por Aleksandr Dugin
O que aconteceu em 7 de abril de 2017 poderia ser o início de uma Terceira Guerra Mundial. Em regra, ninguém quer guerra, mas eis que guerras ocorrem, e às vezes elas são mundiais. Portanto, eu proponho que em primeiro lugar, como no caso de qualquer desastre, é necessário permanecer calmo e recobrar o juízo.
Em 7 de abril de 2017, pela primeira vez desde o início do conflito na Síria, os EUA lançaram um grande ataque com mísseis Tomahwak contra uma base aérea síria, ou seja, contra nós. Por que não usamos um complexo de defesa anti-mísseis? Segundo uma teoria, nós não temos um número suficiente deles para repelir um ataque total de tropas americanas, já que eles estão programados primariamente contra ataques de mísseis de outros inimigos potenciais. A segunda teoria é que Moscou não ousou dar a ordem, já que isso significaria o início irreversível de uma guerra com os EUA. Washington ousou, e sabia bem o que estava fazendo. Nós não ousamos. Antes de seguir com as previsões, vale a pena examinar novamente o contexto, as condições iniciais do que poderia se tornar (ainda possivelmente não) a Terceira Guerra Mundial.
Um pretexto para uma invasão americana
O pretexto que Washington usou para o ataque foi um ataque químico. O fato de que Assad não cometeu este ataque é óbvio, já que isso seria extremamente prejudicial a ele. Ademais, na situação atual, recorrer a armas químicas seria suicídio para Assad. Há uma minúscula chance de que este foi um trágico acidente no qual mísseis sírios acertaram um depósito com armas químicas de propriedade do ISIS, que os terroristas foram provavelmente ensinados a esconder por inspetores europeus. Mas essa coincidência, fazendo colapsar em um instante o complicado equilíbrio de forças em escala global, é surpreendente demais. Ainda assim, não é difícil para os terroristas e seus instrutores representando o Governo Mundial global (o mesmo Pântano que Trump prometeu drenar) arranjar isso. E é realmente lucrativo para eles. Arrastar os EUA a uma guerra contra a Rússia não deu certo com a Hillary, então eles pensaram: "Agiremos de outras maneiras, através de Trump". Os globalistas aparentemente decidiram fazê-lo e encontraram um pretexto.
O Pântano drenou Trump
A decisão formal de atacar foi tomada por Donald Trump. Ao fazê-lo, ele deixou de ser Trump, e se tornou Hillary disfarçada de homem, um tipo de travesti. Tudo contra o que Trump lutou ao longo de sua campanha eleitoral e que ele prometeu mudar foi assinado por ele hoje. Portanto, não foi ele que tomou a decisão. Ele simplesmente mostrou que, a partir desse momento, ele não é capaz de decidir nada. Sob a pressão da mídia e dos políticos do Pântano, ele vendeu seus pequenos e dedicados seguidores, aqueles que não representavam o CFR, não representavam os neocons, e não representavam o Estado Profundo, mas a "boa e velha América". Essa "boa e velha América", que elegeu Donald Trump como seu presidente, foi novamente deixada ao relento, sem Trump. O que Trump fez, se permitindo "convencer" do envolvimento de Assad (ou seja, da Rússia) no ataque químico equivale a capitulação.
Bastante revelador, exatamente ontem ele com toda facilidade se livrou de Stephen Bannon, talvez o único verdadeiro conservador sem o prefixo "neo" em seu círculo. Ele queria drenar o Pântano. Isso é ótimo, mas é um negócio arriscado. O Pântano drenou Trump. O que está acontecendo agora na Síria é estritamente o que os globalistas, o Pântano, tem buscado.
O fator Trump desapareceu perante nossos olhos. Ele vacilou um pouco, e agora ele é um joguete em um jogo de forças mais sérias. Ele mostrou não ser mais o Trump. Talvez o Trump tente se tornar ele mesmo de novo, mas isso é improvável.
Nas sombras americanas
A história de Trump, sua brilhante campanha eleitoral, sua luta contra os globalistas, que foi inesperadamente apoiada pelo povo americano, expôs a estrutura complexa da sociedade americana que, ao que parece, é longe de ser monolítica.
Em primeiro lugar, há a "boa e velha América", isolacionista e conservadora, que pensou ter eleito seu representante. No mínimo, Trump desempenhou exatamente este papel. Nós de fato esquecemos a "boa e velha América", que estava eclipsada por uma elite globalista fanática, mas parece que ela ainda estava ali. Isso é muito importante porque, apesar de ela não ter poder e seu representante ter demosntrado ser fraco demais, ela não pode mais ser deixada fora de consideração. Essa é a revelação mais importante e encorajadora na história de Trump.
Ademais, a "boa e velha América" tem uma plataforma geopolítica que é o realismo, ou seja, América Primeiro, que significa que se os EUA não forem diretamente afetados, então eles não devem se involver. Este isolacionismo dominou nos EUA até Woodrow Wilson, e parcialmente após ele durante o período de três presidentes republicanos, Harding, Coolidge e Hoover. Na verdade, foi esse realismo nas relações internacionais (não-intervencionismo, foco em questões domésticas, rejeição do imperialismo) que Trump usou como fundação de seu programa.
Em segundo lugar, por trás de Hillary e do Obama estava a mais poderosa organização que determina o curso da política externa americana: o Conselho de Relações Exteriores, ou CFR. Essa estrutura proclama claramente a necessidade de criar um Governo Mundial. Os QGs do globalismo, como o Clube Bilderberg ou a Comissão Trilateral, bem como as instituições financeiras globais e as corporações transnacionais como a Reserva Federal e o Banco Mundial, são coordenados por ninguém menos que o CFR. Trump chamou isso de o "Pântano". O "Pântano" obviamente não gostou disso.
O método de ação do CFR é o "soft power", o estrangulamento. O CFR não se apressa, mas prepara de forma gradual seus agentes em praticamente todos os países do mundo, e promete e finge fazer concessões. Em quase todos os países, as elites políticas e econômicas que são externamente leais, mas internamente orientadas ao globalismo, as quais podemos chamar de Sexta-Coluna, estão ligadas ao CFR.
O CFR realiza não tanto os interesses da América quanto os interesses da oligarquia financeira transnacional. Para eles, os EUA são apenas uma ferramenta, ainda que a mais poderosa. Revoluções coloridas, soft power, e infiltração de sociedades que ainda não reconhecem diretamente o Governo Mundial, essa é sua especialidade. Os membros do CFR são liberais e seu objetivo é espalhar o liberalismo em escala global, o globalismo. O liberalismo é sua ideologia. Trump confrontou o CFR. Isso é um fato. E o CFR entendeu e reagir a isso colocando em prontidão todo o exército de liberais americanos cercando Trump no país, daí a marcha feminista, as obscenidades da Madonna e as depredações anarquistas.
Mas o CFR não é o único centro de poder nos EUA. Há também os neocons. Em anos recentes, sob Obama, eles perderam chão, mas não obstante mantiveram influência. Os neocons são os apoiadores abertos do imperialismo americano. Para eles, a comunidade internacional é um fardo. Eles estão construindo um império americano global e o chamam por seu nome. Se o CFR está constantemente flertando com aqueles que ele quer escravizar, então os neocons simplesmente quebram os insubordinados. McCain é um neocon típico. Os neocons apoiam intervenções militares diretas, derrubar governos rebeldes, golpes de Estado e aniquilar o inimigo. Trump se opôs a eles, como é óbvio em sua disputa com McCain.
Finalmente, há o Estado Profundo. Este compreende os funcionários de segurança e os apparatchiks burocráticos que representam o complexo militar-industrial, a comunidade de inteligência, e um número de outros guardiões da identidade americana sob a forma do Destino Manifesto. Eles não tem ideologia, mas buscam manter a continuidade das instituições americanas. Mas, é claro, eles não estão livres de ideologia. O CFR possui grande influência sobre o Estado Profundo, e nos anos 90 a influência neocon ali cresceu significativamente.
Cem anos atrás, aproximadamente, o Estado Profundo americano era dominado por realistas e conservadores tradicionais, mas eles foram gradativamente postos de lado. É precisamente por isso que o Estado Profundo, através dos líderes da inteligência e dos serviços especiais dos EUA, não expressaram lealdade a Trump, mas continuaram uma ostentosa investigação de uma fictícia interferência russa no processo eleitoral. Eles continuaram apoiando a gangue liberal através da disseminação maciça de "fake news". Assim, o Estado Profundo assumiu o lado dos inimigos de Trump o chantageando com o fator russo.
Essa revisão mostra que a presidência de Trump não tinha apoio institucional. Mesmo no Partido Republicano, uma minoria o apoia. Nessa situação, só se poderia esperar ou por um milagre ou por genialidade da parte de Trump, ou se preparar para que o Pântano em uma de suas três manifestações, o CFR, os neocons ou o Estado Profundo, subjugasse Trump. Se isso não tivesse sucesso eles simplesmente trabalhariam juntos para eliminá-lo.
Na manhã de 7 de abril se tornou claro que isso já havia acontecido. O Trump que a "boa e velha América" elegeu está morto. O novo "Trump" está fazendo exatamente o oposto do que ele prometeu. Trump, o realista, não deveria se preocupar com o que ocorre na Síria, para além de somar forças com os russos para eliminar o ISIS. Ele prometeu parar com as intervenções. Mas ele agiu de outra forma. Ele subitamente acredita em mais uma mentira globalista sobre um "ataque químico de Assad" e, sem qualquer esclarecimento das circunstâncias, toma uma "decisão", ou seja, ele assina um papel apressadamente sobre um ataque com mísseis a uma base síria.
Este é um cheque de realidade. Palavras são uma coisa, ações outra. Algo deu errado.
Quem governa Trump a partir de agora?
Se este não é o Trump, que foi "eliminado", então quem tomou a decisão sobre o ataque com mísseis? Julgando pela rapidez, isso provavelmente foi obra dos neocons alinhados com o Estado Profundo. O CFR teria agido de forma diferente. Eles teriam apresentado à Rússia algum projeto sufocador e enviado algum tipo de "marca negra" (apesar da explosão no metrô de São Petersburgo e os protestos de estudantes zumbificados de Navalny serem, em princípio, esse tipo de marca negra), e mais importantemente, eles teriam feito isso através de seus incontáveis agentes na elite russa, e teriam proposto um compromisso. A rapidez dessa provocação e golpe nos mostra que o avatar que se move sob o nome "Trump" está governando como conduíte para os neocons. Isso também foi evidentemente feito com apoio de Israel, que planeja se juntar à operação, já que tropas israelenses foram concentradas em disposição de combate na fronteira com Síria e Líbano. Afinal, os aliados mais próximos dos israelenses nos EUA não são ninguém mais, ninguém menos que os neocons.
Parece que a disputa de Trump com o CFR, que ele, enquanto ele ainda era Trump, travou em nome da "boa e velha América" e do realismo, foi aproveitada pelos neocons dessa vez, que assumiram o controle. Reveladora em relação a isso é a euforia do neocon Kristol em relação à remoção de Bannon. Seu twitter explodiu de alegria.
Portanto, os neocons controlam Trump.
Isso quer dizer que uma guerra é mais que provável.
Mas com quem, contra quem, quando e onde?
Guerra com quem?
Diferentemente de Trump, que eu penso não ter consciência da existência da geopolítica, os neocons são atlantistas. Para eles, como para seus predecessores, os trotskistas, o principal inimigo é a civilização telúrica, ou seja, nós. Para o Estado Profundo, isso também tem sido o normal desde a era da Guerra Fria e do mccarthyismo, e mesmo alguns falcões do CFR como Zbigniew Brzezinski partilha dessa visão dualista de Mar vs Terra. O CFR, em regra, tenta convencer Moscou de que não existe geopolítica e que não há "guerra de continentes", mas eles próprios são guiados pela geopolítica e estão travando contra nós exatamente essa guerra dos continentes. É claro, é melhor quando um inimigo não sabe que está sendo travada uma guerra contra ele, vamos deixá-los crer que estão se banhando pacificamente na praia. Então será uma surpresa quando um submarino nuclear emergir perto de sua cadeira de praia. Bingo!
Assim, os neocons entendem o ataque americano à base síria como o que ele é: um ataque militar contra os russos. Trump expressou isso de forma mais suave: "Os amigos de Assad ficarão desapontados". Essa é a retórica de um papagaio iludido, não um realista vitorioso que decidiu tornar a América grande novamente. O Pântano aplaude.
Uma coisa é clara: Essa é uma guerra contra nós.
Mas essa guerra será travestida como uma guerra contra nossos amigos e aliados, contra Assad (naturalmente), contra o Irã, contra os xiitas e contra o Hezbollah em particular. Como um compromisso Moscou receberá uma oferta de se unir às operações contra Assad e Teerã ao lado dos EUA e seus aliados: "Trump mudou de opinião da noite pro dia. Vamos lá, pessoal. Vocês deveriam ser 'realistas'." Alguém calculará que se nos rendermos, então poderemos evitar uma Terceira Guerra Mundial. Mas não podemos. Ela está sendo travada contra nós, e nossos amigos são apenas um alvo secundário, local, o principal teste de nossa resiliência. Se os entregarmos, então eles poderão fazer o que quiserem conosco.
Mas se os neocons são os manipuladores por trás de Trump, então eles não insistirão em cooptar a Rússia. Eles vão avançar de forma simples e dura. Eles tem um plano. E se eles conseguiram assumir os controles do poder sobre o equipamento pesado americano, o que eles quase perderam a esperança de fazer sob Obama, então eles agirão tão rápido quanto possível e tentarão não perder tempo.
Portanto, a Terceira Guerra Mundial será travada pelo Pântano, os atlantistas, e apoiadores do imperialismo americano contra nós. Formalmente, Assad e os xiitas serão designados como o inimigo. A União Europeia, que é completamente controlada pelo Pântano, se unirá à coalizão. Até Erdogan pode ser pressionado a retornar ao campo americano.
Guerra onde?
O principal front dessa guerra obviamente será o Oriente Médio, ou seja, a Síria e a região circundante. As profecias dos ortodoxos, dos protestantes, dos judeus e dos muçulmanos concordam com um Armageddon acontecendo nas redondezas da Terra Santa.
Mas claramente o inimigo abrirá outros fronts também, por proxies. Fundamentalmente, um ataque deve ser esperado no Donbass com uma invasão paralela da Crimeia. A portavoz neocon Victoria Nuland, esposa do importante neocon Robert Kagan, está na Ucrânia. Isso significa algo.
A isso se seguirão séries simultâneas de ataques terroristas na capital russa e em grandes cidades, e a ativação de militantes no norte do Cáucaso.
O conflito em Karabakh provavelmente será descongelado.
Contra este pano-de-fundo, os humores de protesto se erguerão e a quinta-coluna irá às ruas. Vimos uma repetição disso tudo antes.
Finalmente, o inimigo tentará orquestrar um golpe de Estado para descartar Putin, sobre quem a Rússia enquanto Estado soberano se apoia hoje. Isso será obra da sexta-coluna. O leitmotif dessa conspiração pode ser o liberal falando "olha aonde essa soberania, 'a Crimeia é nossa', e o conservadorismo, etc. nos trouxe" ou mesmo algum tipo de retórica ultrapatriótica do tipo: "olha como ele hesita" ou "olhem para nossas perdas, elas são todas por conta da indecisão dele".
Não se pode descartar que outros territórios também se tornem arenas dessa guerra.
Guerra quando?
Quando a Terceira Guerra Mundial começará? De certa forma, ela já começou. Mas ela pode terminar rapidamente. Como? Por exemplo, conosco reconhecendo a derrota. Então não haverá necessidade de lutar, já que o objetivo da guerra é estabelecer controle sobre um inimigo, seu território, suas instituições, e sua consciência. O Ocidente já estabeleceu controle parcial sobre a Rússia. A única coisa que eles não controlam é Putin. Portanto, a Terceira Guerra Mundial será, de alguma forma, dirigida contra ele.
Mas o que significa dizer que "a guerra já começou"? Isso significa que se a Rússia reagir duramente, então uma série de ações irreversíveis de natureza dramática característica da guerra serão postas em movimento e, considerando o envolvimento direto de duas potências nucleares, essa guerra será, por definição, uma guerra mundial.
Se recuarmos, a guerra tem toda chance de terminar rápido e com perdas mínimas, mas isso significaria nossa rendição com todas as consequências. Para nem mencionar a Crimeia, que é nossa apenas enquanto formos nós mesmos. Nós só temos que recuar um passo para que nossa imagem solipsista entrar em colapso.
Se respondermos, então o início da guerra pode ser adiado. Se deixarmos de resolver a questão de forma rápida, Washington enviará o CFR para negociações e a questão será arrastada. Segue-se uma visita de Kissinger a Moscou, ele é um negociador do CFR de primeira linha. Ele não vem para apunhalar, mas para estrangular.
A geopolítica jamais pode prever o tempo exato dos processos, mas os geopolíticos entendem perfeitamente o que e onde. Mas o "quando" depende de fatores demais. O processo está aberto neste sentido.
O que deve ser feito?
Eu notei que todo analista ou, sendo mais duro, todo idiota sabe o que fazer na situação de hoje. Todos eles se atropelam com suas dicas e recomendações que parecem barulhentas e vulgares. Não desejamos participar nesse coral. Ademais, o governo não dá ouvidos a nada, nem ninguém. E talvez com razão.
Portanto, é suficiente nos limitarmos a essa análise preliminar e ser capaz de avançar, corrigir algo, esclarecer algo, e repensar algo. Afinal, em toda guerra, quase tudo depende das condições iniciais. Elas devem ser, portanto, analisadas tão precisamente quanto possível. Um erro nesse nível, mesmo o mais insignificante, pode depois gerar resultados catastróficos.