04/12/2011

O "Yin-Yang" entre as Insígnas do Império Romano?

por Giovanni Monastra

Os símbolos que contém conhecimento sapiencial em si mesmos, e que o expressam, constituem um fascinante campo de investigação, porque eles introduzem-nos a um mundo que, comparado com o usual, difere da cultura moderna. Esta última, em verdade, está ligada a um tipo de conhecimento discursivo e racionalístico; ao contrário, o símbolo expressa uma dimensão não-verbal, ligada à imagem e ao imediato.

Enquanto a cultura laica moderna tende a ser baseada em elementos claros e distintos, segundo a concepção cartesiana, de um tipo analítico, em que o significado é o mais unívoco possível, arrumado em contornos fechados, a sabedoria tradicional, intrinsecamente religiosa senão metafísica, expressa-se em vários planos sem ser limitada ao verbal: ela é então mais rica e complexa, mas ao mesmo tempo sintética. Em seu horizonte o símbolo, por definição, constitui uma realidade do mundo transcendente que é manifestada na esfera humana. Não é o fruto de uma vontade individual, de uma escolha estética, mas deriva de uma série precisa de "correspondências", na medida em que existe uma ciência objetiva dos símbolos, seguindo a qual, significados vem a ser atribuídos a figuras, de modo que eles possam ser desenhados a partir do mundo das formas geométricas ou da natureza.

Contrastando com a univocalidade do signo que conhecemos hoje, o símbolo é ao invés polissemântico: de fato ele contém diversos significados, de modo que nele os mesmos estão fundidos, porém não confundidos, sendo interpretáveis em vários níveis. Logo torna-se evidente que não pode entrar nessa definição o simbolismo subjetivo e arbitrário "moderno", de tipo sentimental, que, por exemplo, é óbvio nas artes figurativas contemporâneas.

Seguindo um itinerário de pesquisa nesse mundo arcaico e, ao mesmo tempo, presente conosco na medida em que ele é eterno, eu observei algumas correspondências figurativas entre Oriente e Ocidente, correspondências que eu creio não terem sido encontradas antes.

De fato, consultando uma cópia, publicada no século XIX, de um texto escrito entre os séculos IV e V d.C. no milieu da corte do Império Romano, o Notitia Dignitatum, considerado um "diretório das atribuições" da administração civil e militar do Império e contendo muitos emblemas, eu encontrei pelo menos dois (talvez três) símbolos idênticos às figuras chinesas do yin-yang.

Notitia Dignitatum

O Notitia Dignitatum é um antigo texto de importância inquestionável: ele pode ser definido como uma "lista de competências" ou "lista de funções oficiais" ao fim do século IV e início do século V d.C. Seu título completo é Notitia Dignitatum Omnium tam Civilium quam Militarium e parece ser dividido em duas seções, correspondendo à divisão Oriente-Ocidente que caracterizava o império à época.

Ele enumera os funcionários, primeiro em um index, e então em detalhe, indicando os títulos oficiais e representando as insígnas que marcam os vários setores e departamentos. Ele começa com os prefeitos do praetorium e as outras funções da administração central, antes de seguir para as autoridades das províncias, das quais ele define as jurisdições territoriais e funções; ele também menciona as tropas dependentes, no Ocidente às vezes constituídas por tribos bárbaras.

Cronologicamente, ele não foi compilado de uma só vez. Considera-se que foi redigido em períodos razoavelmente diferentes: segundo os estudos mais recentes, a parte referente ao Império Romano do Oriente data de aproximadamente 395 d.C., a referente ao Império do Ocidente entre aproximadamente 410 e 430 d.C., com algumas variações devido a atualizações. Portanto, parece ser um documento histórico de extremo interesse, uma fonte valiosa, se usada criticamente, para compreender a estrutura imperial dos séculos IV e V, e sua organização nos domínios civil e militar. Por seu grande valor documental ele atraiu a atenção de historiadores do período romano, incluindo Mommsen, Altheim, Seeck, Mazzarino, Cam eron, e Clemente. A este último, um instrutor de história romana no Ateneu de Florença, nós devemos uma das melhores obras sobre este tema(1). Junto a este deveria ser colocado o texto de Pamela Berger, uma pesquisa dora no campo da arte antiga, especializada em iconografia(2).

Um ponto significativo refere-se à origem do documento, e portanto à identidade de seus escritores, que o texto não especifica. Como Clemente enfatiza, vários elementos permitem-nos descartar que os Notitia, tal como chegaram até nós, tenham sido compilados por um indivíduo particular, por causa da riqueza da informação que eles contém, muito difíceis de se obter para pessoas de fora dos círculos oficiais. De fato, se comparamos os Notitia com um texto que é similar em objetivos mas de origem privada, difundido por meios da reunião acrítica de fontes diferentes e contraditórias (tal como o Laterculus Polemii Silvii), emerge uma profunda diferença qualitativa e quantitativa. Deve-se concluir portanto que o Notitia tenha sido escrito no milieu da administração imperial (3), em toda probabilidade no Ocidente, ao menos no que se refere à versão que nós possuímos. De fato, as correções lá encontradas, explicáveis por atualizações, parecem envolver principalmente a parte ocidental do Império. Cameron limita seu valor documental em conexão com a administração civil e militar romana, afirmando que o Notitia, dada sua origem composta, é um texto mais prescritivo que descritivo; segundo este autor, é necessário recorrer a outras fontes para demonstrar, por comparação, que o Notitia sempre retrata bem a organização efetiva do Estado (4).

Mas, além de certas reservas, compartilhadas apenas por alguns estudiosos, o fato é que o Notitia pertence a uma tradição testada e comprovada, talvez inaugurada durante o reinado de Augusto, quando sentiu-se "a necessidade para uma coleção de informações que garantiria ao imperador, e consequentemente a seus dignatários centrais, uma tabela completa da organização administrativa e militar" (5) do Império. O Notitia então faz-nos pensar em um "diretório" no sentido mais amplo, apresentado em uma forma de luxo com muitas decorações coloridas, e oferecendo documentação detalhada: um diretório que a alta administração preparava para o imperador (6).

O Notitia Dignitatum, segundo Berger, é um documento que "tenta perpetuar a herança imperial romana em uma época em que ela mantinha muito pouco de sua antiga força ou prestígio [...]. O Notitia expressa uma ideologia inequívoca de poder hierárquico - um poder que emana do imperador [...] e permeia as províncias mais longínquas" (7).

Hoje nós temos apenas uma cópia do manuscrito original; nós devemos portanto tomar nota das vicissitudes da transmissão do texto até a idade moderna. A totalidade dos dados referentes às funções e signos foi reproduzida, provavelmente, no século IX, no Codex Spirensis (8), o "Manuscrito de Speyer", localizado em uma cidade alemã do Palatinado Renano, do qual pelo menos quatro cópias foram feitas diretamente. Como Sabbadini demonstrou muitos anos atrás, esse manuscrito, mantido durante a Idade Média na biblioteca da Catedral de Speyer, após quase ter sido ignorado por séculos, foi descober por um italiano, Pietro Donato, um patrício vêneto e bispo de Pádua de 1427 a 1447. Tendo ido ao Concílio de Basel em 1436, ele trouxe-a de Speyer e fez uma cópia dela ele mesmo (9). Essa reprodução atualmente está preservada na Biblioteca Bodleiana de Oxford.

As três cópias seguintes, cada uma das quais porta o nome da cidade na qual é agora preservada, são o manuscrito vienense (vindobonense) datado de 1484, o manuscrito parisiense do século XV, e o manuscrito de Munique, talvez o melhor espécime porque foi recopiado com cuidade e atenção extremos (10) pelos funcionários de Speyer, entre 1544 e 1551, e doado ao Conde-Paladino Otto Henry, como é evidente da inscrição.

Após essa data a trilha do manuscrito original é perdida, e chegou a ser considerado irrecuperavelmente perdido. Dos quatro exemplares já mencionados, outras cópias foram feitas. Estudiosos de história clássica concordam que os manuscritos em nossa posse são completamente fiéis ao texto original, incluindo as ilustrações, excluindo certas influências do estilo típico da época em que os copistas trabalharam. Os quatros manuscritos parecem-se em muitos detalhes, apesar das inevitáveis diferenças inerentes à tradição manuscrita. A iconografia encontrada neles apresenta afinidades interessantes com exemplos de arte romana tardia, como Altheim, Berger, e outros autores demonstraram.

Signos e Símbolos

Além da informação que o Notitia oferece sobre as divisões militares e administrativas romanas tardias, esse documento apresenta outro aspecto muito significativo, relacionado ao campo do simbolismo metafísico, religioso, e sapiencial. Nós fazemos referências à informação que podemos derivar do estudo dos vários signos de quatro cores: amarelo, azul, vermelho, e branco, que são reproduzidos em detalhe no Notitia Dignitatum e atribuídos às várias unidades militares imperiais. Nós gostaríamos de focar nossa atenção sobre esse aspecto. A significância que o codex possui em particular para nós, como um arquivo do simbolismo imperial tardio, é notável, como nós veremos. De fato, quanto mais recuamos na antiguidade, mais o significado de todos os aspectos da humanidade parecem estar permeados pelo sagrado, incluindo o Ocidente: nada é secular no sentido moderno; tudo transmite uma ordem de conhecimento sapiencial, de coerência estreita, expressa, assim dificilmente parece de credibilidade explicar a presença de signos e símbolos por motivos estéticos ou por simples razões profanas, materiais. O documento do qual falamos garante-nos vários exemplos significativos.

"Em mais de vinte páginas - escreveu Franz Altheim - o Notitia Dignitatum continha quase trezentas insígnias de unidades militares do Império Romano tardio, representados com cores. Nesse mui antigo livro de heráldico nós encontramos muitas coisas que não mais correspondem ao design da antiguidade grecorromana. As reproduções de símbolos originários da Europa Central e do Norte ocupam muito espaço. Reconhece-se animais de carga e decorações para carroças, contemporâneas entre povos asiáticos e leste-europeus, muitas runas germânicas empregadas segundo o uso antigo como símbolos, não como sinais fonéticos. Em um desses desenhos aparece Woden, em uma forma que lembra o lanceiro divino das inscrições visíveis nas rochas de Bohuslan, Gotlandia oriental, e Val Camonica. Um símbolo extremamente antigo como a runa do alce é encontrada com a insígina de tropas celtas ou ilíricas.

A maioria dos signos referem-se às estrelas, especialmente ao sol e seu curso. Eles são estrelas ou discos, emitindo raios em todas as direções. Junto a eles estão desenhos na forma de rodas, relembrando signos similares em pedras gravadas, ou a roda celta, indubitavel símbolo solar [...]. Entre as tropas germânicas nós encontramos o crescente lunar, conectado com o disco solar.

Círculos concêntricos possuem uma importância similar: eles também são reproduzidos em rochas na Escandinávia, e entre os celtas e ilírios. A suástica, outro típico símbolo solar, aparece em muitas variantes [...]. Simbolismo solar, em suas várias expressões, representa metade dos signos que aparecem no Notitia Dignitatum (11)".

Nós citamos Franz Altheim, o grande historiador do Império Romano, extensamente porque ele descreve concisamente, porém efetivamente o sistema de conteúdo simbólico desse manuscrito romano tardio. Previamente, Altheim já havia feito referências significativas a esse texto, por exemplo em um longo artigo publicado na Alemanha em 1938 mas nunca traduzido (12). Nesse artigo o estudioso alemão, pesquisando certos estudos de Alföldi, identifica em detalhe as runas que aparecem, cada uma em várias ocasiões, nos escudos do Notitia Dignitatum: Othala, Jeraz, Ingwaz (13). Em alguns casos essas runas estão associadas com chifres que referem-se a Taurus (mas não Áries), dos quais a "estilização linear abstrata [...] originalmente germânica em forma"; (14), emerge de um coerente conjunto de dados, de inscrições rupestres de Tanum e Val Camonica, ao prato gravado de Zuschen. Que concorda com o fato de que "em adição ao javali selvagem, o urso e o lobo, o touro é o animal com o qual o guerreiro germânico é comparado e no qual ele às vezes transforma-se" (15); isto é confirmado ademais pelas figuras representadas no disco de bronze que talvez venha de um capacete de Bjornhofda, Holanda.

Falando do valor das insignias sagradas, René Alleau demonstrou que, por exemplo, "o labarum de Constantino ou a oriflama da tradição medieval francesa não é uma convenção puramente social ou profana. Essas insignias possuem um significado mágico-religioso porque elas estão carregadas de um poder misterioso que acreditava-se ser capaz de garantir a vitória do exército que hasteava o símbolo sagrado". (16) De fato, a essência do símbolo é sua referência ao não-humano, ao transcendente. Portanto seu valor é objetivo.

O Yin-Yang em Roma?

Nós vimos acima que Altheim detectou, entre as insignias do Notitia Dignitatum, a presença de ornamentos das típicas carruagens dos povos asiáticos, entendendo isso como representando o povo do Oriente Médio, como é visto do contexto do livro do qual citamos. Em geral, o historiador alemão apenas enfatiza o simbolismo atribuível aos povos nórdicos, indo-europeus. Ele não faz menção à presença de pelo menos um emblema (17) que representa um símbolo bicolor, amarelo e vermelho (fig.1), similar em tudo, graficamente falando, ao Taiji da tradição chinesa: o yin e o yang estão associados aqui, primeiro o preto e em segundo o branco (fig.2), em sua representação "dinâmica", expressada através de uma moção em sentido horário. Tal emblema identifica os Armigeri (escudeiros, porta-escudos), incluindos no Capítulo 5 da Insignia viri illustris magistri peditum, ou seja, destacamentos de infantaria do Império Romano do Ocidente.

Figura 1 - Página do Notitia Dignitatum com símbolos solares e o "yin-yang" representado em sua versão dinâmica, horária (segunda linha da última fileira, segundo da esquerda); é o símbolo dos Armigeri do Império Romano do Ocidente. No original, os símbolos estão coloridos; na edição de Seeck, em preto e branco, as cores representadas por diferentes hachuras. As hachuras horizontais correspondem a azul, as hachuras verticais a vermelho, as áreas pontilhadas a amarelo. O branco, naturalmente, é representado como tal. Um dos dois pontos presentes na parte oposta não está na cor complementar, ainda que isolado no fundo: nós não sabemos se é um erro de cópia, presente no Codex Spirensis, ou se o símbolo original era realmente assim.
Figura 2 - Taiji com o yin e o yang rodando no sentido horário e anti-horário, duas possibilidades presentes no simbolismo chinês.

Nós nos deparamos com a mesma figura, porém seguindo no sentido anti-horário, com modificações bem pequenas e não colorida (figura 3), na obra compilada por Sigismundus Gelenius, publicada em Basel em 1552 por Hieronymus Frobenius onde, segundo Clemente, uma "diferente tradição" do Codex Spirensis (18), foi utilizada, enquanto Berger pensa que é uma cópia do Notitia, a primeira impressa, redatada diretamente do texto medieval agora perdido (19).

Figura 3 - Tabela de símbolos das unidades militares do Império Romano do Ocidente, no volume publicado em Basel em 1552. Nesse texto também os Armigeri portam o emblema similar ao yin-yang, representado de um modo levemente diferente de como ele aparece no texto editado por Seeck. Não há diferenciação de cores; um dos princípios enreda-se no outro e a rotação segue em sentido anti-horário.

Junto com essa insígnia nós apontaremos que aquela dos Thebei (figura 5), pertencendo à mesma seção (20), é comparável ao yin-yang chinês em sua versão "estática" (figura 6), feita de três ou mais círculos concêntricos, divididos pelo diâmetro em semicírculos de duas cores opostas e alternantes, de tal modo que em cada metade as duas cores sucedem uma à outra na ordem inversa da metade oposta. Aqui também nós temos o vermelho e o amarelo, ao invés de preto e branco.

Figura 5 - Nesta página do Notitia Dignitatum o yin-yang aparece em uma versão "estática" (centro, terceira linha do final), que possui as mesmas cores que a versão "dinâmica" (figura 1), amarelo e vermelho. Ele constitui o emblema dos Thebei, que também foram integrados no exército do Império Romano do Ocidente.


Figura 6 - o "Diagrama do Poder Supremo" (Taiji tu) de Zhou Dunyi (1017-1073). O segundo círculo a partir de cima é o "yin-yang estático". À sua esquerda está escrito "Yang, movimento", e a sua direita "Yin, quietude". Abaixo estão os cinco elementos. À esquerda do terceiro círculo está escrito: "O Tao do qian, que aperfeiçoa a masculinidade", e à direita: "O Tao do kun, que aperfeiçoa a femininidade". Abaixo do último círculo está escrito: "as dez mil coisas que estão sujeitas a transformação e geração".

Pelo nosso conhecimento, nenhum dos historiadores que estuda a Roma antiga, mesmo aqueles atentos às influências culturais asiáticas como Franz Cumento, levantaram esse fato, por si só no mínimo digno de interesse. Até mesmo Berger não deu a isso qualquer atenção, talvez porque ela estivesse principalmente interessada em uma investigação "estilística" dos conteúdos artísticos do texto. O mesmo pode ser dito dos sinologistas, nenhum dos quais, obviamente conhece bem a iconografia do Notitia Dignitatum; bem como não recebeu qualquer atenção de especialistas em antiguidade ou simbolismo. De fato, perscrutando a principal literatura devotada a relações culturais entre Oriente e Ocidete, nós não encontramos nada sobre este tema. Caso confirmada, esta lacuna estimularia algumas reflexões desiludidas sobre certa especialização bitolada que só consegue "ver" aquilo que conhece bem, continuando suas pesquisas sem jamais sair dos limites estreitos de seu próprio campo.

Naturalmente, se admitimos a validade histórica dos dados apresentados aqui, várias hipóteses permanecem abertas a respeito de sua significância simbólica dentro de um esquema ocidental e sobre suas origens (transmissão vertical esotérica, convergência figurativa, difusão horizontal, etc.). De um ponto de vista radicalmente difusionista, o orientalista francês Luce Boulnois, analisando em um livro recente os contatos que existiam entre a China e a Europa durante a antiguidade grecorromana, escreveu: "No que concerne aos dois grandes sistemas de pensamento chineses, Confucionismo e Taoísmo, pode-se afirmar que nem mesmo uma migalha penetrou no Ocidente [...] a partir daí, nem oralmente nem por escrito [...] Nenhuma idéia tipicamente chinesa chegou ali, tal como o conceito fundamental dos elementos complementares Yin e Yang". (21). Outros autores, incluindo Joseph Needham, que pesquisou muito assiduamente as relações entre China e o Ocidente desde o início e em todos so campos, tendem a admitir que certas informações sobre o Confucionismo alcançaram a Europa durante os primeiros séculos da era cristã (22).

Mahdihassan, porém, referindo-se a possíveis contatos entre o mundo alexandrino e os alquimistas chineses, supõe que o Ouroboros, a serpente bicolor que morde a própria cauda, é um "análogo" do yin-yang ou, melhor, expressa a mesma idéia representada com seu símbolo na iconografia chinesa, mas ele não menciona quaisquer das evidências que encontramos no Notitia Dignitatum (23).

Não obstante a rígida visão difusionista de fenômenos culturais e religiosos, tão comum entre esses estudiosos, os mesmos poderiam ter encontrado nos dados em questão algo em que pensar a respeito das migrações de símbolos através de rotas comerciais. É claro, essa não é a primeira descoberta no antigo Ocidente de um símbolo comparado com o yin-yang chinês, mas a pouca evidência encontrada até agora é de significância discutível, tal como os casos das decorações que apareceram do século III a.C. na esfera cultural celta (24). De fato, estes são grupos de folhas separadas por uma linha em forma de S, em que não há interpenetração de um elemento complementar no outro, como o pequeno círculo negro ou ponto inscrito na parte branca do yin-yang e o ponto branco inscrito na parte preta.

Também deveria ser apontado que, nas manufaturas celtas, as duas partes nem sempre estão coloridas de modo diferente, como com o símbolo chinês. A analogia então prova ser parcial. Porém, é digno notar que algo similar aparece em um mosaico no limiar de uma casa romana em Sousse, Tunísia, em que o artista usou cores diferentes para as duas metades do círculo, mas não inseriu os pequenos círculos de cores opostas (25).

A Migração de um Símbolo

Retornando às duas insígnias do Notitia Dignitatum, apontemos os problemas da significância e da origem histórica da iconografia. Será oportuno, em primeiro lugar, lembrar o valor simbólico que o yin-yang possui para os chineses. "A tradição do extremo oriente em seu ramo estritamente cosmológico", René Guénon escreve, "atribui uma importância fundamental aos dois princípios, ou 'categorias', que ela chama yang a yin. Tudo ativo, positivo, masculino é yang; tudo passivo, negativo, ou feminino é yin. Em um sentido simbólico essas duas categorias estão associadas com luz e sombra: o lado claro de tudo é yang, o lado escuro yin. Mas como nenhum dos dois pode ser encontrado sem o outro, eles são muito mais comumente apresentados como complementares ao invés de opostos". (26) A interpenetração recíproca dois dois polos, que são próprios da esfera cosmológica e que derivam do Princípio Absoluto não-dual, é simbolizado pelo pequeno yang branco no campo negro yin, e vice versa, um detalhe que diferencia tal doutrina de qualquer pensamento de tipo maniqueu, baseado na oposição irredutível entre bem e mal. Em verdade, os próprios adjetivos empregados por Guénon, positivo e negativo, possuem apenas valor técnico e devem ser assumidos como estando em um contexto desprovido de conotações moralistas.

A manifestação do mundo é traçável ao Yang e Yin, também definidos como Céu e Terra. De fato, nos textos sapienciais como o Tao Te Ching, o Tao, o Princípio Absoluto, ou "Vácuo Supremo", gera o Ser como sua primeira determinação, na qual é formada a díade metafísica do yin e do yang, polaridade raiz do múltiplo, da manifestação. Assim de sua fusão em vários equilíbrios nascem os seres humanos, a natureza viva, e todo o cosmo. Em termos tirados do simbolismo numérico, nós podemos dizer que do Zero metafísico (Tao) brota o Uno (Ser), e a partir desse o Dois (yin-yang), que, unindo-se um com o outro, dá origem aos "dez mil entes".

Por outro lado, nós não sabemos que significância os dois símbolos no Notitia Dignitatum tinham na antiga Roma. Teriam eles uma origem alquímica? As mesmas cores, amarelo e vermelho, poderiam ser interpretadas de diversas formas, considerando seu simbolismo complexo, que também pode variar conforme o tom. Aqui lembremos apenas que no Extremo Oriente o amarelo é a direção do Norte, enquanto o vermelho é a direção do Sul. Novamente: amarelo é a cor da luz, análogo ao branco, portanto solar e masculino, enquanto há um vermelho feminino, "noturno", comparável ao negro. A concepção de dois pólos complementares, opostos apenas em aparência, é muito mais distribuído que se poderia pensar, no Ocidente também, não obstante a obsessão ocidental moderna com interpretar toda polaridade arcaica em um sentido maniqueísta.

Além disso, devemos notar que, em tempos, em épocas de decadência como o final do Império Romano, alguns elementos esotéricos “emergem” das veias subterrâneas da sabedoria sapiencial ou, mais comum, de alguns de seus componentes que são degenerados ou estão em processo de se tornar degenerados e “popularizados”. Agora e desde então eles se tornaram símbolos dos quais os significados mais profundo são totalmente ignorados e se tornam esquecidos, remanescendo em uso talvez somente pelo uso do seu característico “poder da magia” (a swastika, em muitas áreas, se tornou algo considerado positivamente por seu significado augural e próprio). Do nosso ponto de vista, é muito importante saber que as tropas do Armigeri, ou aquelas do Thebei, fizeram chegar a insígnia do ‘ying-yang’, mesmo que fosse como aconteceu, dando o significado sacro ou ao menos mágico deve ter possuido. Devia-se investigar se as ilustrações, que trabalharam em cima do texto dos copiadores, basearam-se em dados certeiros do exército, como muito provável [27], ou se a definição iconográfica algumas vezes decidiu na esfera burocrático, para diferenciar as tropas.

No entanto, o importante é que no meio da elite imperial ocidental o "yin-yang" era bem conhecido. Voltando ao problema da "emergência" de símbolos em tempos de decadência e crise, nós não sabemos se algo do tipo aconteceu em seguida, pelo menos nos dois casos que examinamos: na verdade, os discos solar e runastotalmente pertencia ao "cultural "herança do Ocidente antigo, portanto, o fato de encontrá-los entre as insígnias militares não parece que isso pode indicar um "salto no nível", enquanto o yin-yang aparece como se floresceu a partir do nada, a menos que as descobertas Celtic e tunisianos do período romano são exceção, que deve ser reconsiderada. Acreditamos que pode ser interessante para aprofundar a investigação, especialmente por parte dos estudos simbólico, que nos parecem ter negligenciado fortemente este texto. Em nossa opinião, merece igual, senão maior, a atenção do que o reservado para o ângulo histórico. Como para o aparecimento da iconografia do "yin-yang" no decorrer do tempo, foi registrado que na China as primeiras representações do yin-yang, pelo menos os que chegaram até nós, voltar ao século XI AD, mesmo que estes dois princípioseram de que fala o BC quarto ou quinto século. Com o Dignitatum Notitia estamosvez no século quarto ou quinto, portanto, do ponto de vista iconográfico, quase 700 anos antes da data de seu aparecimento na China.

Tudo o que tem pouco interesse para o ângulo de "tradicional", dada a concepção atemporal, transcendente e universal do conhecimento esotérico, derivado de uma Tradição Primordial que irradiou entre todos os povos, de acordo com o ensinamento de Guénon, Coomaraswamy e Evola. Mas pode formar um quebra-cabeça pequena para aqueles engajados na orientação histórica e evolucionista.
Aqui, nós simplesmente queria colocar a questão no âmbito dos dados dentro do nosso conhecimento.


Traduzido por Hesperial, Neusifyin, Trebaruna e Spiritus Sancti.
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Notas:
1- G. Clemente, La "Notitia dignitatum" (Cagliari: Editrice Sarda Fossataro, 1968).
2- P. Berger, The Notitia Dignitatum (Ann Arbor, 1975).
3- G. Clemente, La "Notitia", p. 360. Berger, however, thinks (The Notitia, p. 18 ff.)
4- Cameron, Il tardo impero romano (Bologna: il Mulino, 1995), p. 40.
5- Clemente, La "Notitia", p. 369.
6- Ibid., p. 382
7- Berger, p. 20-23
8- Berger estava em posição de afirmar, baseado em dados paleográficos, somente que o códice medieval havia sido redigido no período entre 825 e do início do século XI (ibid., p. 23). Temas estilísticos presentes na Notitia são encontrados na arte carolíngia, assim como na arte Ottonian.
9- R. Sabbadini, em Studi italiani di filologia classica, XI, 1903, p.258.
10- O. Seeck (ed.), Prefácio do Notitia dignitatum (Berlin: Wiedmann, 1876), pp. ix-xxviii.
11- F. Altheim, Il dio invitto (Feltrinelli, 1960), p. 147-8.
12- F. Atheim, "Runen als Schildzeichen", in Klio 31 (1938), p .51-59.
13- Sobre o significado dessas runas, ver M. Polia, Le rune ei simboli. Padova: il Cerchio - il Corallo, 1983.
14- Altheim, "Runen", p. 53.
15- Ibid., p. 54.
16- R. Alleau, La science des symbols. Paris: Payot, 1996.
17- Notitia Dignitatum, editado por O. Seeck, p.118.
18- Clemente, La Notitia, p. 27.
19- Berger, The Notitia, p. 41.
20- Notitia Dignitatum, editado por O. Seeck, p. 115.
21- L. Boulnois, La route de la soie. Geneva: Olizane, 1992.
22- J. Needham, Science and Civilisation in China. Cambridge University Press, 1954, Vol. 1.
23- S. Mahdihassan, "Comparing Yin-Yang, the Chinese Symbol of Creation, com Ouroboros of Greek Alchemy." American Journal of Chinese Medicine 17 (1989), p. 95-98.
24- P.-M. Duval, Les Celtes, Paris: Gallimard, 1977.
25- Ibid.
26- R. Guénon, The Great Triad. Cambridge: Quinta Essentia, 1991, p. 30. Sobre esta questão e, em geral, sobre as doutrinas sapienciais chinesas, ver Matgioi (pseudônimo de Albert de Pouvourville), La Voie métaphysique (Paris: Librairie de l’art indépendant, 1905; reimpresso Paris: Chacornac, 1936 and 1956); P. Filippani-Ronconi, Storia del pensiero cinese (Turin: Bollati-Boringhieri, 1992); J. Evola, Il Taoismo (Rome: Mediterranea, 1972); Tradução inglesa, Taoism: The Magic, the Mysticism (Edmonds, Washington: Oriental Classics, 1993); M. Granet, La Pensée chinoise (Paris: La Renaissance du Livre, 1934; reprinted Paris: Albin Michel, 1980); J. C. Cooper, Taoism: The Way of the Mystic (Wellingborough: Aquarian Press, 1972); A. Medrano, El Taoismo y la inmortalidad (Madrid: Año Cero, 1994); R. Wilhelm, The I ching; or, Book of changes, 3rd ed. (Princeton University Press, 1967).
27- P. Berger, The Notitia, p. 157.