29/11/2010

A verdadeira face do liberalismo

"No início deste terceiro milênio, após o fim do comunismo, o liberalismo de que o Homo Americanus foi ponta de lança, já não pode ocultar o seu verdadeiro rosto. Já não pode esconder a sua face inumana sob palavras abstratas como 'paz' e 'progresso'. Os acontecimentos do histórico 11 de Setembro nos Estados Unidos demostraram que o americanismo, para defender os seus valores 'democráticos' e a sua natureza financeira predadora, não se coíbe de recorrer à tortura, aos campos de concentração e à vigilância informática. No entanto, quando se compara ao comunismo, o americanismo é capaz de realizar essas práticas totalitárias de forma muito mais traiçoeira, e de forma mais fácil de assimilar."
(Tomislav Sunic, Trecho de "Homo Americanus")

28/11/2010

Por quê escrevemos?

"Anos atrás eu li Spengler. Por anos eu tenho visto suas previsões lentamento se desdobrarem na Nova Zelândia diante dos meus olhos, toda vez que eu leio o jornal ou mesmo levo o cachorro para passear na rua e vejo vidro quebrado brilhando no chão, testemunhoa dos selvagens bastardos que vagueiam ensandecidos sem pensar em ninguém ou qualquer coisa além de sua auto-gratificação imediata. (E o quê se pode pensar daqueles cidadãos mais respeitáveis que não conseguem nem chamar para si a responsabilidade de se incomodarem o bastante para limparem os cacos de vidro de suas próprias calçadas, presumidamente com a desculpa de que não foram eles que fizeram isso?)

Eu reconheço a miríade de maneiras tais como essas mencionadas que em agregado estão soletrando as palavras: decadência cultural e social. Algumas das coisas sobre as quais escrevo acima podem parecer triviais (...), porém, todas de alguma maneira refletem a Nova Zelândia como um microcosmo da Civilização Ocidental em seu dilema cíclico, como previsto por Spengler.

Porém, apesar de todo o pessimismo, onde há Vontade há esperança; onde há uma fagulha pode um dia haver um fogo purificador. O mínimo que podemos fazer é seguir o conselho de Evola e 'cavalgar o tigre'.

Eu simplesmente não gosto do quê vejo que está acontecendo, e não sou inclinado a ficar calado. Eu não acredito em recuar por qualquer razão, nem acredito que os bastardos que estão devastando nossa civilização devem ser permitidos a proceder sem serem chamados a responder por isso. Como eu não sou um grande pintor, músico, poeta, organizador ou orador, eu posso ao menos rascunhar meus pensamentos e tentar colocá-los 'lá fora' para qualquer que possa se dar ao trabalho de lê-los, quer sejam aceitos ou não, úteis ou inúteis. É parte de quem eu sou, e sempre será."
(Kerry Bolton, Trecho de "Por quê escrevemos?")

27/11/2010

Contra o Globalismo, Reflexões e Novas Estratégias

por Marco Signori

Habitat, Identidade, Sociabilidade: Pontos de referência para uma perspectiva estratégica.
É tempo de refutar esquemas gastos e trilhar novos caminhos.

Para a linguagem todo detalhe tem sua importância, principalmente a escolha dos elementos significativos. “Globalização” e “Mundialismo” são termos ás vezes sobrepostos ou mesmo confusos, que por sua vez indicam aspectos distintos não obstante estejam no âmbito do mesmo fenômeno.

A globalização ( corporate globalization ) nos parece poder ser definida como “processo de liberalização dos intercâmbios econômico-financeiros dirigido à constituição de um mercado único planetário.”
O mundialismo ( global governance ) cremos que se pode definir como “processo de homologação sócio-cultural que afirma a hegemonia do pensamento único neoliberal como modelo universal e tende a constituição, com formas não necessariamente explícitas, de um domínio mundial.

Ambos os processos se valem de novas e potentes tecnologias, sobretudo no campo crucial da comunicação. Ambos são difundidos: por meio da manipulação midiática e a corrupção econômica quando suficiente, por meio da pressão financeira e da força militar quando necessário.

Se trata de processos complementares e relacionados, cada um dos quais não seria pensável sem o outro. Para evitar equívocos, nos referiremos portanto ao globalismo como o somatório ( soma ) dinâmica dos dois processos ( globalização e mundialismo ) distintos porém indispensáveis.

Se poderia dizer, sob uma certa perspectiva, que o início dos processos globais se coincidiu com o lançamento do próprio capitalismo, cuja compulsão à metástase, como no câncer, é congênita: a expansão por todos os meios em qualquer espaço é de fato uma tendência constante no desenvolvimento histórico do sistema capitalista. 

Mais especificamente, o frenético processo difusor no qual são reconhecíveis as características do globalismo atual tem início no último ventênio do século XX e manifesta seus primeiros efeitos na época da presidência Reagan nos Estados Unidos ( 1981-1989 ) e do ministério Thatcher na Grã-Bretanha ( 1979- 1990 ): lugares e personagens significativos. Ambos Estados são as guaridas históricas do economicocentrismo com inclinações mercantilistico-financeiras, e ambos os indivíduos são alheios à política no sentido da “nobre” arte do governo do Estado: um foi ator de cinema de pouca notoriedade antes de fazer aprendizado como governador da Califórnia, a outra é filha de um vendedor de fruta. Segundo a teoria liberal o Estado deve fazer o menos possível e sobretudo não deve substituir os centros de decisão econômica. Sua despolitização é a premissa indispensável da inversão na hierarquia das funções, dirigida a subordinar o público ao privado, o comunitário ao individual, as mesmas instituições impessoais ao imperativo econômico da empresa: os círculos industriais e financeiros, as multinacionais que se transformam em empresas globais, os centros de poder às vezes ocultos que dependentes de tal sistema de interesses, se apoderam diretamente do Estado para esvazia-lo de suas prerrogativas essenciais, e não certamente para transferir essas a comunidades livres auto-governáveis.

É, ao invés, a função econômica a que se afasta da tutela da política e coloca seus testas-de-ferro, nesse caso, sob o domínio das máximas potências capitalistas mundiais.

Na época Reagan-Thatcher começa o grande assalto ao Estado de Bem Estar Social de tradição tipicamente européia, avança com ímpeto a “financialização” da economia e sobretudo, em 1986, através do G7, é introduzida a desregulamentação financeira global.

Decola, em resumo, o que o próprio Edward N. Luttwak, entendido na matéria, definiu “capitalismo superalimentado”, o “turbo-capitalismo”: a quintessência do globalismo. 

As conseqüências estão hoje diante dos nossos olhos: um neo-colonialismo fundado na usura institucionalizada nos organismos globalistas ( World Bank, World Trade Organization, International Monetary Fund, etc. ), verdadeiras mutações antropológicas geradas pelo pensamento totalitário neoliberal; agressões militares desencadeadas contra os que resistem à Nova Ordem Mundial. E depois a destruição do meio ambiente, o louco ataque a identidade dos povos, a exploração neo-escravista do trabalho e inclusive também o infantil.

No curso da grande ofensiva globalista o crime organizado também se globalizou e penetrou em profundidade nos sistemas econômicos e políticos, inclusive em Estados importantes. À “reciclagem” de dinheiro sujo e ao tradicional contrabando de armas e drogas, sustentam o tráfico de clandestinos e de mão-de-obra escravizada. Ademais investiu enormes somas no setor imobiliário, em partes estratégicas dos meios de comunicação e no essencial do crédito. Entre governantes, especuladores e padrinhos da máfia há, muitas vezes, ligações orgânicas estabelecidas.

Na completa ação de oposição ao globalismo consideramos que sejam destacáveis alguns aspectos prioritários. 

1) Na questão do meio-ambiente se combate uma batalha fundamental contra o economicocentrismo que é a raiz do globalismo. Esta não pode utilitariamente se limitar à “contenção de dano”, mas sim deveria se desenvolver melhor sobre três linhas distintas e correlacionadas:
- tutela e vivificação do caráter sagrado do meio ambiente em todos os seus componentes vivos e não-vivos;
- salvaguarda das “paisagens”, como fator constitutivo essencial da identidade étnica, contra o afeamento e o saque economicista: luta contra especulação imobiliária, contra as “grandes obras” de devastação, o desmatamento, a canalização de águas, a utilização industrial etc:
- oposição a todo campo da exploração ambiental, principalmente se privado e lucrativo, por suas desastrosas conseqüências práticas ( efeito estufa, desertificação, mudanças climáticas, inundações, poluição atmosférica etc. )

Dentro dessas linhas principais de referência se colocam elementos mais específicos e articulados da ação ambientalista, que preferiremos não atribuir o nome de “ecologia” ( a segunda parte do termo composto deriva do grego “logos” e especificamente significa discurso, estudo ) mas sim o de “ecofilia”, ou seja do amor pela própria morada ( “oikos” = lar + “filia” = amor )

2) Um âmbito essencial da luta antiglobalista é aquele cultural-identitário. O desenraizamento dos povos e o cancelamento das identidades está na própria natureza do globalismo, que prospera ali onde povos alienados e amorfos, sem nenhuma tradição nem valores de referência, se deixam docilmente estandartizar ao pensamento único e ao consumo global. 

A invasão da Europa por parte dos assim chamados “imigrantes”, uma Völkerwanderung sem precedentes na época moderna, não procede da atração do modelo ocidental ( como impudicamente sustentam os defensores de sua pretendida “superioridade” ), mas sim da hábil promoção que os globalistas mesmos realizam, reduzindo as gentes à fome e ao desespero por um lado, e lhe seduzindo com o espelho, instalado por via televisiva, de um luminoso futuro no país das jaulas. Na Europa, os chamados “imigrantes” na realidade cumprem, com grande vantagem para os globalistas, uma dupla função de devastação: de um lado funcionam como reserva de mão-de-obra a custo ínfimo, extremamente útil para a subversão do mercado de trabalho e para reduzir a renda e condições de vida dos trabalhadores europeus; de outro lado constituem um fator objetivo de desnaturação da identidade étnica, extremamente útil para abater o bastião de uma Kultur multimilenar na chusma indistinta do “melting pot”.

Daqui o direito inalienável dos povos da Europa à auto-tutela étnica, ou seja, à salvaguarda da própria cultura e da própria tradição, está claro sem nenhuma presunção racista de superioridade. Mas por outro lado, como afirma Alain de Benoist, “quem fica calado diante do capitalismo não deve reclamar da imigração”.

A identidade é em outro sentido o pressuposto básico essencial de uma necessidade de auto-governo, que não seja meramente instrumental às convulsões de quem deseja se subtrair às imposições tributárias independentemente do uso que vem sendo dado dos recursos derivados ( enquanto mesmo assim reivindica serviços e vantagens ), ou aos saques de quem anseia se enriquecer por qualquer meio, lícito ou ilícito; mas sim se fundamentando em uma concepção democrática e comunitária das relações sociais, que se apóie sobre a relação direta de liberdade e direitos com responsabilidades e deveres. À qual a natureza antiglobalista, já é no plano estritamente antropológico, consubstancial. 

3) O tema social ocupa uma importância centra na oposição ao globalismo. Este último se caracteriza por um darwinismo social baseado no paroxismo economicista, no empobrecimento dos povos, na desestabilização e na subversão das relações sociais a benefício de uma casta não-nobre e depravada constituída no fundamentalismo do dinheiro. A chamada nova economia, o centralismo da Bolsa, o “Finanzkapitalismus”, são instrumentos modernos desta guerra social. O globalismo propõe e impõe modelos de consumo superficiais e nocivos: Diminui a “pobreza absoluta” ampliando os mercados e multiplicando os benefícios, enquanto tanto estende, na mesma medida, a pinça da pobreza relativa e reduz desta forma a um estado de permanente precariedade, na carência de sólidas perspectivas existenciais e familiares, milhões de jovens na Europa e outros lugares. Chama com o nome de “privatização” o roubo dos serviços de interesse público, que realiza com a chamada subsidiariedade horizontal propulsora do lucro individual, enquanto cria obstáculos a qualquer forma de subsidiariedade vertical, de auto-governo do território, posto que é a aprovada pelo interesse comunitário.

Plutocratas, usurários e exploradores são elevados a artífices sócio-antropológicos essenciais nos processos globalistas. A justiça social, ao contrário, é um elemento base da própria identidade européia, cuja afirmação constitui um objetivo irrenunciável da luta antiglobalista.

Aspiramos podermos nos ocupar, de nós mesmos ( Wir selbst ), não cultivando a perversa ambição de estender nossos modelos tradicionais ao mundo inteiro. Justo por isso, dado que outros por sua vez quiseram se ocupar de nós em nosso lugar e contra nossa vontade, advertimos para a necessidade de olhar ao nosso redor e de estender o quanto seja possível a resistência, que reduzida em âmbito local seria provavelmente dominada. 

O globalismo não é um destino inevitável, como sustenta a insistente propaganda de seus partidários. Contrariamente se levanta um poderoso movimento antagonista, uma rede composta, diversamente formada, muitas vezes não privada de contradições, mas que tem o mérito da iniciativa e da ação.

No “mare magnum” do movimento anti-globalista, fermentam reflexões novas, e diversas, que reabrem o debate, e portanto a uma possível reconsideração, fatores já considerados imóveis. Neo-comunitaristas, ambientalistas radicais, animalistas, bio-regionalistas, partidários da agricultura camponesa, identitários, autonomistas, expoentes de movimentos de liberação e muitos outros mais participam da resistência na primeira linha e contribuem desta maneira a conferir um autêntico aspecto pós-moderno a um movimento que alguns quiseram ao invés instrumentalizar e englobar segundo os cânones consentidos nos esquemas da “politique politicienne”. O antiglobalismo está portanto caracterizado por numerosos elementos que possuem um alcance próprio intrínseco e politicamente “neutro”, e que portanto não encontram subscrição nas taxonomias politiqueiras.

No terreno do anti-economicismo, em particular, pode se desintegrar a ossificada homologação política das categorias de referência. O quadro das tendências, dos valores de referência, da projeção cultural e social pode resultar proveitosamente confundido. Os esquemas, e entre eles o de “direita-esquerda” típico do parlamentarismo representativo, é, a essas alturas, apenas instrumental ao sistema, podem se descompor e recompor em novas formações. No rechaço de um reacionarismo grosseiro e de um progressismo miserável a luta de resistência ao globalismo pode verdadeiramente forjar uma mentalidade persuasiva, se lograr encaminhar até o fundo novas vias, se for capaz de ser ao mesmo tempo, em espírito e ação, conservadora por ocasião e revolucionária por necessidade:

LIBERDADE NACIONAL, JUSTIÇA SOCIAL, IDENTIDADE CULTURAL

Terceira Função

"Não desprezamos a economia. A economia não é o diabo. Pelo contrário, a 'terceira função' é tão necessária como as outras. É necessária no seu lugar. As três funções são complementares; são indissociáveis. Mas devem estar hierarquizadas: o social na dependência do econômico, o econômico na dependência do político. E a soberania justificada pelas formas de autoridade que a fazem legítima. Restabelecer no seu lugar a primeira função, a terceira na sua, colocar fim ao 'reino da quantidade', à concepção da economia como destino, ao social como razão de ser da política, é tudo a mesma coisa."
(Robert de Herte)

25/11/2010

A Guerra é uma grande escola

"Quando os observo a abrirem em silêncio corredores na rede de arames farpados, a escavarem escadas de assalto, a compararem relógios fosforescentes, a determinarem a direção do norte pelas estrelas, ganho uma consciência flagrante: eis o homem novo, o sapador de assalto, o escol da Europa Central. Uma raça completamente nova, inteligente, forte, carregada de vontade. O que se descobre no combate, e surge até à luz, será amanhã o eixo de uma vida com rotação sonora e cada vez mais rápida. Não haverá sempre, como aqui, que abrir caminho entre as crateras, através do fogo e do aço, mas o passo de carga que impulsiona o acontecimento, o tempo ditado pelo ferro, continuarão imutáveis. O poente abrasado de uma era que desaparece é também uma aurora onde há que se armar para combates novos e mais duros. Longe, na retaguarda, as cidades gigantescas, os exércitos de máquinas, os impérios cujo tufão rasga os ligamentos internos, espelham o homem novo, mais intrépido, aguerrido no combate, que não se poupa nem poupa os outros. Esta guerra não é o final da violência, é apenas o seu prelúdio. É a forja onde o mundo é martelado em fronteiras novas e novas comunidades. Formas novas reclamam um sangue que as encha, e o poder quer que dele se apoderem com uma mão de ferro. A guerra é uma grande escola, e o homem novo será da nossa têmpera."
(Ernst Jünger, Trecho de "A Guerra como Experiência Interior")

24/11/2010

Romper com a mentalidade dominante

"Por nossa ação audaciosa nós rompemos com a mentalidade dominante desse século e do mundo. Nós matamos em nós um mundo de modo a construir outro, um mundo superior estendendo-se até os céus. A soberania absoluta do dinheiro é quebrada para ser substituída pelo poder do espírito e dos valores morais. Nós não negamos, e não negaremos a necessidade do material no mundo, mas negamos e sempre negaremos o seu direito à preeminência."
(Corneliu Zelea Codreanu)

23/11/2010

Veglia

por Giuseppe Ungaretti


Un’intera nottata
buttato vicino
a un compagno
massacrato
con la sua bocca
digrignata
volta al plenilunio
con la congestione
delle sue mani
penetrata
nel mio silenzio
ho scritto
lettere piene d’amore

Non sono mai stato
tanto
attaccato alla vita



22/11/2010

Para uma Historiografia de Direita

 por Julius Evola

A propósito de considerações sobre o significado europeu que pode ser atribuído a Donoso Cortés, interessante figura de homem político e de pensador espanhol, cujas atividades se situam no período dos primeiros movimentos revolucionários e socialistas da Europa, Carl Schmitt, conhecido historiador alemão, salientou o seguinte: embora, desde então, as esquerdas tenham elaborado sistematicamente e aperfeiçoado uma historiografia própria como fundamento geral da sua ação destrutiva, nada de semelhante se verificou no campo oposto, isto é, no campo da Direita, no seio da qual tudo se reduziu a alguns ensaios esporádicos, que em nada são comparáveis, pela coerência, pelo radicalismo e pela largueza de horizontes, àquilo que, desde há muito, propõem o Marxismo e a Esquerda em semelhante domínio.

Esta observação é em grande parte justa. Com efeito, a única história, conhecida universalmente e com autoridade, à exceção da história de inspiração marxista, tem essencialmente natureza e origens liberais, iluministas e maçônicas. Refere-se às ideologias do Terceiro Estado, que apenas serviram para preparar o terreno aos movimentos radicalizantes de esquerda, já que os seus fundamentos são essencialmente anti-tradicionais. Uma historiografia de Direita espera ainda a vez de ser escrita: o que constitui um sinal de inferioridade em relação às ideologias e à ação agitadora das esquerdas. De modo mais particular, nem mesmo a história corrente, de orientação patriótica, pode suprir esta lacuna, pois, fora dos seus possíveis cambiantes nacionais e das evocações comovidas de acontecimentos e de figuras heróicas, ela própria se ressente, e em larga conta, das sugestões de um pensamento que não é de modo algum o pensamento de uma Direita, e, sobretudo, porque não pode suportar a comparação, quanto à largueza de horizontes, com a historiografia de esquerda. 

Eis o ponto fundamental.

De fato, somos obrigados a reconhecer que a historiografia de esquerda soube abranger as dimensões essenciais da História: para lá dos conflitos e das perturbações políticas episódicas, para lá da história das nações, soube descobrir o processo geral e essencial que se realizou durante os últimos séculos, no sentido da passagem de um tipo de civilização e de sociedade a outro. Que a base da interpretação tenha sido, a esse respeito, constituída pela economia e pelas classes, isso nada tira à amplitude do programa que foi traçado por esta historiografia, a qual, como realidade essencial para lá do contingente e do particular, nos indica, no curso da História, o fim da civilização feudal e aristocrática, o aparecimento da civilização burguesa, liberal, capitalista e industrial, e, depois desta, o anúncio e o começo da realização de uma civilização socialista, marxista e, finalmente, comunista. Aqui, a revolução do Terceiro Estado e a do Quarto Estado são reconhecidas no seu encadeamento natural, causal e tático. A idéia de processos pré-estabelecidos, para os quais, sem querer nem saber, contribuíram os egoísmos mais ou menos “sagrados” dos povos, as rivalidades e as ambições daqueles que pensaram “fazer a história” sem sair do domínio do particular, tal é a idéia que devemos tomar em consideração. Por isto estudamos as transformações de conjunto e a estrutura social e da civilização, que são o efeito direto do jogo das forças históricas, relegando com exatidão a história das nações para a simples fase “burguesa” do desenvolvimento geral: com efeito as nações só apareceram na história, como sujeito desta, a partir da revolução do Terceiro Estado, e como sua consequência. 

Comparada à historiografia de esquerda, a historiografia que é própria a outras tendências aparece pois superficial, episódica, de duas dimensões, até mesmo frívola. Uma historiografia de Direita deveria abranger os mesmos horizontes que a historiografia marxista, com a vontade de apreender o real e o essencial do processo histórico, que se desenrolou no curso dos últimos séculos, fora dos mitos, das superstruturas e também da crónica vulgar. Isto, naturalmente, invertendo os sinais e as perspectivas: isto é, vendo, nos processos essenciais e convergentes da história mais recente, não as fases de um progresso político e social, mas as de uma subversão geral. É evidente que as premissas econômico-materialistas deveriam ser igualmente eliminadas, reconhecendo como simples ficções o homo oeconomicus e o presumível determinismo inexorável dos diversos sistemas da produção.

Forças bem mais vastas, profundas e complexas, agiram e agem na história. Quanto aos detalhes, o mito do “comunismo primordial” é também ele rejeitado por aí opor, para as civilizações que precederam as de tipo feudal e aristocrático, a ideia de organizações, de preferência baseadas num princípio de pura autoridade espiritual, sacral e tradicional. Mas, à parte isto – repitamo-lo –, uma historiografia de Direita reconhecerá, não menos do que a de esquerda, a sucessão ou o encadeamento de fases distintas gerais e supranacionais, as quais conduziram regressivamente até à desordem e às perturbações atuais: tal será, para ela, a base de interpretação dos fatos particulares e das mudanças, sem nunca deixar de estar atenta aos efeitos produzidos por estes últimos no quadro social. 

É impossível indicar aqui, nem mesmo à força de exemplos, toda a fecundidade de um tal método e a luz insuspeitada que projetaria sobre muitos acontecimentos. Os conflitos político-religiosos da Idade Média imperial, a constante ação cismática da França, as relações entre a Inglaterra e a Europa, o verdadeiro sentido das “conquistas” da Revolução Francesa, e assim por diante, até episódios de interesse particular, a Itália como o rosto efetivo da revolta das comunas, o duplo aspecto do “Risorgimento” italiano, enquanto movimento nacional, acionado no entanto por ideologias do Terceiro Estado, o significado da Santa Aliança e os esforços de Metternich – o último grande europeu –, o significado da primeira guerra mundial com a ação de contra-golpe das suas ideologias, a discriminação entre o positivo e o negativo nas revoluções nacionais, que se afirmaram ontem na Itália e na Alemanha, e assim por diante, até chegar, finalmente, a uma visão conforme à realidade nua das verdadeiras forças, hoje em luta pelo domínio do mundo: eis uma escolha de argumentos sugestivos, entre tantos outros, aos quais se poderá consagrar a historiografia de Direita, para assim revolucionar os pontos de vista que o maior número está habituado a ter em tudo isto pelo efeito de uma historiografia de orientações opostas, e para agir de modo esclarecedor.

Uma historiografia assim concebida, e visando portanto o universal, encontrar-se-ia de modo muito particular à altura dos tempos, se é verdade que, por efeito de processos objetivos irreversíveis, cada vez se perfilam mais, hoje em dia, agrupamentos que não são apenas constituídos por unidades étnicas e políticas, particulares e fechadas. Infelizmente, esta historiografia desejada corresponderia unicamente a um aumento de conhecimentos. 

No estado atual das coisas, só dificilmente poderíamos esperar dela uma eficácia também prática, na perspectiva de uma ação decidida, de uma luta global e inexorável contra as forças que estão quase a derrubar o pouco que resta da verdadeira tradição europeia. Seria preciso, com efeito, que existisse, como contrapartida, uma Internacional de Direita, organizada e munida de um poder comparável ao da Internacional comunista. Ora sabe-se infelizmente que, devido à carência de homens dotados de uma grande elevação espiritual e de uma autoridade suficiente, devido ainda à prevalência de interesses partidários e de pequenas ambições, devido também a uma falta de verdadeiros princípios, e sobretudo de uma falta de coragem intelectual, não foi possível, até agora, constituir um governo unitário de Direita, nem mesmo só na Itália, e só nos tempos recentes foi possível ver anunciarem-se iniciativas neste sentido. 
 

Covardia Pública

"Um declínio na coragem (...) pode ser a característica mais marcante que um observador externo poderia notar no Ocidente em nossos dias. O mundo ocidental perdeu sua coragem civil, tanto como um todo e separadamente, em cada país, cada governo, cada partido político e, é claro, nas Nações Unidas.Tal declínio em coragem é particularmente notável entre os grupos governantes e a elite intelectual, causando a impressão de perda da coragem por toda a sociedade. É claro que há muitos indivíduos corajosos, mas eles não tem influência determinante na vida pública. Burocratas políticos e intelectuais demonstram depressão, passividade e perplexidade em suas ações e em suas afirmações e ainda mais em reflexões teóricas para explicar o quão realista, razoável e intelectualmente ou mesmo moralmente legítimo é basear políticas de governo na fraqueza e na covardia. E o declínio na coragem é ironicamente enfatizado por explosões ocasionais de ira e inflexibilidade da parte dos mesmos burocratas ao lidarem com governos e países fracos, não apoiados por ninguém, ou com correntes que não podem oferecer qualquer resistência. Mas suas línguas ficam amarradas e paralisadas quando eles lidam com governos poderosos e forças ameaçadoras, com agressores e terroristas internacionais. Alguém deveria apontar que desde tempos antigos, um declínio na coragem tem sido considerado o início do fim?"
(Alexander Solzhenitsyn, Trecho de 'Um Mundo Dividido')

21/11/2010

Alain de Benoist - Comunidade e Sociedade: Uma visão sociológica da decadência da sociedade moderna

por Alain de Benoist

Sociedades modernas pacíficas que respeitam o indivíduo evoluíram a partir de laços familiares antigos. A transição de sociedades de bandos, passando por organizações tribais e de clã, em Estado-Nação foi pacífica apenas quando conquistada sem perturbação dos laços básicos que ligam o indivíduo à sociedade maior por um senso de história, cultura e origem comuns. O senso de “pertencimento” à uma nação por virtude de tais laços compartilhados promove cooperação, altruísmo e respeito por outros membros. Nos tempos modernos, laços tradicionais foram enfraquecidos pela ascensão das sociedades de massa e comunicação global veloz, fatores que trazem consigo mudanças sociais céleres e novas filosofias que negam a significância do senso de nacionalidade, e enfatizam individualismo e objetivos nacionalistas. A coesão das sociedades tem sido conseqüentemente ameaçada, e substituída por sociedades multi-étnicas e multiculturais e por um senso sobrepujante de identidade perdida na sociedade global massificada a qual o homem Ocidental, pelo menos, concebe a si mesmo como nela pertencendo.

Sociologicamente, o primeiro teórico a identificar essa mudança foi o erudito árabe, Ibn Khaldun (1332-1406), que enfatizou a tendência em sociedades urbanas massificadas de desintegrarem, quando a característica de solidariedade social das sociedades tribais e nacionais desaparecia. Ibn Khaldun viu dramaticamente o contraste entre a moralidade dos Berberes do Norte da África, nacional e etnicamente unificados, e a conjunção confusa dos povos que chamavam a si mesmos Árabes sob liderança Arábica, mas que não possuíam a unidade e senso de identidade que havia feito a relativamente pequena população de Árabes verdadeiros que tinham construído um amplo e arabofono Império. Posteriormente foi Ferdinand Tönnies (1885-1936) que introduziu esse pensamento à sociologia moderna.

Ele o fez em sua teoria do Gemeinschaft e Gesellschaft (Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887). Essa teoria revelou como as sociedades primitivas tribais ou nacionais (Gemeinschaft) alcançaram colaboração e cooperação harmoniosas mais ou menos automaticamente devido à cultura comum e um senso de genética comum e identidade cultural dentro da qual todos os membros eram criados. Isso evitava maiores conflitos no que concerne valores básicos já que todos compartilhavam um conjunto comum de mores (costumes) e um senso comum de destino. Porém, conforme “progrediu” a história, sociedades multietnicas e multiculturais maiores começaram a se desenvolver, e essas Tönnies descreveu como sendo unidas por laços Gesellschaft. Essas não eram unidas por qualquer conjunto de valores comuns ou identidade histórica, a colaboração só era mantida devido à necessidade de trocar bens e serviços. Em resumo, sua existência veio a depender de relações econômicas, e como um resultado da diversidade de valores culturais, e falta de qualquer “sentimento familiar”, e a ênfase na troca econômica e na riqueza econômica, e de conflitos por riqueza e valores básicos a harmonia de tais sociedades estava sempre em posição de ser abalada a qualquer momento. Em termos políticos, liberalismo foi desenvolvido para exaltar a liberdade de indivíduos em relação às reivindicações a lealdade nacional e ao apoio ao destino nacional, enquanto o Marxismo brotou da insatisfação sentida por aqueles que foram menos bem sucedidos em alcançar riqueza e poder, que agora vieram a representar os objetivos primários dos indivíduos que foram abandonados à mercê da sociedade gesellschaft moderna e massificada. Nacionalismo e qualquer senso de lealdade à nação como uma unidade consangüínea, etnicamente distinta veio a ser anatemizado tanto por liberais como por marxistas.

“Um espectro assombra a Europa – um espectro de comunismo” escreveu Marx no prefácio do Manifesto. Um século depois esse espectro se tornou um mero fantasma, com o liberalismo sendo a força dominante. Ao longo das últimas décadas, o liberalismo usou o comunismo como espantalho para legitimar a si mesmo. Hoje, porém, com a falência do comunismo, esse modo de “legitimação negativa” não é mais convincente. Finalmente, o liberalismo, no sentido da ênfase no indivíduo acima e até mesmo contra a nação, na verdade ameaça o indivíduo ao subverter a estabilidade da sociedade que lhe dá identidade, valores, propósito e sentido, o nexo social, cultural e biológico ao qual ele deve seu próprio ser.

Fundamentalmente, o liberalismo clássico foi uma doutrina que, a partir de um indivíduo abstrato, criou o pivô de sua sobrevivência. Em sua forma mais suave, ele meramente enfatizou a liberdade individual de ação, e condenou o envolvimento burocrático excessivo pelo governo. Mas apesar do quanto seja digna de elogias sua defesa da liberdade individual, sua reivindicação de que o sistema ideal é aquele em que há a menor ênfase possível na nacionalidade leva à situações que de fato ameaçam a liberdade do indivíduo. Em sua forma extrema, o liberalismo clássico se desenvolveu em um libertarianismo universal, e nesse ponto chega perto de defender a anarquia.

Sob um ponto de vista sociológico, em sua forma extrema, o liberalismo internacionalista moderno define a si mesmo totalmente em termos da sociedade Gesellschaft de Tönnies. Ele nega o conceito histórico do Estado-Nação ao rejeitar a noção de qualquer interesse comum entre indivíduos que tradicionalmente compartilhavam de uma herança comum. No lugar da nacionalidade ele propõe gerar um novo padrão social internacional centrado na busca do indivíduo por seu interesse econômico e pessoal óptimo.

Dentro do contexto do liberalismo extremo, apenas a interação dos interesses individuais cria uma sociedade funcional – uma sociedade na qual o todo é visto apenas como um agregado casual de partículas anônimas. A essência do pensamento liberal moderno é de que crê-se que a ordem é capaz de consolidar a si mesma simplesmente por meio da competição econômica total, ou seja, através da batalha de todos contra todos, requisitando do governo não mais do que a definição de algumas regras fundamentais e certos serviços que o indivíduo não possa providenciar adequadamente. De fato, o liberalismo moderno foi tão longe nesse caminho que hoje ele se opões diretamente aos objetivos do liberalismo clássico e do libertarianismo na medida em que nega ao indivíduo qualquer direito inalienável à propriedade, mas ainda compartilha com o liberalismo e com o libertarianismo um antagonismo em relação à idéia de nacionalidade. Despido da proteção de uma sociedade que se identifica com seus membros por causa de um destino e história nacionais compartilhados, o indivíduo é abandonado a travar conflitos por sua própria sobrevivência, sem o senso protetor de comunidade que seus ancestrais experimentaram desde os primevos da história humana.

A decadência nas sociedades multiculturais modernas de massa começa em um momento no qual não há mais qualquer significado discernível dentro da sociedade. Significado é destruído pela elevação do individualismo acima de todos os outros valores porque o individualismo encoraja a proliferação anárquica do egoísmo às custas dos valores que outrora foram parte da herança nacional, valores que dão forma ao conceito de nacionalidade e ao Estado-Nação, a um Estado que é mais do que uma mera entidade política, e que corresponde a um povo particular que é consciente de partilhar de uma herança comum por cuja sobrevivência eles estão preparados a fazer sacrifícios pessoais.

O homem evoluiu em grupos de cooperação unidos por laços genéticos e culturais comuns, e é apenas em tal contexto que o indivíduo pode realmente se sentir livre, e verdadeiramente protegido. O homem não pode viver alegremente sozinho e sem valores ou qualquer senso de identidade: tal situação leva ao niilismo, uso de drogas, criminalidade e pior. Com a difusão de objetivos puramente egoístas às custas de preocupação altruísta pela família e nação, o indivíduo começa a falar de seus direitos ao invés de seus deveres, pois ele não tem mais qualquer senso de destino, de pertencimento e de ser parte de uma entidade maior e mais duradoura. Ele não mais regozija na crença segura de que ele partilha de uma herança que é parte de seu dever comum de proteção – ele não mais sente que tem qualquer coisa em comum com aqueles ao seu redor. Em suma, ele se sente solitário e oprimido. Já que todos os valores se tornaram estritamente pessoais, tudo ,agora, é igual a tudo: ou seja, nada é nada.

“Uma sociedade sem fortes crenças,” declarou Regis Debray em sua entrevista com J.P. Enthoven em Lê Nouvel Observateur, (Outubro 10, 1981), “é uma sociedade prestes à morrer.” O liberalismo moderno é particularmente crítico do nacionalismo. Por isso, é preciso fazer uma pergunta: Pode a sociedade liberal moderna prover crenças comunais fortes e unificadoras em vista do fato de que por um lado ela vê a vida comunal como não essencial, enquanto por outro, ela permanece impotente para visualizar qualquer crença – a não ser que essa crença seja redutível à conduta econômica?

Ademais, parece haver um relacionamento óbvio entre e negação e eclipse do significado e a destruição da dimensão histórica do corpus social. Os liberais modernos encorajam o “narcisismo;” eles vivem em um perpétuo agora. Na sociedade libera, o indivíduo é incapaz de colocar a si mesmo em perspectiva, porque colocar a si mesmo em perspectiva requer uma consciência clara e coletivamente percebida de herança comum e aderência comum.

Como Regis Debray afirma, “Na capacidade de sujeitos isolados homens jamais podem se tornar sujeitos de ação e adquirir a capacidade de fazer história.” (Critique de la raison politique, op. Cit. p. 207). Nas sociedades liberais, a supressão do senso de significado e identidade presentes em valores nacionais leva à dissolução da coesão social assim como à dissolução da consciência grupal. Essa dissolução, por sua vez, culmina com o fim da história.

Sendo o representante mais típico da ideologia do igualitarismo, o liberalismo moderno, tanto em sua variante libertária como na socialista, parece ser o principal fator na dissolução do ideal de nacionalidade. Quando o conceito de sociedade, sob o ponto de vista sociológico, sugere um sistema de “interações horizontais” simples, então essa noção obviamente exclui forma social. Como uma manifestação de solidariedade, a sociedade só pode ser concebida em termos de identidade compartilhada – ou seja, em termos de valores históricos e tradições culturais (cf., Edgar Morin: “O mito comunal dá a sociedade sua coesão nacional.”) Por contraste, o liberalismo desfaz nações e sistematicamente destrói seu senso de história, tradição, lealdade e valor. Ao invés de ajudar o homem a se elevar à esfera do sobre-humano, ele divorcia o homem de todos os “grandes projetos” ao declarar esses projetos “perigosos” sob o ponto de vista da igualdade.

Não é surpreendente, portanto, que a administração do bem-estar individual do homem se torne sua única preocupação. Na tentativa de livrar o homem de todas as suas limitações, o liberalismo coloca o homem sob o jugo de outras limitações

“que agora o diminuem ao mais baixo nível. O liberalismo não defende a liberdade; ele destrói a independência do indivíduo. Ao erodir memórias históricas, o liberalismo arranca o homem da história. Ele propõe garantir seus meios de existência, mas lhe rouba sua razão de viver e lhe tira a possibilidade de ter um destino”

Há duas maneiras de conceber o homem e a sociedade. O valor fundamental pode ser colocado no indivíduo, e quando isso é feito o todo da humanidade é concebido como a soma total de todos os indivíduos – um vasto proletariado sem rosto – ao invés de ser concebido como um tecido rico de nações, culturas e raças diversas. É essa concepção que é inerente no pensamento liberal e socialista. A outra concepção, que parece ser mais compatível com o caráter evolucionário e sócio-biológico do homem, é a que vê o indivíduo como participando em um legado cultural e biológico específico – uma noção que reconhece a importância do laço sanguíneo e da nacionalidade. Na primeira instância, a humanidade, como uma soma total de indivíduos, parece estar “contida” em cada ser humano individual; ou seja, alguém se torna primeiro um “ser humano,” e apenas então, como por acidente, um membro de uma cultura específica ou um povo. Na segunda instância, a humanidade comporta um complexo filogenético e uma rede histórica, por meio das quais a liberdade do indivíduo é garantida pela proteção da família por sua nação, que lhe imbui uma noção de identidade e uma orientação significativa para toda a população mundial. É por virtude de sua aderência orgânica à sociedade da qual eles são uma parte que homens constroem sua humanidade.

Como expoentes do primeiro conceito nós encontramos Descartes, os Enciclopedistas e a ênfase nos “direitos”; nacionalidade e sociedade emanam do indivíduo, por escolha eletiva, e são revogáveis a qualquer momento. Como proponentes do segundo conceito nós encontramos J.G.Herder e G.W.Leibniz, que enfatizam a realidade das culturas e etnias. Nacionalidade e sociedade estão enraizadas em heranças biológicas, culturais e históricas. A diferença entre esses dois conceitos se torna particularmente óbvia quando se compara como ambos visualizam a história e a estrutura do real. Nacionalistas defendem holismo. Nacionalistas vêem o indivíduo como um semelhante, apoiado pelo povo e pela comunidade que o nutre e protege, e com a qual ele se orgulha em se identificar. As ações do indivíduo representam um ato de participação na vida de seu povo, e a liberdade de ação é muito real porque, partilhando nos valores de seus associados, a vontade individual raramente busca ameaçar os valores básicos da comunidade com a qual ele se identifica. Sociedades que carecem desse senso básico de unidade nacional são inerentemente predispostas a sofrem de situações repetidas nas quais os valores opostos de seus membros egoístas entram em conflito uns com os outros.

Ademais, proponentes da nacionalidade afirmam que uma sociedade ou um povo só pode sobreviver quando: a) eles permanecem cônscios de suas origens culturais e históricas; b) quando eles podem se reunir ao redor de um mediador, seja individual, ou simbólico, que seja capaz de reunir suas energias e catalisar sua vontade de ter um destino; c) quando eles mantêm a coragem de designar seu inimigo. Nenhuma dessas condições têm sido realizadas em sociedades que colocam ganho econômico acima de todos os outros valores, e que conseqüentemente: a) dissolvem memórias históricas; b) extinguem o sublime e eliminam ideais subliminais; c) assumem que é possível não ter inimigos.

Os resultados dessa rápida mudança de sociedades nacionais ou tribais para o individualismo anti-nacional moderno dominante nas sociedades contemporâneas e “avançadas” têm sido bem descritos por Cornelius Castoriadis: “As sociedades ocidentais estão em absoluta decomposição. Não há mais uma visão do todo que poderia lhes poderia permitir determinar e aplicar qualquer ação política...as sociedades ocidentais praticamente deixaram de ser Estados-Nação... Simplificando, elas se tornaram aglomerações de lobbies que, de maneira míope, rasgam a sociedade em pedaços; onde ninguém pode propor uma política coerente, e onde todo mundo é capaz de bloquear uma ação considerada hostil a seus próprios interesses.” (Liberation, 16 and 21 December, 1981).

O liberalismo moderno tem suprimido a nacionalidade patriótica até uma situação na qual política foi reduzida a um processo de tomada de decisões em estilo de “delivery service”, estadistas foram reduzidos à servir como instrumentos de grupos de interesses especiais, e nações se tornaram pouco mais do que mercados. As cabeças dos estados liberais modernos não tem opção a não ser vigiar seus cidadãos sendo dopados por patologias civilizacionais como violência, delinqüência, e drogas.

Ernst Jünger uma vez disse que o ato de violência velada era mais terrível que violência aberta (Journal IV, September 6, 1945). E ele também afirmou: “A escravidão pode ser substancialmente agravada quando ela assume a aparência de liberdade.” A tirania do liberalismo moderno cria a ilusão inerente a seus próprios princípios. Ela se proclama defensora da liberdade e grita para defender os “direitos humanos” no momento que mais os oprime. A ditadura da mídia e a “espiral do silêncio” parecem ser tão efetivas em arrancar dos cidadãos de sua liberdade quanto o aprisionamento. No Ocidente, não há necessidade de matar: basta cortar o microfone de alguém.

Matar alguém pelo silêncio é um jeito muito elegante de homicídio, que praticamente dá os mesmos dividendos que um assassinato real – um assassinato que, em adição, deixa o assassino com boa consciência. Ademais, não se deve esquecer a importância desse tipo de assassinato. Raros são aqueles que silenciam seus oponentes por diversão.

Nacionalidade patriótica não ataca a noção de “liberdades formais”, como alguns Marxistas rigorosos fazem. Ao invés, seu propósito é demonstrar que “liberdade coletiva”, ou seja, a liberdade dos povos serem eles mesmos e continuarem a desfrutar o privilégio de ter um destino, não resulta da simples adição de liberdades individuais. Propositores da nacionalidade ao invés afirmar que as “liberdades” garantidas a indivíduos pelas sociedades liberais são freqüentemente não existentes; elas representam simulacros do que liberdades verdadeiras deveriam ser. Não é suficiente ser livre para fazer algo. Ao invés, o que é necessário é sua habilidade de participar na determinação do curso dos eventos históricos. Sociedades dominadas pelas tradições liberais modernas são “permissivas” apenas na medida em que sua macro-estabilidade geral arranca da população qualquer participação real no processo de tomada de decisões verdadeiro. Conforme a esfera dentro da qual é permitido ao cidadão “fazer tudo” se torna maior, o senso de nacionalidade se torna paralisado e perde sua direção.

Liberdade não pode ser reduzida ao sentimento que se tem por ela. Por essa visão, tanto o escravo como o robô, poderiam igualmente se perceber livres. O significado de liberdade é inseparável da antropologia fundadora do homem, um indivíduo partilhando de uma história comum e cultura comum em uma comunidade comum. Decadência vaporiza povos, freqüentemente das maneiras mais gentis. Essa é a razão pela qual indivíduos agindo como indivíduos só podem torcer para fugir da tirania, mas cooperando ativamente como uma nação eles podem muitas vezes derrotar a tirania.

Os Sexos

"Nas sociedades europeias antigas, a problemática dos sexos não era vivida como conflito porque essas sociedades reconheciam à mulher uma função social específica. Esta função, de caráter privado, não era considerada como menos preciosa nem menos fundamental que aquela, de caráter público, que era assumida pelo homem. Ora, hoje, esta função social já não existe porque ela foi tomada a cargo pela coletividade. O Estado, dotado de prerrogativas sócio-econômicas novas, encarrega-se a si mesmo cada vez mais da educação das crianças e da segurança das pessoas. A mulher encontra-se assim despojada das prerrogativas educativas e 'tranquilizantes' que, outrotra, eram colocadas sob a sua responsabilidade. Assim, ela é levada 'a libertar-se' de um lar que se tornou uma espécie de concha vazia — e onde ela já não tem papel a desempenhar. E como a função social masculina, apesar de se transformar, se manteve, a única possibilidade para a mulher de reassumir responsabilidades é procurar assumir, tanto quanto o possa, a função social do homem, esforçando-se por demonstrar que 'não existem diferenças' entre eles."
(Alain de Benoist, Em "Nova Direita Nova Cultura")

20/11/2010

Engrenagens Humanas

"O capitalismo basicamente quer que as pessoas sejam engrenagens intercambiáveis, e as diferenças entre elas, tais como as baseadas na Raça, usualmente disfuncionais. Quer dizer, elas podem ser funcionais por um período, como quando você quer uma mão-de-obra super explorada ou algo assim. A longo prazo, porém, você pode esperar que o capitalismo se torne anti-racista - simplesmente pelo fato de que o capitalismo é anti-humano. E Raça é efetivamente uma característica humana - não há razão pela qual deva ser considerada uma característica negativa, mas é uma característica humana. Portanto, identificações baseadas na Raça interferem com o ideal básico de que as pessoas deveriam estar disponíveis apenas como consumidoras e produtoras, engrenagens intercambiáveis que comprarão todo o lixo que seja produzido - essa é sua função principal, e qualquer outra propriedade que elas possam ter é um tanto quanto irrelevante, e comumente um incômodo."
(Noam Chomsky, Trecho de "Understanding Power")


19/11/2010

Americanismo e "Confortismo"

por Ernst Niekisch


O esgotador economicismo burguês, não condicionado por uma tradição feudal-estamental prévia, vinculous-e rapidamente com a figura da "aristocracia" da Técnica. As figuras do sacerdote e do filósofo foram unicamente tomadas como apêndices rudimentares. O impulso econômico mundialmente açambarcador se fundiu com o empuxo técnico de dominação da Natureza: O resultado foi uma força política e econômica triunfal. Não havia nenhuma coisa da qual não se pudesse tirar proveito nem existia nenhuma dificuldade para cuja superação não se buscaram todos os meios e caminhos possíveis. A esse respeito, alguém podia se encontrar na terra das oportunidades sem limite, na que aquilo que pôde alguma vez parecer impossível foi tornado realidade. A velha Europa tinha um constante apego pelas fronteiras e pelas particularidades entretecidas dentro de cada uma dessas fronteiras. Definitivamente, pelas qualidades. A jovem América, por sua vez, não conhece fronteiras. As qualidades não interessam, elas são desperdícios de valor, consolo para os que se afundam no diminuto e que se vêem forçados a descobrir seu estímulo no irrisório. Onde não há fronteiras, somente se pode ter visão para as quantidades, por trás do distante somente se esconde o ainda mais distante, por trás do grande o imenso, o gigantesco. O pequeno e o estreito para eles são apenas desprezíveis. Deve-se guardar suas energias para não se deixar-se esmagar pelas imensidões.

O domínio das grandes extensões por um lado, e da massiva industrialização pelo outro, deram crédito ao jovem americanismo. O homem de negócios e o engenheiro trabalham ombro a ombro, um financia e o outro constrói e onde se abre a perspectiva para um novo labor, em seguida aparece o técnico com uma nova idéia preparada. Devido a que não existe inclinação pela quietude, não se chega nunca a um verdadeiro enraizamento. O trabalhador se vincular tão pouco com a terra que trabalha como o industrial com sua produção. O financista, o plutocrata puro, toma aqui as rendas. Ele impõe indústrias ao solo naqueles lugares que crê convenientes, e as traslada sem mais conforme o considere conveniente. A burguesia financeira que se origina, alcança um poder inconcebível. Porém ela não faz ostentação de sua riqueza, ela não quer provocar. Ela se veste com a simplicidade e faz participar às massas no imenso negócio. Forma-se um sistema muito particular de suborno das massas, consistente em uma espécie de divisão de placebos terrenos e bençãos prosaicas. É o "Confortismo".




O "Confortismo" é certamente a mais evidente e sincera forma de realização do liberalismo democrático. Com ele se pagam as passagens para o paraíso terreno que prometeram a todos nós. Cada cidadão deve ter seu lar equipado com forno elétrico, chuveiro elétrico e tantos outros supérfluos utensílios próprios de nossa época. As precauções higiênicas tem sido levadas até o extremo em padarias, açougues e leiterias, como se tratasse de religião. Cada trabalho, também o de dona de casa, é executado mecânicamente. E por cima de tudo: cada um tem seu próprio automóvel com seu combustível barato. Até o mais insignificante empregado tem a oportunidade de se converter com ele em dominador das grandes extensões americanas. O conforto é tudo. A medida do conforto que se desfruta, é o grau de cultura que se possui. A confortabilidade da existência externa leva ao paraíso. Os valores pessoais, interiores, são totalmente ignorados, já ninguém pergunta deles. Personalidade, aqui, é o tomar banho e trocar de roupa diariamente, atender a todas as premissas higiênicas e dirigir carro próprio. Toda injustiça social se afunda no mar do conformismo. O revolucionário é aquele que não tem nada a perder além das cadeias que o escravizam. Quem vive no conforto se cuida muito mais de não ser radical; quando se desfruta das comodidades, tende-se a se acomodar.

O "confortismo" é o substituto mais efetivo da religião. Ele modera as populações na medida em que outorga felicidade. É para a ordenação social existente, a garantia mais eficaz. Cria uma comunidade de todos os beneficiários do conforto resolutamente contrária a todos aqueles que se atrevam a colocá-lo em dúvida. E não por casualidade floresce o meio de apaziguamento e de suborno de massas que é o "confortismo" com total prosperidade na América. O "confortismo" pressupõe o emprego da plenitude das riquezas naturais das que "a terra bendita por Deus" dispõe, assim como de seu imenso desenvolvimento técnico-industrial. O desenvolvimento da técnica contribui de modo decisivo para esse imenso nível de produção, o qual é necessário e deve ser constantemente mobilizado para poder levar a cabo o completo suborno das massas, no qual se baseia até agora a imperturbável ordem democrática norteamericana. O genuíno orgulho liberal, que nunca se esquece de recordar a si mesmo o quão longe chegou, é alimentado pelo "confortismo": Quem, quando é levado aos mais alto por uma escada rolante, não se sentiria superior aos demais povos e pessoas incapazes de apresentar um progresso semelhante? Um homem é superior na medida em que possui o conforto. Isto é, em definitivo, o resumo do conceito cultural norteamericano.


Tradução por Raphael Machado


17/11/2010

Paganismo e Filosofia da Vida em Knut Hamsun e D.H. Lawrence

por Robert Steuckers

O filólogo húngaro Akos Doma, formado na Alemanha e nos EUA, acaba de publicar uma obra de exegese literária, na qual faz um paralelismo entre as obras de Hamsun e Lawrence. O ponto em comum é uma "crítica da civilização". Conceito que, obviamente, devemos apreender em seu contexto. Em efeito, a civilização seria um processo positivo desde o ponto de vista dos "progressistas", que entendem a história de forma linear. Em efeito, os partidários da filosofia do Aufklärung [*Iluminismo] e os adeptos incondicionais de uma certa modernidade tendem à simplificação, à geometrização e à "cerebrização". Sem embargo, a civilização mostra-se a nós como um desenvolvimento negativo para todos aqueles que pretendem conservar a fecundidade incomensurável em relação aos venenos culturais, para os que constatam, sem escandalizar-se com isso, que o tempo é plurimorfo; quer dizer, que o tempo para uma cultura não coincide com o da outra, em contraposição aos iluministas quem se afirmam na crença de um tempo monomorfo e aplicável a todos os povos e culturas do planeta. Cada povo tem seu próprio tempo. Se a modernidade rechaça esta pluralidade de formas do tempo, então entramos irremissívelmente no terreno do ilusório.

Desde um certo ponto de vista, explica Akos Doma, Hamsun e Lawrence são herdeiros de Rousseau. Porém, de qual Rousseau? Do que foi estigmatizado pela tradição maurrasiana (Maurras, Lasserre, Muret) ou daquele outro que critica radicalmente o Aufklärung sem que isso comporte defesa alguma do Antigo Regime? Para o Rousseau crítico do Iluminismo, a ideologia moderna é, precisamente, o oposto real do conceito ideal em sua concepção da política: aquele é anti-igualitário e hostil à liberdade, ainda que reivindique a igualidade e a liberdade. Antes da irrupção da modernidade ao longo do século XVIII, para Rousseau e seus seguidores pré-românticos, existiria uma "comunidade sadia", a convivência reinaria entre os homens e as pessoas seriam "boas" porque a natureza é "boa". Mais tarde, entre os românticos que, no terreno político, são conservadores, esta noção de "bondade" seguirá estando presente, ainda que na atualidade tal característica se considere como patrimônio exclusivo dos ativistas ou pensadores revolucionários. A idéia de "bondade" tem estado presente tanto na "direita" como na "esquerda".

Sem embargo, para o poeta romântico inglês Wordsworth, a natureza é "o marco de toda experiência autêntica", na medida em que o homem se enfrenta de uma maneira real e imediatamente com os elementos, o que implicitamente nos conduz mais além do bem e do mal. Wordsworth é, de certa forma, um "perfectibilista": o homem fruto de sua visão poética alcança o excelso, a perfeição; porém dito homem, contrariamente ao que pensavam e impunham os partidários das Luzes, não se aperfeiçoava somente com o desenvolvimento das faculdades do intelecto. A perfeição humana requer acima de tudo passar pela prova do elemento natural. Para Novalis, a natureza é "o espaço da experiência mística, que nos permite ver mais além das contingências da vida urbana e artificial". Para Eichendorff, a natureza é a liberdade e, em certo sentido, uma transcendência, pois permite escapar aos corpetes das convenções e instituições.

Com Wordsworth, Novalis e Eichendorff, as questões do imediato, da experiência vital, do rechaço das contingências surgidas da artificialidade dos convencionalismos, adquirem um importante papel. A partir do romantismo se desenvolve na Europa, acima de tudo na Europa setentrional, um movimento hostil a toda forma moderna de vida social e econômica. Carlyle, por exemplo, cantará o heroísmo e denegrirá a "cash flow society". Aparece a primeira crítica contra o reino do dinheiro. John Ruskin, com seus projetos de arquitetura orgânica junto à concepção de cidades-jardim, tratará de embelezar as cidades e reparar os danos sociais e urbanísticos de um racionalismo que desembocou no puro manchesterismo. Tolstói propõe um naturalismo otimista que não tem como ponto de referência a Dostoiévski, brilhante observador este último dos piores perfis da alma humana. Gauguin transplantará seu ideal da bondade humana à Polinésia, ao Taiti, em plena natureza.

Hamsum e Lawrence, contrariamente a Tolstói ou a Gauguin, desenvolverão uma visão da natureza carente de teologia, sem "bom fim", sem espaços paradisíacos marginais: assimilaram a dupla lição do pessimismo de Dostoiévski e Nietzsche. A natureza nesses não é um espaço idílico propício para excursões tal como sucede com os poetas ingleses do Lake District. A natureza não somente não é um espaço necessariamente perigoso ou violento, mas sim que é considerado aprioristicamente como tal. A natureza humana em Hamsun e Lawrence é, antes de nada, interioridade que conforma os recursos interiores, sua disposição e sua mentalidade (tripas e cérebro inextricavelmente unidos e confundidos). Tanto em Hamsun como em Lawrence, a natureza humana não é nem intelectualidade nem demonismo. É, antes de nada, expressão da realidade, realidade tradução imediata da terra, Gaia; realidade enquanto fonte de vida.

Frente a este manancial, a alienação moderna leva a duas atitudes opostas: 1º necessidade da terra, fonte de vitaldiade, e 2º soçobra na alienação, causa de enfermidades e escleroses. É precisamente nessa bipolaridade em que se deve localizar as duas grandes obras e Hamsun e de Lawrence: 'Benção da Terra', para o norueguês, e 'O Arco-Íris', do inglês.

Em 'Benção da Terra' de Hamsun, a natureza constitui o espaço do trabalho existencial no qual o homem opera com total independência para se alimentar e se perpetuar. Não se trata de uma natureza idílica, como sucede em certos utopistas bucólicos, e ademais o trabalho não foi abolido. A natureza é inabarcável, conforma o destino, e é parte da própria humanidade de tal forma que sua perda comportaria desumanização. O protagonista principal, o camponês Isak, é feio e desalinhado, é tosco e simples, porém inquebrantável, um ser limitado, porém não isento de vontade. O espaço natural, a Wildnis, é esse âmbito que tarde ou cedo há de levar a pegada do homem; não se trata do espaço ou o reino do homem convencional ou, mais exatamente, o delimitado pelos relógios, mas sim o do ritmo das estações, com seus ciclos periódicos. Em dito espaço, em dito tempo, não existem perguntas, se sobrevive para participar do refúgio de um ritmo que nos transborda. Esse destino é duro. Inclusive chega a ser muito duro. Porém em troca oferece independência, autonomia, permite uma relação direta com o trabalho. Outorga sentido, porque tem sentido. Em 'O Arco-Íris', de Lawrence, uma família vive de forma da terra de forma independente, apenas com o lucro de suas colheitas.

Hamsun e Lawrence, nessas duas novelas, nos legam a visão de um homem unido à terra (ein beheimateter Mensch), de um homem ancorado em um território limitado. O beheimateter Mensch ignora o saber livresco, não tem necessidade das prédicas dos meios informativos, sua sabedoria prática lhe é suficiente; graças a ela, seus atos tem sentido, inclusive quando fantasia ou dá rédea solta aos sentimentos. Esse saber imediato, ademais, lhe proporciona unidade com os outros seres.

Desde uma ótica como essa, a alienação, questão fundamental no século XIX, adquire outra perspectiva. Geralmente se aborda o problema da alienação desde três pontos e vista doutrinais:

1º Segundo o ponto de vista marxista e historicista, a alienação se localizaria unicamente na esfera social, enquanto que para Hamsun ou Lawrence, se situa na natureza interior do homem, independentemente de sua posição social ou de sua riqueza material.

2º A alienação abordada a partir da teologia ou da antropologia.

3º A alienação percebida como uma anomalia social.

Em Hegel, e mais tarde em Marx, a alienação dos povos ou das massas é uma etapa necessária no processo de adequação gradual entre a realidade e o absoluto. Em Hamsun e Lawrence, a alienação é um conceito todavia mais categórico; suas causas não residem nas estruturas sócio-econômicas ou políticas, mas sim no distanciamento em respeito às raízes da natureza (que não é, consequentemente, uma "boa" natureza). Não desaparecerá a alienação com a simples instauração de uma nova ordem sócio-econômica. Em Hamsun e Lawrence, assinala Doma, é o problema da desconexão, da interrupção, o que tem um traço essencial. A vida social tornou-se uniforme, desemboca na uniformidade, na automatização, na funcionalização extrema, enquanto que a natureza e o trabalho integrado no ciclo da vida não são uniformes e requerem em todo momento a mobilização de energias vitais. Existe imediatidade, enquanto que na vida urbana, industrial e moderna tudo está mediatizado, filtrado. Hamsun e Lawrence se rebelam contra ditos filtros.

Para Hamsun e, em menor medida, Lawrence as forças interiores contam para a "natureza". Com a chegada da modernidade, os homens estão determinados por fatores exteriores a eles, como são os convencionalismos, a luta política e a opinião pública, que oferecem um tipo de ilusão para a liberdade, quando em realidade conformam o cenário ideal para todo tipo de manipulações. Em um contexto tal, as comunidades acabam por se desvertebrar: cada indivíduo fica reduzido a uma esfera de atividade autônoma e em concorrência com outros indivíduos. Tudo isso acaba por derivar em debilidade, isolamento e hostilidade de todos contra todos.

Os sintomas dessa debilidade são a paixão pelas coisas superficiais, os vestidos refinados (Hamsun), signo de uma fascinação detestável pelo externo; isto é, formas de dependência, signos de vazio interior. O homem quebra por efeito de pressões exteriores. Indícios, por fim, da perda de vitalidade que leva à alienação.

No marco dessa quebra que supõe a vida urbana, o homem não encontra estabilidade, pois a vida nas cidades, nas metrópoles, é hostil a qualquer forma de estabilidade. O homem alienado já não pode retornar a sua comunidade, a suas raízes familiares. Assim Lawrence, com uma linguagem menos áspera porém acaso mais incisiva, escreve: "He was the eternal audience, the chorus, the spectator at the drama; in his own life he would have no drama" ("Ele era a audiência eterna, o coro, o espectador do drama; porém em sua própria vida, não haveria drama algum"); "He scarcely existed except through other people" ("Ele mal existia, salvo através de outras pessoas"); "He had come to a stability of nullification" ("Ele havia chegado a uma estabilidade de nulificação").

Em Hamsun e Lawrence, o Ent-wurzelung e o Unbehaustheit, o desenraizamento e a carência de lar, essa forma de viver sem fogo, constitui a grande tragédia da humanidade de fins do século XIX e princípios do XX. Para Hamsun o lar é vital para o homem. O homem deve ter lar. O lar de usa existência. Não se pode prescindir do lar sem provocar em si mesmo uma profunda mutilação. Mutilação de caráter psíquico, que conduz à histeria, ao nervosismo, ao desequilíbrio. Hamsun é, ao fim e ao cabo, um psicólogo. E nos diz: a consciência de si é não raro um sintoma de alienação. Schiller, em seu ensaio Über naive und sentimentalische Dichtung, assinalava que a concordância entre sentir e pensar era tangível, real e interior no homem natural, ao contrário que no homem cultivado que é ideal e exterior ("A concordância entre sensações e penamente existia outrora, porém na atualidade somente reside no plano ideal. Esta concordância não reside no homem, mas sim que existe exteriormente a ele; trata-se de uma idéia que deve ser realizada, não um fato de sua vida").

Schiller advoga por uma Überwindung (superação) de dita quebra através de uma mobilização total do indivíduo. O romantismo, por sua parte, considerará a reconciliação entre Ser (Sein) e consciência (Bewusstsein) como a forma de combater o reducionismo que trata de encurralar a consciência sob os grilhões do entendimento racional. O romantismo valorará, e inclusive sobrevalorará, ao "outro" em relação à razão (das Andere der Vernunft): percepção sensual, instinto, intuição, experiência mística, infância, sonho, vida bucólica. Wordsworth, romântico inglês, representante "rosa" de dita vontade de reconciliação entre Ser e consciência, defenderá a presença de "um coração que observe e aprove". Dostoiévski não compartilhará dita visão "rosa" e desenvolverá uma concepção "negra", em que o intelecto é sempre causa de mal, e o "possesso" um ser que tenderá a matar ou suicidar-se. No plano filosófico, tanto Klages como Lessing retomarão por sua conta esta visão "negra" do intelecto, aprofundando, não obstante, no veio do romantismo naturalista: para Klages, o espírito é inimigo da alma; para Lessing, o espírito é a contrapartida da vida, que surge da necessidade ("Geist ist das notgeborene Gegenspiel des Lebens").

Lawrence, fiel em certo sentido à tradição romântica inglesa de Wordsworth, crê em uma nova adequação do Ser e da consciência. Hamsun, mais pessimista, mais dostoievskiano (daí sua acolhida na Rússia e sua influência nos autores chamados ruralistas, como Vasili Belov e Valentín Rasputin), nunca deixará de pensar que desde que há consciência, há alienação. Desde que o homem começa a refletir sobre si mesmo, se desliga da continuidade que confere a natureza e à qual deveria estar sempre sujeito. Nos ensaios de Hamsun, encontramos reflexões sobre a modernidade literária. A vida moderna, escreveu, influencia, transforma, leva o homem a ser arrancado de seu destino, a ser apartado de seu ponto de chegada, de seus instintos, mais além do bem e do mal. A evolução literária do século XIX mostra uma febre, um desequilíbrio, um nervosismo, uma complicação extrema da psicologia humana. "O nervosismo geral (ambiente) se apossou de nosso ser fundamental e se fixou em nossa vida sentimental". O escritor mostra-se a nós assim, ao estilo de um Zola, como um "médico social" encarregado de diagnosticar os males sociais com o objetivo de erradicar o mal. O escritor, o intelectual, se embarca em uma tarefa missionária que trata de chegar a uma "correção política".

Frente a esta visão intelectual do escritor, a reprovação de Hamsun assinala a impossibilidade de definir objetivamente a realidade humana, pois um "homem objetivo" é, em si mesmo, uma monstruosidade (ein Unding), um ser construído como se tratasse de um mecanismo. Não podemos reduzir o homem a um compêndio de características, pois o homem é evolução, ambigüidade. O mesmo critério encontramos em Lawrence: "Now I absolutely flatly deny that I am a soul, or a body, or a mind, or an intelligente, or a brain, or a nervous system, or a bunch of glands, or any of the rest of these bits of me. The whole is greater than the part" ("Agora eu nego em absoluto que eu sou uma alma, ou um corpo, ou uma mente, ou uma inteligência, ou um cérebro, ou um sistema nervoso, ou um monte de glândulas, ou qualquer dos restos desses pedaços de mim. O todo é maior do que a parte"). Hamsun e Lawrence ilustram em suas obras a impossibilidade de teorizar ou absolutizar uma visão diáfana do homem. O homem não pode ser veículo de idéias pré-concebidas. Hamsun e Lawrence confirmam que os progressos na consciência de si mesmo não implicam em processos de emancipação espiritual, mas sim perdas, desperdício da vitaldiade, do tônus vital. Em seus romances, são as figuras firmes (isto é, as que estão enraizadas na terra) as que logram se manter, as que triunfam mais além dos golpes da sorte ou das circunstâncias desgraçadas.

Não se trata, em absoluto, de vidas bucólicas ou idílicas. Os protagonistas das novelas de Hamsun e Lawrence são penetrados ou atraídos pela modernidade, os quais, pese a sua irredutível complexidade, podem sucumbir, sofrem, padecem de um processo de alienação, porém também podem triunfar. E é precisamente aqui onde intervem a ironia de Hamsun ou a idéia da "Fênix" de Lawrence. A ironia de Hamsun perfura os ideais abstratos das ideologias modernas. Em Lawrence, a recorrente idéia da "Fênix" supõe uma certa dose de esperança: haverá ressurreição. É a idéia da Ave Fênix, que renasce de suas próprias cinzas.

O paganismo de Hamsun e Lawrence

Sua dita vontade de retorno a uma ontologia natural é fruto de um rechaço do intelectualismo racionalista, isso implica ao mesmo tempo uma contestação silenciosa à mensagem cristã.

Em Hamsun, vê-se com clareza o rechaço do puritanismo familiar (concretizado na figura de seu tio Han Olsen) e o rechaço ao culto protestante pelos livros sagrados; isto é, o rechaço explícito de um sistema de pensamento religioso que prima pelo saber livresco frente à experiência existencial (particularmente a do camponês autosuficiente, o Odalsbond dos campos noruegueses). O anticristianismo de Hamsun é, fundamentalmente, um a-cristianismo: não se propõe dúvidas religiosas ao estilo de Kierkegaard. Para Hamsun, o moralismo do protestantismo da era vitoriana (da era oscariana, diríamos para a Escandinávia) é simples e completa perda de vitalidade. Hamsun não aposta em experiência mística alguma.

Lawrence, por sua parte, percebe a ruptura de toda relação com os mistérios cósmicos. O cristianismo viria a reforçar dita ruptura, impediria sua cura, impossibilitaria sua cicatrização. Nesse sentido, a religiosidade européia ainda conservaria um poço de dito culto ao mistério cósmico: o ano litúrgico, o ciclo litúrgico (Páscoa, Pentecostes, Fogueira de São João, Todos os Santos, Natal, Festa dos Reis Magos). Porém inclusive isto foi agrilhoado como consequência de um processo de desencantamento e dessacralização, cujo começo arranca no momento mesm oda chegada da Igreja cristã primitiva e que se reforçará com os puritanismos e os jansenismos segregados pela Reforma. Os primeiros cristãos se apresentaram com o objetivo de separar o homem de seus ciclos cósmicos. A Igreja medieval, ao contrário, quis adequar-se, porém as Igrejas protestantes e conciliares posteriores expressaram com clareza sua vontade de regressar ao anti-cosmicismo do cristianismo primitivo. Nesse sentido, Lawrence escreve: "But now, after almost three thousand years, now that we are almost abstracted entirely from the rhythmic life of the seasons, birth and death and fruition, now we realize that such abstraction is neither bliss nor liberation, but nullity. It brings null inertia" ("Porém hoje, depois de três mil anos, depois de estarmos quase completamente abstraídos da vida rítmica das estações, do nascimento, da morte e da fecundidade, compreendemos ao fim que tal abstração não é nem uma benção nem uma liberação, mas sim puro nada. Não nos aporta outra coisa além de inércia"). Essa ruptura é consubstancial ao cristianismo das civilizações urbanas, onde não há abertura alguma para o cosmos. Cristo não é um Cristo cósmico, mas sim um Cristo reduzido ao papel de assistente social. Mircea Eliade, por sua parte, referiu-se a um "homem cósmico" aberto à imensidão do cosmos, pilar de todas as grandes religiões. Na perspectiva de Eliade, o sagrado é o real, o poder, a fonte de vida e da fertilidade. Eliade nos deixou escrito: "O desejo do homem religioso de viver uma vida no âmbito do sagrado é o desejo de viver na realidade objetiva".

A lição ideológica e política de Hamsun e Lawrence

No plano ideológico e político, no plano da Weltanschauung, as obras de Hamsun e de Lawrence tiveram um impacto bastante considerável. Hamsun foi lido por todos, mais além da polaridade comunismo/fascismo. Lawrence foi etiquetado como "fascista" a título póstumo, entre outros por Bertrand Russel que chegou inclusive a referir-se a sua "madness": "Lawrence was a suitable exponent of the Nazi cult of insanity" ("Lawrence foi um expoente típico do culto nazista à loucura"). Frase tão lapidária como simplista. As obras de Hamsun e de Lawrence, segundo Akos Doma, se inscrevem em um contexto quádruplo: o da filosofia da vida, o dos avatares do individualismo, o da tradição filosófica vitalista, e o do anti-utopismo e do irracionalismo.

1º. A Filosofia da Vida (Lebensphilosophie) é um conceito de luta, que opõe a "vivacidade da vida real" à rigidez dos convencionalismos, aos fogos de artifício inventados pela civilização urbana para tratar de orientar a vida para um mundo desencantado. A filosofia da vida se manifesta sob múltiplas faces no contexto do pensamento europeu e toma realmente corpo a partir das reflexões de Nietzsche sobre a Leiblichkeit (corporeidade).

2 º O Individualismo. A antropologia hamsuniana postula a absoluta unidade de cada indivíduo, de cada pessoa, porém rechaça o isolamento desse indivíduo ou pessoa de todo contexto comunitário, familiar ou carnal: situa à pessoa de uma maneira interativa, em um lugar preciso. A ausência de introspecção especulativa, de consciência e de intelectualismo abstrato tornam incompatível o individualismo hamsuniano com a antropologia segregada pelo Iluminismo. Para Hamsun, sem embargo, não se combate o individualismo iluminista sermoneando sobre um coletivismo de contornos ideológicos. O renascimento do homem autêntico passa por uma reativação dos recursos mais profundos de sua alma e de seu corpo. A soma quantitativa e mecânica é uma insuficiência calamitosa. Em consequência, a acusação de "fascismo" em relação a Lawrence e Hamsun não se sustenta.

3º O Vitalismo tem em conta todos os acontecimentos da vida e exclui qualquer hierarquização de base racial, social, etc. As oposições próprias do vitalismo são: afirmação da vida/negação da vida; sadio/enfermo; orgânico/mecânico. Daí, que não possam ser reconduzidas a categorias sociais, a categorias políticas convencionais, etc. A vida é uma categoria fundamental apolítica, pois todos os homens sem distinção estão submetidos a ela.

4º O "irracionalismo" lançado sobre Hamsun e Lawrence, assim como seu anti-utopismo, tem sua base em uma revolta contra a "viabilidade" (feasibility; Machbarkeit), contra a idéia de perfectibilidade infinita (que encontramos também sob uma forma "orgânica" nos românticos ingleses da primeira geração). A idéia de viabilidade choca diretamente com a essência biológica da natureza. De fato, a idéia de viabilidade é a essência do niilismo, como apontou o filósofo italiano Emanuele Severino. Para Severino, a viabilidade deriva de uma vontade de completar o mundo apreendendo-o como um devir (porém não como um devir orgânico incontrolável). Uma vez o processo de "acabamento" tendo concluído, o devir detem bruscamente seu curso. Uma estabilidade geral se impõe na Terra e esta estabilidade forçada é descrita como um "bem absoluto". Desde a literatura, Hamsun e Lawrence, precederam assim a filósofos contemporâneos como o citado Emanuele Severino, Robert Spaemann (com sua crítica do funcionalismo), Ernst Behler (com sua crítica da "perfectibilidade infinita") ou Peter Koslowski. Estes filósofos, fora da Alemanha ou Itália, são muito pouco conhecidos pelo grande público. Sua crítica profunda dos fundamentos das ideologias dominantes, provoca inevitavelmente o rechaço da solapada inquisição que exerce seu domínio em Paris.

Nietzche, Hamsun, e Lawrence, os filósofos vitalistas ou, se preferível, "antiviabilistas", ao insistir sobre o caráter ontológico da biologia humana, se opuseram à idéia ocidental e niilista da viabilidade absoluta de qualquer coisa; isto é, da inexistência ontológica de todas as coisas, de qualquer realidade. Bom número deles - Hamsun e Lawrence incluídos - nos chamam a atenção sobre o presente eterno de nossos corpos, sobre nossa própria corporeidade (Leiblichkeit), pois nós não podemos conformar nossos corpos, em contraposição a essas vozes que nos querem convencer das bondades da ciência-ficção.

A viabilidade é, pois, o "hybris" que chegou a seu ápice e que conduz à febre, à vacuidade, à pressa, ao solipsismo, e ao isolamento. De Heidegger a Severino, a filosofia européia se ocupou sobre a catástrofe causada pela dessacralização do Ser e pelo desencantamento do mundo. Se os recursos profundos e misteriosos da Terra ou do homem são considerados como imperfeições indignas do interesse do teólogo ou do filósofo, se tudo aquilo que foi pensado de maneira abstrata ou fabricado mais além dos recursos (ontológicos) se encontra sobrevalorizado, então, efetivamente, não pode nos estranhar que o mundo perca toda sacralidade, todo valor. Hamsun e Lawrence foram os escritores que nos fizeram viver com intensidade essa constante, acima até mesmo de alguns filósofos que também deploraram a falsa rota empreendida pelo pensamento ocidental há séculos. Heidegger e Severiano no marco da filosofia, Hamsun e Lawrence no da criação literária, trataram de restituir a sacralidade no mundo e revalorizar as forças que se esconem no interior do homem: desde esse ponto de vista, estamos diante de pensadores ecológicos na mais profunda acepção do termo. O oikos nos abre as portas do sagrado, das forças misteriosas e incontroláveis, sem fatalismos e sem falsa humildade. Hamsun e Lawrence, em definitivo, anunciaram a dimensão geofilosófica do pensamento que nos ocupou durante toda essa universidade de verão. Uma aproximação sucinta a suas obras se fazia absolutamente necessária no temário de 1996.


Tradução por Raphael Machado

Esmague a sua TV!

"É um prodigioso meio de propaganda. É também um elemento de embrutecimento no sentido de que as pessoas confiam naquilo que lhes é mostrado. Elas já não imaginam. Elas vêem. Elas perdem a noção de juízo e dedicam-se gentilmente à preguiça. A televisão é preguiçosa para os homens. O alcoolismo, a bisbilhotice e a política já fazem embrutecidos. É preciso juntar ainda mais qualquer coisa?"
(Louis-Ferdinand Céline)

16/11/2010

Monges Guerreiros

"O fascista reúne em si as qualidades há tempo esquecidas e hoje dissociadas e às vezes até opostas: as propriedades do monge e do guerreiro."
(Pierre Drieu la Rochelle)

15/11/2010

O apego burguês à segurança

"Entre os signos da época na qual nós entramos pertence a crescente intrusão do perigo na vida diária. Não há acidente ocultando-se por trás desse fato mas uma mudança compreensiva do mundo interior e exterior.

Nós vemos isso claramente quando nos lembramos que importante papel havia sido assignado ao conceito de segurança na época burguesa apenas passada. A pessoa burguesa é talvez melhor caracterizada como uma que coloca a segurança entre os valores mais elevados e conduz sua vida de acordo. Seus arranjos e sistemas são dedicados a garantir seu espaço contra o perigo que às vezes, quando escassamente uma nuvem aparece para escurecer o céu, aparece à distância. Porém, ele está sempre ali: ele busca com constância elemental romper as represas com as quais a 'ordem' cercou a si mesma.

A peculiaridade da relação burguesa com o perigo reside em sua percepção dela como uma contradição insolúvel com a ordem, ou seja, como desprovido de sentido, irracional. Nisso ele se coloca à parte de outras figuras como, por exemplo, a do guerreiro, do artista, e do criminoso, que se atribuem uma relação elevada ou baixa em relação ao elemental. Assim a batalha, aos olhos do guerreiro, é um processo que se completa dentro de uma ordem superior; o conflito trágico, para o escritor, é uma condição na qual o sentido mais profundo da vida deve ser compreendido muito claramente; e a cidade em chamas ou tomada pela insurreição é um campo de atividade intensificada para o criminoso. Por sua vez, os valores burgueses possuem tão pouca validade para o crente, posto que os Deuses aparecem nos elementos, como a sarça em chamas não consumida pelo fogo. Através dos infortúnios e perigos o mortal é atraído à esfera superior de uma ordem mais elevada."
(Ernst Jünger, Trecho de "Sobre o Perigo")

14/11/2010

Metal Estéril

"O Ocidente funda-se na propriedade da terra, já que a nossa civilização e todo o mundo ocidental derivam do solo e da responsabilidade primordial e total do homem que produz a partir do solo.

Está tudo muito confuso?

Não, não há confusão enquanto os homens continuarem a assumir a responsabilidade de se alimentarem a si mesmos e de alimentarem as suas famílias com o que conseguem tirar da terra, semeando, fazendo amadurecer e colhendo, cuidando do gado.

Esta responsabilidade implica também não permitir que as vacas comam toda a erva do campo, já que uma parte deve ser armazenada como forragem para as alimentar durante o Inverno.

Mas nem todo o capital deste nosso desordenado mundo é resultado do trabalho.

O homem da rua traz na cabeça uma grande confusão, não apenas no que se refere ao dinheiro, mas também no que diz respeito ao ouro.

O ouro é produto de trabalho.

(...) Não se trata de carneiros e ovelhas. Não são amebas, como diz Shakespeare, quando avisa que o ouro não está vivo. Não se multiplica como os carneiros ou as ovelhas de um rebanho.

Plante-se e vejamos se brota na primavera com vinte, trinta, cem espigas.

O dinheiro não tem o menor interesse se não significar alguma coisa além de esterilidade.

O dinheiro não interessa se não representar, precisamente, qualquer coisa parecida com carneiros e ovelhas.

Desde a pré-história, a diferença entre o dinheiro e o metal sempre confundiu os homens.

O conceito de juro já existia antes da cunhagem de moedas metálicas. É muito mais justificado um juro sobre um empréstimo de sementes, sobre um empréstimo de carneiros e ovelhas, que sobre um empréstimo de metal não prolífico e não prolificável."
(Ezra Pound, Trecho de "Esta é a Voz da Europa")

13/11/2010

Os Métodos da Neopolícia do Pensamento

por Alain de Benoist




Vê-se que a sociedade atual coloca o pluralismo no princípio de seus discursos, apenas para fazê-lo desaparecer quando alcança sua meta. Vê-se ademais que certa esquerda, que ontem enfrentava à sociedade burguesa e criticava sua ordem moral, hoje põe-se à cabeça do reformismo político e do conformismo moral, porque suas consignas se converteram em lugares-comuns. Isso é um fenômeno chamativo que deveria fazer refletir sobre o caminho percorrido pela esquerda. Era necessária coragem para atacar na África do Sul o apartheid, para lutar na França com as armas nas mãos contra a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.

Porém, em quê consiste hoje essa coragem? Uma resistência contra o nazismo hoje não arrisca nada, a não ser o próprio ridículo. E os slogans, que ontem podiam significar para seus autores prisão ou morte, hoje são fórmulas mágicas, sortilégios produtores de boa consciência e mesmo passes no mundo da mídia e dos editoriais. Com idéias que somente são expressão da época porquê podem ser ditas sem perigo, não desperta essa "coragem" admiração alguma.




Em todos os tempos houve censura e a tendência à intolerância é um componente do espírito humano. Houve no passado ideologias dominantes e todos os governos, com diferença gradual, saudaram a oportunidade de unificar a sociedade e afogar opiniões disconformes. O fato de que a censura hoje retorne é justamente surpreendente, porque o retorno sucede em uma sociedade que pretende reconhecer e garantir a liberdade de expressão. O artigo XI da Declaração dos Direitos Humanos proclama como um dos direitos mais preciosos o livre intercâmbio de idéias e opiniões. Na França a lei da liberdade de imprensa de 29 de julho de 1881 estabelece em seu primeiro artigo: "imprensa e livrarias são livres", porém isto deixou de ser verdade. Enquanto na maioria dos países liberados do jugo soviético há liberdade de palavra, enquanto nos EUA o First Amendment da constituição permite a livre expressão de todas as opiniões, a França atual é, junto com a Alemanha, a região ocidental em que a liberdade de opinião está mais limitada. [Nota do tradutor: o Brasil não está muito atrás]




"Não há liberdade para os inimigos da liberdade" é um velho álibi, que sempre provoca a pergunta, como se define a liberdade e, acima de tudo, quem possui a capacidade de determinar quem é o inimigo da liberdade. Quando no século XIX os socialistas revolucionários denunciaram a exploração econômica, foram levados perante os tribunais de justiça por "incitação do ódio". Hoje faz-se o mesmo com aqueles que não se curvam perante a ideologia dos direitos humanos. Se fôssemos acreditar em certas pessoas a liberdade de opinião estaria limitada às opiniões toleráveis. Porém justamente mais além é onde começa a liberdade; e foram sempre os que tiveram que lutar por ela, por seu triunfo, quem definiram essa liberdade. A liberdade de opinião não teria nenhum valor se somente a desfrutassem os que opinam aquilo que qualquer um considera justo e razoável. Por ser a liberdade de opinião o primeiro pressuposto para o livre desenvolvimento das idéias e para a existência de um debate democrático, ela só tem sentido quando até as opiniões mais absurdas, mais chocantes e mais ofensivas gozam de liberdade. Pela simples razão de que, se não fosse assim a proclamação desse princípio de liberdade de opinião teria sido supérfluo.




A verdade é que a liberdade de opinião é indivisível; ela cessa de existir apenas se lhe colocam limites. A verdade é que a censura é insuportável, não importa que motivos persiga, não importa quê identidade possuam as vítimas dessa liberdade, não importa sob quê condições se exerça. Não há censura que se possa defender intelectualmente e ademais, nenhuma é eficaz. Hoje em dia aqueles que condenam a censura são acusados de ser cúmplices dos censurados. Essa acusação, praticamente uma extorsão, é igualmente insofrível. Entre as idéias que hoje estão proibidas há seguramente algumas que são absurdas ou abomináveis. Porém se há opiniões abomináveis, então as leis que as querem proibir são mais abomináveis. Não se trata aqui em primeira linha de defender os censurados - aqui trata-se de atacar a censura. O macarthismo e o sistema soviético desapareceram, porém seguem estando presentes os herdeiros de um Zadanov ou de um McCarthy. Somente que sob Stalin ou McCarthy os delatores estavam obrigados à denúncia se queriam conservar sua vida ou seu trabalho. Hoje em dia vemos delatores que realizam essa tarefa sem que nada os obrigue. Se levam à boca a expectoração de McCarthy sem que isso lhes produza nenhum asco. Eles estão muito ocupados confeccionando listas negras para pronunciar excomunhões e descarregar anátemas. Eles se escandalizam por aquelas denúncias cujas vítimas eram os judeus na época da ocupação alemã na França, porém eles mesmos, denunciando a todos aqueles que a ideologia dominante põe no INDEX, comportam-se de maneira pior. Tudo em um clima que Cornelius Castoriadis caracteriza muito bem como o "avanço da banalidade" e tudo isso - observe-se bem - sob pretextos morais.

Na sociedade de controle em que vivemos, que dispõe de meios de vigilância da vida pública e privada nem se mesmo possuíram os regimes totalitários, todos os motivos são bons para excluir, empurrar às bordas e marginalizar. Nomeio as razões mais profundas dessa intolerância: os remorsos de consciência dos penitentes e arrependidos, a precariedade cultural dos incapazes de responder, daqueles que em vez de refutar, difamam, o medo de uma classe cujos membros foram escolhidos há muito tempo e não porquê possuíssem verdadeiras capacidades, mas sim pela capacidade de se fazerem escolher. Sem méritos, apartados do povo, vivem em contínnuo temor de perder seus postos e privilégios. Nomeio também as metas da censura: ela quer criar bodes expiatórios para impedir que se lhes peça justificativas de suas afirmações, para desviar a atenção sobre as monstruosidades no sistema atual, para pôr à opinião pública uma argona no nariz e conduzí-la a seu gosto, para impôr uma abjuração de todos os pensamentos perigosos antes de outorgar o reconhecimento midiático e social.




Esse sistema de censura vai durar tanto como possa. Tenho a sensação de que será derrubado por seu próprio peso, como uma consequência de sua própria dinâmica. Vai chegar um dia no qual - como já começa a observar-se - aos delatores não sobrará remédio além de se denunciarem uns aos outros. Porém nós, nós não temos nada do quê nos arrepender. Por isso há em nosso país e também em outras regiões, um grupo de intelectuais que possui a coragem de empreender uma iniciativa comum contra a nova Polícia do Pensamento. Enquanto vivamos, seguiremos dizendo palavras divergentes, seguiremos cooperando com o trabalho do pensar. No momento em que o conformismo se encontra no ápice trata-se uma vez mais de apelar à união dos espíritos livres e dos corações rebeldes. Abaixo a censura! Viva a liberdade!


Tradução por Raphael Machado


12/11/2010

Homem-Massa

"Não há liberdade sem enraizamento e sem Vontade. O Homem Livre, o ideal único tradicionalmente exaltado pela cultura européia como nos poemas célticos e lendas germânicas. Autônomo e responsável em suas escolhas, o Homem Livre é o produto virtuoso do gênio europeu. Ainda que, é precisamente este que está sendo ameaçado pela marcha do despotismo estrangeiro; tomando lugar internamente pelo quê Konrad Lorenz chamou o contágio da indoutrinação, e o quê Raymond Ruyer chamou poluição ideológica. Igualitarismo, estilos de vida uniformes, burocratização rápida e uma economia totalitária estão atualmente transformando o Homem Livre europeu em um "Homem-Massa" estrangeiro até para si mesmo."
(Louis Pauwels)