30/05/2017

Aleksandr Bovdunov - Zbigniew Brzezinski: A Morte do Demiurgo

por Aleksandr Bovdunov



Brzezinski morreu, mas continuamos a viver no mundo que ele criou

Zbignew Brzezinski está morto. Um proeminente globalista e atlantista deixou este mundo em 27 de maio de 2017. A morte foi anunciada primeiro por sua filha, a famosa apresentadora americana de TV Mika Brzezinski. Nos obituários subsequentes, apesar das diferentes cores ideológicas, a maioria ressaltou as notáveis habilidades intelectuais do morto, seu papel como conselheiro do presidente Carter de 1977 a 1981, e também sua contribuição significativa para o estudo das relações internacionais. Porém, Brzezinski não era apenas um cientista político ou estadista talentoso. Ele foi um dos arquitetos da ordem mundial existente em todos os seus aspectos: das estruturas globalistas influentes ao terrorismo internacional, do conceito de "totalitarismo" enfiado na mente de todo graduado nas faculdades de ciência política ao bloco sino-americano que pôs fim ao projeto soviético. Brzezinski foi de soldado a un dos generais da Guerra Fria, vencida pelos EUA

Geopolítica como Destino

Zbignew Brzezinski era um atlantista consistente. A escolha geopolítica a favor das Potências Marítimas, Grã-Bretanha, e posteriormente EUA, se tornou a questão principal no destino desse filho da Polônia. Como atlantista, ele era bastante consciente de que a principal ameaça aos planos de dominação mundial dos EUA era o poder continental da Rússia, e posteriormente o soviético. A confronto com a Rússia se tornou o sentido de sua vida. E mesmo após o colapso da URSS e do comunismo, Brzezinski se opôs radicalmente a todos os intentos imperiais de Moscou. Ao mesmo tempo, Brzezinski era um liberal consistente no sentido de que, em contraste com realistas nas relações internacionais, ele tinha o fator ideológico em alta conta, acreditava na necessidade de promover valores liberal-democráticos por todo o mundo e acreditava em uma utopia globalista. Brzezinski fundiu uma profunda compreensão da geopolítica (a mais brilhante obra "geopolítica", "O Grande Tabuleiro de Xadrez") e a adesão à abordagem liberal nas relações internacionais. Neste sentido, a Rússia era para ele o inimigo ideal, já que sua oposição ao Ocidente era causado não só por razões geopolíticas, mas não raro estava pintada em cores ideológicas. Quando Brzezinski disse amar a Rússia, ele não mentiu: em seus conceitos, ele deixava um lugar para ela, mas essa seria uma outra Rússia, com outra configuração territorial e orientação ideológica.

Avô do Terror

No esquema da doutrina do confronto com a Rússia durante a Guerra do Afeganistão, Brzezinski fez o possível para ressuscitar o islamismo militante das cinzas e voltá-lo contra os soviéticos. Ele se encontrou pessoalmente com seus líderes, inclusive com o bilionário saudita Osama bin Laden, e persuadiu o presidente Carter a apoiar os mujahideen no Afeganistão. O processo inaugurado por Brzezinski levou à emergência de um novo fenômeno no mundo islâmico, o terrorismo global. Islamistas educados pelos EUA se tornaram um novo fator nas relações internacionais, ultrapassando os terroristas esquerdistas e nacionalistas dos anos 70 em todos os sentidos. Posteriormente, quando os próprios EUA entraram em rota de colisão com este inimigo, Brzezinski afirmou que ele não se arrependia da escolha feita na virada da década de 80. Os islamistas esmagaram o principal inimigo ideológico e geopolítico dos EUA, a Rússia soviética, apesar de eles próprios representarem uma ameaça, mas uma menos perigosa do seu ponto de vista. 

Pai da Trilateral

Brzezinski foi um dos que esteve nas origens da Comissão Trilateral. Junto a David Rockefeller em 1973, ele se tornou um dos fundadores da instituição globalista cujo objetivo era unificar as elites políticas e econômicas dos EUA, Europa e Japão. É claro, o objetivo imediato era fortalecer laços entre os centros do pólo pró-americano (o chamado "Mundo Livre") do sistema mundial bipolar. Mas nem o próprio Brzezinski, nem Rockefeller ocultavam que o objetivo final era um mundo unificado sob controle da elite global. Em sua obra dos anos 70 "Entre as Duas Eras: O Papel Americano na Era Tecnocrática", Brzezinski justificou a necessidade de criar tais centros de reconciliação e governança global. De 1973 a 1976 ele foi o presidente da Comissão Trilateral. Este famoso cientista político também se uniu ao Conselho de Relações Exteriores (CFR) e ao Clube Bilderberg.

A Teoria do Totalitarismo

Junto a outro cientista político americano, Carl Joachim Friedrich, Brzezinski promoveu a popularização da teoria do "totalitarismo". Desenvolvendo as ideias de Hannah Arendt, que uniu os regimes nazista e comunista em uma única categoria, Brzezinski e Friedrich não obstante desafiaram a tese de Arendt de que os regimes totalitários estão opostos, em suas origens, às autocracias tradicionais. Para Brzezinski, o totalitarismo é uma das formas de autocracia que é característica da era industrial. Assim, o totalitarismo soviético era para ele não algo novo, alienígena à história da Rússia, mas uma continuação do Estado autocrático histórico. Por outro lado, essa posição demonstra o rigorismo liberal de Brzezinski que essencialmente introduziu a classificação dicotômica de "regimes democráticos contra todos os outros".

Tudo que não fosse uma democracia liberal neste sistema, a qual, apesar de críticas, era usualmente tomada como garantida pelo pensamento ocidental comum, era situado na mesma categoria que o fascismo e, assim, ostracizado.

Escolha Chinesa

Um dos principais sucessos de Brzezinski em política externa foi a continuação da política de aproximação com a China, começada sob Henry Kissinger. Como resultado, foram estabelecidas relações diplomáticas entre EUA e China e a RPC se tornou um aliado de facto dos EUA na Guerra Fria contra a URSS. No caso da China, Brzezinski preferiu seguir a lógica geopolítica, como potência da Rimland (NT: a periferia da Eurásia, a região circundante da Heartland), a China podia ser tanto atlantista como eurasiana, mas diferentemente da Rússia ela não controlava territórios significativos do continente eurasiático, primariamente a Heartland. Posteriormente nos anos 2000, Brzezinski falou nos "Dois Grandes", um sistema mundial dominado pelas duas potências, EUA e China, como uma alternativa interessante à atual instabilidade. É graças a Brzezinski (mas não só a ele) que hoje vivemos em um mundo onde muito depende das relações entre EUA e RPC. Os dois vencedores e aliados inevitavelmente chegam a uma concorrência global tal como os aliados anglo-americanos e a URSS após a Segunda Guerra Mundial.

Fantoche Negro

A mais recente contribuição de Brzezinski à política mundial foi a presidência de Obama. O geopolítico foi um auxiliar ao candidato presidencial negro, e após a campanha eleitoral Brzezinski foi às vezes chamado "o cardinal cinzento de Obama". Parece que este definitivamente tentou seguir as recomendações de um idoso cientista político, como expressadas por ele no livro "Segunda Chance: Três Presidentes e a Crise da Superpotência Americana". Em particular, a "Primavera Árabe" pode ser explicada pelas tentativas americanas de adotar o conceito de "despertar democrático global" de Brzezinski. Os EUa tentaram reorientar forças no mundo árabe que estavam insatisfeitas com o déficit de democracia em seus países na direção dos EUA e seus ideais liberais, apesar de esse déficit geralmente estar organizado por regimes pró-americanos. Em relação à Rússia nessa obra, Brzezinski propunha aplicar a estratégia de engagamento, integração em projetos ocidentais, que se tornou base do famoso "reset". Mas algo deu errado.

A reunificação russa com a Crimeia foi um ponto de virada, quando todos perceberam que não haveria engajamento real no futuro próximo. A Primavera Árabe terminou com uma nova onda de terror. Terroristas islâmicos sempre foram uns dos principais beneficiários das ideias de Brzezinski. A ascensão de Trump ao poder supostamente arruinou o velho homem. Segundo suas próprias palavras, ele não acreditava que isso poderia ocorrer. A China, apesar do encontro entre Trump e Xi Jinping organizado por seu amigo e adversário Henry Kissinger, é mais um competidor que um parceiro na divisão do mundo. Brzezinski morreu, deixando o mundo criado por ele em uma condição enfraquecida.

Morte do Pensamento

Com sua morte, toda uma era e estilo de pensamento se vão. Não. A russofobia e a abordagem geopolítica continuarão presentes por um longo tempo na política externa americana. É algo mais. Na segunda metade do século XX, pelo menos no que concerne a política externa, imigrantes europeus pensavam no lugar dos americanos: fossem pessoas nascidas na Europa e migradas para os EUA, como Kissinger ou Morgenthau, ou o próprio Brzezinski, ou com raras mas importantes exceções, como Samuel Huntington, eles eram representantes da diáspora judaico-americana, filhos de emigrantes da Europa, criados na cultura europeia. Isso se aplica a neoconservadores, adeptos do judeu alemão Leo Strauss. Mesmo Francis Fukuyama e seu "Fim da História" não poderiam existir sem a influência do estudante de Strauss Alan Bloom. Em outras palavras, o sucesso intelectual da velha e não-americanizada Europa, paradoxalmente, serviu para o sucesso americano. Com a partida de dinossauros como Brzezinski e Kissinger, este recurso se exaurirá. A velha geração de neocons também morre, e a nova só aprendeu com eles a amar Israel e odiar a Rússia, mas não a pensar. Se a América será capaz de começar a pensar com sua própria cabeça após a partida de sua elite intelectual em política externa de origem europeia é uma grande questão.