05/02/2013

O Sindicalismo Revolucionário

por Georges Sorel



Tenho me perguntado com frequência se não devia insistir nas questões que havia tratado, de uma maneira demasiado breve ou demasiado superficial, no Porvir Socialista dos Sindicatos - me aproveitando das experiências ocorridas desde 1897 e dos conhecimentos mais amplos que adquiri dos princípios do socialismo - para dar uma exposição mais clara, metódica e profunda do movimento sindical. Sempre me deteve a extraordinária amplitude dos problemas que me eram apresentados, quando me punha a refletir sobre essas coisas; por outra parte, estes últimos anos foram singularmente ricos em fatos imprevistos, que vieram a tornar vãs as sínteses que pareciam melhor estabelecidas. Quando se crê ter encontrado um sistema que abarca convenientemente as comprovações que se julgam mais importantes, um estudo mais detalhado ou um incidente forçam a abandonar tudo.

Não estamos aqui na presença de fenômenos pertencentes a gêneros clássicos, de fenômenos que todo trabalhador sério possa se vangloriar de poder observar corretamente, definir com exatidão, explicar de maneira satisfatória, utilizando princípios aceitos na ciência. Os princípios faltam aqui em absoluto; é, portanto, impossível chegar a descrever com precisão e clareza; às vezes até há que temer um rigor excessivo de linguagem, porque estaria em contradição com o caráter fluido da realidade e essa linguagem enganaria. Deve se proceder às sondagens, provar hipóteses verossímeis e parciais, se contentar com aproximações provisórias, para deixar sempre a porta aberta para correções progressivas.

Essa impotência relativa deve parecer muito desprezível para os grandes senhores da sociologia, que fabricam, sem o menor cansaço, vastas sínteses que abarcam uma pseudo-história do passado e um futuro quimérico; porém o socialismo é mais modesto que a sociologia.

Meu folheto é uma dessas sondagens. Quando o escrevi, em 1897, estava muito longe de saber tudo o que sei hoje; no mais, me propunha a um fim bastante restrito: chamar a atenção dos socialistas para o grande papel a que podiam estar chamados a desempenhar os sindicatos no mundo moderno. Via que havia muitos preconceitos contra o movimento sindical e acreditava que esse estudo contribuiria a dissipar alguns; para conseguir meu fim, devia tocar muitas questões mas não aprofundar em nenhuma.

Naquela época, a idéia da greve geral era odiosa para a maior parte dos chefes socialistas franceses, e eu acreditei prudente suprimir um capítulo que havia consagrado a mostrar a importância dessa concepção. Desde então, ocorreram grandes mudanças: em 1900, quando reeditei meu artigo, a greve geral já não era considerada como uma simples insanidade anarquista; hoje é sustentada pelo grupo do Mouvement Socialiste. Mais de uma vez, Jaurés deu a entender que era partidário desse modo de conceber a revolução; isso sucedeu quando necessitou do apoio dos sindicalistas, mas logo rechaçou essa utopia, que não convém aos ricos acionistas de seu jornal, aos dreyfusistas da Bolsa nem às condessas socialistas. O que deve atrair nossa atenção é que Lagardelle e Berth, a quem ninguém, no mundo socialista, ganha em talento, em saber e em abnegação, chegaram, mediante a observação e a reflexão, a defender a greve geral; graças a isso, se converteram na França nos representantes mais autorizados do sindicalismo revolucionário.

Quiçá não está longe o momento em que não se encontre melhor meio de definir o socialismo do que pela greve geral; então se verá claramente que todo estudo socialista deve se fazer sobre as direções e qualidades do movimento sindical.

Na tese da greve geral há que assinalar três propriedades importantes:

1º - Em primeiro lugar, expressa de um modo infinitamente claro, que o tempo das revoluções políticas acabou, e que o proletariado se nega a deixar constituir novas hierarquias. Essa fórmula não sabe nada dos direitos do homem, da justiça absoluta, das constituições políticas e dos parlamentos; não nega pura e simplesmente o governo da burguesia capitalista, mas também toda hierarquia mais ou menos análoga à burguesia. Os partidários da greve geral aspiram a fazer desaparecer tudo o que havia preocupado os antigos liberais: a eloquência dos tribunos, o manejo da opinião pública, as combinações de partidos políticos. Isso seria, desde logo, o mundo ao revés; porém não afirmou o socialismo que queria criar uma sociedade inteiramente nova? Mais de um escritor socialista, demasiado alimentado pelas tradições da burguesia, não chega, não obstante, a compreender tal loucura anarquista; se pergunta o que poderia vir depois da greve geral: só seria possível uma sociedade organizada conforme o próprio plano da produção, quer dizer, a verdadeira sociedade socialista.

2º - Kautsky afirma que o capitalismo não pode ser abolido fragmentariamente e que o socialismo não pode se realizar por etapas. Essa tese é ininteligível quando se pratica o socialismo parlamentar: quando um partido entra em uma assembléia de deliberação, é com a esperança de obter concessões de seus adversários; e a experiência mostra que, em efeito, as obtém. Toda política eleitoral é evolucionista, ainda admitindo que muitas vezes não obriga a transigir sobre o princípio da luta de classes. A greve geral é uma maneira de expressar a tese de Kautsky de um modo concreto; até agora, não se deu nenhuma fórmula que possa preencher a mesma função.

3º - A greve geral não nasceu de reflexões profundas sobre a filosofia da história; surgiu da prática. As greves não seria mais do que incidentes econômicos de uma importância social mínima, se os revolucionários não intervissem para modificar seu caráter e convertê-las em episódios da luta social. toda greve, por local que seja, é uma escaramuça na grande batalha que se chama a greve geral. As associações de idéias são aqui tão simples que basta indicá-las aos operários em greve para fazer deles socialistas. Manter a idéia de guerra, hoje que tantos esforços se fazem para opor ao socialismo a paz social, parece mais necessário que nunca.

Os escritores burgueses, acostumados a catalogar as escolas filosóficas e religiosas por meio de algumas fórmulas breves, concedem uma importância maior aos axiomas que se leem à cabeça dos programas socialistas. Com frequência pensaram que, criticando essas declarações obscuras e demonstrando que estão vazias de sentido reduziriam o socialismo a nada. A experiência demonstrou que tal método não conduz a nada e que o socialismo é independente dos supostos princípios defendidos por seus teóricos oficiais. Eu compararia estes aos teólogos. Um sábio católico, Eduard Le Roy, se pergunta se os dogmas de sua religião administrariam algum conhecimento positivo sobre algo; promulgados para condenar determinadas heresias, parece que se teria conseguido uma clareza muito maior se tivessem se limitado a simples negações. Os Congressos socialistas, assim também, fariam bem em dizer que rechaçam certas tendências que se manifestam nos partidos; se adotam outro sistema, é porque seus axiomas são de tal modo vagos que pode aceitá-los todo o mundo.

Se afirma com frequência que é fundamental organizar o proletariado no terreno político e econômico para conquistar o poder, com o objetivo de substituir a sociedade capitalista por uma sociedade comunista ou coletivista. Eis aqui uma fórmula magnífica e misteriosa que se pode entender de muitas maneiras; porém a mais simples de todas as interpretações é a seguinte: provocar a formação de associações operárias, próprias para criar a agitação contra os patrões; fazer-se o advogado dos operários quando estejam em greve e pressionar as administrações públicas para que intervenham em favor dos trabalhadores; fazer-se nomear deputado com o apoio dos sindicalistas, e usar de sua influência, bem para que obtenham algumas vantagens os eleitores operários, bem para que se deem postos a alguns homens influentes do mundo trabalhador; enfim, lançar de vez em quando algum discurso ressonante sobre as belezas da sociedade futura. Essa política está ao alcance de todos os ambiciosos, e não existe que se entenda nada de socialismo para praticá-la: é a de Augagneur e demais deputados socialistas que não quiseram seguir no partido socialista.

Em minha opinião não se deve conceder a menor importância a toda essa literatura. Os chefes oficiais do partido socialista se parecem, com grande frequência, a marinheiros de água doce aos quais o azar tivesse lançado em alto mar e que navegassem sem saber encontrar seu caminho em um mapa, reconhecer os sinais e tomar precauções contra as tempestades. Enquanto estes supostos chefes meditam sobre a redação de axiomas novos, acumulam vaidade sobre vaidade, e creem impor seu pensamento ao movimento proletário, se encontram surpreendidos por acontecimentos que todo o mundo espera, fora de seus conciliábulos de sábios, e ficam estupefatos perante o menor incidente parlamentário.

Ao mesmo tempo que os teóricos oficiais do socialismo se mostravam tão impotentes, uns homens ardentes, animados de um sentimento de liberdade, de vigor prodigioso, tão ricos em amor ao proletariado como pobres em fórmulas escolásticas, e que sacaram da prática das greves uma concepção claríssima da luta de classes, lançavam o socialismo pela nova via que começa a percorrer hoje.

O sindicalismo revolucionário turba as concepções que se haviam elaborado maduramente no silêncio do gabinete; marcha, em efeito, o azar das circunstâncias, sem se cuidar de se submeter a uma dogmática e dirigindo mais de uma vez suas forças por caminhos que condenam os sábios. Espetáculo desalentador para as almas nobres que creem na soberania da ciência na ordem moderna, que esperam a revolução de um vigoroso esforço do pensamento, e se imaginam que a idéia dirige o mundo desde que este se libertou do obscurantismo clerical!

É muito provável que se haja perdido muitas forças por consequência dessa tática que, segundo certos intelectuais, merece o nome de bárbara; porém também se produziu muito trabalho útil. Segundo prova a experiência superabundantemente, a revolução não possui o segredo do porvir e procede como o capitalismo, precipitando-se por todas as saídas que lhe são oferecidas.

O capitalismo não saiu prejudicado do que se tem chamado de sua cegueira e sua loucura: se a burguesia tivesse escutado aos homens práticos, sábios e morais, teria se horrorizado perante a desordem que criava com sua atividade industrial, teria pedido ao Estado que exercesse um poder moderador e teria seguido por uma senda conservadora. Marx descreve em termos magníficos a obra prodigiosa que foi realizada sem plano, sem chefe e sem razão: Como ninguém o havia feito antes que ela, demonstrou do que é capaz a debilidade humana. Criou outras maravilhas que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos e as catedrais góticas: realizou outras campanhas que invasões e cruzadas.

A burguesia tem atuado revolucionariamente e contra todas as idéias que os sociólogos se formam de uma atividade potente e capaz de alcançar grandes resultados. A revolução se fundou na transformação dos instrumentos de produção, feita ao azar das iniciativas individuais; se pudera dizer que trabalhou segundo um modo materialista, já que nunca a guiou a idéia dos meios a empregar para conseguir a grandeza de uma classe ou um país. Por quê não poderia seguir o mesmo caminho o proletariado e marchar adiante sem impor nenhum plano ideal? Os capitalistas, em seu furor inovador, não se ocupavam o mínimo dos interesses gerais de sua classe ou sua pátria; cada um deles considerava unicamente o maior benefício imediato. Por quê os sindicatos hão de subordinar suas reivindicações a altos interesses de economia nacional e não se aproveitarão todo o possível de suas vantagens quando as circunstâncias lhes são favoráveis? O poder e a riqueza da burguesia se baseavam na autonomia dos diretores de empresa. Por que não se há de basear a força revolucionária do proletariado na autonomia das rebeliões operárias?

Em efeito, o sindicalismo revolucionário concebe seu papel dessa maneira materialista, calcada em certo modo sobre a prática do capitalismo. Tira proveito da luta de classes, como o capitalismo havia tirado da concorrência, empurrado por um vigoroso instinto de produzir uma ação maior do que permitem as condições materiais. Os indivíduos que se gabam de conhecer a ciência social e a filosofia da história, se demonstra muito desconfiados ao verem se manifestar instintos tão indisciplinados; se perguntam, com uma inquietude às vezes cômica, aonde conduzirá semelhante barbárie; se preocupam de prever as regras que o proletariado deverá adotar quando as forças difusas da revolução se concentrem, se organizem e tenham necessidade de órgãos reguladores. Há em toda essa atitude dos doutos infinita ignorância.

Não hei de recordar aos compatriotas de Vico o que este grande gênio escreveu sobre as condições em meio às quais se produzem os recursos, estes sobrevém quando a alma popular volta a estados primitivos; quando tudo é instrutivo, criador e poético na humanidade. Vico encontrava na Idade Média a ilustração mais firme de sua teoria; os primórdios do Cristianismo seriam incompreensíveis se não se supusesse, nos discípulos entusiastas, um estado análogo ao das civilizações arcaicas. O socialismo não pode aspirar a renovar o mundo se não se forma da mesma maneira.

Não nos assombra, pois, ver às teorias socialistas caírem umas depois das outras, se mostrarem tão débeis quando o movimento proletário é tão forte; entre ambas coisas não há mais que um laço artificial. As teorias nasceram da reflexão burguesa; se apresentam, no mais, como aperfeiçoamentos de filosofias éticas ou históricas, elaboradas em uma sociedade que chegou, há muito, aos graus mais altos de intelectualismo; essas teorias nascem, pois, já velhas e decrépitas. Às vezes dão a ilusão de uma realidade que lhes falta, porque expressam com fortuna um sentimento acidentalmente unido ao movimento operário e se desfazem tão logo como esse acidente desaparece. O sindicalismo revolucionário que não toma nada do pensamento burguês, tem, ao invés, o porvir aberto perante si.

O sindicalismo revolucionário encara, à hora presente, o que há no marxismo de verdadeiro, de profundamente original, de superior a todas as fórmulas: a saber, que a luta de classes é o alfa e ômega do socialismo; que não é um conceito sociológico para uso dos sábios, senão o aspecto ideológico de uma guerra social empreendida pelo proletariado contra os chefes de indústria; que o sindicato é o instrumento da guerra social.

Com o tempo, o socialismo sofrerá a evolução que lhe impõem as leis de Vico: deverá se elevar por cima do instinto e até pode se dizer que isso já começou; o marxismo rejuvenescido e profundo que defendem na França Lagardelle e Berth, na Itália valorosos escritores, em meio dos quais brilha Arturo Labriola, é já o produto de tal evolução. A sabedoria e profunda inteligência desses jovens marxistas, se manifestam em que não pretendem se antecipar ao curso da história e tratam de compreender as coisas a medida que se produzem.

Eu queria chamar agora muito brevemente a atenção sobre algumas das dificuldades mais graves que apresenta o sindicalismo revolucionário.

a) Partimos da idéia de que o sindicalismo persegue uma guerra social, porém nos é objetado que a guerra não pode ser considerada, na hora atual, como o regime normal dos povos civilizados; a guerra não é mais que um incidente e todos os esforços das pessoas razoáveis tendem a fazer deste incidente mais caro e menos temível. Por quê não introduzir a ação diplomática na guerra social, para conseguir a paz?

Há uma grande diferença entre a guerra dos Estados e a das classes. Nenhuma potência aspira já à monarquia universal, todas fundam sua política em um ideal de equilíbrio; desse modo, os conflitos se fazem muito limitados e a paz pode resultar de concessões recíprocas. O proletariado, por sua vez, persegue a ruína completa de seus adversários e determina a noção de equilíbrio pela propaganda socialista; as greves não podem originar uma verdadeira paz social.

Quando os sindicatos se tornam muito grandes, ocorre a eles o mesmo que aos Estados: os estragos da guerra são então enormes, e os diretores vacilam em se lançar em aventuras. Muitas vezes os defensores da paz social confessaram que desejariam que as organizações operárias fossem muito poderosas para que desse modo estivessem condenadas à prudência. Assim como entre os Estados estalam às vezes guerras de tarifas, que terminam em geral em tratados comerciais, do mesmo modo, o estabelecimento de acordos entre grandes federações patronais e operárias, poderia pôr fim aos conflitos sem cessar. Estes acordos, como os tratados de comércio, tenderiam à prosperidade comum dos dois grupos, sacrificando alguns interesses locais. Ao mesmo tempo que se fazem prudentes, as federações operárias grandes chegam a considerar as vantagens que lhes procura a prosperidade dos patrões e a ter em conta os interesses nacionais. O proletariado se vê assim arrastado a uma esfera estranha a ele, se transforma no colaborador do capitalismo; a paz social parece próxima a se converter no regime normal.

O Sindicalismo Revolucionário conhece essa situação tão bem quanto os pacificadores e teme as fortes centralizações; atuando de uma maneira difusa, pode manter em todas as partes a agitação grevista: as guerras longas engendraram ou desenvolveram a idéia de pátria; a greve local e frequente não cessa de rejuvenescer a idéia socialista no proletariado, de fortalecer os sentimentos de heroísmo, de sacrifício e de união, e de manter sempre viva a esperança da revolução.

b) Se fez observar que as antigas revoluções não foram pura e simplesmente guerras, mas sim que serviram para impor sistemas jurídicos novos. A quê pode tender a nova revolução social?

Já disse que as fórmulas teóricas oficiais do socialismo são muito pouco satisfatórias; mas se partir da idéia sindicalista, se vê naturalmente conduzido a considerar a sociedade sob um aspecto econômico: todas as coisas devem se reduzir ao plano de uma oficina que marcha com ordem, sem perder o tempo e sem se deixar guiar pelo capricho.

Se o socialismo aspira a transportar à sociedade o regime da oficina, nunca se concederá bastante importância aos progressos que se fazem na disciplina do trabalho, na organização dos esforços coletivos, no funcionamento das direções técnicas. Nos bons costumes da oficina está evidentemente a fonte de onde sairá o direito futuro; o socialismo herdará não só os instrumentos que tenham sido criados pelo capitalismo e a ciência que haja nascido do desenvolvimento técnico, senão também os procedimentos de cooperação que a longo prazo se terão constituído nas fábricas, para tirar o melhor proveito possível do tempo, das forças e aptidões dos homens.

Estimo, em consequência, muito lamentáveis certos conselhos que se tem dado, mais de uma vez, aos operários para desperdiçar o trabalho; a sabotagem é um procedimento do antigo regime e não tende de modo algum a orientar os trabalhadores no caminho da emancipação. No espírito popular ficam ainda numerosas sobrevivências lamentáveis desse gênero, que o socialismo devia fazer desaparecer.

c) É evidente que em uma sociedade as relações dos homens não podem estar reguladas unicamente pela guerra; em nossos países democráticos, acima ade tudo, infinitas complicações tornam impossível manter o estado de guerra em todos os domínios. Examinemos sumariamente os principais terrenos nos quais se efetua a união:

1º Quando se fala da democracia, há que se preocupar menos com as constituições políticas do que com o que ocorre nas massas populares: a difusão da imprensa, a paixão com que o público se interessa pelos acontecimentos e a influência que a opinião pública exerce sobre os governos; eis aqui o que devemos ter em consideração. Todo o demais, é secundário ou não serve senão de auxiliar a esta organização da vontade geral. A experiência ensina que a classe operária não é a menos ardente em tomar partido sobre questões que não tem nenhuma relação com seus interesses de classe: leis que tocam às liberdades, resistência que determinadas Ligas opõem aos abusos, política exterior, anticlericalismo. Pode-se, pois, dizer que a democracia apaga as classes. Mais de uma vez, os chefes dos partidos socialistas trataram de fechar o proletariado no círculo de um magnífico isolamento; porém as tropas não seguiram muito tempo a seus chefes. As mais sábias proclamas sobre o dever dos trabalhadores resultam letra morta quando a emoção é demasiado viva. O assunto Dreyfus é bastante recente para que seja necessário insistir.

2º Os Parlamentos não cessam de fazer leis para a proteção dos trabalhadores; os socialistas se esforçam por conseguir que os tribunais inclinem sua jurisprudência em um sentido favorável aos operários; a imprensa socialista trata em todo momento de comover à opinião burguesa, apelando aos sentimentos de bondade, de humanidade, de solidariedade; quer dizer, à moral burguesa. Os antigos utopistas que esperavam uma reforma social da benevolência ou das luzes dos capitalistas melhor informados, tem sido motivo de zombaria; e hoje parece que o socialismo recobra a velha rotina e que solicita a proteção da classe que, com ajuste a sua teoria, é a inimiga irreconciliável do proletariado. Os radicais fazem avanços no sentido da legislação social, com a esperança de que desapareçam certos estados agudos que constituem, em sua opinião, a única razão de ser do socialismo. Os católicos sociais seguem o mesmo caminho, porque exigem dos ricos o cumprimento do dever social.

Os socialistas não se deram ainda conta exata do que produz essa política: não parece duvidoso que haja tido por consequência desenvolver o espírito pequeno-burguês em muitos homens elevados a postos de responsabilidade pela confiança de seus companheiros.

3º O proletariado moderno está sedento de instrução. A Igreja acreditou que poderia conquistar uma grande influência sobre seu espírito mediante a escola; o Estado, na França, disputa com a Igreja de modo encarniçado a clientela operária. Porém, se teria uma idéia muito inexata da influência ideológica da burguesia, se nos ativéssemos às estatísticas escolares; o proletariado está sob a direção de uma ideologia estranha, graças ao livro acima de tudo. Muitas vezes se deplorou que não haja uma boa literatura socialista; porém na França, pelo menos, essa literatura é prodigiosamente débil e a grande imprensa socialista está em mãos de burgueses que falam sem pés nem cabeça de todas as coisas que ignoram.

Quando se reflete sobre estes fatos, nos vemos obrigados a reconhecer que a fusão das classes sociais pelos católicos sociais e os radicais, não é quiçá uma quimera tão absurda como se poderia pensar em primeiro plano: não seria impossível que o socialismo desaparecesse por um fortalecimento da democracia, se o sindicalismo não estivesse ali para se opor à paz social. A experiência pela qual acabamos de passar na França de governos desejosos de dar amplas satisfações à classe operária, não é bastante para fazer pensar que essas tentativas, por hábeis e audaciosas que sejam, possam vencer as dificuldades que o sindicalismo revolucionário opõe à paz social; a medida que a democracia avança, os sindicalistas tem alçado o tom da luta e o resultado mais seguro dessa experiência parece ser o seguinte: que o instinto de guerra se fortaleceu na mesma proporção em que a burguesia fez concessões em vistas da paz.

Em meu estudo de 1897 havia examinado o sindicalismo de um modo abstrato; queria naquela época mostrar a grande variedade de recursos que contém. Mas para estudar a fundo o sindicalismo revolucionário atual, teria que se limitar a examinar o que ocorre em um só país. As tradições nacionais constituem um elemento considerável na organização operária e essa verdade, que nunca se repetirá bastante, aparece aqui com uma clareza particular.

Não sei se me engano, porém me agrada que a Itália oferece um terreno singularmente favorável à extensão do novo socialismo. Possui hoje alguns dos melhores representantes da doutrina revolucionária, quiçá os que à hora atual a defendem com maior autoridade; tem órgãos concebidos com um espírito excelente, desde o ponto de vista socialista, como a Avanguardia e o Diveniere. Seria interessante se toda a história italiana não é o suporte desse movimento.

O instinto de revolução total é antigo na Itália e pôde adotar aspectos muito distintos; hoje, presta à idéia de greve geral uma popularidade que não tem nos demais países. O espírito local permanece vivo, e o sindicalismo, por conseguinte, talvez não esteja tão ameaçado pelo burguesismo das grandes Federações como na França. A luta de classes poderia muito bem tomar na Itália suas formas mais esplêndidas, e o progresso do sindicalismo italiano deverá ser seguido com atenção por todos os socialistas.