais com os EUA, onde figuras centrais como o padre Félix Varela e José Martí viveram como exilados. A ilha permaneceu sob ocupação americana por quatro anos, antes de se tornar uma república independente. Porém, sua soberania foi fortemente limitada pela Emenda Platt, que garantia aos EUA o direito de intervir para proteger seus interesses, bem como a ocupação militar da Ilha Pinheiros e da Baía de Guantánamo. O primeiro presidente, Tomás Estrada Palma, foi um cidadão americano. A presença de um forte movimento independentista cubano impediu a incorporação direta do país, como acabou acontecendo à outra colônia espanhola de Porto Rico, mas Cuba permaneceu uma colônia em tudo, menos no nome.

A influência americana trouxe um crescimento ainda maior do que o colonialismo espanhol havia trazido, porque o protecionismo foi abandonado em favor do capitalismo de livre-mercado e imensos investimentos foram feitos. Logo, corporações ou empresários americanos passaram a controlar 10% das propriedades, incluindo 40% das plantations de açúcar, 90% das minas, quase todos os ranchos pecuaristas e 80% do setor de serviços, bem como uma parte importante da indústria, que consistia principalmente no processamento de frutas tropicais, de licores de cana (rum) e produtos de tabaco. Desde a década de 20, todo um novo setor da economia foi inaugurado, graças ao turismo de massa. Havana se tornou uma locação favorita na indústria do entretenimento, com a construção de vizinhanças inteiras (Vedado, Miramar), hotéis, cinemas, boates, restaurantes e bares. Essa indústria de serviços, incluindo aí atividades mais escusas como a jogatina, a prostituição e clínicas de aborto, atendia aos anseios e luxos de milhares de turistas americanos, mas ao mesmo tempo culminou em uma forte presença do crime organizado e na corrupção generalizada entre políticos, bem como em uma instabilidade política geral, marcada por golpes, revoltas e ditaduras.

Previsivelmente, esse crescimento extrativo não resultou em um desenvolvimento social proporcional. A população geral cresceu exponencialmente, dobrando duas vezes entre 1900 e 1924 e entre 1924 e 1958, graças a taxas de nascimento crescentes e ao fluxo de imigrantes vindos da Europa, especialmente da Espanha. A renda média e as condições de vida também melhoraram e eram definitivamente melhores do que da maioria dos outros países latino-americanos [1]. Porém, a desigualdade entre classes sociais e entre a capital e as áreas rurais permaneceu forte. A elite cubana era composta por latifundiários ou compradores, associados com investidores estrangeiros. Havia também uma forte classe média de profissionais ou burocratas ligados ao serviço industrial, mas ela estava concentrada nos centros urbanos. A maior parte da população, incluindo os ex-escravos e seus descendentes, ainda viviam na área rural como camponeses ou trabalhadores, ainda que muitos tivessem migrado para as cidades para realizar trabalhos subalternos e mal pagos. Casos como o do pai de Fidel, Ángel, um imigrante espanhol que começou como trabalhador para a United Fruit Co. e se tornou um grande terratenente, não eram inauditos, mas eram definitivamente raros.

Dados do período pré-revolucionário atestam isso. Quanto à renda, em 1953, os 5% mais ricos recebiam 26,5% da renda nacional em contraste com os 50% mais pobres, que recebiam 10,8% [2]. Uma desigualdade mais forte podia ser observada na agricultura, com 47% da terra pertencendo aos 1% maiores proprietários, enquanto os 92,5% menores juntos possuíam apenas 29% [3]. A pior situação era a dos empregados agrícolas, como delineado por uma investigação da Associação da Universidade Católica em 1957: a renda per capita constituída 91$ em uma média nacional de 374$, 80,1$ viviam em cabanas de madeira com tetos, 44% nunca haviam ido à escola e apenas 22% haviam passado pela terceira série. A dieta média era muito pobre, consistindo principalmente de arroz, feijão e raízes vegetais, com carne sendo consumida 4 dias no mês e pão 3 ou 4 dias no mês. Doenças endêmicas, como malária (31%), parasitas intestinais (36%), febre tifoide (13%) e tuberculose (14%) eram comuns [4].

A Revolução

Sem qualquer surpresa essa situação, culminando no golpe de Batista em março de 1952, levou a tumultos políticos, repressão governamental e revolução em larga escala. A oposição política ao governo de Batista era ampla, envolvendo de católicos a liberais e de democratas a comunistas, incluindo as simpatias da opinião dos democratas americanos. A ideia compartilhada era a luta contra a corrupção, as desigualdades sociais e por uma sociedade mais inclusiva. Porém, quando Batista fugiu de Havana no Ano Novo de 1959, um novo ator entrou em posição de protagonismo político e militar, isto é o Movimento 26 de Julho liderado pelo carismático advogado Fidel Castro, originado no Partido Ortodoxo, de orientação justicialista, bem como líder da anterior tentativa de golpe em 26 de Julho de 1953. Seu exército rebelde trajando oliva conseguiu derrotar as pessimamente lideradas forças regulares em uma guerrilha de dois anos de duração nas montanhas orientais, antes de marchar sobre as principais cidades. Castro logo assumiu o controle do processo revolucionário, marginalizando ou canibalizando as outras forças políticas. Sua postura de indisposição a ceder em relação aos EUA e ao resto da oposição democrático logo levou à instauração de um regime comunista apoiado pela URSS e à fuga em massa da maior parte da classe dominante.

Agora, isso não foi causado por uma conspiração comunista traindo as aspirações democráticas do povo cubano, como afirmado à época pela propaganda direitista, mas se deu graças ao contexto político e histórico. As instituições políticas cubanas eram inclusivas apenas em aparência, apesar de décadas de conflitos políticos e sociais e ao estabelecimento de uma Constituição em 1940 de teor democrático progressista, que garantia, entre outras coisas, sufrágio universal e direitos sociais aos trabalhadores. A classe média progressista de Cuba era consciente dessas contradições e, de fato, há muito lutava para reformar a sociedade segundo ideais democráticos de liberdade e igualdade. Porém, os mais radicais perceberam que nenhuma reforma autêntica seria possível sem modificar as instituições políticas, e que essas dependiam da dura realidade cubana de país neocolonial extrativista, cuja elite estava comprometida com preservar seus próprios privilégios e riqueza, ao invés de buscar a prosperidade geral. Como Acemoglu e Robinson apontariam, “instituições econômicas extrativas criam a plataforma para que instituições políticas extrativas persistam”.

Nas palavras de Karl Marx, a superestrutura política burguesa estava baseada na estrutura econômica capitalista e o capitalismo portava em si mesmo as contradições que levariam a seu fim. A própria burguesia, por exemplo, em sua “má consciência”, ressentia as contradições entre seus ideais democráticos e a realidade da exploração humana. A prevalência de pessoas da classe média entre os líderes e combatentes revolucionários parece confirmar esta teoria. Assim, a insatisfação com a experiência política prévia foi um fator central em Cuba e jogou a favor da mudança radical, trazida pelo governo revolucionário. Segundo a historiadora cubano-americana Lilian Guerra [5], “a maioria dos cubanos, incluindo a vasta maioria da classe média, apoiou solidamente as reformas radicais e a intervenção estatal na economia durante os primeiros meses de 1960”. De fato, “após décadas de estagnação política e disparidades de classe crescentes, a emissão de mais de 1.500 decretos revolucionários em apenas nove meses [...] estabeleceu as bases para um profundo crescimento econômico e uma sociedade mais harmoniosa”.

Nessa curta fase (1959-1960), nós temos portanto uma ampliação da inclusividade na sociedade cubana, com acesso ampliado dos mais pobres à educação, saúde, moradia e participação política. As pesquisas históricas de Guerra sobre os primeiros anos da Revolução demonstram como Castro e seus seguidores começaram a atuar para garantir que o poder político permanecesse em suas mãos, evitando uma democratização do processo revolucionário e combatendo a influência da classe média. A Revolução foi então construída como um mito político e ideológico para mobilizar as massas cubanas que haviam agora ingressado na vida política nas novas organizações de massa, enquanto as velhas elites eram lentamente pressionadas ao exílio ou a se conformarem com o governo de Castro. Fidel até afirmou abertamente [6] que garantias pessoas de avanço social vindas de um líder forte poderiam garantir uma verdadeira democracia, mais do que uma balança de poder constitucionalmente garantida ou pluralismo social. Este permanente estado de exceção seguiria até a estabilização política no final dos anos 70, com uma nova Constituição (1976), a ampliação do Partido e a organização periódica de congressos.

Essa reversão das perspectivas revolucionárias iniciais para uma economia extrativa liderada por uma nova elite política corresponderia plenamente com o que Acemoglu e Robinson, seguindo Michels, chamam de “a lei férrea da oligarquia”, segundo a qual “novos líderes derrubando os anteriores com promessas de mudança radical não fazem nada além de trazer mais do mesmo”. Por outro lado, as decisões políticas de Castro se justificavam pela necessidade de resistir ao imperialismo americano, cujo interesse e objetivo era recuperar o controle sobre os recursos econômicos cubanos. A resistência à invasão, ao terrorismo e ao embargo patrocinados pelos EUA demandariam unidade e solidariedade nacionais, à custa da liberdade dos cidadãos. Paradoxalmente, de modo a empreender livremente políticas sociais inclusivas, tal como garantir a cada cidadão livre acesso a serviços de educação e saúde, instituições extrativas se faziam necessárias. Sua racionalização, aos olhos da elite revolucionária cubana, foi a incapacidade das tentativas democráticas e liberais anteriores de dar um fim ao neocolonialismo americano.

A Integração no Bloco Soviético

Esta situação de isolamento diante de um inimigo maior explica um outro paradoxo, que é a defesa da soberania cubana através da aliança com o bloco soviético, renunciando a parte de sua autonomia política para poder preservar alguma. Esta escolha também é explicada pela oportunidade para uma economia pequena e dependente, como a cubana, de se integrar em um sistema econômico internacional, trocando sua posição geopolítica de aliado soviético no hemisfério ocidental por benefícios econômicos, como preços favoráveis. A tentativa feita no início dos anos 60 de industrializar o país, pela coletivização e mobilização de toda a população, falhou em seus objetivos declarados, apesar da introdução de racionamento em 1962 e a quase total eliminação da propriedade privada até 1968. O forte voluntarismo e o esforço de criar o novo homem promovidos pelo carismático Ernesto “Che” Guevara não tiveram sucesso em alcançar seus objetivos. Aliás, é uma ironia da história que uma ideologia formalmente materialista tivesse que recorrer a incentivos idealistas.

Enquanto isso, o nível de integração econômica com os países socialistas já havia aumentado ao ponto de que, em 1963, ela representava 75,8% de todo o comércio exterior, enquanto o comércio somente com a URSS constituía 40%[7]. No ano seguinte, a ratificação de um acordo com a URSS para comprar uma imensa quantidade de açúcar a preços inflados inaugurou uma nova fase econômica, na qual Cuba retornava a seu papel de produtor de açúcar para poder financiar seu desenvolvimento interno. Porém, dificuldades e obstáculos permaneciam duros, começando pela necessidade de substituir os profissionais exilados bem como de compensar pela perda de tecnologias e mercados ocidentais. Isso significou que até 1970, os planos econômicos de modernizar e industrializar o setor agrícola só havia sido alcançado parcialmente. Por outro lado, avanços sociais, como a eliminação do analfabetismo e a elevação dos níveis de saúde, tiveram bastante sucesso nesse período.

Em 1972, Cuba eventualmente ingressou na COMECON, confirmando sua plena integração no bloco político e econômico soviético. Nos quinze anos seguintes, estes países representaram, nas importações, 63% da comida, 86% da matéria-prima, 98% dos combustíveis e lubrificantes, 57% dos produtos químicos e 75% da maquinaria e equipamento. Ao mesmo tempo, eles recebiam uma parte importante das exportações cubanas: 63% do açúcar, 73% do níquel, 95% das frutas cítricas, 80% do rum e outras bebidas, 100% dos componentes eletrônicos. [8] Ademais, através da COMECON, Cuba receberia empréstimos para financiar seus investimentos a um total de 46 milhões de dólares. Neste período, a taxa de crescimento melhorou. Enquanto o PIB real havia crescido 23% entre 1959 e 1972, no período de 1972 a 1985 ele cresceu 73% [9]. Porém, esta estratégia econômica de concentrar sua economia na exportação de açúcar, se beneficiando de preços políticos estabelecidos por fora do mercado, é reconhecida agora como tendo sido problemática para os próprios cubanos [10]: tornou a economia dependente deste único produto e tornou essa indústria pivô ineficiente por sua subtração do mercado. 

Uma nova planificação centralizada, conduzida pelo SDPE (Sistema de Direção e Planificação da Economia), seguiu a integração regional, levando a métodos semelhantes aos implementados nos outros países socialistas. Portanto, apesar do processo de industrialização ter continuado, com investimentos industriais aumentando de 20% a 35% das despesas públicas durante os anos 70, a economia paralisou em 1985. Esse crescimento extrativo, reminiscente para alguns observadores da velha economia colonial, se provou lento e fadado à estagnação. Vale a pena dizer que a elite cubana tinha consciência desses problemas, especialmente no que concernia a dependência excessiva da economia em auxílios soviéticos. De sua parte, Cuba, desde o final da década de 70 havia intensificado seu papel geopolítico de proxy soviético na América Latina e África, apoiando, armando e liderando forças socialistas na Etiópia e Angola. Aos olhos da liderança soviética, este recurso político, bem como o orgulho de manter uma fortaleza socialista diante das praias americanas, justificava a quantidade de investimentos e apoio econômico dado. Porém, em meados dos anos 80, tanto a URSS como Cuba aguardavam por reformas importantes para superar suas crises.

O que na URSS foi chamado de perestroika, em Cuba assumiu o nome de rectificación (retificação), mas se baseou em perspectivas diferentes. Ela jamais pôs em dúvida a economia planificada, mas objetivava tornar o processo de planejamento mais eficiente pela redução de desperdícios e ampliação de incentivos e do trabalho voluntário. Novas instalações sociais foram construídas, enquanto novos tipos de investimentos, como turismo e biomedicina foram exploradas. As primeiras aberturas tímidas a investimentos estrangeiros (1982) e ao mercado privado (1984) foram feitas nessa época. Porém, os resultados foram aquém do esperado, com o PIB substancialmente estagnando. Em todo este período, as escolhas econômicas se concentraram na camada de liderança e estavam subordinadas aos objetivos políticos de sobrevivência da Revolução, e portanto sua elite, e o desenvolvimento social, o que foi benéfico à população e garantiu o consenso necessário para o primeiro objetivo. Ambos foram substancialmente alcançados, às custas de inclusividade e eficiência econômica.

Crises e Resposta

O que aconteceu depois, nos anos de 1989-1991, foi um grande evento geopolítico, cuja magnitude foi sem precedentes. Por uma série de razões, entre as quais ineficiências econômicas e crises políticas, todo o bloco soviético colapsou subitamente, começando por seus satélites europeus, como a Alemanha Oriental (Queda do Muro de Berlim), a Tchecoslováquia (Revolução de Veludo) e a Romênia (Revolução de Dezembro). A própria URSS logo implodiu com a maioria das repúblicas soviéticas declarando independência. Não foi só o fim de uma aliança internacional, mas de todo um mundo alternativo, com seu próprio sistema político, econômico e social, baseado no marxismo-leninismo.

O Período Especial

Assim, nós podemos dividir esses países em três grupos diferentes. O primeiro, constituído principalmente pelos países da Europa Central (e.g. Eslovênia, Croácia, Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria, países bálticos) entraram em um processo de liberalização, democratização e privatização plenas. Logo se integraram na União Europeia bem como nos mercados ocidentais (especialmente alemães). O segundo, compreendendo as antigas repúblicas soviéticas, se abriram ao livre-mercado e à privatização, mas a velha elite política preservou seu controle sobre instituições políticas e econômicas, com vários graus de dominação, da autocracia direta (e.g. Turcomenistão) à democracia instável (e.g. Ucrânia). O terceiro, formado por Estados não-europeus, como China, Coreia do Norte, Vietnã e Cuba, decidiram preservar seu modelo político, avançando reformas econômicas mais ou menos radicais, mas rejeitando a terapia de choque implementada na Europa Oriental. Na maioria dos casos, os custos sociais resultaram altíssimos para a população, agora exposta ao consumismo massificado e à erosão dos benefícios sociais. As perdas demográficas resultantes do aumento da taxa de mortalidade bem como do déficit de nascimentos estimam-se nos milhões.

Em Cuba, essa nova conjuntura dramática foi oficialmente definida como Período Especial in Tiempo de Paz (“Período Especial em Tempo de Paz”) para enfatizar seus efeitos desastrosos, semelhantes aos induzidos por uma guerra. Entre 1990 e 1993, o PIB real caiu 35%, os investimentos 61%, enquanto exportações caíram 21% e importações 25%. O aumento de liquidez (+121%) e do déficit (+158%) causaram uma superinflação, com a taxa de câmbio do dólar aumentando de 7 para 150 pesos [11], ao mesmo tempo que o salário real caiu 90%. A falta de petróleo e de fertilizantes a base de petróleo, previamente fornecidos pela URSS, atingiu duramente a economia e sociedade cubanas, causando grandes problemas em locomoção, no fornecimento de energia e na agricultura. O consumo de calorias diárias caiu, na média, de 3052 para 2099, o que apesar de estar longe da mortal fome coreana ou da taxa de mortalidade aumentada na ex-URSS impactou fortemente a população. Protestos em larga escala forçaram o Estado a deixar que 300 mil pessoas abandonassem o país, a maioria tendo ido para a Flórida. O governo americano reagiu com deleite à crise cubana, esperando que isso levasse o regime de Castro a cair. Ele, portanto, tornou as medidas do embargo ainda mais estritas com a lei Helms-Burton e o Ato Torricelli (1993-1996).

Como consequência, toda a economia cubana foi forçada a uma grande reorientação, análoga em escopo às grandes transições, que ocorreram após a independência em relação à Espanha e com a revolução socialista. Porém, neste caso, a transformação estava acontecendo sem o apoio de uma grande potência e sem a inserção em um sistema internacional estabelecido, compatível com seu modelo socioeconômico. A nação caribenha estava agora forçada a atuar apenas com as próprias forças, sem um esquema de desenvolvimento fornecido pelo exterior, independentemente do objetivo de preservar sua organização socialista. O isolamento internacional engendrado pelo colapso abrupto do bloco soviético e as restrições sempre presentes do embargo americano seriam depois mitigadas por aberturas limitadas de organizações públicas dos EUA, no âmbito do turismo e da alimentação, bem como pela emergência de novos governos nacionalistas latino-americanos, naturalmente simpáticos à causa cubana.

Geralmente falando, o Período Especial foi caracterizado por uma descentralização da economia, começando com o comércio exterior, que desde 1990 era acessível a todas as empresas. Algumas profissões foram licenciadas para cidadãos privados (cuentapropismo), de modo a permitir formas alternativas de renda. Mais importante, em junho de 1993, a posse e circulação de dólares foi legalizada, o que permitiu o ingresso de uma moeda forte no mercado interno e encorajou poupanças privadas. No mesmo ano, a instituição das Unidades Básicas de Produção Cooperativa, permitiu que vastas áreas de terra estatal improdutiva fossem livremente confiadas a cooperativas de trabalhadores. Ademais, a burocracia estatal foi reduzida, com o número de organizações nacionais cortadas de 50 para 32. Este processo foi posto em prática em um contexto de severas limitações materiais, com a maioria dos bens de consumo sendo racionados, para poder garantir um acesso equitativo. Subsídios imensos foram a ferramenta usada para manter a ordem social existente, ainda que a qualidade do sistema de benefícios sociais tivesse deteriorado fortemente.

Reforma e Recuperação

O período sucessivo, indo de 1994 a 1999, é crucial na medida em que ele supervisiona não só uma lenta, mas estável, recuperação da crise econômica (crescimento de 3,4%), mas também a transição de uma economia focada na indústria do açúcar a uma economia focada nos serviços, especialmente turismo. As reformas acima descritas seguiram avançando após 1993, se desenvolvendo segundo três linhas principais: expansão da economia privada, inclusão das práticas de mercado na economia estatal, introdução de instrumentos financeiros. No primeiro âmbito, os mercados foram abertos para cooperativas agrícolas e para produtos industriais (1994), onde cidadãos cubanos podiam adquirir bens independentemente do racionamento estatal. De fato, remessas de divisas e o trabalho autônomo abriram espaço para fontes privadas de renda e, portanto, uma elevação do consumo. Ao mesmo tempo, para lidar com essas novas fontes, impostos, ainda que de forma bastante limitada, foram introduzidos. Por outro lado, essa nova disponibilidade de dinheiro, combinada com a escassa disponibilidade de bens, resultou em uma pujante economia informal.

No segundo, muitas empresas estatais foram reduzidas e algumas delas receberam uma grande autonomia decisória (Perfeccionamento Empresarial), incluindo a possibilidade de atrair investimentos estrangeiros, com o objetivo de aumentar a produtividade e a eficiência e alcançar autossuficiência desde uma perspectiva mercadológica. Este experimento se baseou em experiências prévias conduzidas por empresas militares nos anos anteriores. Porém, os resultados nesse campo foram exíguos. Segundo o economista cubano Julio A. Díaz Vázquez [12], apenas 29% das companhias (729 de 2732) aplicaram o PE. Ao fim de 2006, após dez anos de experimentação, as vendas haviam aumentado 21%, serviços públicos 5% e renda 20%, enquanto o número de empregados havia aumentado 5%, a produtividade 7% e os salários médios 21%. Ademais, 13% das empresas tiveram resultados insuficientes, e apenas 40% puderam implementar sistemas de qualidade. Longe de ser um desastre, ainda assim ele não foi um sucesso e mostrou, não obstante, os limites da economia estatal.

No terceiro campo, o foco da intervenção estatal durante o Período Especial não foi o de bloquear a inflação, que havia sido constante, especialmente na economia informal. Ao invés, ela buscava continuar subsidiando as políticas sociais, especialmente saúde e educação, e o pleno emprego, às custas de um colapso no poder aquisitivo. O índice de preços, de 1989 a 1993, subiu de 1 para 9,78, enquanto o salário real caiu de 188 para 19 pesos no mesmo período. Posteriormente, a partir de 1994, ela começou uma redução dos gastos públicos, aumentando preços, especialmente de produtos de luxo, cortando investimentos industriais e alguns serviços. Essas medidas de “saneamento financeiro, junto com o fluxo crescente de divisas estrangeiras de novas fontes, permitiram ao Estado reduzir drasticamente o déficit e a inflação, preservando ao mesmo tempo o sistema de bem-estar no qual residia o consenso político. Ademais, em 1994, algumas casas de câmbio estatais foram abertas, de modo a permitir que pessoas físicas comprassem e vendessem moeda. A isso se seguiu uma reforma do sistema bancário, ainda assim baseado no Banco Central, o qual estabelece a taxa de câmbio entre pesos cubanos e dólar, bem como a taxa de juros paga pelos bancos aos poupadores.

O que aconteceu, desde a perspectiva macroeconômica, teve indubitavelmente um resultado positivo, já que acabou com a secular dependência da economia cubana em relação à indústria da cana-de-açúcar, diversificando suas fontes de moeda estrangeira. Assim, uma redução da indústria e da agricultura, que eram marcadas pela ineficiência e por escassa competitividade, correspondeu à ascensão de novos setores, que foram capazes de fornecer a moeda necessária para a recuperação. Na verdade, a redução drástica da dívida pública acompanhou de perto o aumento de investimentos e remessas estrangeiros. Porém, o turismo desempenhou um papel importante, se estabelecendo como a principal fonte de renda de exportação (44,8% em 2000 13). Para poder evitar os problemas sociais causados pelo contato entre turistas estrangeiros com uma ampla disponibilidade de riqueza e a população em geral (ou seja, prostituição, golpes, pequenos crimes), um número de medidas foram instituídas para separar esses dois mundos, com o resultado de estabelecer na prática um tipo de “apartheid turístico”. O acesso cubano a resorts e hotéis turísticos foi restringido, e o turismo desorganizado foi desencorajado.

A terceira fonte de renda foi constituída pelas remessas enviadas por cubanos vivendo no exterior, coerentemente com a tendência geral da América Latina. Apesar de ser um auxílio importante à economia local, vale a pena notar que remessas são relevantes, mas não são cruciais para a economia cubana, já que elas constituem apenas 5% do Produto Interno Líquido, bem menos do que outros países caribenhos ou centro-americanos como Haiti (24,5%), Nicarágua (22%), El Salvador (17%), Jamaica (15%) e República Dominicana (10%)14. Ademais, a maioria delas são recebidas pela parte mais rica da população. Por exemplo, em Havana, os 20% mais ricos recebem 59,1% das remessas 15, com o resultado positivo de que elas são geralmente reinvestidas em atividades microempreendedoras, e ao mesmo tempo aumentam as reservas estatais de moeda forte, já que elas não raro são gastas na aquisição de bens de alto valor agregado vendidos pelo Estado. Por outro lado, essa forma de renda obviamente contribui para agravar desigualdades sociais.

Aliás, por volta de 1997, as mudanças, ainda limitadas, foram não obstante suficientemente marcadas para tornar a etiqueta de “comunismo” inadequada para representar o sistema cubano. Desde então, em Cuba tem existido diferentes atores econômicos: o chamado “setor emergente”, constituído por empresas estatais, estrangeiras e mistas operando em moeda conversível; o setor estatal, incluindo mais de 3000 empresas, conduzindo tanto operações subsidiadas como de mercado; o setor cooperativo na agricultura; os trabalhadores autônomos, que estão ativos principalmente na agricultura e nos serviços. O Estado atua como regulador e planejador geral, mas não tem mais monopólio sobre a atividade econômica. Ao mesmo tempo, a divisão econômica entre setores geradores de moeda e os setores assalariados ou subsidiados está aumentando, bem como as diferenças sociais, levando à reemergência de classes sociais. Por outro lado, funcionários do governo cubano tem justificado essas reformas ou “ajustes” com o objetivo de preservar o socialismo. De fato, apesar de ter sido abertamente admitido que o mercado como ferramenta não pode ser substituído, não obstante a necessidade de evitar a consolidação de uma mentalidade rentista tem sido sempre enfatizada.

Crescimento e Expansão

Após 1999, quando o pior da crise havia passado e a situação cubana estava estabilizada, um novo processo de centralização começou, de modo a corrigir as distorções causadas pela abertura prévia. As licenças para empregos privados foram reduzidas ou restringidas, bem como o acesso a investimentos estrangeiros, que passaram a ser concentrados em alguns setores estratégicos, como no turismo. Apesar desse aumento da centralização ter durado pouco (2002-2005) e nunca ter alcançado os níveis pré-1994 16, ela coincidiu com uma redução no crescimento. O PIB inicialmente experimentou um crescimento moderado (2,9% anualmente em média) até 2003, antes de aumentar para uma taxa de 8% entre 2004 e 2008, graças a novas relações internacionais favoráveis. Assim, pode-se concluir que, nas últimas quatro décadas, tem havido uma proporção inversa entre centralização e produtividade. Esse fato foi reconhecido por economistas cubanos, bem como a necessidade de aumentar a produtividade e a eficiência para fortalecer a fraca e subdesenvolvida economia nacional 17. Por outro lado, é apontado que a descentralização econômica, na ausência de um forte sistema regulatório, leva a desigualdades sociais.

Um exemplo relevante da lentidão e da escassa eficiência de algumas reformas é o lento crescimento do setor agrícola (0,9% ao ano, em média, de 2000 a 2007). Sua importância seria primária, já que ele pesa demasiadamente nos gastos com importação (18%), no consumo doméstico (70-75% do gasto familiar médio), no emprego geral (20%) e em três dos cinco produtos mais exportados (tabaco, açúcar, frutas cítricas). Ademais, há uma ampla disponibilidade de terra: em 2006, de 10.988.600 hectares de terra, dos quais 6.6 milhões são agricolamente exploráveis, apenas 3.1 milhões são efetivamente cultivados, com outros 2.3 milhões de pastos e 1.7 milhões de terra não-utilizada. Para piorar, sua contribuição para o PIB é espantosamente baixa, em 3,8% (2007)18. O processo de descentralização neste setor, com a criação das UBPCs e a reabertura de mercados agrícolas, foi, porém posto em prática. Autoridades locais receberam mais autoridade no gerenciamento agrícola e terra estatal ociosa foi dada em usufruto a agricultores, com o direito de vender o excesso a preços de mercado.

Outra questão ainda não resolvida, e que afeta a eficiência econômica, se deve à persistência do sistema de duas moedas. A dolarização da economia cubana começou no Período Especial por causa da necessidade de uma moeda estável tanto para o mercado negro interno como para as transações externas do governo. Após aproximadamente uma década, de 2003 a 2005, um processo de desdolarização foi iniciado, substituindo o dólar pelo Peso Conversível Cubano, uma moeda forte com valor fixado conforme o dólar, mas emitida pelo Banco Central Cubano. Todas as operações previamente gerenciadas em dólares eram agora conduzidas no PCC, com um imposto de 10% passando a ser cobrado a partir de 2004 sobre todas as transações na moeda americana. Em 2005, a taxa de câmbio entre as duas moedas era de 24 pesos cubanos para 1 peso conversível para venda e 1 para 25 para compra. Enquanto essa taxa era aplicada para pessoas naturais, empresas e instituições estatais operavam, por sua vez, com uma taxa de câmbio de 1 para 1, com a alocação de moeda conversível sendo decidida pelo Ministério de Economia e Planejamento e pelo Banco Central.

Apesar de poder parecer que este problema se manifesta primariamente nas crescentes desigualdades entre a população segundo menor ou maior acesso a moeda conversível, essa, na verdade, não é uma causa relevante. É certamente verdadeiro que pessoas que trabalham no exterior ou para empresas estrangeiras ou são autônomas ou recebem remessas ou empreendem atividades ilegais, desfrutam de um poder de compra muito maior do que a massa de trabalhadores e aposentados pagos pelo Estado, que recebem o equivalente a umas poucas dúzias de dólares por mês, mas o baixo valor dos salários estatais é causado principalmente pela minúscula produtividade, por ineficiências e uma política de pleno emprego. Ao mesmo tempo, o próprio Estado administrava diferentes atividades comerciais nas duas moedas com preços e qualidades diferentes. Porém, os efeitos negativos da dualidade de moeda são bastante evidentes no fato de que ela cria distorções na contabilidade, tornando difícil estimar o PIB, avaliar a competitividade internacional de bens e serviços cubanos e lidar com os custos das importações, que são subvalorados graças a essa taxa de câmbio. Portanto, segundo o Partido Comunista 19, a eliminação da dualidade de moeda não tem o propósito de criar ricos, mas é vista como medida para incrementar a eficiência econômica.

Comentando sobre este debate, o economista cubano Pavel Vidal 20 considerou que este objetivo precisava de quatro ações. Primeiro, a taxa de câmbio no setor empresarial deve ser gradualmente desvalorizada segundo o valor real do peso cubano, aceitando e estabilizando os efeitos de ajuste dessa manobra, tal como inflação. Em segundo lugar, estabelecer uma única taxa de câmbio para as empresas e a população em geral, intermediária entre as atuais, deve ser o objetivo final. Em terceiro lugar, todas as atividades comerciais do Estado para a população, bem como as contas bancárias pessoais, que atualmente operam em pesos conversíveis, devem converter para pesos cubanos, na taxa em uso no momento da decisão. Em quarto lugar, a conta bancária das empresas e instituições deve ser consequentemente convertida em pesos cubanos, que passaria a ser uma moeda conversível. Dessa maneira, ele afirma, as empresas públicas financiarão a si mesmas com moeda segundo sua própria eficiência.

Finalmente, vale a pena notar um número de potencialidades relevantes para a economia cubana, que começaram a se desenvolver ou a serem planejadas neste período. Por volta do início do novo milênio, o setor terciário havia alcançado uma preponderância absoluta (76% do PIB), mas o peso do turismo diminuiu relativamente, caindo para 25,5% do total. Não obstante, sua importância como “locomotiva econômica” permaneceu imbatível, graças à sua relevância para investimentos estrangeiros e emprego interno, e sua competitividade regional ainda é forte. Ainda assim, a emergência do setor médico trouxe novas formas de renda. Apesar de ser uma indústria de nicho, sua contribuição positiva para a balança comercial marca sua importância, permitindo o financiamento de investimentos em outros setores. Ademais, ele representa em geral um imenso potencial, enraizado na particularidade cubana de país subdesenvolvido com IDH elevado, de se tornar um exportador de recursos humanos de baixo custo mas altamente qualificados.

O governo conduziu este tipo de cooperação, assinando vários acordos importantes, especialmente com países politicamente aliados, como Venezuela, Bolívia e Angola, mas também com potências econômicas como China e Brasil. Os acordos garantem a oferta de serviços ou em Cuba ou pelo empréstimo de médicos, em troca de dinheiro ou de matéria-prima (e.g. petróleo). Conquanto os setores médico e educacional são os mais importantes, também há contratos para assessores políticos, técnicos e militares. Os especialistas cubanos em missão recebem uma parte menor do salário pago pelo Estado estrangeiro, a qual ainda assim é bem maior do que os salários domésticos. Isso tem tido também um impacto na pequena, mas pujante indústria biomédica, na pesquisa e produção de farmacêuticos, não raro para mercados do Terceiro Mundo. Historicamente, isso é um legado do apoio e orientação soviéticos a Cuba, bem como do apoio técnico-militar cubano a outros países durante a Guerra Fria. Agora, ainda que isso tenha mais a ver com cooperação internacional do que com a exportação da Revolução, isso é também uma fonte de orgulho político para o governo cubano, além de fonte de renda.

Outro setor que expandiu durante este período, ainda que limitadamente, foi o de mineração, com um razoável aumento na produção e exportação de níquel. Por outro lado, o setor energético permanece subdesenvolvido, com o país sendo um importador de petróleo, agora fornecido pela Venezuela, ao invés de pela União Soviética, mas ainda a preços políticos. Isso não quer dizer que Cuba carece de reservas de petróleo e, na verdade, há uma pequena produção, bem como planos de conduzir prospecções nos Estreitos da Flórida, com a participação de companhias estrangeiras. Porém, a exploração desse potencial ainda não é considerada prioritária. Ademais, a bioenergia parece mais promissora e oferece a possibilidade de revitalizar a histórica produção açucareira. Na verdade, essa planta é bastante conveniente tanto do ponto de vista ecológico como do econômico. Um hectare de cultivo de cana de açúcar em um ano pode absorver mais de 60 toneladas de dióxido de carbono e produzir mais de 40 toneladas de oxigênio, contribuindo para a preservação do meio ambiente. Em média, 100 toneladas de cana de açúcar demandam 7187mcal de água, combustível, eletricidade e fertilizantes a serem coletados, mas seu processamento gera o total de 60.451mcal, incluindo açúcar, etanol, eletricidade e outros bioprodutos 21.

Reformas Políticas

As medidas implementadas do Período Especial em diante representam parcialmente um desenvolvimento de planos e políticas anteriores. Deve ser notado, de fato, que o começo da indústria turística com apoio de investidores estrangeiros data de 1988, enquanto em 1986 as empresas militares começaram a introduzir maior flexibilidade e autonomia em seu gerenciamento e em seus processos de tomada de decisão. Porém, a situação de crise empurrou o governo a acelerar essas políticas até o ponto em que essas mudanças que oficialmente eram apenas ajustes necessários para salvar o socialismo, tiveram repercussões relevantes nas próprias instituições. O exemplo mais evidente se encontra nas emendas feitas à Constituição em 1992. Essas modificações tornaram possível e garantiam constitucionalmente um papel econômico mais amplo para atores não-estatais. O planejamento estatal agora aceitava instrumentos financeiros e de mercado. A economia não era o único setor em que dogmas marxistas-leninistas da era soviética foram abandonados em prol de políticas mais pragmáticas e nacionalmente orientadas. Outro exemplo importante foi o fim da identificação classista do Estado, ainda que Marx, Engels e Lênin ainda sejam mencionados como inspirações ideológicas.

Ademais, o fim do compromisso com um Estado ateísta, junto com a proteção contra discriminação de religiosos, foram o princípio de um processo de reconciliação entre o Estado e a Igreja, com católicos praticantes agora recebendo permissão de ingressar abertamente no Partido Comunista e outras organizações de massa. Um grande impacto nesse sentido foi causado pela visita do Papa João Paulo II em 1998, que levou à restauração do Natal como feriado cívico e empoderou a comunidade católica em geral, gerando uma expansão da participação católica em atividades sociais, incluindo culturais e midiáticas. Outra visita papal, feita por Bento XVI em 2012, se deparou com ainda mais hospitalidade por parte da população e das autoridades. Estas sempre enfatizaram os pontos comuns entre o Cristianismo, especialmente sob as formas como as da Teologia da Libertação, e o Socialismo, e agora objetivam integrar todos os grupos sociais em uma nação cubana unânime. Os católicos diminuíram numericamente de 1959 e se deparam agora com a concorrência de seitas protestantes, mas permanecem uma minoria importante, com a Conferência de Bispos Cubanos representando a única grande força política e social para além do Estado.

Na verdade, esses anos coincidiram com um número de reformas políticas. Se deparando com o problema da sucessão devido ao envelhecimento da geração revolucionária que tem liderado o país desde 1959, bem como com crescentes pressões externas e internas relativas a direitos humanos, o governo cubano começou a ampliar a participação dos cidadãos na política, baseando-se não obstante nos princípios constitucionais da democracia socialista, do centralismo democrático e da unidade de poder. A Constituição de 1992 garante que Cuba seja governada pela Assembleia do Poder Popular, mantendo um corpo constituinte e legislativo, que elege o Presidente do Conselho de Estado, sendo ele o Chefe de Estado e de Governo. Ele preside o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros, exercendo o poder executivo. Na verdade, já que a Assembleia se reúne por poucos dias ao ano, o poder está concentrado de facto nestes dois últimos órgãos. Após a abdicação de Fidel por motivos de saúde em 2006, o regente pro-tempore, seu irmão Raúl, já Ministro das Forças Armadas, foi regularmente eleito como Presidente do Conselho de Estado em 2008 e 2013.

Administração local está a cargo das Assembleias Provinciais e Municipais Populares, baseadas nos Conselhos Populares locais, e incumbidos com a aplicação das leis nacionais a nível local. Todos os membros da Assembleia do Poder Popular são escolhidos por eleições diretas e podem ter seu mandato revogado a qualquer momento, ainda que em geral os mandatos durem cinco anos. Todos os cidadãos a partir dos 16 anos de idade compõem o corpo eleitoral e qualquer cidadão a partir dos 18 anos de idade é elegível. O Conselho Popular local seleciona candidaturas, mas nenhuma afiliação partidária é necessária, nem são conduzidas campanhas eleitorais 22. Os tribunais, comandados pelo Supremo Tribunal Popular, são independentes, enquanto o Procurador-Geral da República é um órgão com poderes controladores, subordinado à Assembleia do Poder Popular. É importante notar, porém, que segundo o conceito de legalidade socialista, o Direito tem como objetivo a preservação e promoção do socialismo e de seus valores. Não surpreendentemente, todo o sistema político e jurídico é informado conforme sua cosmovisão ideológica, mas isso é verdadeiro em relação a todo tipo de governo.

Ademais, o poder real jaz fora das estruturas políticas formais. Interessantemente, Jorge I. Domínguez, em um estudo encomendado pelo governo americano no contexto do Projeto de Transição Cubana 23, reconhece que esta Constituição permitiria um Estado democrático liberal concreto, com um Parlamento forte, e se provaria a melhor para guiar uma transição à democracia. Ao mesmo tempo, ele aponta os três principais elementos do autoritarismo em Cuba, isto é a economia comandada pelo Estado, a militarização da sociedade e as organizações de massa. O terceiro fator é o que garante que o Partido Comunista de Cuba (PCC) e suas outras organizações controlem a participação política. Por outro lado, o acesso ao Partido Comunista, ainda que ampliado em relação ao passado, é restrito a uma minoria limitada de aproximadamente 1.4 milhões de pessoas comprometidas, que se distinguiram na participação política e social. A participação em organizações de massa, como a Federação de Mulheres Cubanas (FMC), a União da Juventude Comunista (UJC), e a Federação de Estudantes Universitários, focando em diferentes aspectos, é encorajada, e geralmente propedêutica à admissão no PCC. Obviamente, membros dessas organizações informalmente dominam os Conselhos Populares.

Outro fator de controle por parte da elite governante é a militarização da sociedade, enraizada na derrubada armada da ditadura de Batista e na luta para defender o Estado revolucionário das agressões promovidas pelos EUA. Para além da conscrição, a Constituição institui um Conselho de Defesa, tanto de caráter nacional como local, incumbido com a preparação para situações de guerra e de emergência. Ademais, quase toda a população cubana, acima dos 14 anos de idade, está organizada em assembleias cívicas, chamadas Comitês de Defesa da Revolução (CDR), localmente baseadas, autofinanciadas e eleitas de baixo para cima. Os CDRs organizam atividades sociais, como reciclagem, doações de sangue, segurança de vizinhanças, levantamentos de fundos, bem como manifestações políticas e vigilância, observando indivíduos problemáticos. Conquanto o entusiasmo dos primeiros anos da Revolução enfraqueceu significativamente, especialmente como consequência do Período Especial, a participação das massas ainda é suficientemente alta para garantir o consenso e descartar um colapso político abrupto.

Ainda que substancialmente as instituições ainda sejam politicamente e economicamente extrativas, em ambos os contextos houve uma mudança de um regime no modelo soviético em direção a um sistema mais misto. Um exemplo interessante nessa aparente ambiguidade é dado ao compararmos duas instâncias de interação entre Estado e cidadãos. Em 2002, um certo número de dissidentes políticos cristãos apresentou à Assembleia do Poder Popular uma petição com 11 mil assinaturas, chamada Projeto Varela, pedindo ampliação das liberdades. O Estado respondeu com uma contrapetição com 11 milhões de assinaturas e a consagração na Constituição da natureza socialista irrevogável do Estado. Em 2008, por sua vez, o próprio Estado pediu que os cidadãos apresentassem suas demandas e desejos. 5 milhões de pessoas participaram nessa convocação, com aproximadamente 1.2 milhões de propostas. Algumas delas viraram lei, introduzindo a venda livre de computadores pessoais, de celulares e eletrodomésticos, permitindo que cubanos acessassem resorts e hotéis anteriormente exclusivos para estrangeiros, tornando a aquisição de casas e de terra mais fácil, elevando salários, cancelando dívidas de pequenos proprietários e reconhecendo oficialmente rendas em moeda estrangeira. Outra grande abertura ocorreu em 2011, quando a compra e venda de imóveis e veículos foi autorizada e os cubanos receberam permissão de viajar livremente para o exterior. 

Um Novo Modelo de Desenvolvimento?

Após ter delineado e revisado os desenvolvimentos políticos e econômicos que no curso de aproximadamente 20 anos ocorreram em Cuba, eu estou focando em rascunhar a situação atual em seus fundamentos e discutir a perspectiva futura. Conquanto Cuba ainda é um país socialista, longe de se tornar uma democracia liberal, ao mesmo tempo, se distanciou também do comunismo do século passado. Ainda assim, seguiu um caminho bem diferente em relação a países como China e Vietnã, onde reformas de mercado foram muito mais massivas, às custas de desenvolvimento social. Retrospectivamente, ela se beneficia de uma situação internacional muito mais favorável do que 20 anos atrás, também devido à emergência factual de uma nova ordem mundial multipolar. Por outro lado, a transição está ainda incompleta, sendo assombrada por ineficiências persistentes no setor público, bem como por uma desigualdade socioeconômica crescente, que está levando novamente a uma sociedade de classes, apesar de todos os pressupostos ideológicos. Isso tem sido amplamente discutido em Cuba pelo Partido Comunista, coerentemente com seu papel de orientador político. Suas avaliações e declarações são, portanto, de importância capital para que vejamos como a elite cubana enxerga a situação e como ela vai agir no futuro.

Uma Nova Situação Internacional

Não é possível lidar com a situação internacional de Cuba, sem falar na relação problemática com seu grande e poderoso vizinho: os Estados Unidos da América. É suficiente verificar o mapa geográfico para perceber quão pouco natural é um embargo comercial entre dois países tão próximos e com uma profunda influência cultural e histórica mútua. Não surpreendentemente, no final dos anos 80, o colapso da URSS deu às companhias americanas a oportunidade de ingressar no mercado cubano, especialmente no que concerne os muito necessários produtos agrícolas. Porém, essa primeira troca acabou em 1992, com a aprovação da Lei Torricelli. Apenas no século seguinte, quando se tornou evidente até para a Casa Branca que as medidas restritivas não haviam enfraquecido significativamente a estabilidade política do país, novas investidas foram feitas. Essas consideravam essencialmente três aspectos: remessas, turismo e exportação de comida.

Na verdade, os Estados Unidos logo se tornaram logo o principal fornecedor de alimentos para Cuba, também graças a um número de acordos assinados com importantes agências públicas. Em 2007, catorze estados (Alabama, Califórnia, Idaho, Iowa, Kansas, Louisiana, Maine, Michigan, Nebraska, Dakota do Norte, Pensilvânia, Carolina do Sul, Vermont, Virgínia) ingressaram em acordos comerciais com Cuba, diretamente ou através de seu Departamento da Agricultura. O mesmo aconteceu com algumas grandes associações rurais federais e estaduais, bem como com alguns portos sulistas ou sudestinos. Porém, as restrições existentes limitam esse comércio tornando os pagamentos difíceis e reduzindo o poder de compra de Cuba. A agência estatal cubana encarregada de gerenciar essas transações, Alimport, está também fazendo lobby para superar essas limitações e promover os interesses cubanos nos Estados Unidos. Provavelmente uma eventual abolição do embargo tornaria os EUA um importante parceiro comercial de Cuba, apesar da distância ideológica. Quanto ao turismo, atualmente, estima-se que 200 mil cidadãos americanos, majoritariamente cubano-americanos, visitem Cuba anualmente. Uma grande proporção deles viaja através de outros países, como Canadá, Bahamas ou México. Porém, estima-se que, no caso da suspensão das limitações, esse número poderia chegar a mais de 1 milhão. Devido ao alto custo do sistema de saúde nos EUA, Cuba poderia se tornar facilmente uma locação perfeita para o turismo médico, graças a suas estruturas mais baratas, porém modernas.

A União Europeia desempenhou um papel importante em uma fase crucial da transição cubana, durante os anos 90. Apesar da pressão americana sobre a União Europeia para que adotasse uma linha dura contra Cuba e as preocupações europeias com direitos humanos e democratização, os país caribenho é pequeno demais para ser de importância central para a UE. Por outro lado, após 1991, sua relevância para Cuba como parceiro internacional foi central. O envolvimento europeu começou com ajuda humanitária, consistindo em mais de 147 milhões de euros de 1993 a 2004, e cresceu em cooperação econômica e investimentos. Na verdade, as instituições e Estados europeus, excetuando a Espanha, sempre foram razoavelmente frios em relação ao governo cubano, emanando sanções em 2003. Porém, o turismo, o comércio e os investimentos europeus representaram uma parceria indispensável durante a maior parte dos últimos vinte anos. Em 2000, a UE representava 43% do comércio exterior (26,6% em média na década anterior), com 31% das importâncias e 40% das exportações. Em 2007, houve 232 joint ventures internacionais e 74 produções cooperativas, a maioria delas estabelecidas com empresas europeias, especialmente nos âmbitos do turismo, da construção e da indústria básica. O parceiro estatal mais importante é a Espanha, por razões históricas e culturais óbvias, seguida da Itália, e então da França e da Holanda. Outro Estado ocidental, que continua mantendo boas relações econômicas com Cuba é o Canadá, que usualmente serviu como país intermediário para cidadãos ou empresas americanas.

Nos anos 2000, porém, apesar do comércio com países ocidentais não ter diminuído, outros parceiros econômicos emergiram, os quais não só estão menos preocupados com a política doméstica cubana, como usualmente a apoiam. Esse processo ocorre no contexto mais amplo da transição da ordem unipolar pós-1989 para um mundo mais multipolar, marcada pela ascensão de potências continentais ou regionais no resto do mundo, como o chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), dispostos a alterar a hegemonia política e econômica do Ocidente liderado pelos EUA. Obviamente, isso é saudado favoravelmente, tanto por razões políticas como econômicas, pelo governo cubano, que considera que Cuba continua desempenhando um papel internacional relevante, como no passado. Por exemplo, a Rússia de Putin, em sua busca por se reafirmar como grande potência restabeleceu importantes relações econômicas com Cuba, cancelando as dívidas da era soviética e promovendo investimentos e cooperação militar.

Ainda mais do que a Rússia, é a República Popular da China a representar agora um grande parceiro econômico para Cuba. A economia do país se beneficiou da aquisição de veículos, maquinário e outros bens da China, especialmente no que concerne a indústria e transportes. Ao mesmo tempo, investidores chineses, tal como outros investidores estrangeiros, demonstraram interesse em reviver e completar antigos projetos da era soviética ainda não terminado, como na extração de níquel, na infraestrutura e na prospecção de petróleo. O projeto mais conspícuo é o que concerne a nova Zona Especial de Desenvolvimento ao redor do porto de Mariel, a oeste de Havana, que será conjuntamente desenvolvido por empresas estatais cubanas e pela corporação brasileira Odebrecht. O novo porto, com uma área de 55 hectares e 700 metros de docas será capaz de gerenciar 800 mil contêineres por ano, mas o projeto é expandi-lo a 128 hectares, 2400 metros de docas e 3 milhões de contêineres anualmente. Sua posição estratégica nos Estreitos da Flórida, com 32 grandes portos dentro de 1000km de distância, provavelmente justificarão esse investimento, especialmente em conjunção com a futura abertura de um canal transoceânico na Nicarágua, construído pelos chineses, e com o possível fim do embargo americano.

Ao redor do porto, uma zona econômica especial será estabelecida, segundo o modelo de experimentos semelhantes na China, onde empresas estrangeiras poderão operar independentemente, sem a necessidade de participação do governo. Segundo projeções, essas empresas pagarão 1% em vendas e serviços após 1 ano e 12% dos lucros após 10 anos, ainda que a contratação de mão-de-obra vá ocorrer através do Estado, tal como já ocorre. Investidores da Rússia, da China, do Vietnã, do México, do Brasil, da Espanha, da Alemanha e do Japão já demonstraram interesse. O resultado para a economia cubana seria positivo, já que atenderia a produção e venda de produtos na área do Caribe, com custos de transporte reduzidos, bem como fornecendo salários mais altos a trabalhadores cubanos. De fato, os baixos custos e os elevados níveis educacionais tornam a mão-de-obra cubana competitiva.

Finalmente, Cuba tem estado bastante ativa na integração regional e continental, promovendo a libertação dos países do Caribe e da América Latina em relação à hegemonia americana e o estabelecimento de um bloco de nações soberanas, engajadas na construção de um mundo multipolar. Essa estratégia foi tornada possível pela tendência geral de estabelecimento de governos de esquerda na maioria dos países da América Latina. Essa chamada “onda rosa”, começando no final do século XX, se seguiu à desilusão das massas com as políticas neoliberais anteriores e com a democratização geral, que haviam ocorrido ao fim da Guerra Fria na América Latina. As ideologias e políticas concretas desses governos variaram entre social-democracia no Cone Sul branco e mais rico (Brasil, Argentina, Uruguai), e socialismo na Região Andina indígena e mais pobre (Equador, Bolívia, Venezuela), mas todos concordavam com expandir gastos públicos para promover crescimento econômico e estabelecer um Estado de Bem-Estar Social. Na política externa, eles geralmente perseguiam a cooperação e a integração supranacionais. Cuba agora não era mais vista como um núcleo perigoso de atividade subversiva, mas como exemplo de Estado soberano, lutando contra o imperialismo americano. Portanto, Cuba esteve entre os fundadores da Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (23 de fevereiro de 2010), trabalhando pela integração política e econômica de toda a região.

Porém, o relacionamento mais importante estabelecido foi aquele entre a Cuba de Castro e a Venezuela Bolivariana de Hugo Chávez. Essa corrente radicalmente populista e nacionalista de socialismo encontrou em Cuba uma inspiração bem como um importante parceiro. Em 14 de dezembro de 2004, um acordo Cuba-Venezuela foi assinado entre os dois presidentes. Cuba começou fornecendo médicos, professores e outros profissionais para trabalhar nos novos programas sociais na Venezuela e a treinar profissionais venezuelanos. Em troca desse esforço, Cuba recebeu petróleo, com importantes consequências para seu crescimento econômico. Isso foi implementado no contexto do Petrocaribe, um programa de venda de petróleo pela Venezuela em condições favoráveis para países pobres do Caribe e da América Central. O acordo deu origem à ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), que é uma organização intergovernamental baseada nos princípios de bem-estar social, ajuda econômica mútua, solidariedade internacionalista e anti-imperialismo. Outros países, como Bolívia, Nicarágua, Equador e vários países caribenhos insulares, logo se uniram, mas o núcleo da aliança permaneceu ligado ao petróleo venezuelano e à expertise humana cubana.

Novas Linhas Políticas

Um grande debate sobre as políticas a serem seguidas diante dos novos desafios econômicos e sociais ocorreu em Cuba dentro das estruturas do Partido Comunista, cujo papel pressuposto na sociedade, como eu indiquei anteriormente, é discutir problemas políticos. O Comitê Central preparou as Linhas de Orientação da Política Econômica Social do Partido e da Revolução, e as lançou em 9 de novembro. Depois, os debates e consultas públicos nas organizações de massa duraram de 1 de dezembro a 28 de fevereiro de 2011. Nessa fase, por volta de 68% das linhas de orientação foram modificadas e seu número cresceu de 291 para 311. A partir de então, de 16 a 19 de abril de 2011, o Sexto Congresso do Partido ocorreu em Havana, com a participação de 18.997 delegados, distribuídos em cinco comissões. Ao fim desse processo de revisão, 86 linhas de orientação foram modificadas e outras 2 foram acrescidas, para um total de 313 no documento final 24. Outro documento 25, detalhando os procedimentos de elaboração e revisão do texto foi então liberado para o público em 2011, em um esforço de mostrar maior transparência para a população e em coerência com o sistema centralista democrático. Essas linhas gerais são de máxima importância para poder compreender o que é e o que será a transição cubana, como pretendido pelas instituições nos próximos anos.

O documento abre com uma admissão da situação problemática da economia cubana, especialmente no que concerne sua dependência em relação ao comércio exterior, que ademais ressalta como razões externas a crise global, o embargo americano e catástrofes naturais recentes (furacão). Porém, as premissas ideológicas afirmam que Cuba está mantendo um sistema socialista de propriedade popular dos meios de produção e de planejamento central. Ao mesmo tempo, ele reivindica a necessidade de ampliar a liberdade de iniciativa das empresas estatais e da população em geral, de modo a fazer avançar as forças produtivas. O igualitarismo é recusado em prol de direitos e oportunidades iguais, junto a uma remuneração baseada na quantidade e qualidade do trabalho. Os principais objetivos de curto prazo são definidos como melhorar a balança comercial e aumentar a eficiência do trabalho, enquanto os objetivos de longo prazo apontam para alcançar uma autossuficiência energética e alimentar maior, bem como um setor produtivo competitivo e desenvolvido, tanto nas novas produções como nas tradicionais. Há uma forte ênfase na melhoria do padrão de vida, bem como na ética socialista.

Este não é o lugar a se analisar cada uma das linhas de orientação, mas é interessante delinear as reformas gerais promovidas em doze áreas diferentes, conforme elas se adequam ao contexto geral. Falando sobre gerenciamento da economia, o princípio do planejamento tem que “levar o mercado em consideração”, e investimentos estrangeiros, cooperativas, pequenas propriedades, locações, trabalhadores autônomos devem coexistir com empresas estatais, sem que se permita a concentração de propriedade. Por outro lado, as empresas devem se organizar com maior independência em relação às estruturas estatais e interagir conforme leis e mecanismos de mercado. A subsidiação deve deixar espaço para a responsabilidade e iniciativa do gerente de administrar seu orçamento, aceitando o risco de erros poderem levar à liquidação ou privatização da companhia. Cooperativas não podem ser privatizadas, mas elas são livres para vender seus produtos. As funções administrativas, bem como a provisão de saúde, educação e serviços sociais, devem obedecer unidades orçamentárias estatais, que podem ser financiadas pelo Estado ou autofinanciadas. As unidades administrativas estatais (províncias e municípios) estão excluídas de intervenção direta em suas empresas.

As linhas de orientação macroeconômica apontam para equilibrar e estabilizar as relações entre importação e exportação, entre aumento de salários e eficiência econômica, entre consumo e poupança. A regulação cuidadosa e o equilíbrio monetário são considerados como de importância fundamental para lidar com o aumento da riqueza da população, bem como para garantir empréstimos sustentáveis para financiar atividades produtivas. A unificação da moeda dupla é explicitamente prevista, ainda que não sejam oferecidos detalhes sobre o processo. Por outro lado, bastante espaço é dado a novas políticas fiscais. Essas são planejadas de modo que sejam gerais e justas, com taxação progressiva e estímulos fiscais para atividades seletas, como agricultura e outras de substituição de importações. Acima de tudo, o problema de combater uma evasão potencialmente crescente é abordado através do fomento de um senso de responsabilidade cívica e pelo estabelecimento de mecanismos de controle mais rígidos e eficientes. Ao mesmo tempo, apenas os preços dos serviços e produtos mais importantes serão ainda centralmente determinados. 

Quanto ao comércio exterior, a ênfase é posta na credibilidade internacional do país, a ser alcançada estrito cumprimento de acordos. Exportações devem ser ampliadas em qualidade e quantidade. Mas sua destinação deve ser diversificada, de modo a evitar uma dependência excessiva em relação a um único país, como ocorreu durante a Guerra Fria. Por outro lado, as importações devem ser racionalizadas conforme as necessidades. A importação de maquinário, objetivando o estabelecimento de indústrias domésticas, deve ser privilegiada. A dívida externa e seu pagamento também estão em discussão. Investimentos estrangeiros ocupam outro lugar importante nas relações externas cubanas, e se demanda explicitamente pela criação de Zonas Especiais de Desenvolvimento. Outra área, que deve ser considerada como parte integral da economia nacional, é a cooperação internacional, que atualmente vê Cuba tanto como recebedora de ajuda como doadora. Finalmente, a integração econômica dentro das regiões caribenha e latino-americana é fortemente buscada, com prioridade dada aos países da ALBA.

Na política interna, os investimentos devem ocorrer em setores produtivos, e são feitas provisões para a descentralização dos processos de investimento, bem como para investimentos estrangeiros, mesmo em projetos de desenvolvimento e infraestrutura. Investimento e pesquisa científica e tecnológica deve ocorrer com respeito ao meio ambiente. De fato, os campos nos quais a pesquisa cubana foca (ou seja, engenharia de software, farmacêutica, biotecnologia e energias renováveis) são compatíveis e dirigidos a propiciar um desenvolvimento econômico ecologicamente sustentável. A discussão das políticas sociais reconhece, junto com a manutenção e ampliação do bem-estar social (saúde, educação, esporte, cultura), que isso tem que ser tornado mais efetivo. De maneira especial, a seguridade social é repensada conforme a ideia de subsidiariedade, com subvenções estatais indo apenas para aqueles efetivamente incapazes de trabalho ou sem assistência familiar. O emprego privado é pensado para aliviar o Estado de mão-de-obra redundante. Toda subsidiação desnecessária deve ser progressivamente eliminada, começando pelo cartão de racionamento (libreta), enquanto as cantinas públicas em locais de trabalho devem ser preservadas.

O documento então examina os setores econômicos diferentes, um por um. A agricultura é planejada para ser conduzida principalmente por agências não-estatais e para ser orientada para o mercado, mas com apoio estatal aos segmentos mais importantes e eficientes. A monocultura é definitivamente abandonada em prol de uma expansão de todas as áreas, da pesca à engenharia florestal, à cana-de-açúcar, às frutas cítricas, à criação de animais, bem como à recuperação de atividades recentemente negligenciadas. A ampliação da autossuficiência e a substituição de importações permanece um objetivo primário. A indústria ainda deve ser coberta por empresas estatais, com foco particular em indústrias extrativas, especialmente níquel e petróleo. Outro fator fundamental a ser desenvolvido por seu impacto na exportação é a indústria farmacêutica e biomédica. Porém, a maioria das outras atividades, como a produção de fertilizantes e o empacotamento, estão ligadas ao melhoramento dos setores agrícola e infraestrutural. Ao mesmo tempo, novas atividades tecnologicamente avançadas, como eletrônica e telecomunicações, devem ser promovidas. A produção doméstica de petróleo e gás, pela exploração de depósitos no Golfo do México, é outra expansão projetada para lidar com a dependência energética, junto com uma atenção para com economia e eficiência energéticas. 

O turismo é definido como objetivando obter diretamente renda estrangeira e moeda estável. De modo a tornar esse setor plenamente autossuficiente, as linhas de orientação reivindicam uma maior diversificação da oferta, uma maior promoção e comunicação. O turismo de luxo é especialmente considerado como um potencial para o futuro, graças a seus rendimentos mais elevados. O transporte também é amplamente abordado: transportes marítimo e ferroviário previamente negligenciados devem ser recuperados e estabelecidos como alternativas razoáveis ao transporte aéreo e rodoviário, os quais também devem ser expandidos e melhorados. A melhoria subsequente da infraestrutura rodoviária permitirá uma expansão do mercado de carros, até agora forçosamente limitado pelo governo. A indústria de construção, especialmente no que concerne moradia, incluirá empresas não-estatais. Por outro lado, o gerenciamento da água deve permanecer centralmente planificado. Finalmente, o governo manterá vigilância e, parcialmente, controle tanto sobre o comércio atacado como o varejo, com o objetivo declarado de proteger o consumidor e garantir qualidade, equilíbrio e eficiência do setor.

Conclusão

Dois anos depois, o discurso de 7 de julho de 2013 de Raul Castro 26, abrindo a nova legislatura da Assembleia do Poder Popular, é de grande interesse para avaliarmos como a situação evoluiu, após essas orientações. O presidente reafirma o slogan “socialismo próspero e sustentável”, descrevendo a intenção de melhorar a qualidade de vida, de um modo que possa ser realisticamente sustentado pelos recursos econômicos e ecológicos cubanos. Não obstante o razoável crescimento econômico e a manutenção do sistema social, ele afirma, os objetivos pretendidos ainda estão distantes. Ele inicialmente declara a necessidade de eliminar a moeda dúplice, para permitir o aumento dos salários, e a expansão do setor cooperativo de modo a libertar o Estado de microgerenciamento desnecessário. Ademais, ele especialmente critica a decadência moral da população e a perda de senso cívico, e enfatiza o conflito moral de promover “ordem, disciplina, exigência”, de modo a avançar com o desenvolvimento econômico e social. Em seu breve discurso está o núcleo da ideologia cubana, como já delineada pelo herói nacional José Martí: prioridade social e compromisso moral.

Agora, retornando à teoria de Acemoglu e Robinson, o caso da Revolução Cubana, com uma radical reviravolta social e política nos anos 60 e sua reconstrução nas décadas seguintes, parece conformar sua tese sobre a centralidade das instituições políticas na determinação do sucesso ou fracasso econômico de um Estado. Na verdade, um caso tão peculiar quanto o de Cuba, apesar de certamente ressaltar os méritos dessa obra, ao mesmo tempo levanta novos problemas e inconsistências a serem confrontados. Por exemplo, não se pode negar que políticas governamentais transitórias moldaram a história econômica cubana, mas ao mesmo tempo, a política externa teve forte influência na ação governamental, sendo forçada a lidar primeiro com a hostilidade americana e os interesses soviéticos, e então a lidar com o isolamento e a reconstrução de apoio internacional. Esse pano-de-fundo impactou não apenas escolhas políticas, mas também as nuances ideológicas. Tanto a aceitação do comunismo soviético como seu abandono provavelmente não teriam acontecido não fosse pela situação internacional. Na verdade, enquanto “Por que Nações fracassam” se concentra majoritariamente em política interna, as sociedades não flutuam em um vácuo e restrições externas exercem uma pressão muito maior sobre pequenos países.

Outro problema gira ao redor da “lei férrea da oligarquia”. À primeira vista, o castrismo pareceria um exemplo claro: uma nova elite assumindo o poder, durante uma revolução nacional, então eliminando forças concorrentes, centralizando o poder e reprimindo o dissenso, para poder desfrutar de poder absoluto por décadas. Na verdade, o mesmo havia ocorrido na independência do país, quando a nova elite cubana havia assumido o controle do novo Estado, e o poder havia permanecido de modo geral nas mãos da mesma elite burguesa, ainda que com um conflito político entre figuras autoritárias e demandas democráticas, não diferentemente de outros países latino-americanos. Porém, não se pode também dizer que a liderança revolucionária simplesmente substituiu a antiga, sem diferenças significativas para a população. Ao contrário, o próprio fato de que os mesmos homens permaneceram no poder por 55 anos, mostra como houve de sua parte uma busca contínua por melhorar as condições sociais e as performances econômicas do país, com mudanças e ajustes incessantes. Isso não pode ser explicado apenas pela vontade de permanecer no poder, especialmente se compararmos o progresso social e desenvolvimento humano inegáveis de Cuba, com a situação de outros países na região.

Olhando para o conflito central de “Por que Nações fracassam”, o conflito entre instituições extrativas e exclusivas, o sistema cubano se encontra categoricamente na primeira definição, tanto no campo político como no econômico. Assim sendo, seus resultados econômicos tem sido substancialmente inadequados e ineficientes. Não obstante, não se pode negar que Cuba permanece um dos países mais socialmente avançados da América Latina, se observarmos criminalidade, saúde, educação e corrupção, independentemente de sua renda média relativamente baixa. Na verdade, praticamente não há qualquer atenção de Acemoglu e Robinson para índices sociais. Isso é ainda mais claro, se considerarmos brevemente o que eles descrevem como uma mudança institucional de sucesso em relação a inclusividade e crescimento: Botswana. Agora, enquanto este Estado africano é realmente mais rico e mais desenvolvido que seus vizinhos, graças aos recursos naturais relevantes e às instituições democráticas, ele ainda possui diversos problemas sociais gravíssimos, como uma epidemia de AIDS (aproximadamente ¼ da população adulta), desemprego e desigualdade de renda, que contradizem com a imagem de sucesso econômico.

Agora, o modelo cubano é caracterizado pela inclusão social (mais do que política ou econômica). Em contraste claro com os tempos pré-revolucionários, cada cidadão tem agora acesso a saúde e educação de qualidade e participam na vida social, perseguindo sua carreira. Esse tipo de inclusão é, de modo geral, inexistente em outros países semelhantes na região (p.ex. República Dominicana), por conta da fragilidade das instituições políticas e econômicas. Portanto, isso constitui uma vantagem real para Cuba, que está também passando por um lento, mas estável, processo de abertura econômica e política, caso continue nesse caminho. Resumindo, eu penso que as interessantes perspectivas delineadas por Acemoglu e Robinson poderiam melhorar se o sucesso for medido não apenas conforme índices econômicos, mas também políticos, resultando em um retrato mais amplo de construção nacional e economia política.

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1 – Cfr. Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy: 1-2008.
2 – Cfr. José Luis Rodríguez, George Carriazo, Erradicación de la pobreza em Cuba, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1987.
3 – Instituto Nacional de la Reforma Agraria, 1959.
4 – Cr. José Álvarez, Survey of Cuban Agricultural Workers 1956-1957, University Catholic Association, em International Working Papers 01-7, International Agricultural Trade and Development Center, Institute of Food and Agricultural Sciences, University of Florida, Junho 2001.
5 – Lilian Guerra, “To condemn the Revolution is to condemn Christ”: Radicalization, Moral Redemption, and the Sacrifice of Civil Society in Cuba, 1960, em Hispanic American Historical Review, 89, 1, 2009.
6 – Fidel Castro, Democracia: Gobierno de las mayorias, em El pensamiento de Fidel Castro, vol. 1, part 2, Editora Política, Havana 1983, p. 393.
7 – Cfr. Juan Triana Cordoví, Cuba: Transformación Económica 1990-1997: Supervivencia y Desarrollo en el Socialismo Cubano, Universidad de la Habana, La Habana, 1999, Diss.
8 – Miguel A. Figueras, La Economía Cubana 1959-1989, Universidad de la Habana, La Habana, 2008, Diss.
9 – Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy: 1-2008.
10 – Omar Everleny Pérez Villanueva, Estrategia Económica: Medio Siglo de Socialismo, em Cincuenta Años de la Economía Cubana, editado por Omar Everleny Pérez Villanueva, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana 2010.
11 – Anicia García, Taller CEEC, Universidad de La Habana, 2007.
12 – Julio A. Díaz Vázquez, Diez Reflexiones sobre el Socialismo, em Temas, 53, La Habana, 2008, pp. 179-185.
13 – Jorge Mario Sánchez-Egozcue, Panorama de la Economia Cubana, ACDI, 2008.
14 – M. Orozco, Remittances to Latin America and the Caribbean: Money, Markets and Costs, BID, FMI, 2002.
15 – L. Añé, A. Ferriol, M. Ramos, Reforma Económica y Población em riesgo en la Ciudad de La Habana, Programa Efectos Sociales de las Medidas de Ajuste Económico sobre la Ciudad. Diagnósticos y Perspectivas, INIE-CEDEPE-ONE, La Habana, 2004.
16 – Cfr. Yaima Doimeadiós, Un modelo de crecimiento económico para Cuba: um análisis desde la productividad de los factores, Facultad de Economía, Universidad de La Habana, 2007. 
17 – Jorge Mario Sánchez-Egozcue, Juan Triana Cordoví, Panorama de la Economía, Transformaciones em curso y retos perspectivos, em Cincuenta Años de la Economía Cubana, op. Cit.
18 – ibidem.
19 – Cfr. Partido Comunista de Cuba, Material de estúdio, La Habana, 2008.
20 – Pavel Vidal Alejandro, Politica monetária: 1989-2009, em Cincuenta Años de la Economía Cubana, op. Cit.
21 – Armando Nova González, La agricultura en los últimos cincuenta años, em Cincuenta Años de la Economía Cubana, op.cit.
22 – Constitución de la República de Cuba, 2002.
23 – Jorge I. Domínguez, A Constitution for Cuba’s Political Transition: the utility of retaining (and amending) the 1992 Constitution, Institute for Cuban and Cuban-American Studies, University of Miami, 2002.
24 – Partido Comunista de Cuba, Lineamientos de la Política Económica y Social del Partido y la Revolución, La Habana 2011.
25 – Partido Comunista de Cuba, Información sobre el resultado del Debate de los Lineamientos de la Política Económica y Social del Partido y la Revolución, La Habana 2011.
26 – Raúl Castro, Enfrentemos los nuevos retos con la misma decisón e inconmovible fe em la victoria, em “Juventud Rebelde”, 7 de julho de 2013.