Por
Thierry Maulnier
A
propaganda da democracia e do socialismo europeu nos últimos anos teve o prazer
de utilizar, não raramente, um tema fácil: o pacifismo. Todo mundo sabe que o
trabalho fundamental da propaganda é criar ideias, forças, associar de uma vez
por todas no fundo da alma popular noções que não resistem ao menor exame
crítico, imagens ingênuas e elementares. Sendo assim, grande parte do público
nos países ocidentais está resignadamente convencido de que a democracia, o
socialismo e o comunismo querem a paz, enquanto o 'fascismo', as ditaduras e
monarquias estão dispostos e preparados para a guerra. Assim, pôde ocorrer que
durante os anos seguintes à guerra de 1914 à 1918, o internacionalismo, o
pacifismo, e as campanhas de desarmamento tornaram-se o monopólio dos partidos
de esquerda e de organizações que levavam o nome simbólico da II e
III Internacionais, enquanto os partidos de direita eram os únicos que
apontavam a precariedade das garantias legais internacionais, a utilidade da
defesa nacional e o perigo de um desarmamento injustificado.
Durante
os breves anos que o internacionalismo foi favorecido, apenas os espíritos
despertos ainda se lembravam que a aliança entre o socialismo, a democracia e o
pacifismo era algo novo e precário; que a democracia não é pacífica por
essência; que a primeira atitude da França revolucionária em 1792, e da Rússia
revolucionária de 1919, foi cair sobre os seus vizinhos; que durante todo o
curso das democracias do século XIX, nomeadamente a França e a Alemanha, foram
nacionalistas e belicosas, enquanto a prudência diplomática e a preocupação de
defender a paz se resgistravam nos programas da direita conservadora. No
entanto, a tradição do nacionalismo democrático, cujo último representante
ilustre na França foi Clemenceau, tinha recebido um golpe mortal no país com a
agitação promovida em torno de Dreyfus, período que viu o nascimento e
desenvolvimento do antimilitarismo; desde o Partido Radical francês até os
extremistas do comunismo, todos os franceses democratas começaram a considerar
suspeita qualquer medida favorável à defesa, e lançaram um feroz ataque à honra
e prestígio do exército ; de 1918 à 1933 todos os partidos de esquerda — exceto
na Inglaterra, onde Partido Trabalhista manteve a tradição de lealdade nacional
— votaram contra os créditos militares, desguarneceram as fronteiras e
enfraqueceram os exércitos.
Isso
significa que incontestavelmente os partidos democráticos, e especialmente os
partidos democráticos franceses, estavam ocupados preparando a possibilidade de
uma nova guerra; porque começaram a oferecer como presa fácil aos povos que
mantinham as tradições militares e ambições políticas, uns povos desmoralizados
e impotentes, enganados pela falsa sinceridade dos pactos contra a guerra e
acordos jurídicos internacionais. Esse trabalho obstinado de desorganização
preparava a reação nacionalista violenta que temos assistido nos últimos anos.
Você poderia acreditar, pelo menos, na sinceridade do ideal que os inspirou? O
mito da paz entre as nações — paz garantida pela boa vontade recíproca e
resolução judicial de todos os conflitos — poderia, não sem razão, parecer imprudente
ou prematuro; corria-se o risco de provocar e precipitar as guerras que queria
evitar por sua própria generosidade. Isso era justamente o que pregava alguns
apóstolos convencidos, ou pelo menos o que eles acreditavam que eram. O
pacifismo democrático do pós-guerra nos conduzia inevitavelmente à situações
assustadoras; mas pelo menos, poderíamos pensar que os democratas queriam a paz
e que se preparavam a guerra, faziam apenas por cegueira.
Mas a
situação mudou. A explosão de ódio e medo que provocou em todos os democratas
europeus o advento de regimes autoritários em algumas grandes nações, mudou
completamente a atitude dos partidos radicais, socialistas e comunistas na
Europa, no que diz respeito à política externa. Essa rápida transformação,
nascida de causas externas, de princípios que pareciam imutáveis e
definitivos, tem mostrado de modo evidente, em parte, que nos partidos
demagógicos de esquerda os princípios só têm uma importância secundária; não se
trata de afirmar e trazer a vitória de uma verdade política, mas de atrair as
massas através de meios adequados, cujas ideias se transformam para o fim, são
abandonadas ou renovadas de acordo com as exigências da propaganda; por outro
lado, nenhum elo essencial, de doutrina, liga as ideias pacifistas às ideias
radicais ou socialistas; e os grandes movimentos democráticos de massa, voltam
às tendências de suas origens: a raiva xenófoba e a vontade de impor seus
ideais aos vizinhos, com sangue e fogo.
A
atitude da democracia francesa é, neste ponto, muito característica, pois essa
nação é uma democracia de longa data, onde os partidos populares exercem sobre
o progresso dos assuntos externos uma influência dominante, e porque, mais do
que isso, essa nação, onde os partidos radicais, socialistas e comunistas são
poderosos, faz fronteira com as duas principais nações do mundo sob um regime
“fascista” autoritário: Alemanha e Itália.
Nos
anos seguintes ao advento do fascismo italiano, os sindicatos, os partidos
populares e estadistas democratas, multiplicaram as provocações e insultos ao
regime de Mussolini. Chegaram a criar um movimento francófobo na Itália, e
durante alguns anos, por volta de 1925, houve o medo de uma guerra
franco-italiana. A tensão diplomática entre os dois países — tensão cujos únicos
responsáveis são os partidos de esquerda franceses — não desapareceu até as
intrigas alemãs na Áustria e o assassinato do Chanceler Dolffuss, mostrarem à
França e à Itália a necessidade de se unirem para enfrentar os perigos da
Europa Central. Mas o Nacional-Socialismo chegou ao poder na Alemanha, e o
furor dos democratas franceses, esquecendo-se do fascismo italiano, virava-se
para esse outro lado.
À
atualidade italiana sucedia a atualidade alemã. Exclusivamente sentimental,
incapaz de se mover além das reações improvisadas, ignorante de toda reflexão
política e de todos os efeitos a longo prazo, a política dos partidos de
esquerda franceses marchava novamente impulsionada pelos acontecimentos. Como
antes havíamos visto a Paul-Boncour insultar grosseiramente Mussolini em plena
Câmara dos Deputados, em seguida vemos Leon Blum e os condutores dos partidos
socialistas e comunistas franceses interferirem estupidamente nos assuntos
internos da Alemanha de Hitler, protestando furiosamente contra o tratamento dado
aos judeus e aos marxistas alemães, fazendo tratos e colaborando com grupos de
emigrantes que, esquecendo-se de toda cortesia internacional e também de toda a
decência, seguiam seu ativismo político no território francês. Essa tendência
não se limitou à França; o Partido Trabalhista Inglês, inspirado nos partidos
democratas franceses, em grande parte liderados por israelenses, reivindicou o
boicote de produtos alemães, e se empenhou o quanto pôde para colocar o mundo
contra a Alemanha, e para inflamar ainda mais naquele país as paixões
nacionalistas, tornando-se mais fácil a explosão de um novo conflito mundial.
Homens que meses antes se proclamavam na França pacifistas acirrados,
dedicaram-se a pregar abertamente a guerra, e começaram a chamar aos povos do
Ocidente para a “cruzada pela democracia” contra os países ditatoriais. Assim
como em 1792, o povo francês foi chamado para lutar contra os “tiranos”. Em
tais circunstâncias, os partidos comunistas e socialistas agiam como se não
tivessem pretendido nada além de exasperar sentimentos xenófobos na Alemanha —
particularmente Francófobos — e enfrentando-se com a Alemanha exclusivamente
por razões de política interna, fizeram de tudo em seu poder para desencadear
uma guerra sangrenta na qual ninguém tinha nada a ganhar.
Mas,
novamente, a primeira ocorrência indicaria outro objetivo à raiva desses
homens, para os quais a política externa não é uma questão de longo prazo,
prudência e previsão, mas uma questão de cólera sentimental, de demagogia
eleitoral e humor. A Itália voltou à tona outra vez ao primeiro plano; os
esforços têm se concentrado de novo sobre ela. O praticante da política
democrática em nenhum país da Europa se preocupa em saber se rompe uma
aliança útil para o seu povo, se modifica o equilíbrio europeu, se cria uma
tensão internacional, se causa um risco de guerra; essas considerações, que
deveriam marcar a orientação de uma verdadeira política externa, escapam por
completo e só obedecem às preocupações da política interna. As recentes complicações
europeias provocadas pelas diferenças entre a Itália e a Etiópia têm se
mostrado bem claras.
A
violência com que os condutores da frente popular francesa e o Congresso
dos Sindicatos britânicos reivindicaram sanções contra a Itália — mesmo quando essas
sanções provocaram uma guerra na Europa, dando lugar a massacres comparáveis ao
da guerra de 1914 — demonstraram claramente que para a democracia europeia a
defesa da paz é uma questão secundária. Fazer guerra para defender a paz é um
gesto absurdo, que não pode sequer ser atribuído aos líderes socialistas. A
verdade é que o que importa a eles não é a defesa da Liga das Nações por sua
qualidade de instituição pacífica, mas como um instrumento de política interna
e propaganda democrática; e o que pretendem não é proteger aos povo da França ,
Inglaterra —da Europa — contra os horrores da guerra, como humilhar o fascismo
italiano com um fracasso, fazê-lo retroceder e destruí-lo, mesmo que para isso
tenham de recorrer aos meios mais sangrentos. No conflito em setembro de 1935,
em Genebra, a hipocrisia com que a Inglaterra defendeu seus interesses
imperiais em nome da paz — o caminho do Mar Vermelho e as fontes do Nilo
—contra as ambições italianas não teve par, assim como a hipocrisia com que os
líderes socialistas e democratas cubriram com a bandeira da paz suas campanhas
tortuosas contra a Itália autoritária e fascista. Aos olhos desses líderes, a
amizade franco-italiana, o prestígio das nações brancas comprometidas na luta
ítalo-etíope, a mesma paz do mundo não teria importância nenhuma ao lado da
finalidade essencial, que não era outra senão buscar uma revanche contra o
fascismo italiano.
Isso
mostrou que o pacifismo democrático era simplesmente uma farsa, e que o
respeito pela vida humana não contava. Fazia muito tempo que não faltavam
motivos de dúvida, uma vez que a maioria dos campeões das ideias pacifistas na
Europa Ocidental eram, ao mesmo tempo, os defensores de uma revolução áspera e
sangrenta. Agora sabemos que para a defesa das ideias democráticas e
revolucionárias, para satisfazer seu ressentimento contra um homem que abateu a
democracia, os políticos radicais e socialistas não hesitam ante a guerra
estrangeira mais terrível e sangrenta. Veja como o “amor à paz”, elogiado pelos
democratas, aparece claramente tal como é: um meio de enfraquecer e desarmar as
nações “capitalistas”, de atrair as massas com uma demagogia apropriada,
elogiando sua repugnância pelo esforço militar; não é um meio sincero de salvar
sangue humano. Se ainda há espíritos indulgentes que puderam até agora
reconhecer na ideologia dos líderes democratas alguma nobreza e generosidade, a
atitude desses líderes no conflito ítalo-etíope lhes tiraria toda ilusão; o que
se tomava por uma ideal nobre não era nada além de fraudes demagógicas baixas e
interesseiras.
Os
líderes da democracia europeia não só desprezam a verdade e o bom senso
político; desprezam igualmente os seus próprios seguidores, e até mesmo a vida
dos trabalhadores que dizem defender. Já que os desprezam, têm em reserva as
“verdades de reposição”, e não hesitam em contradizer-se quando suas falácias
parecem rentáveis; não hesitam em expôr seus seguidores a conflitos sangrentos
gratuitamente, que eles têm se preocupado em buscar e envenenar logo. O
desprezo ao povo pelos demagogos profissionais que exploram é o mesmo desprezo
que Engels, colaborador de Karl Marx na redação do Manifesto Comunista,
escreveu em uma carta dirigida a este último, em 1851: “Por que servir a esse
canalha se ele nem ao menos sabe lutar?”. Na verdade, se os líderes democratas
e socialistas durante tanto tempo defenderam a tese do pacifismo,
internacionalismo e desarmamento, não era por causa de cegueira e incapacidade
política; era porque as consequências distantes de suas atitudes e a guerra que
sua propaganda poderia desencadear um dia importava-lhes muito pouco; o que
pretendiam era atrair a opinião pública. Tampouco hoje impota a eles
desencadear a guerra: o que os preocupa é inflamar suas tropas para a batalha e
fazer do “anti-fascismo” um lema de combate. A atitude dos demagogos europeus é
a mesma quando preparam indiretamente a guerra através da desmoralização
pacifista, através da sua propaganda agressiva contra outras nações. Não se
preocupam que desse modo podem muito bem desencadear conflitos e desastres
internacionais. O que importa a eles é o objetivo imediato: engrossar suas
hostes, e ganhar votos.
Para
atingir seus objetivos, os líderes democratas e socialistas aceitam, portanto,
sem repugnância, a contradição com eles mesmos. Reivindicam de seus respectivos
países medidas belicosas contra o fascismo, sem refletirem por um momento que
se os governos tivessem escutado suas vozes há uns dez anos atrás, a França e a
Inglaterra estariam agora completamente desarmadas e, portanto, absolutamente
incapazes de sustentar uma guerra, mesmo que seja para defender a Liga das
Nações. Eles pretendem, sem escrúpulos, utilizar as forças armadas a seu favor
hoje em dia, enquanto antigamente exigiam sua dissolução e desaparecimento e se
empenhavam tanto em pregar contra elas. A democracia quer pôr a serviço de seus
rancores, de seus projetos de vingança e de seu medo do “fascismo”, os
exércitos contra o quais até agora excitou o ódio e o desprezo das massas;
furiosamente internacionalista nos últimos anos, transforma-se em nacionalista
no momento em que pode considerar a nação como um abrigo. E para a nação,
apesar das aparências, as ideias não têm a menor importância: somente reage
diante de sentimentos e interesses.
Está
repleto de ensinamentos esse desprezo total da lógica e da realidade com que a
democracia global tem associado à propaganda do desarmamento e da guerra, e com
o que quer lançar em batalha os povos que começaram removendo os meios de
combate na medida do possível. Porque podemos julgar mais exatamente a natureza
e a qualidade dos ideais democráticos, e muito particularmente o “nacionalismo”
da democracia atual.
Já
vimos que se a democracia torna-se nacionalista, como aconteceu em 1792 e no
decorrer do século XIX, é principalmente para impulsionar as circunstâncias e
pelas necessidades da propaganda. Quando um líder socialista francês como Leon
Blum escreve hoje “Viva a nação!” nas colunas do mesmo jornal que não cessou os
ataques ao nacionalismo até agora, obviamente não o faz de boa fé. E se os
comunistas franceses renunciaram à sua posição internacionalista, foi de acordo
com as ordens provenientes de Moscou e com intruções do própio Stalin.
Portanto, não se trata de ideias, e sim de tática. Contudo, a mesma tática foi
adotada só para satisfazer grande parte da opinião popular; os condutores dos
partidos de esquerda não se converteram de repente ao nacionalismo, mas o nacionalismo
estava vivo na maior parte de sua tropas. A impostura evidente desses líderes
responde, então, a sentimentos e tendências perfeitamente sinceros na massa. A
mentira tática dos líderes da democracia nos mostra que nela há um sentimento
nacionalista real.
Deduziríamos
aqui que o Ocidente podería contar com a democracia, já desembaraçada do
internacionalismo, para salvar as realidades nacionais? A análise dos fatos
demonstra o contrário, que seria pouco prudente contar com um nacionalismo que
não é mais do que o ódio profundo aos povos estrangeiros “fascistas”. Assim
como seria imprudente contar com o pacifismo democrático para a saúde da paz,
seria imprudente contar com o nacionalismo democrático para a saúde da nação.
O
exemplo da França mostra isso claramente. Ao mesmo tempo que o nacionalismo
democrático tomava uma forma agressiva e furiosa aqui, expunha o país a uma
guerra europeia, sem se preocupar com o seu despreparo para levá-la a cabo, ou
que não ganharia absolutamente nada com ela: não empurrava essa guerra pela
saúde da França, nem para defender os interesses capitais, ou para o prestígio
e honra nacional, mas exclusivamente para a vitória dos princípios
democráticos. Por outro lado, pouco se importava em dar à França uma missão
conforme seu papel na Europa e destino histórico; pelo contrário, tentou
voltá-la contra a Itália, ou seja, contra a única grande nação europeia com a
qual a França tinha verdadeiros interesses em comum; a única nação, em caso de
complicações na Europa Central, que a França poderia contar. Esse nacionalismo
estranho não só empurrava um conflito terrível para uma nação já esgotada pelo
esforço de 1914, mas assumia na África a defesa da raça negra contra a raça
branca. Trabalhava para destruir uma das principais garantias de paz verdadeira
que poderia ser oferecida para a Europa: a parceria entre os povos latinos.
Tentando, em suma, lançar a França contra o seu aliado natural.
Tal
“nacionalismo” atenta, ainda mais do que o internacionalismo anterior, contra a
segurança da nação, contra sua existência e seus interesses essenciais.
Certamente, não é menos perigoso. Os sentimentos a que apela, os ecos que busca
na massa, não têm nada a ver com o senso comum, com a experiência histórica,
nem com o juízo político. A propaganda nacionalista das II e III Internacionais
baseia-se claramente sobre o que subsiste do patriotismo na alma popular. Mas
esse mesmo patriotismo, posto cinicamente a serviço dos medos e ressentimentos
democráticos, é a reação instintiva não fundamentada, tão frenética quanto
adormecida, das massas. Sobre tal nacionalismo não é possível estabelecer uma
política contínua e frutífera. É capaz de reações corajosas e brutais quando
desperto — como na França em 1914 — mas é incapaz de ansiar realizações distantes,
de previsões e prudência; e quando se desencadeia, pode levar a conflitos mais
graves. Igual à demagogia socialista que o explora, o sentimento popular é
suscetível, em uma crise súbita de xenofobia, de exigir imediatamente uma
guerra que durante dez anos foi evitada. O nacionalismo da massa não é, de
fato, um meio de ação política; só aparece em tempos de crise; é simplesmente
uma reação a uma ameaça ou insulto proveniente do exterior; não se
desencadearia se não fosse por uma impulsão exterior, seja a ofensiva de um
povo vizinho, seja uma propaganda hábil. Como tudo o que vem da massa, o
nacionalismo popular é passivo; depende da circunstância, emoção, humor
passageiro; incapaz de ver a qualquer distância, é inseparável da emoção e da
febre; não é político, porque, longe de preparação, acompanha os
acontecimentos.
O
patriotismo das massas pode, portanto, ser explorado pelos políticos, mas não
pode levar a uma política verdadeiramente nacional, porque é incapaz de
produzir uma expansão sólida e duradoura, nem uma política prudente de alianças
e de paz: não é político. O sentimento das massas, as vontades e os humores das
democracias são, no vocabulário de Oswald Spengler, sujeitos e não objetos da
história; apenas os indivíduos, os chefes, podem ser objetos da história, e
capazes de uma motivação política. O patriotismo dos povos democráticos não
contradiz os próprios princípios da democracia, que foram, desde o início,
agressivos e nacionalistas; após alguns anos de internacionalismo, começou a reviver,
e pode se desenvolver ainda mais facilmente, já que encontra ecos muito
profundos na alma popular, e as místicas militares, as bandeiras, as músicas, o
aparato teatral da guerra, seduzem facilmente. Mas não se trata de uma
tendência primitiva, autônoma, que se justifica por si mesma como o desejo de
viver e a vontade de expansão das nações fortes. Trata-se de um movimento de
opinião; por isso é artificial, provocado; por isso é incapaz de previsão e
criação; por isso é facilmente desviado para fins extrínsecos e usado por
líderes democratas para promover suas ambições e suas vinganças . O
nacionalismo democrático não é um fator político, é um instrumento político nas
mãos dos condutores da democracia: instrumento utilizado para o recrutamento e
exaltação das massas na luta contra o fascismo. Enquanto o nacionalismo
verdadeiramente nacional orienta, coordena e governa os sentimentos patrióticos
com o desejo de garantir a existência política da nação, o nacionalismo dos
atuais líderes da democracia explora os mesmos sentimentos nacionalistas
visando a campanha anti-fascista mundial, que é um negócio de política interna.
O verdadeiro nacionalismo coordena as forças internas do país buscando sua
salvaguarda e eficácia externa; já o nacionalismo democrático explora a
situação externa, multiplica as provocações e prepara as guerras de
agressão para o único propósito de assegurar o triunfo de um partido. Nas
democracias tudo se reduz a um problema interior.
Isso
quer dizer que a democracia carece de continuidade de propósito e perseverança
na sua política interna —nivelamento, destruição das elites—e que sua política externa, que para ela
nunca é um fim, mas sim uma tática concebida para fornecer armas contra seus
inimigos internos, é inconsistente, fragmentada e contraditória; passando de
uma linha de ação para outra, de uma aliança para outra, de acordo com as
necessidades da demagogia e da eleição. Se você observar, por exemplo, a
política externa da democracia estrangeira após a guerra, suas vacilações entre
a manutenção e revisão dos tratados entre a aliança inglesa, a aliança russa, a
aliança italiana e a aproximação germano-francesa, irá procurar em vão por um
fio condutor dessa política externa; buscará em vão a execução de um grande
propósito político. Esse fio condutor da política externa francesa, essa
explicação das suas variações, encontraremos, no entanto, olhando para a
política interna; e as versatilidades, as vacilações, as inconsistências serão
explicadas pelo estado de todos os partidos, a composição dos parlamentos, a
eventualidade das próximas eleições: pela política interna, da qual a política
externa é apenas um reflexo passivo. No regime democrático, a política externa,
onde o destino da nação deveria transparecer, é apenas um campo de experiências
demagógicas e caça de eleitores.
Uma
vez que a política externa das democracias afeta de uma forma grave todos os
defeitos próprios das democracias, não é de se admirar que traga em si todos os
defeitos da democracia, suas incoerências, sua passividade e seus impulsos
furiosos. O nacionalismo dos verdadeiros políticos é caracterizado por ser ativo,
já que é precisamente a forma de ação nacional sobre o mundo: é um nacionalismo
concreto, pois se preocupa, sobretudo, com a adaptação às circunstâncias
e os resultados positivos; também é realista, pois tende à eficiência
construtiva. No entanto, o nacionalismo democrático é passivo em sua
essência, porque, assim como a massa, recebe o impulso dos acontecimentos; é abstrato,
pois não se baseia na realidade nacional viva, mas em sua fé, nos princípios de
um ideal político a priori; é místico, porque envolve a
preexcelencia absoluta de seus princípios, e implicitamente admite a guerra
santa para propagá-los ou defendê-los. Daí provém sua extraordinária fraqueza
doutrinária e seus perigos graves, do ponto de vista nacional e internacional.
Fraqueza
doutrinária, digamos. Na verdade, quando se trata de ideologia democrática
dificilmente convém usar a palavra doutrina. Todas as posições intelectuais da
democracia estão mais para posições de propaganda do que posições doutrinárias.
A eficácia demagógica, o êxito, as chances de propagação nas massas, são
infinitamente maiores para o pensamento democrático e marxista do que para a
precisão da análise e a verdade objetiva da experiência. E desde o século XVIII
francês, os pensadores da democracia não se preocupavam em descobrir as leis
justas da vida social e plantar no povo ideias e forças de agitação. O próprio
Karl Marx confessa que se houvesse contado com os lavradores para desencadear a
revolução e não com o proletariado industrial, teria substituído sua teoria da
revolução urbana, concentração capitalista e coletivização por outra.
Analogamente, para um líder do socialismo francês como Leon Blum, nem o nacionalismo
ou o internacionalismo carregam alguma verdade intrínseca: ambos são bandeiras
que se agitam alternadamente de uma opinião para a outra; e o socialismo
francês tornou-se nacionalista no dia em que percebeu a impossibilidade de
destruir nas massas o sentimento do nacionalismo. Não é exagero dizer que para
a democracia e o marxismo não há verdades intelectuais: somente há verdades
pragmáticas ou táticas; e as verdades são alteradas conforme exigem as
necessidades da propaganda. A única ideia invariável é a da revolução popular,
coletivista, igualitária; as demais são apenas meios infinitamente flexíveis e
adaptáveis às circunstâncias, para desencadear a revolução. Portanto, não é de
se surpreender ao ver que as novas atitudes nacionalistas, e por vezes belicosas,
do comunismo francês, coincidem com as novas instruções táticas do Comintern
soviético e da Terceira Internacional, tementes ao nacional-socialismo alemão.
Comunistas e socialistas não são nacionalistas por amor às suas pátrias, mas
para perseguir um eco nas novas fases da opinião.
No fim
das contas, devemos, portanto, considerar o nacionalismo democrático que
sucedeu bruscamente o internacionalismo nos últimos anos simplesmente como um
novo aspecto da propaganda revolucionária. Mas essa forma de propaganda não é
menos perigosa, em primeiro lugar porque aborda uma das tendências mais antigas
da democracia: a tendência ao belicismo místico e à cruzada; baseia-se sobre a
xenofobia instintiva das multidões; e explode o ódio das massas em direção aos
regimes “fascistas”. Por outro lado, já que não é baseada em uma doutrina
nacional e em sentimentos nacionalistas firmes, essa propaganda participa da
impulsividade e passividade das massas, às quais orienta resoluções repentinas,
imprudentes e sangrentas. Vimos isso claramente em setembro na Inglaterra, onde
as Trade Unions queriam lançar seu país em uma guerra difícil contra a
Itália, enquanto nos últimos dez anos estavam preocupados em desarmá-lo.
Por
sua completa incapacidade de apreciar saudavelmente os elementos de uma
situação diplomática, por seu desprezo pelas amizades verdadeiras e interesses
naturais, o nacionalismo democrático conduz à guerras sangrentas inúteis e mal
preparadas, realizadas nas condições mais desfavoráveis. O nacionalismo democrático,
portanto, não é menos perigoso para a ordem internacional europeia do que para
as mesmas nações que sofrem, que foram tornadas agressivas sem serem fortes.
Porque, afinal de contas, o nacionalismo democrático não trabalha para o
benefício da nação, mas para o benefício da revolução.
Ano 1935