30/12/2011

O que o Socialismo é

por Jack London



"A revolução é uma revolução do proletariado" - Jack London

Socialismo e Natal. Quão incongruente este espectro, vagando quando tudo é alegria e festividades! Como deve ele despertar um calafrio sobre as festividades - esta coisa temível - que está lá fora em nossas terras! Mas fechai vossas portas, pessoas de bem, e baixai as persianas, para que vós não possais ver, e possais dar as rédeas de vossa imaginação a vossa curiosidade; então contemplai esse monstro temível com todo o terrorismo que vosso medo possa sugerir.

Ai de mim! Sempre tem sido vossa política fechar as portas e baixar as persianas quando o pobre passa por perto. Vós nunca o haveis visto; vós sois ignorantes dele; e ainda assim vossa própria ignorância pinta, com cores vívidas, sua hórrida imagem.

Interroguemos o socialismo, e tentemos obter um conhecimento mais legítimo dele.

O socialismo é comumente o sinônimo para qualquer esquema caótico ou revolucionário, projetado e executado por rufiões, com fogo e espada, e carnificina, destruição e caos no meio. Isso é uma injustiça. Anarquia e niilismo podem ter dado causa para tal impressão, mas eles estão tão distantes do socialismo como os pólos entre si. Outro equívoco é que anarquia e niilismo são formas extremas de socialismo. Eles são os extremos, mas não as formas extremas. Não pode haver aliança de tais contradições, ainda que devamos confessar que eles são filhos de uma mesma mãe; mas um é o dia, os outros dois são a noite.

Um socialista é necessariamente social - daí seu nome. Ele deseja ser social - isto é, viver em uma sociedade formada por seres sociais como ele. E como consequência ele deve se conformar às leis, talvez não escritas, de tal sociedade, seja ela a família, a comunidade ou Estado. Tudo que ele deseja é melhorar essas leis. Um anarquista, ao contrário, não reconhece nenhuma dessas leis, defende a abolição de todas as leis, de toda restrição. O seu esquema é um de puro individualismo, que é impossível sem o homem perfeito, e mesmo com o homem perfeito todo poder de cooperação e organização seria perdido. A sua era seria uma idade de ouro, tal como a mitologia grega expressa, mas não seria uma era iluminada de civilização, tal como a que queremos. Seu irmão gêmeo, o niilista, não quer nada. Mas com o homem, imperfeito como é, seus esquemas levariam ao caos.

Ainda, socialismo é um termo abrangente. Comunistas, nacionalistas, coletivistas, idealistas, utopistas, são todos socialistas; mas não pode ser dito que o socialismo é qualquer uma dessas coisas, pois ele é todas. Qualquer homem que luta por uma forma de governo melhor do que aquela sob a qual ele vive é um socialista.

Socialismo significa uma reconstrução da sociedade com uma aplicação mais justa do trabalho e uma distribuição mais justa dos retornos. Ele clama, "Cada um segundo seus feitos!". Sua fundação lógica é econômica; sua fundação moral, "Todos os homens nascem livres e iguais", e seu objetivo final é a democracia pura.

Por "todos os homens nascem livres e iguais" se quer dizer nascer livre e com oportunidades iguais de se sustentar com um trabalho honesto - mental ou físico.

Por uma democracia pura se quer dizer uma forma de governo na qual o poder supremo esteja com e seja exercido diretamente pelo povo ao invés da forma atual, que é uma forma republicana de democracia, na qual o poder supremo está com o povo, mas ele é exercido indiretamente por ele, através de representantes.

Representantes podem ser corrompidos, mas como poderia o povo inteiro ser subornado? Isso seria uma tarefa hercúlea, e como Lincoln disse: "Você pode enganar todo o povo parte do tempo; parte do povo todo o tempo; mas não todo o povo por todo o tempo".

O socialismo é um fenômeno desse século. É uma visão do futuro, enquanto seus agentes estão trabalhando ativamente no presente. É um produto da evolução social. Nós tivemos escravidão, feudalismo, capitalismo e socialismo. É o passo óbvio. Se essa geração verá isso é incerto, mas "eventos futuros deixam antes sua sombra", e a sombra do socialismo já escurece o mundo. É uma nuvem ascendendo sobre nós com crescente magnitude.  O ruído surdo de seu trovão pode ser ouvido; seu relâmpago brilha mais e mais; ele está sobre nós. Trará ele uma chuva refrescante sobre a terra seca, ou trará ele a devastação do furacão? Pensem, amigos, se vocês ainda não o fizeram. Se já o fizeram, pensem novamente.

29/12/2011

Inexorável Crise Econômica Global: Uma Visão Apocalíptica de 2012

por James Petras


Introdução

A perspectiva econômica, política e social para 2012 é profundamente negativa. O consenso quase universal, mesmo entre economistas ortofoxos é pessimista em relação a economia mundial. Apesar de, mesmo aqui, suas previsões subestimarem o escopo e profundidade da crise, há razões poderosas para crer que começando em 2012, nós estamos caminhando em direção a um declínio mais íngreme do que foi experimentado durante a Grande Recessão de 2008-2009. Com menos recursos, dívidas maiores e uma resistência popular cada vez maior a carregar o fardo de salvar o sistema capitalista, os governos não podem pagar a fiança do sistema.

Muitas das principais instituições e relações econômicas que foram causa e consequência da expansão mundial e regional capitalista ao longo das últimas três décadas estão em processo de desintegração e desorganização. Os motores prévios de expansão global, EUA e União Europeia, já exauriram seus potenciais e estão em declínio aberto. Os novos centros de crescimento, China, Índia, Brasil, Rússia, que por uma "pequena década" garantiram novo ímpeto para o crescimento global já terminaram seu curso e estão desacelerando rapidamente e continuarão a fazê-lo ao longo do próximo ano.

O Colapso da União Europeia

Especificamente, a União Europeia devastada pela crise vai se desintegrar e a estrutura de camadas múltiplas vai se transformar em uma série de acordos comerciais e financeiros bilaterais ou multilaterais. Alemanha, França, Países Baixos e os países nórdicos vão tentar evitar a retração. Inglaterra - nomeadamente a Cidade de Londres, em esplêndida isolação, afundará em crescimento negativo, seus financistas tentando encontrar novas oportunidades especulativas entre os estados petrolíferos do Golfo e outros "nichos". A Europa Oriental e Central, particularmente Polônia e República Tcheca, aprofundarão seus laços com a Alemanha, mas sofrerão as consequências do declínio geral dos mercados globais. A Europa Mediterrânea (Grécia, Espanha, Portugal e Itália) entrarão em profunda depressão conforme os pagamentos massivos de dívida alimentados por ataques selvagens aos salários e aos benefícios sociais reduzirão severamente a demanda do consumidor.

Desemprego e subemprego alcançando um terço da força de trabalho detonarão conflitos sociais ao longo de todo o ano, intensificando-se em levantes populares. Eventualmente uma desintegração da União Europeia é quase inevitável. O euro será substituído ou retornar-se-á às moedas nacionais acompanhadas por desvalorização e protecionismo. O nacionalismo estará na ordem do dia. Bancos na Alemanha, França e Suíça sofrerão enormes perdas em seus empréstimos ao Sul. Grandes planos de resgate financeiro serão necessários, polarizando as sociedades alemã e francesa, entre maiorias contribuintes e banqueiros. A militância sindical e a populista de direita (neofascismo) intensificarão as lutas de classe e nacionais.

Uma Europa em depressão, fragmentada e polarizada será menos provável de se unir a qualquer aventura militar sionista contra o Irã (ou mesmo Síria). A Europa afetada pela crise irá se opor à abordagem confrontacionista de Washington em relação a Rússia e China.

EUA: A Recessão Retorna com uma Vingança

A economia americana sofrerá as consequências de seu déficit fiscal inchado e não será capaz de encontrar um caminho para fora da recessão de 2012 por meio de gastos públicos. Nem pode contar com "exportar" seu caminho para fora do crescimento negativa voltando-se para outrora dinâmica Ásia, na medida em que China, Índia e o resto da Ásia estão perdendo vapor econômico. A China crescerá bem abaixo de sua média de 9%. A Índia vai cair de 8% para 5%, ou menos. Ademais, a política militar de "cercamento" do regime Obama, sua política econômica de exclusão e protecionismo, dificultarão qualquer estímulo da China.


O Militarismo Exacerba a Recessão Econômica

Os EUA e Inglaterra serão os maiores perdedores com a reconstrução econômica pós-guerra do Iraque. Dos $186 bilhões de dólares em projetos de infraestrutura, as corporações americanas e britânicas ganharão menos de 5% (Financial Times, 12/16/11). Um resultado similar é provável na Líbia e outros locais. O imperialismo militar americano destrói um adversário, mergulhando em dívidas para fazê-lo, e os não-beligerantes colhem os lucrativos contratos de reconstrução econômica pós-guerra.

A economia americana cairá em recessão em 2012 e "recuperação sem criação de empregos de 2011" será substituída por um grande aumento do desemprego em 2012. Em verdade, toda a força de trabalho encolherá na medida em que pessoas perdendo seus seguros-desemprego deixem de se registrar.

A exploração do trabalho se intensificará conforme os capitalistas forcem os trabalhadores a produzir mais, por salários menores, assim ampliando a diferença entre salários e lucros.

A recessão econômica e o crescimento do desemprego serão acompanhados por grandes cortes em programas sociais para subsidiar bancos e indústrias com problemas financeiros. Os debates entre os partidos serão sobre quão grandes os cortes para trabalhadores e aposentados serão para garantir a "confiança" de investidores. Encarados por escolhas políticas igualmente limitadas, o eleitorado reagirá votando contra os políticos eleitos, abstendo-se de votar, e por meio de movimentos de massa organizados ou espontâneos, tais como o "occupy Wall Street". A insatisfação, a hostilidade e a frustração impregnarão a cultura. Demagogos democratas culparão a China; demagogos republicanos culparão os imigrates. Ambos fulminarão contra os "islamo-fascistas" e principalmente contra o Irã.

Novas Guerras em meio a Crises: Sionistas Apertam o Gatilho

Os 52 Presidentes das principais organizações judaico-americanas e seus seguidores "Israel First" no Congresso, Departamento de Estado, Tesouro e no Pentágono, pressionarão por uma guerra com o Irã. Se eles forem bem sucedidos isso resultará em uma conflagração regional e depressão global. Considerando o sucesso do regime extremista de Israel em garantir a obediência cega a suas políticas de guerra por parte do Congresso Americano e da Casa Branca, quaisquer dúvidas sobre a real possibilidade de um resultado catastrófico podem ser deixadas de lado.

China: Mecanismos Compensatórios em 2012

A China irá encarar a recessão global de 2012 com diversas possibilidades de amenizar seu impacto. Pequim pode passar a produzir bens e serviços para os 700 milhões de consumidores domésticos atualmente excluídos dos ciclos econômicos. Aumentando salários, serviços sociais, e segurança ambiental, a China pode compensar pela perda de mercados estrangeiros. O crescimento econômico da China, que é majoritariamente dependente de especulação imobiliária, será afetado negativamente quando a bolha estourar. O resultado será uma recessão, levando a desemprego, falências municipais e conflitos sociais e de classe mais intensos. Isso pode resultar ou em maior repressão ou em gradual redemocratização. O resultado afetará profundamente as relações mercado-estado da China. A crise econômica provavelmente fortalecerá o controle estatal sobre o mercado.

A Rússia Encara a Crise

A eleição do Presidente Putin levará a menos colaboração com revoltas promovidas pelos EUA e sanções contra aliados e parceiros comerciais russos. Putin fortalecerá seus laços com a China e se beneficiará da desintegração da União Europeia e do enfraquecimento da OTAN.

A oposição financiada pela mídia ocidental usará sua influência econômica para erodir a imagem de Putin e para encorajar boicotes de investimentos, apesar de que perderão as eleições presidenciais por uma grande margem. A recessão global enfraquecerá a economia russa e a forçará a escolher entre uma maior propriedade pública ou maior dependência em fundos estatais para resgatar oligarcas proeminentes.

A Transição 2011-2012: De Estagnação e Recessão Regional a Crise Global

O ano de 2011 preparou o terreno para a desintegração da União Europeia. As crises começaram com a derrocada do Euro, com a estagnação nos EUA e o início de protestos em massa contra as desigualdades obscenas em escala global. Os eventos de 2011 foram um ensaio para um novo ano de guerras comerciais totais entre potências, recrudescimento de conflitos interimperialistas e a probabilidade de rebeliões populares se transformarem em revoluções. Ademais, a escalada da febre de guerra sionista contra o Irã em 2011 promete a maior guerra regional desde o conflito indochinês. As campanhas eleitorais e resultados das eleições presidenciais nos EUA, Rússia e França aprofundarão os conflitos globais e crises econômicas.

Durante 2011 o regime Obama anunciou uma política de enfrentamento militar com Rússia e China e políticas designadas para enfraquecer e degradar a ascensão da China como potência econômica global. Diante de uma recessão econômica crescente e com o declínio dos mercados ultramarinos, especialmente na Europa, uma grande guerra comercial se desenvolverá. Washington promoverá agressivamente políticas limitando as exportações e investimentos chineses. A Casa Branca vai intensificar seus esforços em atrapalhar o comércio e investimento da China na Ásia, África e outras regiões.  Nós podemos esperar maiores esforços americanos para explorar conflitos populares e étnicos internos na China e a aumentar sua presença nos arredores da costa chinesa. Uma grande provocação ou incidente fabricado nesse contexto não pode ser excluído. O resultado em 2012 pode levar a chamados chauvinistas furiosos por uma custosa nova "Guerra Fria". Obama preparou o terreno e justificativa para um confronto em larga escala a longo prazo com a China. Isso será visto como um esforço desesperado para fortalecer a influência e posições estratégicas americanas na Ásia. O "quadrângulo do poder" militar americano - EUA-Japão-Austrália-Coréia do Sul - com apoio satélite nas Filipinas, colocará os laços mercantis chineses contra o fortalecimento militar de Washington.



Europa: Maior Austeridade e Luta de Classes Intensificada

Os programas de austeridade impostos sobre a Europa, da Inglaterra à Letônia e à Europa Mediterrânea realmente chegaram para ficar em 2012. Demissões massivas no setor público e salários e oportunidades reduzidas no setor privado levarão a um ano de luta de classes permanente e desafios aos regimes. As "políticas de austeridade" no Sul, serão acompanhadas por inadimplências resultando em falências de bancos na França e na Alemanha. A classe governante financeira da Inglaterra, isolada da Europa, mas dominante na Inglaterra, insistirá que os Conservadores devem "reprimir" os trabalhadores e os levantes populares. Um novo estilo duro neo-Thatcherita de governo emergerá; a oposição sindical-Trabalhista emitirá protestos vazios e apertará as rédeas da população rebelde. Em uma palavra, as políticas sócio-econômicas repressivas postas em lugar em 2011 prepararam o palco para novos regimes de estado de política e para confrontos mais agudos e possivelmente sangrentos com jovens trabalhadores e desempregados sem futuro.

As Guerras Vindouras que Acabarão com a América "como a Conhecemos"

Dentro dos EUA, Obama preparou o terreno para uma nova e maior guerra no Oriente Médio deslocando tropas do Iraque e do Afeganistão e concentrando-as contra o Irã. Para enfraquecer o Irã, Washington está expandindo operações militares e civis clandestinas contra aliados iranianos na Síria, Paquistão, Venezuela, e China. A chave para a estratégia belicosa americana e israelense frente ao Irã é uma série de guerras em Estados vizinhos, sanções econômicas em escala global, ciber-ataques dirigidos contra indústrias vitais e assassinatos terroristas de cientistas e oficiais militares. Todo o impulso, planejamento e execução das políticas americanas que levam a uma guerra com o Irã podem ser empiricamente e sem dúvida atribuídas à configuração de poder sionista ocupando posições estratégias na administração americana, mídia de massa e "sociedade civil".

Uma análise sistemática dos estrategistas políticos americanos desenvolvendo e implementando sanções econômicas no Congresso encontra papéis proeminentes para mega-sionistas como Ileana Ros-Lehtinen e Howard Berman; na Casa Branca, Dennis Ross, Jeffrey Feltman no Departamento de Estado, e Stuart Levy, e seu substituto David Cohen, no Tesouro. A Casa Branca está totalmente a mercê de financiadores sionistas e recebe suas diretrizes dos 52 Presidentes da principal organização judaico-americana. A estratégia sionista é cercar o Irã, enfraquecê-lo economicamente e atacá-lo militarmente. A invasão do Iraque foi a primeira guerra americana por Israel; a guerra líbia foi a segunda; a atual guerra contra a Síria é a terceira. Essas guerras destruíram os adversários de Israel ou estão em processo de fazê-lo.

Durante 2011, sanções econômicas, que foram planejadas para criar insatisfação doméstica no Irã, foram a principal arma de escolha. A campanha de sanções globais mobilizou todas as energias dos principais lobbies judaico-sionistas. Eles não enfrentaram oposição da mídia de massa, do Congresso ou da Casa Branca. A configuração de poder sionista tem estado virtualmente isenta de críticas por qualquer dos jornais, movimentos ou grupos progressistas, esquerdistas e socialistas - com algumas poucas exceções notáveis. O reposicionamento de tropas americanas do Iraque para as fronteiras do Irã no ano passado, as sanções e as crescentes pressões da quinta coluna israelense nos EUA significam mais guerra no Oriente Médio. Isso provavelmente significa um ataque aéreo "surpresa" e ataques com mísseis marítimos por forças americanas. Isso será baseado em um falso pretexto de um "ataque nuclear iminente" inventado pelo Mossad e fielmente transmitido pelos sionistas a seus lacaios no Congresso americano e na Casa Branca para consumo e transmissão ao mundo. Será uma longa, destrutiva, e sangrenta guerra por Israel; os EUA arcarão com o custo militar direto e o resto do mundo pagará o preço econômico. A guerra americana sionista converterá a recessão do início de 2012 em uma grande depressão até o final do ano e provavelmente provocará levantes em massa.

Conclusão

Todas as indicações apontam para 2012 como sendo um ano de crise econômica inexorável se espalhando da Europa e dos EUA para a Ásia e suas dependências na África e na América Latina. A crise será verdadeiramente global. Confrontos intertemporais e guerras coloniais solaparão quaisquer esforços para amenizar essa crise. Em resposta, movimentos de massa emergerão passando ao longo do tempo de protestos e rebeliões, a revoluções e poder político.

28/12/2011

As Profecias Nietzscheanas - 200 Anos de Niilismo

por Keith Preston


Entre os muitos grandes e extremamente influentes pensadores do século XIX, é Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) facilmente o mais distinto em termos de possuir tanto as críticas mais profundas e penetrantes da civilização ocidental como ela era em seu tempo, e os insights e previsões mais prescientes quanto a o que o curso futuro da evolução do Ocidente envolveria. Em nossos próprios dias, Nietzsche tem sido um tópico popular do discurso acadêmico por algum tempo, e a leitura de suas obras há muito tem sido um passatempo popular entre estudantes modistas. Porém, na época de Nietzsche, ele permaneceu obscuro e suas obras não foram amplamente lidas ou aceitas até após sua morte. Mesmo com a abundância de estudos de Nietzsche que foram produzidos no mais de um século desde seu falecimento, suas idéias centrais permanecem amplamente incompreendidas ou mal interpretadas. De fato, Nietzsche ten sido majoritariamente apropriado pela Esquerda acadêmica - uma grande ironia considerando seu próprio desprezo considerável pela política da Esquerda - e a filosofia acadêmica dominante do pós-modernismo inclui a filosofia de Nietzsche como uma ancestral direta em sua linha genealógica.

Nenhum pensador é mais importante ou relevante para as idéias da Revolução Conservadora do que Nietzsche. Enquanto Marx continua a reter seu status como o mais influente pensador radical do século XIX, foi Nietzsche que foi o mais revolucionário dos dois nas implicações efetivas de seu pensamento. Nietzsche também permanece como um oposto polar dos contrarrevolucionários conservadores que surgiram em oposição à difusão da influência do Iluminismo. Nietzsche não é mero tradicionalista ao estilo de Edmund Burke, Joseph De Maistre, ou Louis De Bonald. Sua perspectiva envolve um afastamento damático não apenas do pensamento tradicional ocidental como ele se desenvolveu desde o tempo dos socráticos, mas também da cutura intelectual de mesmo os mais avançados ou revolucionários pensadores de seu tempo.

O Contexto Histórico do Pensamento de Nietzsche

Uma compreensão adequada de Nietzsche é impossível sem reconhecimento do contexto histórico no qual ele escreveu. As obras centrais de Nietzsche foram produzidas entre 1872 e 1888. Por aquela época, a revolução intelectual do Iluminismo estava bem estabelecida entre elites intelectuais ocidentais e entre as classes médias letradas ascendentes. A revolução intelectual iluminista e seus derivados foram existenciais em natureza. O aspecto mais importante do impacto da revolução foi o que Nietzsche caracterizou como a "morte de Deus". Avanços no conhecimento humano em uma grande variedade de áreas tiveram o efeito de minar a credibilidade das perspectivas teológicas tradicionais sobre cosmologia, filosofia moral, o sentido da existência humana, e daí em diante.

A derrubada da visão-de-mundo cristão que havia dominado a civilização ocidental por 1500 anos deixou pensadores subsequentes com um grande números de questões profundas. Se o propósito da vida de um indivíduo não é alcançar a salvação em um pós-vida, enquanto qual é o propósito da vida? Se o rei ou autoridades políticas estabelecidas não governam por direito divino, então qual é a base da legitimidade política? Como a sociedade deve ser organizada? Se a moralidade não é entendida segundo os ensinamentos da Igreja, da Bíblia, ou da autoridade religiosa tradicional, então qual é a base da justiça, da moralidade, da verdade, ou do "certo e errado"? Esses conceitos possuem qualquer sentido intrínseco ou objetivo? Se o universo observável não foi o produto de criação especial por um poder divino, e se a humanidade não foi "criada à imagem de Deus", então qual é o sentido da existência? Teria ela sentido para além de si própria? Se a história não é guiada pela providência divina, então como deve o processo de devir histórico ser entendido? Essas são as questões com as quais os pensadores ocidentais tem lutado desde que a velha visão teológica do universo e da existência foram demolidas pelas inovações intelectuais do Iluminismo.

A Nova Religião da Razão e do Progresso

A civilização ocidental existiu por milênios antes da ascensão da Cristandade Romana, então não é de surpreender que intelectuais iluministas anti-cristãos encontrassem inspiração nas obras clássicas da Antiguidade. Os pensadores iluministas desenvolveram uma visão-de-mundo e perspectiva filosófica relativamente similar àquela que prevaleceu entre os grandes pensadores da cultura intelectual greco-romana. A ênfase cristã tradicional em fé, revelação, mistério, e autoridade divina foi rejeitada em favor de uma nova ênfase na eficácia da razão humana e na habilidade de engajar em criticismo racional.

A visão iluminista do universo espelhava a perspectiva antropocêntrica dos gregos, com as idéias dos philosophes refletindo o adágio grego de que "o homem é a medida de todas as coisas" a um grau muito mais alto do que o pensamento cristão jamais fez. Foi a visão dos philosophes de que apenas a razão humana e o pensamento racional possuíam a capacidade para o discernimento das operações do universo através do uso da ciência. Essa confirança havia sido gerada pela revolução científica do século XVII. A razão humana era similarmente capaz de discernir as operações da sociedade e de descobrir modos pelos quais a sociedade e a humanidade poderiam ser melhoradas.

A partir dessa convicção emergiu um otimismo intelectual que expressou grande confiança na possibilidade e inevitabilidade do progresso. Essa moldura intelectual que foi transmitida às gerações subsequentes de europeus pelos grandes pensadores do Iluminismo formaram a fundação para a maior parte do pensamento moderno.

O conceito de progresso foi uma característica dominante de cada aspecto do pensamento no século XIX, seja nas áreas da filosofia, política, ou ciência. Pensadores da escola Idealista alemã, como Immanuel Kant e G.W.F. Hegel, tentaram reter a noção de justiça, moralidade, e virtude como conceitos possuindo características transcendentes em uma maneira similar àquela encontrada nas abordagens prévias cristãs à filosofia moral. Hegel desenvolvou uma doutrina filosofica conhecida como "historicismo" que caracterizava o provesso do desenvolvimento humano histórico como um pelo qual a razão desdobra-se em direção a um estado superior de unidade racional que contem dentro de si a coleção das expressões prévias, e contradições resolvidas dentro, do pensamento humano.

Hegel deu um brilho metafísico e quase-teológico a seu sistema filosófico de um modo que ainda é debatido e sujeito a interpretações variáveis. Porém, essa visão linear, progressiva da história postulada por Hegel estabeleceu o molde para a interpretação história que dominaria o pensamento ocidental pelo próximo século.

Karl Marx e Friedrich Engels desenvolveram uma concepção materialista da interpretação hegeliana da história como um processo dialético. O componente nuclear da interpretação marxista da história é um tipo de determinismo econômico. Segundo o marxismo, a história é a manifestação da luta entre classes sócio-econômicas em competição. Outros aspectos da vida humana tais como política, religião, cultura, família, e filosofia são meramente expressões ou consequências das fundações materiais de uma dada sociedade. O marxismo considera a história como um processo evolutivo no qual o conflito de classe serve como o processo dialético cujo impacto é o progresso da humanidade na direção de um estágio superior do desenvolvimento social.

A idéia oitocentista de progresso foi ainda mais fortalecida pelas inovações científicas do tempo. O pensamento evolucionário tornou-se odminante nas ciências naturais conforme as visões religiosas mais antigas sobre as origens da humanidade e do universo caíram na ignomínia intelectual. O modelo dominante da teoria evolucionária da era foi o modelo "desenvolvimentista". Esse modelo sugeria que o processo evolucionário era uma manifestação de um impulso linear em direção a um fim particular. A analogia normalmente usada era a do crescimento de um indivíduo. A visão convencional era que a evolução transpira de um modo que demonstra direção e propósito. Essa representação particular da evolução, mais famosamente expressa por Jean Baptiste Lamarck, foi destruída por Charles Darwin. Darwin afirmou que a evolução ocorre através de um processo de adaptação por meio da seleção natural.

A teoria de Darwin indicava que o processo de evolução biológica natural exibe um grande grau de aleatoriedade, e desenvolve-se de modo caótico sem qualquer resultado específico sendo inevitável em relação aos fins do processo evolutivo. As implicações atuais da teoria evolucionária darwiniana autêntica depreciam enormemente o modelo "desenvolvimentista" estabelecido de não apenas evolução biológica mas também evolução social humana. Porém, a publicação da obra de Darwin teve o efeito de popularizar o pensamento evolucionário, mesmo se suas idéias fossem mal compreendidas e mal interpretadas.
Pensadores subsequentes tentariam encontrar justificativa para suas opiniões sociais ou políticas favoritas na biologia evolucionária darwiniana. Marx considerava que Darwin havia encontrado uma justificativa científica para suas próprias opiniões sobre evolução sócio-econômica, e Darwin também foi apropriado por racistas e defensores do nacionalismo chauvinista.

De fato, esforços para interpretar a evolução social humana dentro do contexto de um molde biológico pseudo-darwiniano tornaram-se bastante abertas em natureza. Defensores do reformismo social, humanitários, advogados do capitalismo predatório, utópicos, teóricos da supremacia racial, e defensores da luta de classes todos apelavam a Darwin como justificativa para suas crenças, todas as quais estavam enraizadas em uma incompreensão fundamental das idéias de Darwin.

Foi a filosofia de Nietzsche que deu o molde interpretativo da história humana que era mais compatível com as implicações do darwinismo genuíno.

A Revolta Contra a Razão e o Progresso: A Filosofia de Nietzsche

Se a biologia evolutiva darwiniana explodiu a idéia oitocentista de progresso no reino das ciências naturais, foi o pensamento de Nietzsche que representou o mais profundo ataque às pré-concepções da época no mundo da filosofia. Nietzsche é talvez mais conhecido por suas afirmações relativas à "morte de Deus", mas o significado da "morte de Deus" na filosofia nietzscheana envolve muito mais do que mero ateísmo convencional. Outros intelectuais ateístas proeminentes haviam vindo antes de Nietzsche, como Diderot, d'Holbach e (por implicação) Hume, e ele de modo algum foi o inventor do ateísmo moderno. Apesar de Nietzsche ter sido certamente um pensador "anti-teológico" no sentido de rejeitar uma visão-de-mundo teísta em um sentido religioso convencional, sua noção de "morte de Deus" também foi pretendida como uma crítica dos preconceitos intelectuais de sua própria era, incluindo aqueles das elites intelectuais que haviam rejeitado a fé religiosa convencional. Enquanto Nietzsche era ateísta, materialista, e racionalista de um tipo comparável aos pensadores mais radicais do Iluminismo, sua perspectiva diverge radicalmente da tradição iluminista em relação ao papel da razão na vida e no pensamento humanos.

Nietzsche considerava que a ênfase iluminista na razão tinha o efeito de negar o papel das paixões na formação do caráter humano, da ação humana e das sociedades humanas. Ele contrastava a orientação iluminista na direção da razão com as manifestações e ênfase anteriores nas paixões que ele consideravam terem se tornado manifestas pela Renascença. Ele comparou essas duas eras dentro do molde de sua famosa dicotomia apolíneo/dionisíaco. O aspecto apolíneo da essência humana é o racional, lógico, prudente, e contido. O dionisíaco é o instintivo, impulsivo, e emotivo. Nietzsche não era um cético das paixões como Hobbes ou Burke, que consideravam as paixões e sentimentos humanos como tendentes a excessos perigosos e necessitando de contenção. Ao invés, ele aconselhou os seres humanos a viverem perigosamente. Nietzsche considerava o apaixonado e irracional (ou pré-racional) como a fundação de todas as culturas superiores, que ele por sua vez considerou como sendo o ápice da existência humana. Os gregos haviam enfatizado e explorado as paixões, ao invés de temê-las ou evitá-las, e por essa razão os gregos haviam produzido a mais elevadas das civilizações humanas existentes até então. Nietzsche veementemente se opôs aos sentimentos e tendências igualitárias crescentes em direção a uma sociedade de massa e democracia de massa de sua era. Apenas uma elite motivada pelas paixões pode produzir uma cultura superior. Uma sociedade igualitária seria uma sociedade de mediocridades fracas e temerosas preocupadas apenas com conforto e segurança.

A "morte de Deus" foi formulada como um ataque ao idealismo filosófico do tipo mantido por Kant e Hegel tanto quanto um ataque à fé cristã. A filosofia de Nietzsche insistia que não há fundação transcendente ou metafísica para a ética, moralidade ou justiça. Valores desse tipo eram meras construções humanas. Eles não possuem sentido fora do que os seres humanos, individualmente ou coletivamente, atribuem a eles. Nietzsche similarmente rejeitou a visão da história representada pelo historicismo de Hegel. Uma das primeiras obras de Nietzsche, Dos Usos e Abusos da História, é um ataque contra Hegel. A visão linear da história contida no sistema filosófico de Hegel teve muitos precedentes no pensamento ocidental, com raízes alcançando tão longe quanto Aristóteles.

Segundo Nietzsche, a história não tem propósito. É uma mera série de eventos que não possuem sentido próprio, além dos significados subjetivos adotados por indivíduos e grupos humanos relativos a seu próprio tempo, lugar, e experiências. A filosofia de Nietzsche era um ataque a virtualmente todo o legado da metafísica ocidental desde o tempo de Platão.

Nietzsche considerava a idéia oitocentista de progresso, e a miríade de ideologias, movimentos, e causas do tempo que eram uma manifestação dessa idéia como superstições na mesma medida das superstições teológicas que dominavam a era cristão. Sua parábola do louco encontrada em A Gaia Ciência deve ser interpretada desse jeito. Nietzsche está ridicularizando os intelectuais de seu tempo que acreditavam ter alcançado um estado superior de iluminação, e que se consideravam como os progenitores de uma civilização superior. Ele ao invés está defendendo que os pensadores de seu tempo ainda não reconheceram completamente as consequências da "morte de Deus" para a civilização ocidental.

Ao invés, eles estão simplesmente tentando encontrar substitutos trocando velhos dogmas e piedades por novos. Entre esses novos deuses estão o socialismo, o liberalismo, o utopianismo, o humanismo, o nacionalismo, a democracia, o racismo pseudo-científico do tipo representado por pensadores como H.S. Chamberlain e o antissemitismo de seu ex-amigo Richard Wagner. Tais esforços são descartados por Nietzsche como métodos de evitar ou adiar a crise existencial que a civilização ocidental eventualmente teria que encarar. Nietzsche atacou até mesmo os conservadores de sua era por fazerem concessões demais aos movimentos igualitários ascendentes como a democracia e o socialismo, e por manterem sua lealdade à carcaça do Cristianismo. Ele descartava as aristocracias europeias tradicionais como fracas e decadentes, e ele também se opunha aos movimentos nacionalistas de seu tempo como sintomáticos das sociedades igualitárias de massa compostas por indivíduos medíocres que ele via no horizonte. Nietzsche profeticamente sugeriu que o século XX seria um tempo de grandes guerras entre movimentos ideológicos de massa de seu tempo, e que somente no século XXI a crise existencial da civilização seria completamente reconhecida.

A profecia de Nietzsche de que o século XX seria um tempo de guerra em uma escala sem precedentes entre forças ideológicas polarizadas encontrou sua realização na Grande Guerra e então na Segunda guerra Mundial, e a destrutividade dessa última ultrapassou até mesmo a brutalidade chocante da primeira. O sofrimento e morte geradas pelas duas guerras mundiais, e a invenção de tecnologia de armas com a capacidade de destruir toda a humanidde demoliu a fé oitocentista no progresso e empurrou os intelectuais do pós-guerra em direção a um confronto com as implicações niilistas da ciência e filosofia modernas do tipo sobre o qual Nietzsche escreveu. O existencialismo, com suas raízes implícita ou explícitamente nietzscheanas, tornou-se a perspectiva filosófica dominante para intelectuais em meados do século XX. O existencialismo representa um esforço para confrontar a crise do niilismo sugerida por Nietzsche e o problema sério que essa crise representa para a ética humana e a questão do sentido. Se a existência não tem sentido, então qual é a base do comportamento humano adequado? Se Deus está morto, tudo é permitido, como Dostoevsky sugeriu? As lutas dos pensadores existencialistas com essas questões são famosamente ilustradas, por exemplo, pelos esforços da existencialista-feminista Simone De Beauvoir para estabelecer um modelo de ética em face da insignificância da existência apontando para a comunalidade da experiência humana, e a possibilidade de criar virtudes compartilhadas e valores que avancem os interesses humanos no reino da experiência vivida, mesmo que esses valores no fim das constas não possuam fundação ou sentido objetivo ou cósmico. Seu companheiro Jean Paul Sartre afirmava que poder-se-ia criar o seu próprio sentido participando nas atividades sociais ou políticas do próprio tempo ou mesmo abraçando o irracional, por exemplo, tornando-se cristão devoto ou comunista militante. O próprio Sartre escolheu a segunda opção.

O Futuro

Nietzsche previu que seria bem dentro no século XXI antes do pensamento ocidental confrontar completamente a crise do niilismo. Então logo pareceria que ele estava correto. O pensamento ocidental desde o Iluminismo havia tentando compensar pela perda da velha fé substituindo a visão-de-mundo cristã desacreditada com novas fés e novas piedades. Conforme essas foram se tornando cada vez mais difíceis de justificar dentro de uma moldura de racionalidade e crença em um "progresso" inevitável, os intelectuais ocidentais cada vez mais recuaram no irracional. Isso é ilustradi pelo curioso fenômeno dos presentes esforços pelas elites intelectuais ocidentais para abraçar o pós-modernismo, com seu relativismo cultural e moral acompanhando, e ao mesmo tempo abraçando o fanatismo moralista igualitário-universalista-humanista popularmente rotulado "politicamente correto" e defendendo com grande piedade cruzadas liberais como "direitos humanos", "anti-racismo", "liberação gay", feminismo, ambientalismo e similares. Tal perspectiva, que combina o extremo moralismo no reino cultural e político, completo relativismo moral no reino filosófico ou metafísico, e às vezes até cai no subjetivismo no reino epistemológico, é fundamentalmente irracional, é claro. Que tal perspectiva tenha se tornado tão profundamente enraizada indica que os intelectuais ocidentais estão desesperadamente trabalhando para evitar uma confrontação total com a crise do niilismo.

Pareto afirmava que as civilizações morrem quando suas elites perdem fé em suas próprias civilizações em tal medida que a vontade de sobreviver não mais existe. As elites políticas e culturais ocidentais exibem um claro desprezo pelo legado de sua civilização, como demonstrado por sua filiação a ideologias anti-ocidentais como "multiculturalismo" e seu apoio por políticas públicas tais como permitir a imigração em massa para o Ocidente vinda do Terceiro Mundo, que ultimamente significa a conquista demográfica e morte da civilização ocidental. A presunção das elites atuais é que uma alteração demográfica dramática pode ocorrer sem consequências notáveis, ou que a destruição da própria civilização ocidental pode ser desejável. A prevalência de tais atitudes novamente indica que o niilismo cultural tornou-se profundamente entrincheirado. Porém esse niilismo até agora tem estado mascarado por platitudes liberal-humanistas de crescente burrice.

Ainda está pra ser visto o que lançará os holofotes sobre essa crise. Ameaças genuínas à própria sobreivência da civilização ocidental podem bem forçar esse confronto. Estas podem incluir a ameaça de terrorismo nuclear, colapso econômico ou catástrofe ecológica, a escassez de recursos dos quais a civilização depende, ou o encrentamento com um rival ideológico que representa uma ameaça existencial.  Conforme mudanças demográficas de magnitude a ameaçar a despossessão cultural tornam-se cada vez mais iminentes, e conforme as consequências tornam-se cada vez mais inegáveis, talvez um despertar e renovação culturais começarão. De outro modo, pode até ser o caso que a modernidade e pós-modernidade ocidentais eventualmente sofrerão o mesmo destino que a civilização grecorromana da antiguidade.

22/12/2011

Filippo Marinetti

por Kerry Bolton



Filippo Marinetti, 1876 - 1944, era diferente da maior parte da vanguarda cultura do século XIX. Eles estavam rebelando-se contra o espírito de vários séculos de liberalismo, racionalismo, a ascensão das massas democráticas, o industrialismo, e o domínio da elite financeira. Sua revolta contra o impacto nivelador da era democrática não intencionava retornar a certas "idades do ouro" percebidas como a era medieval sustentada por Yeats e Evola, ou rejeitar a tecnologia em favor de um retorno à vida rural, como advogado por Henry Williamson e Knut Hamsun. Ao contrário, Marinetti abraçava os novos fatos da tecnologia, da máquina, da velocidade, e da energia dinâmica, em um movimento chamado Futurismo.

A resposta futurista para os fatos da nova era é então uma reação bastante singular dos artistas e letrados anti-liberais e uma que continua a influenciar certos aspectos de sub-culturas industriais e pós-industriais.

Marinetti nasceu na Alexandria em 1876. Ele formou-se em Direito em Gênova em 1899. Apesar de os aspectos políticos e filosóficos do curso terem mantido seu interesse, ele viajou frequentemente entre França e Itália e interessou-se pelas artes avant-garde do fim do século XIX, promovendo jovens poetas em ambos países. Ele já era um forte crítico das abordagens conservadores e tradicionais de poetas italianos. Ele era nessa época um entusiasta da música moderna e revolucionária de Wagner, vendo-a como assaltando "o equilíbrio e a sobriedade...a meditação e o silêncio..."

Por volta de 1904, elementos futuristas já haviam se manifestado em sua escrita, particularmente seu poema "Destruição" que ele chamou de "um poema erótico e anarquista", um eulogio ao "mar vingativo" como um símbolo da revolução. Após uma destruição apocalíptica, o processo de reconstrução começa nas ruínas do "Velho Mundo". Aqui já há o elogio da morte como dinâmica e transformadora.

Com a morte do pai de Marinetti em 1907, sua herança permitiu-lhe viajar bastante e ele tornou-se uma figura cultural conhecida por toda Europa. Nietzsche era à época um dos intelectuais mais conhecidos que desejavam a liberação da velha ordem. Nietzsche era amplamente lido pelos letrados da Itália, e o futuro colega intervencionista de Marinetti, D'Annunzio, era o mais proeminente em promovê-lo naquele país.

Entre os outros filósofos de particular interesse que Marinetti estudou estava o teórico sindicalista francês Georges Sorel. Esse sindicalismo soreliano rejeitava o marxismo em favor de uma sociedade composta por pequenas unidades cooperativas de produção ou sindicatos, e fundava um novo mito de ação e luta heróicas. Desprezando o pacifismo da Esquerda, Sorel via a guerra como uma dinâmica de ação humana. Sorel por sua vez foi ele próprio influenciado por Nietzsche, e aplicando o Super-Homem nietzscheano ao socialismo, afirma que a revolução proletária necessita de líderes heróicos.

Sorel tornou-se influente não apenas entre sindicalistas de esquerda mais também entre certos nacionalistas radicais tanto na França como na Itália. Uma manifestação disso foi o Círculo Proudhon na França composto por monarquistas direitistas maurrasianos e sindicalistas revolucionários sorelianos, e batizado em homenagem ao assim chamado "pai do anarquismo", em uma síntese que daria origem ao Fascismo naquele país ao mesmo tempo em que ele apareceu na Itália.

As idéias artísticas de Marinetti cristalizaram no movimento futurista que originou-se de um encontro de artistas e músicos em Milão em 1909 para rascunhar um Manifesto Futurista.  Com Marinetti estavam Carlo Carra, Umberto Boccioni, Luigi Russolo, e Gino Severini. O manifesto foi publicado pela primeira vez no jornal parisiense Le Figaro, e exortava a juventude a, "Cantar o amor pelo perigo, o hábito da energia e da ousadia". O movimento inicial atraiu o interesse de anarquistas e sindicalistas da esquerda não-ortodoxa que buscavam uma revolta contra a "segurança" democrática burguesa.

Em 1913 o programa político futurista foi publicado, o qual serviu como a base para o estabelecimento do Partido Político Futurista em 1918; isto é, depois que Marinetti deu início a uma campanha para a entrada da Itália na Guerra Mundial, junto com Mussolini e D'Annunzio.



O Primeiro Congresso Fascista foi realizado em Florença em 1919, e Marinetti ressaltou que a atmosfera era preponderantemente futurista em sentimento, mas um pacto eleitoral entre os futuristas e os fascistas foi abortivo, e Marinetti insistiu em aderir à esquerda radical, ao mesmo tempo que ele mantinha um grande elemento de apoio entre os fascistas

Em contraste com aqueles fascistas e nacionalistas que buscavam inspiração na Roma Clássica, os futuristas desprezavam toda tradição, tudo que pertencia ao passado: "Nós queremos exaltar o movimento agressivo...nós afirmamos que a magnificência do mundo foi enriquecida por uma nova beleza: a beleza da velocidade".

A máquina era poeticamente elogiada. O carro de corrida tornou-se o ícone da nova época, "que parece correr como uma metralhadora". A estética futurista devia ser a alegria na violência e na guerra, como "a única higiene do mundo". Movimento, energia dinâmica, ação, e heroísmo eram os fundamentos da "cultura do futuro futurista". A briga, a corrida, e o chute eram expressões de cultura. O Manifesto Futurista é tanto um desafio à ordem política e social como ao status quo nas artes.

Ele declarava:

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.

3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o extase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.

6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificiência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostar-se diante do homem.

8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.

9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.

10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.

É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o "Futurismo", porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.

Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.

Museus: cemitérios!... Idênticos, na verdade, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos em que se descansa para sempre junto a seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos matadouros de pintores e escultores, que se vão trucidando ferozmente a golpes de cores e linhas, ao longo das paredes disputadas!

Que se vá lá em peregrinação, uma vez por ano, como se vai ao Cemitério no dia de finados... Passe. Que uma vez por ano se deponha uma homenagem de flores diante da Gioconda, concedo...

Mas não admito que se levem passear, diariamente pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa inquietude doentia, mórbida. Para que se envenenar? Para que apodrecer?

E o que mais se pode ver, num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se esforçou para infrigir as insuperáveis barreiras opostas ao desejo de exprimir inteiramente seu sonho?... 
Admirar um quadro antigo equivale a despejar nossa sensibilidade numa urna funerária, no lugar de projetá-la longe, em violentos jatos de criação e de ação.

Vocês querem, pois, desperdiçar todas as suas melhores forças nesta eterna e inútil admiração do passado, da qual vocês só podem sair fatalmente exaustos, diminuídos e pisados?

Em verdade eu lhes declaro que a frequência diária aos museus, às bibliotecas e às academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registro de arremessos truncados!...) é para os artistas tão prejudicial, quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens ébrios de engenho e de vontade ambiciosa. Para os moribundos, para os enfermos, para os prisioneiros, vá lá:- o admirável passado é, quiçá, um bálsamo para seus males, visto que para eles o porvir está trancado... Mas nós não queremos nada com o passado, nós, jovens e fortes futuristas!

E venham, pois, os alegres incendiários de dedos carbonizados! Ei-los! Ei-los!... Vamos! Ateiem fogo às estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais, para inundar os museus!... Oh! a alegria de ver booiar à deriva, laceradas e desbotadas sobre aquelas águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas!

Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta-nos assim, pelo menos um decénio mais jovens e válidos que nós deitarão no cesto de papéis, como manuscritos inúteis. - Pois é isso que queremos!

Nossos sucessores virão de longe contra nós, de toda parte, dançando à cadência alada dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos aduncos de predadores e farejando caninamente, às portas das academias, o bom cheiro das nossas mentes em putrefacção, já prometidas às catacumbas das bibliotecas.

Mas nós não estaremos lá... Por fim eles nos encontrarão - uma noite de inverno - em campo aberto, sob um triste telheiro tamborilado por monótona chuva, e nos verão agachados junto aos nossos aviões trepidantes, aquecendo as mãos ao fogo mesquinho proporcionado pelos nossos livros de hoje, flamejando sob o voo das nossas imagens.

Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes de angústia e despeito, e todos, exasperados pela nossa soberba, inestancável audácia, se precipitarão para matar-nos, impelidos por um ódio tanto mais mais implacável quanto os seus corações estiverem ébrios de amor e admiração por nós.

A forte e sã injustiça explodirá radiosa em seus olhos - A arte, de facto, não pode ser senão violência, crueldade e injustiça.

Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no entanto, temos já esbanjado tesouros, mil tesouros de força, de amor, de audácia, de astúcia e de vontade rude, precipitadamente, delirantemente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem jamais repousar, até perder o fôlego... Olhai para nós! Ainda não estamos exaustos! Os nossos corações não sentem nenhuma fadiga, porque estão nutridos de fogo, de ódio e de velocidade!... Estais admirados? É lógico, pois não vos recordais sequer de ter vivido! Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas!

Vós nos opondes objecções?... Basta! Basta! Já as conhecemos... Já entendemos!... Nossa bela e hipócrita inteligência nos afirma que somos o resultado e o prolongamento dos nossos ancestrais. - Talvez!... Seja!... Mas que importa? Não queremos entender!... Ai de quem nos repetir essas palavras infames!...

Cabeça erguida!...

Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas.

Uma pletora de manifestos escritos por Marinetti e seus colegas seguiu-se, englobando o cinema, a pintura, a música, e a prosa futuristas, mais as implicações políticas e sociológicas.


Guerra, a Única Higiene do Mundo

O manifesto de Marinetti sobre a guerra mostra o lugar central que a violência e o conflito possuem na doutrina futurista, escrevendo da mesma maneira que em seu manifesto aos estudantes no ano anterior:

Nós Futuristas, que por maias de dois anos, desprezados pelos Aleijados e Paralisados, temos glorificado o amor do perigo e da violência, elogiado o patriotismo e a guerra, a higiene do mundo, estamos felizes em finalmente experimentar essa grande hora Futurista da Itália, enquanto a imunda tribo de pacifistas aninham-se agonizantes nas masmorras profundas do ridículo palácio em Haia. Nós tivemos recentemente o prazer de lutar nas ruas com os mais fervorosos adversários da guerra e gritar em suas faces nossas firmes crenças:

1. Todas as liberdades devem ser dadas ao indivíduo e à coletividade, menos a liberdade de ser covarde.
2. Que seja proclamado que a palavra Itália deve prevalecer sobre a palavra Liberdade.

3. Que a cansativa memória da grandeza romana seja cancelada por uma grandeza italiana cem vezes maior.
Para nós hoje, a Itália possui a forma e poder de um belo Couraçado de guerra com seu esquadrão de ilhas-torpedeiros. Orgulhosos de sentir que o fervor marcial por toda a nação é igual ao nosso, nós incitamos ao governo italiano, futurista finalmente, a magnificar todas as ambições nacionais, desdenhando as acusações estúpidas de pirataria, e proclamar o nascimento do Pan-Italianismo.

Poetas, pintores, escultores, e músicos futuristas da Itália! Enquanto a guerra durar deixemos de lado nossos versos, nossos pincéis, nossas escápulas, e orquestras! Os feriados vermelhos do gênio chegaram! Não há nada para nós admirarmos hoje além das espantosas sinfonias dos estilhaços e as insanas esculturas que nossa inspirada artilharia molda entre as massas do inimigo.

Soldado Artístico de Assalto

Marinetti empenhou seu caráter dinâmico em uma campanha agressiva para promover o Futurismo. Os futuristas objetivavam agravar a sociedade para longe da complacência burguesa e da existência segura através do teatro de rua inovador, da arte abrasiva, de discursos, e manifestos. O estilo oratório de Marinetti era ele próprio bombástico e trovejante. A arte ofensiva para a sociedade convencional e o establishment artístico. Se uma pintura era de um homem com um bigode, as suíças eram representadas com as cerdas do pincel coladas na tela. Um trem seria representado com as palavras "puff, puff".



Tanto as palavras como os feitos dos futuristas encaixavam-se na natureza da arte em expressar o desprezo pelo status quo com sua preocupação com "passadismo" ou o "passé". Marinetti por exemplo, descreveu Veneza como "uma cidade de peixes mortos e casas decadentes, habitadas por uma raça de garçons e cambistas".

Para o futurista Boccioni, Dante, Beethoven e Michelangelo eram "nauseantes", enquanto Carrà engajou-se em pintar sons, ruídos e até odores. Marinetti atravessou a Europa dando entrevistas, organizando exibições, encontros e jantares. Pôsteres em vermelhão com enormes letras quadradas soletrando "futurismo" foram colados por toda Itália em fábricas, salões de dança, cafés e praças. Performances futuristas foram organizadas para provocar tumultos. Colas eram colocadas em assentos. Dois bilhetes para um mesmo assento eram vendidos para provocar uma briga. "Música de ruído" (Noise) tocava enquanto poesia ou manifestos eram recitados e pinturas exibidas. Frutas e spaghetti estragados eram arremessados pela audiência, e as performances normalmente terminavam em pancadaria.

Marinetti respondia a deboches com humor. Ele comia a fruta lançada contra ele. Ele saudava a hostilidade como demonstrativo de que o futurismo não agradava ao medíocre.

Política

Os primeiros contatos políticos de Marinetti e os Futuristas foram com a esquerda ao invés de com a direita, apesar do nacionalismo extremo de Marinetti e seu elogio da guerra como a "higiene da humanidade, e seu apoio pelas aventuras embrionárias neo-imperiais da Itália, apoiando a invasão italiana da Líbia em 1912." Houve sindicalistas e anarquistas que compartilhavam das opiniões de Marinetti sobre a natureza energizante e revolucionária da guerra e deram-lhe uma audiência.

Em 1909, Marinetti participou das eleições gerais e publicou um "Primeiro Manifesto Político" o qual é anti-clerical e afirma que o único programa político futurista é o "orgulho nacional", pedindo pela eliminação do pacifismo e dos representantes da velha ordem. Durante esse ano, Marinetti esteve fortemente envolvido nas agitações pela soberania italiana sobre Trieste, governada pela Áustria. A aliança política com a extrema esquerda começou com o anarco-sindicalista Ottavio Dinale,  cujo jornal republicou o Manifesto Futurista. O jornal, La Demolizione era de uma natureza geral combativa, objetivando unificar em um "fascio" todos aqueles de tendências revolucionárias, para "fazer oposição com energia total à inércia e indolência que ameaça sufocar toda a vida". A frase é distintamente futurista.



Marinetti anunciou que ele pretendia fazer campanha política tanto como sindicalista como nacionalista, uma síntese que eventualmente emergeria no Fascismo. Em 1910, ele forjou elos com a Associação Nacionalista Italiana, que possuía um programa sindicalista, pró-trabalhador.  Em 1913, um manifesto político futurista foi publicado que demandava a expansão das forças armadas, uma "política externa agressiva", o expansionismo colonial, e o "pan-italianismo"; um "culto" do progresso, da velocidade, e do heroísmo; oposição à nostalgia por monumentos, ruínas, e museus; protecionismo econômico, anti-socialismo, anti-clericalismo. O movimento foi recebido com amplo entusiasmo entre estudantes universitários.

Intervenção

A chance para o "lugar sob o Sol" da Itália veio com a Primeira Guerra Mundial. Não apenas os nacionalistas demandavam a entrada da Itália na guerra, mas também certos sindicalistas revolucionários e uma facção de socialistas liderados por Mussolini. Dos letrados vieram D'Annunzio e Marinetti.

Em um manifesto endereçado aos estudantes em 1914 Marinetti afirma o propósito do futurismo e demanda a intervenção na guerra. O futurismo era o "médico" que curaria a Itália do "passadismo", um remédio "válido para todo país". O "culto dos ancestrais longe de cimentar a raça" estava fazendo dos italianos "anêmicos e pútridos". O futurismo estava agora "sendo plenamente realizado na Grande Guerra Mundial".



Sua exortação para que os estudantes italianos demandem o lugar da Itália no mundo através da participação na Guerra Mundial, garantia um aspecto romântico à campanha intervencionista que também foi assumida por D'Annunzio. Porém, longe de se inspirar na herança romana da Itália, Marinetti amaldiçoava o grande passado como um impedimento a um futuro ainda maior. Seu manifesto aos estudantes dá um insight no repúdio revolucionário do "passadismo" por Marinetti, porque "um passado ilustre está esmagando a Itália e um futuro infinitamente mais glorioso".

Esse "passadismo" era condenado junto com a arqueologia, o academicismo, a velhice, o quietismo, a obsessão com o sexo, a indústria de turismo, etc. "Nosso nacionalismo ultra-violento, anti-clerical e anti-tradicionalista é baseado na inexaustibilidade do sangue italiano e na luta contra o culto do ancestral, que, longe de cimentar a raça, faz dela anêmica e podre..."

Marinetti, como muitos sindicalistas que romperam com a perspectiva internacionalista do socialismo ortodoxo, via a guerra como uma causa revolucionária, descreveu a guerra como "o mais belo poema futurista que já foi visto até agora". O futurismo em si era guerra artística, e "a militarização dos artistas inovadores...", a guerra como ação revolucionária varreria do poder todos os representnates decrépitos do passado: "diplomatas, professores, filósofos, arqueólogos, críticos, a obsessão cultural, o grego, o latim, a história, o senilismo, museus, bibliotecas, a indústria de turismo, etc.". "A guerra promoverá a ginástica, o esporte, as escolas práticas de agricultura, comércio e indústria. A Guerra rejuvenescerá a Itália, a enriquecerá com homens de ação, a forçará a não viver mais do passado, de ruínas e do clima ameno, mas a partir de suas próprias forças nacionais".

Os futuristas foram provavelmente os primeiros a organizar protestos em favor da guerra, segundo o Professor Jesnen. Mussolini e Marinetti fizeram seu primeiro encontro conjunto em Milão em 31 de março de 1915. Em abril, ambos foram presos em Roma por organizarem um protesto.

Os futuristas não eram meros falastrões. Os futuristas estiveram entre os primeiros a se alistarem para serviço ativo. Quase todos eles se distinguiram na guerra, como Mussolini e D'Annunzio. O arquiteto futurista Sant Elia foi morto, bem como Boccioni. Marinetti alistou-se com o regimento Alpini e foi ferido e condecorado por valor.

Partido Futurista

Em 1918, Marinetti começou a dirigir sua atenção a uma nova Itália pós-guerra. Ele publicou um manifesto anunciando o partido político futurista, cujo nome, interessantemente, era Fasci Politici Futuristi. O manifesto, uma elaboração do Manifesto Político Futurista de 1913, demandava por "nacionalismo revolucionário", tanto por imperialismo como revolução social. "Nós devemos empreender nossa guerra até a vitória total".



As demandas do manifesto incluíam as 8 horas diárias de trabalho e salários iguais para mulheres, a nacionalização e redistribuição de terra para os veteranos; impostos pesados sobre a riqueza herdada e a gradual abolição do casamento através do divórcio fácil; uma Itália forte livre de nostalgia, turistas, e padres; e a industrialização e modernização de "cidades moribundas" que vivem como centros turísticos. Uma política corporativista demandava a abolição do Parlamento e sua substituição por um governo técnico de 30 ou 40 jovens diretores escolhidos das associações de ofícios.

O partido futurista concentrou sua propaganda nos soldados, e recrutou muitos veteranos de guerra das tropas de elite Arditi, as tropas de choque de camise negra do exército que investiam no combate nus até a cintura, com uma granada em cada mão e uma adaga entre os dentes. Enquanto o programa era extremo demais para ter apelo popular, ele conquistou muitos veteranos Arditi, que tornaram-se a base de um movimento político futurista. Em 1919 o veterano Arditi e futurista, Mario Carli, fundou a Associação Arditi, com Roma Futurista como seu órgão, e a associação logo teve 10.000 membros.
Em dezembro de 1919, os futuristas reviveram os "Fasci" ou "grupos", que haviam sido organizados em 1914 e 1915 para fazer campanha pela intervenção na guerra,  e dos quais emergeriam os fascistas.

Futuristas & Fascistas

A primeira ação conjunta pós-guerra entre Mussolini e Marinetti ocorreu em 1919 quando uma manifestação do Partido Socialista foi atrapalhada em Milão, em que o socialista Bissolati estava tentando defender um programa de renúncia italiana das reivindicações dos territórios pertencentes majoritariamente a italianos étnicos, porém sob soberania estrangeira. O professor Jensen afirma que esta foi "a primeira violência política planejada na Itália pós-guerra".

Naquele ano Mussolini fundou sua própria Fasci di Combattimento em Milão com o apoio de Marinetti e do poeta Ungaretti. Os futuristas e os Arditi compunham o núcleo da liderança fascista. O primeiro manifesto fascista foi baseado no manifesto do partido futurista de Marinetti.



Em abril, contra a vontade de Mussolini que achava essa ação prematura, Marinetti liderou fascistas e futuristas e arditi contra uma manifestação massiva do Partido Socialista. Marinetti lançou-se com punhos, mas interviu para salvar um socialista de ser espancado por arditi. (Para colocar a situação pós-guerra em perspectiva, os socialistas haviam regularmente espancado, abusado, e até assassinado veteranos de guerra). Os fascistas e futuristas então prosseguiram até o escritório do jornal socialista Avanti, o qual eles saquearam e queimaram.

Marinetti concorreu como candidato fascista nas eleições de 1919 em Milão e persuadiu o maestro Toscanini a fazê-lo também. Os resultados foram ruins.

Enquanto a base para a fundação do partido fascista haviam sido os veteranos arditi liderados pelos futuristas, a rejeição extrema da tradição pelos futuristas sempre faria com que esta fosse uma aliança inquieta, apesar da base doutrinária do fascismo ser uma de síntese dialética. Está claro que Marinetti não acreditava em qualquer síntese do tipo, ou com o que ele certamente teria considerado como compromisso com o "passadismo".

Quando o Congresso Fascista de 1920 recusou-se a apoiar a demanda futurista pelo exílio do rei e do Papa, Marinetti e outros futuristas abandonaram o partido fascista. Marinetti considerou que o partido fascista estava comprometendo-se com o conservadorismo e com a burguesia. Ele também era crítica da concentração fascista na agitação anti-socialista e em sua oposição a greves. Certas facções futuristas realinharam-se especificamente com a extrema esquerda. Em 1922, houve diversas exibições e performances futuristas organizadas pela associação cultural comunista, a Proletkult, que também organizou uma palestra por Marinetti para explicar a doutrina do futurismo, porém a linha leninista, apesar dos sentimentos pró-futuristas do comissário de educação soviético Lunacharsky, logo rejeitou o futurismo e elementos futuristas foram expurgados do partido comunista.

Quando os fascistas assumiram o poder em 1922 Marinetti, como D'Annunzio, foi um apoiador crítico do regime. Marinetti considerou: "A chegada ao poder dos fascistas contituí a realização do programa futurista mínimo".  Ele aludiu ao papel que os futuristas tiveram em fundar as associações de veteranos arditi e em estarem entre os primeiros membros do Fasci de Combattimento.

De Mussolini o estadista, Marinetti escreveu: "Profetas e precursores da grande Itália de hoje, nós futuristas estamos felizes em saudar nosso Primeiro-Ministro de maravilhoso temperamento futurista".



Em 1923, Marinetti começou uma reaproximação com os fascistas, já tendo agora Mussolini assumido o governo da Itália. Em 1 de maio de 1923, o manifesto de Marinetti "Império Italiano" lembrou Mussolini da agitação futurista pelo ressurgimento imperial italiano, e incitava Mussolini a rejeitar qualquer aliança com conservadores, monarquistas, clérigos, ou socialistas.

Naquele ano ele também apresentou a Mussolini seu manifesto "Os Direitos Artísticos Promovidos pelos Futuristas Italianos".  Aqui ele rejeitou o alinhamento dos futuristas na URSS. Ele apontou para os sentimentos futuristas que haviam sido expressados por Mussolini em discursos, aludindo ao fascismo como sendo um "governo de velocidade, cortando tudo que representa estagnação na vida nacional". Sob a liderança de Mussolini, escreve Marinetti:
O Fascismo rejuvenesceu a Itália. É agora seu dever ajudar-nos a reparar o establishment artístico... A revolução política deve sustentar as revoluções artísticas

Marinetti estava entre os intelectuais do Congresso Fascista que em 1923 aprovaram as medidas tomadas pelo regime para restaurar a ordem pela supressão de certas liberdades constitucionais entre o caos crescente causado tanto por squadristas fascistas radicais fora de controle e anti-fascistas.
No Congresso Futurista de 1924, os delegados aprovaram a declaração de Marinetti:

Os Futuristas Italianos, mais do que nunca devotados às idéias e à arte, completamente distantes da política, dizem a seu velho camarada Benito Mussolini, livre-se do Parlamento com um golpe violento e necessário. Restaure para o Fascismo e para a Itália o maravilhoso, desinteressado, ousado espírito anti-socialista, anti-clerical, anti-monárquico... Recuse permitir que a monarquia sufoque a maior, mais brilhante e justa Itália de amanhã... Esmague a oposição clerical... Com uma dura e dinâmica aristocracia do pensamento.

Em 1929, Marinetti aceitou sua escolha para a Academia Italiana, considerando importante que o "Futurismo seja representado". Ele também foi escolhido Secretário para a União dos Escritores Fascistas e como tal foi o representante oficial para a cultura fascista.  O futurismo tornou-se uma parte das exibições culturais fascistas e foi utilizado na arte de propaganda do regime. Durante a década de 30 em particular a expressão cultural fascista estava passando por uma transição para longe da tradição e na direção do futurismo, com a ênfase fascista na tecnologia e na modernização. Mussolini já havia em 1926 definido a criação de uma "arte fascista" que seria baseada em uma síntese cultural, como ela era a nível político: "tradicionalista e ao mesmo tempo moderna".  Porém, o futurismo jamais tornou-se a "Arte de Estado" oficial do regime fascista. Griffin afirma: "Em contraste marcante com o Terceiro Reich, a Itália Fascista acomodou vários graus de modernismo (incluindo o movimento internacional, o futurismo, e a abstração) ao lado de elementos neoclássicos ou abertamente antimodernistas".
Dos movimentos modernistas, além do futurismo, o Novecento ("Século Vinte") parece ter sido o mais significativo, que celebrava o dinamismo da vida urbana moderna e desenvolvia uma arquitetura neoclássica. Do outro lado, houve aqueles fascistas proeminentes que buscaram uma posição direitista mais familiar em oposição ao modernismo estético como uma "algazarra internacionalista, bastarda, estrangeira, manipulada por banqueiros, pederastas, e cafetões judeus", que se adotado corromperia a raça italiana; como Mino Maccari, editor de Il Selvaggio, afirmou, com uma referência específica ao Novecento.

Não obstante, o futurismo manteve sua posição entre outras escolas estéticas, modernistas e tradicionais, e o próprio Marinetti permaneceu fiel ao regime quando o colapso chegou.

Em 1943, com os Aliados invadindo a Itália, o Grande Concílio Fascista derrubou Mussolini e rendeu-se às forças de ocupação. Os fascistas fieis estabeleceram uma última resistência, no norte, chamada República Social Italiana, ou República de Saló.

Com um novo idealismo, até antigos comunistas e líderes liberais foram atraídos para a República. O Manifesto de Verona foi redigido, restaurando várias liberdades, e defendendo o trabalho contra a plutocracia dentro da visão de uma Europa unida.

Marinetti continou a ser honrado pela República Social. Ele morreu em 1944.