14/11/2015

Aleksandr Dugin - Por Que Lutamos na Síria?

por Aleksandr Dugin



Em 31 de outubro de 2015, o avião civil russo Airbus A321, vôo 7K9268, vindo do resort egípcio Sharm el-Sheikh para São Petersburgo, caiu na Península do Sinai. Todas as 224 pessoas a bordo morreram. Quase todas eram cidadãs russas. O avião esteve no ar por apenas 20 minutos antes de cair. A organização terrorista "Estado Islâmico" (ISIS) reivindicou responsabilidade pela queda imediatamente após o desastre. Os "Soldados do Califado conseguiram atingir alvejar um avião russo na província do Sinai", o grupo declarou. Mais de 220 "cruzados" a bordo foram mortos. O ataque foi um ato de vingança contra a intervenção militar russa na Síria. Especialistas em relações internacionais russos descartaram que tivesse havido um "disparo", mas investigadores creem que uma bomba teria detonado dentro do avião e causado a queda.

A organização terrorista "Estado Islâmico" já havia declarado guerra à Rússia ano passado. E, sendo uma organização terrorista, o ISIS mata civis e se diverte com a morte de civis. Matar civis é a essência do terrorismo. Terroristas matam civis para atingir um objetivo político. Isso também corresponde à natureza do "Estado Islâmico" que nada tem a ver nem com o Islã nem com um Estado. Afinal, a morte de civis inocentes é inaceitável para um muçulmano devoto. Porém, a morte de civis é o preço que a Rússia terá que pagar hoje e, provavelmente, no futuro por sua ajuda militar à Síria. Os terroristas do "Estado Islâmico" veem todos os russos como inimigos - não apenas os militares deste país. Nas redes sociais, certos comentaristas ocidentais também expressaram abertamente seu prazer com a queda do avião.

Mas por que a Rússia fornece ajuda militar à Síria? Primeiro, este é um conflito geopolítico. O front entre atlantistas e eurasianistas passa pela Síria. Após o colapso da União Soviética, um vácuo político foi criado no Leste e no Oriente Médio também. Ali, os EUA perseguiram um projeto focado em destruir Estados nacionais - batizado de "O Grande Projeto do Oriente Médio". Eles destruíram até Estados que haviam se comportado de forma mais ou menos leal para com Washington. Os EUA criam caos para se projetarem como potência hegemônica. Na década de 90, a Rússia era fraca e não reagiu, mas no início do novo milênio, ela lentamente começou a se recuperar. Hoje, Vladimir Putin decidiu se opor ativamente à política americana de caos no Oriente Médio. A ajuda militar da Rússia contra o terrorismo na Síria pode ser vista como um ato de geopolítica eurasianista. A Síria está localizada no centro da batalha entre os representantes de uma ordem mundial unipolar (EUA) e uma ordem mundial multipolar (Rússia).

Mas além disso, precisamos perceber o "Estado Islâmico" como uma ameaça direta à Federação Russa. Esta organização terrorista é um produto da política americana criada para espalhar caos e dar aos EUA - a qualquer momento - um modelo para sua própria intervenção militar, como se pode ver pelo exemplo da Síria. Porém, o "Estado Islâmico" não está presente apenas na Síria e no Iraque, mas também na Ásia Central. Gangues terroristas - que possuem os mesmos financiadores e a mesma ideologia que o "Estado Islâmico" na Síria e no Iraque - também estão ativas no Afeganistão, Tadjiquistão e Uzbequistão perto das fronteiras russas. Estes grupos também operam no norte do Cáucaso dentro da própria Federação Russa. Vladimir Putin entende muito bem que isto é sobre criar condições caóticas usando o "Estado Islâmico" e grupos terroristas similares na Ásia Central e no Cáucaso.

A lógica por trás da intervenção militar russa é, portanto, clara. Se não contivermos o terrorismo criado e apoiado pelos EUA na Síria, nós logo teremos que enfrentá-lo em nossas próprias fronteiras e até mesmo em nossa terra. A Síria é nossa linha externa de defesa. A próxima linha existe no território da União Eurasiana e mesmo dentro da Federação Russa.

Ademais, a intervenção militar russa na Síria, em contraste à, assim chamada, "campanha antiterrorista" liderada pelos EUA, é absolutamente legítima. Moscou opera em sintonia com Damasco, pelo que o governo sírio oficialmente pediu apoio russo. A Força Aérea Russa está trabalhando com o Exército Sírio, enquanto os ataques americanos ocorrem contra a vontade e apesar dos protestos do governo sírio. O Dr. Bashar al-Assad é o presidente legítimo e eleito da Síria, apoiado por mais de 50% da população síria. Isso significa que na Síria nós combatemos ao lado de nossos aliados sírios contra a expansão do "Estado Islâmico".

Devemos ter em mente o que o colapso total da Síria significaria. Isso levaria automaticamente ao colapso de todos os outros Estados muçulmanos na região; mesmo o norte da África seria completamente lançado no caso, como já vimos acontecer na Líbia. Nós podemos, portanto, falar em uma reação em cadeia ou efeito dominó no evento de um colapso da Síria. Isso, por sua vez, significaria que milhões de refugiados e migrantes marchariam para a Europa, porque não haveria mais futuro para essas pessoas no caos total.

O caos criado pelos americanos é assim dirigido não apenas contra o Oriente Médio e a Ásia Central, mas também contra a Europa. Quanto mais caos e desordem no Oriente Médio e no norte da África, mais migrantes irão para a Europa. Isso, por sua vez, levará à desestabilização da infraestrutura social e, portanto, à paralisia política no continente europeu. E aqui nós não devemos esquecer que milhares de terroristas entram na Europa como parte do processo migratório. Caso esta tendência continue, e com a chegada futura de 10, 20 ou mesmo 30 milhões de imigrantes vindo à Europa, isso significaria o fim da Europa. O continente europeu não seria "islamizado" per se, nem um "Califado" seria construído, mas ao invés a Europa afundaria no caos total e seria aniquilada.

Hoje, a Rússia está lutando contra este desenvolvimento, o que também está no interesse da Europa. A Rússia precisa da Europa, e a Europa precisa da Rússia. O colapso da Europa é ruim para a Rússia, e a mesma noção se aplica inversamente, mesmo que isso não seja aceito por muitos governos europeus hoje, que trabalham até contra. Também há algo de continuidade histórica: no passado, a Rússia viu a Europa como um escudo contra o expansionismo turco otomano. A Europa afundando no caos automaticamente significava a Rússia ser ameaçada em suas fronteiras ocidentais e sulistas. Daí, a proteção da Europa está nos interesses da Federação Russa. Para preservar a Europa de cair no caos, hoje a Rússia é o escudo do continente europeu.

Portanto, a Rússia está lutando na Síria em vários níveis: estamos ativamente liderando a luta contra as aspirações globais e hegemônicas dos EUA; estamos protegendo nossos próprios interesses de segurança nacional e eurasiática combatendo os inimigos antes deles se aproximarem de nós; estamos preservando a Europa antes de seu declínio porque tal desenvolvimento também seria danoso para nós.