05/07/2017

Aleksandr Dugin - Economia e Multipolaridade

por Aleksandr Dugin



(Do livro "Teoria do Mundo Multipolar", Capítulo "Base Teórica do Mundo Multipolar" - Economia)

De acordo com as regras do discurso moderno, nenhuma teoria ou projeto está isento de um programa econômico e de seguir aos cálculos e estimativas do mesmo. É natural que se coloque a seguinte questão: em que modelo econômico se baseará o multipolarismo?

No caso do mundo unipolar ou global, temos uma resposta bem definida: a economia mundial atual tem como base o sistema capitalista e qualquer projeto futuro será desenvolvido tendo-o como base. Aqui, torna-se quase axiomático que o capitalismo, atualmente, entrou em sua terceira fase de desenvolvimento (economia pós-industrial, sociedade da informação, economia do conhecimento, o turbo-capitalismo de E. Luttwak, etc.) e se caracteriza por: 

O domínio qualitativo do setor financeiro sobre o industrial e agrário; 
O aumento desproporcional do mercado de bolsas, dos fundos de retorno absoluto e de outros instrumentos estritamente financeiros; 
Mercados extremamente voláteis; 
O desenvolvimento de redes transnacionais; 
Absorção do setor secundário (produção) e primário (agrícola) pelo terciário (serviços);
Deslocamento da indústria dos países do Norte rico para os do Sul pobre;
A divisão global da mão de obra e o aumento da influência das empresas transnacionais; 
O rápido progresso das tecnologias de ponta (guiadas pela precisão e pela informação);
Aumento da relevância do espaço virtual para o desenvolvimento de processos econômicos e financeiros (mercados eletrônicos da bolsa, etc.).

Esse é o atual panorama da economia mundial e, caso tudo se mova a partir de um cenário de inércia, o do futuro imediato. No entanto, semelhante modelo econômico não é compatível com o multipolarismo, uma vez que está enraizado na implementação de códigos econômicos ocidentais em escala planetária; na homogeneização das práticas econômicas de todas as sociedades; no esvanecimento das diferenças civilizacionais e, consequentemente, na abolição das civilizações perante um sistema cosmopolita único, submetendo-as às regras e protocolos universais, formulados e aplicados pela primeira vez pelo Ocidente em seu próprio proveito. 

A economia global moderna é um fenômeno hegemônico. Isto é claramente demonstrado pelos neo-marxistas nas RI [Relações Internacionais], mas, de modo generalizado, é também reconhecido pelos realistas e pelos liberais – de modo contrário, em geral, se colocam as teorias pós-positivistas (a teoria crítica e o pós-modernismo). 

A preservação deste sistema econômico não é compatível com a efetivação do projeto multipolar. Assim sendo, a TMM [Teoria do Mundo Multipolar] tem de cingir-se de teorias econômicas alternativas. Como tal, será útil um exame atento da crítica marxista e neo-marxista do sistema capitalista e da análise de suas contradições fundacionais, bem como a identificação e a previsão da natureza de [suas] crises inevitáveis. 

Os marxistas falam normalmente acerca do colapso do capitalismo e veem a sua manifestação nas ondas das crises econômicas que chocam o mundo desde 2008, desde o colapso do sistema de hipotecas americano. Embora os próprios marxistas acreditem que a crise final do capitalismo só deva ocorrer após a internacionalização e advento final das duas classes globais (a burguesia mundial e o proletariado mundial), a interpretação e a previsão que fazem das crises são bastante realistas. Ao contrário dos marxistas, os apologistas da TMM não devem adiar o multipolarismo, aguardando a última trombeta da globalização. É bem provável que próxima crise inflija um golpe mortal no sistema capitalista mundial sem que se concretize a globalização e a cosmopolitização das classes. (Isso pode dar origem à Terceira Guerra Mundial). Seja como for, o atual modelo econômico global, no futuro mais próximo, irá muito provavelmente estar atado a uma crise estrutural e irreversível. Provavelmente deixará de existir – ao menos em sua forma atual. Já podendo testemunhar, hoje, as últimas limitações da nova economia e do modelo pós-industrial, é fácil vislumbrar que mais alguns passos e o sistema, provavelmente, entrará em colapso.

O que pode a TMM propor no lugar do pós-industrialismo na esfera econômica? As diretrizes deverão ser:

Derrubar a hegemonia capitalista do Ocidente; 
Rejeitar a ideia da economia liberal e do modelo de mercado como algo universal e como norma global autoevidente e, assim sendo,
Pluralismo econômico.

A economia multipolar deve se pautar no reconhecimento dos vários polos e, do mesmo modo, no mapa econômico do mundo.

A busca por alternativas econômicas deve ser levada a cabo no campo filosófico, rejeitando, ou ao menos relativizando, a importância e o valor do fator material e hedonista. Reconhecer o mundo material como o mais importante ou como o único, bem como o bem-estar material como o mais alto valor espiritual, social e cultural, levará necessariamente ao capitalismo e ao liberalismo, ou seja, a aceitação da legitimidade da hegemonia econômica do Ocidente. Mesmo que os países não-ocidentais queiram virar os processos econômicos ao seu favor, assim como minar o monopólio ocidental na esfera da economia de mercado em escala global, mais cedo ou mais tarde a lógica do Capital irá importar nestes países e em suas civilizações os mesmos padrões de hoje. Nisso têm razão os marxistas: o Capital tem sua própria lógica, que, uma vez aceita, conduzirá ao sistema político e social do tipo burguês, em tudo idêntico ao ocidental. Assim, fazer oposição à hegemonia do “Norte rico” exprimindo lealdade ao sistema capitalista é uma absoluta contradição e um obstáculo fundamental à construção do verdadeiro multipolarismo. 

O sociólogo americano P. Sorokin vislumbrou claramente as limitações da civilização materialista ocidental, a qual ele chamava de sistema sociocultural “sensual”. Em seu ponto de vista, a sociedade econômico-cêntrica, fundamentada no hedonismo, no individualismo, no consumismo e no conforto, está destinada à extinção iminente. Será substituída pela [sociedade] ideacional: a sociedade que dá primazia aos valores radicalmente espirituais e anti-materiais. Este prognóstico pode bem ser uma pista para a TMM quanto à sua relação com a economia de modo geral. Enxergamos no multipolarismo a via do futuro e não a continuação do [mundo] atual. Devemos, então, seguir a intuição deste grande sociólogo. 

Hoje, a maior parte dos economistas, tanto no Ocidente como no resto do mundo, estão convencidos de que não existem alternativas à economia de mercado. Tamanha confiança equivale a acreditar que todas as sociedades se movem pela sua tração pelo conformo material e pelo consumismo. Consequentemente, nem se cogita a ideia do multipolarismo. Uma vez, porém, quer reconheçamos que a economia é o destino final, reconhecemos automaticamente que a economia liberal é o destino final e, assim sendo, a hegemonia econômica do “Norte rico” torna-se natural, justificada e legítima. Os outros países têm meramente que se conformar: o que, na estruturação do sistema mundial, levará à globalização, à estratificação de classes e a dilapidação das fronteiras civilizacionais (I. Wallerstein tem toda razão aqui). 

Neste sentido, chegamos à conclusão mais lógica: o modelo econômico do mundo multipolar deve ter por base a rejeição do econômico-centrismo e à redução dos fatores econômicos a um patamar mais baixo que os fatores sociais, culturais, religiosos e políticos. O destino não é a matéria, mas o ideal, logo, não é a economia quem deve ditar a esfera política, mas a esfera política é quem deve dominar sobre as motivações e estruturações econômicas. Sem a relativização da economia, sem a subordinação do material ao espiritual, sem a transformação da esfera econômica em subordinada e secundária perante a dimensão da civilização em geral, o multipolarismo é impossível. Por conseguinte, a TMM tem que rejeitar todos os tipos de conceitos econômico-cêntricos – tanto liberais, quanto marxistas (considerando que a economia marxista também está estruturada como detentora de um destino histórico). O anticapitalismo e, principalmente, o antiliberalismo devem ser os principais vetores no desenvolvimento da TMM. 

Dada a necessidade de adoção de diretrizes positivas, temos que levar em consideração uma variedade de conceitos alternativos, até agora mantidos à margem das escolas econômicas clássicas (por razões meramente hegemônicas, obviamente). 

Como primeiro passo para a destruição do sistema econômico global, devemos, em algum grau, fazer referência à teoria da “autarquia dos grandes espaços” (Friedrich List), que inclui a criação de zonas econômicas circunscritas em territórios pertencentes a mesma civilização. No perímetro de tais territórios devem estar alinhadas as barreiras alfandegárias, configuradas de modo a promover, no seio da referida civilização, o mínimo de bens e serviços necessários à satisfação das necessidades da população e o desenvolvimento da capacidade produtiva interna. Mantém-se o comércio exterior com outros “grandes espaços”, organizado de modo que nenhum “grande espaço” torne-se dependente do abastecimento estrangeiro, assegurando a reestruturação de todo o sistema econômico no seio de cada civilização, de acordo com as características regionais e as necessidades do mercado interno. Uma vez que, por definição, as civilizações são zonas demograficamente relevantes, as perspectivas de mercado interno são mais que suficientes para um desenvolvimento intensivo. 

Paralelamente, devemos levantar já a questão da criação de um sistema de moedas regionais, bem como a rejeição do dólar como moeda de reserva mundial. Cada civilização deve criar sua própria moeda, garantida pelo potencial econômico de seu “grande espaço”. O policentrismo das entidades emissoras, neste caso, seriam uma expressão direta do multipolarismo econômico. Aqui, devemos também rejeitar qualquer tipo de padrão universal de pagamentos intercivilizacionais: as taxas de câmbio devem ser determinadas pelas estruturas qualitativas dos negócios estrangeiros entre duas ou mais civilizações. Acima de tudo, deve-se colocar a economia real, que diz respeito especificamente à quantidade de bens e serviços.

A aceitação de tais regras irá criar os pré-requisitos para uma maior diversificação dos modelos econômicos de cada civilização. Abandonando o terreno do capitalismo liberal global e tendo organizado os “grandes espaços” em consonância com suas características civilizacionais (ainda na base do mercado), as civilizações, futuramente, conseguirão construir um modelo econômico de acordo com suas tradições culturais e históricas. 

Na civilização islâmica, provavelmente, será imposta a moratória acerca do crescimento bancário do dinheiro. Em outras civilizações, será possível que se edifiquem práticas socialistas da redistribuição dos excedentes por um esquema qualquer (por intermédio do controle tributário – pela teoria do economista francês Jean C. Sismondi, ou outros – até à introdução de métodos de economia planificada e de dirigismo).

O pluralismo econômico das civilizações deve ser desenvolvido etapa por etapa, sem qualquer prescrição universalista. Sociedades diferentes podem criar modelos econômicos diferentes – tanto de mercado, como mistos, planificados, tendo como base as práticas econômicas da sociedade tradicional, bem como as novas tecnologias pós-industriais. A principal tarefa é a destruição do dogmatismo liberal, da hegemonia da ortodoxia capitalista e o enfraquecimento da função global do “Norte rico” como principal beneficiário da organização da divisão planetária do trabalho. A divisão da mão de obra deve ser empregada apenas dentro dos “grandes espaços”, caso contrário, as civilizações ficarão dependentes umas das outras, o que causaria o surgimento de novas hegemonias.