por Juan Pablo Vitali
Esquecer a grandeza é um trabalho árduo. Converter-se em uma subcultura da decadência não é coisa fácil, acima de tudo quando se conservam alguns reflexos provenientes de uma grande cultura.
A Argentina é uma mostra claro disso. A grande Europa teve ao Sul a continuidade de sua cultura, a transmutação mágica de seu idioma. Homens da estirpe de Jorge Luis Borges e Leopoldo Lugones entre tantos outros, em meio dos avatares próprios de nossa decadência, desenvolveram a universalidade europeia de uma cultura, dentro do particular entorno de sua última grande fronteira: a Argentina.
A identidade que a Europa perde, também a vão perdendo os territórios distantes nos quais predominou sua civilização e que são parte integrante de sua história. Em meio dessa dolorosa perda e separação, gestaram-se homens de uma dimensão cultural e heróica hoje em dia muito difícil de alcançar. Eles assumiram a continuidade de algo que não é o que habitualmente se denomina América Latina, senão América Ibérica, a Nova Europa renascida, após suas múltiplas e iniciáticas mortes. Isso é assim porém ninguém quer, nem se anima a reconhecê-lo.
Nós o reconhecemos, porque formamos parte da aventura inigualável da cultura europeia em sua continuidade milenária. Nossa antiga matriz cultural projeta todavia sua elevada sombra sobre nós, se projeta e transmutam os processos culturais da Europa, em um território que é também Europa culturalmente; uma nova Europa que necessita custe o que custar da grandeza da antiga, nos espaços intermináveis que se fizeram a sua imagem na infinitude mágica e misteriosa do novo continente, onde seus homens tiveram que assumir um novo enraizamento a partir do exílio, nessa idade escura da decadência, com as formas particulares do crioulismo, para poder voltar a ser.
Se queremos compreender nossa identidade cultural e suas obras, devemos nos aventurar na dolorosa idéia do que Oswald Spengler chamara "Der Untergang des Abendlandes" - e que foi traduzido como "A Decadência do Ocidente" - isso nos representa muito mais do que a mal chamada "América Latina".
Espero que nos jardis escuros do Rio da Prata, se sigam escrevendo por muito tempo as palavras simbólicas que conjurem uma e outra vez a decadência, partindo da assunção definitiva de uma identidade negada por ignorância, por conveniência, ou por covardia.
América românica, América hispânica, América crioula - porque há que dizer mil vezes, que crioulo é o descendente de europeu nascido fora da Europa - essa é nossa identidade, dinâmica sim, porém sem negar jamais milênios de uma cultura própria para assumir uma alheia.
Para poder respeitar há que exigir a sua vez ser respeitados, e para ser respeitado devemos nos respeitar primeiramente a nós mesmos, sendo cabalmente conscientes de qual é nossa real e verdadeira identidade. Somente esse respeito nos dará a força necessária para enfrentar os que não nos respeitam.
Sirva este pequeno texto introdutório, para inaugurar uma série de textos que mostrem e demonstrem algo que em condições normais, não seria necessário demonstrar: que os países da América Ibérica são feitio da Europa, e que o crioulismo é uma identidade forjada a partir do eixo incontroverso da cultura europeia profunda, ainda que haja recebido em maior ou menor medida e segundo cada país, outros aportes.