29/04/2024

Paul Kingsnorth - O Sonho da Cruz

 por Paul Kingsnorth

(2021)


Quem se senta no trono vazio?

Vou lhes contar uma história.

Essa história começa em um jardim, no início de todas as coisas. Toda a vida pode ser encontrada nesse jardim: todos os seres vivos, todos os pássaros e animais, todas as árvores e plantas. Os seres humanos também vivem aqui, assim como o criador de tudo isso, a fonte de tudo, e ele está tão próximo que pode ser visto, ouvido e falado. Tudo caminha junto no jardim. Tudo está em comunhão. É uma imagem de integração. 

No centro desse jardim cresce uma árvore, cujo fruto transmite conhecimento oculto. Os seres humanos - a última criatura a ser formada pelo criador - estarão prontos para comer esse fruto um dia e, quando isso acontecer, eles obterão esse conhecimento e poderão usá-lo sabiamente para o benefício deles mesmos e de todas as outras coisas que vivem no jardim. Mas eles ainda não estão prontos. Os humanos ainda são jovens e, ao contrário do restante da criação, estão apenas parcialmente formados. Se eles comessem da árvore agora, as consequências seriam terríveis.

27/04/2024

Tomislav Sunic - Liberalismo ou Democracia? Carl Schmitt e a Democracia Apolítica

 por Tomislav Sunic

(2019)


A crescente imprecisão na linguagem do discurso político tornou a todos virtualmente democratas ou, pelo menos, aspirantes a democratas. Leste, oeste, norte, sul: em todos os cantos do mundo, políticos e intelectuais professam o ideal democrático, como se seu tributo retórico pela democracia pudesse substituir a má demonstração de suas instituições democráticas[1]. Democracia liberal – e essa é a que expomos como nosso critério de “melhor de todas as democracias” – significa mais ou menos participação política. E como se explica que os interesses eleitorais da democracia liberal têm declinando há anos? Julgando a partir da participação eleitoral, em quase todo o Ocidente quase todo o funcionamento da democracia liberal esteve acompanhado de desmobilização política e recuo da participação política[2]. Acaso é possível que, consciente ou inconscientemente, os cidadãos de democracias liberais percebam que suas cédulas de voto não podem afetar substancialmente a forma como suas sociedades são governadas, ou pior, que os ritos da democracia liberal são uma elegante cortina de fumaça para a ausência de autogoverno?

26/04/2024

Julien Freund - O Que é a Política?

 por Julien Freund

(1965)


Prefácio


Em nossos dias, todos conspiram para mascarar a verdadeira natureza da política. A tradição platônica, o prestígio da ciência, a autoridade aparente dos intelectuais, o domínio onipresente e cotidiano dos tecnocratas ou até mesmo as modas de certas escolas de ciência política e sociologia política que tendem a acreditar que a política agora se tornou um objeto puro de conhecimento e que seu desenvolvimento futuro depende da análise e da pesquisa científica. Ninguém contesta que o aumento e a difusão do conhecimento, tanto nas ciências físicas quanto nas ciências econômicas e sociais, produziram modificações consideráveis no universo político. Essas transformações não alteraram fundamentalmente a política. Pelo contrário, a política foi impulsionada, assim como a religião, a arte ou a moral, pela agitação geral que mudou fundamentalmente o mundo e o cenário dos homens comuns. Para cumprir sua tarefa e respeitar o mais fielmente possível seu próprio campo de atividade, a política é obrigada a medir essas transformações e deve se aventurar a dominar a ciência, a autoridade dos intelectuais e o governo dos tecnocratas para colocá-los a serviço do bem comum, em termos simples: a política deve garantir a segurança contra ameaças externas e a harmonia interior de várias unidades políticas. Dessa forma, o objetivo da política não pode ser o conhecimento puro. A política continua sendo o que sempre foi: ação. Essa é a única maneira de entendermos a política.

25/04/2024

Andrea Veronese - A Arca da Aliança

 por Andrea Veronese

(2000)


Em uma montanha sagrada na Península do Sinai, na área do antigo Egito, Moisés se encontrava ajoelhado diante de uma sarça ardente. Ele estava recebendo ordens do Deus de Israel. Foi-lhe dito: "Fareis uma arca de madeira de acácia e a revestirás de ouro puro. E dentro poreis o testemunho que eu vos darei". Seguindo à risca as instruções recebidas de seu Deus, Moisés obedeceu e construiu um baú de 125 cm de comprimento x 75 cm de altura x 75 cm de largura e a recobriu de ouro. Mais tarde, ele o cobriu com o propiciatório, ou uma tampa que representaria o céu, enquanto o recipiente representaria a terra. De acordo com a tradição cabalística, a forma que melhor o representa em um nível espiritual é o cubo. O "recipiente" era formado por três caixas distintas: as externas eram duas e ambas eram de ouro, enquanto a do meio era de madeira de acácia. A acácia é uma árvore ou arbusto de origem africana e australiana, da família Mimosaceae. Possui folhas pinadas. Existem cerca de 500 espécies de acácia, distribuídas em todo o mundo. As robinias comuns, assim como a mimosa, a alfarroba e a árvore de Judas, pertencem à família das acácias. Sua típica cor verde, símbolo da existência e da vida, faz dele o símbolo da imortalidade e da incorruptibilidade. Nos tempos antigos também era considerado um símbolo da ligação entre o visível e o invisível. A acácia é considerada sagrada sobretudo porque é sistematicamente utilizada pelos hebreus na fabricação de diversos acessórios do Tabernáculo. Segundo a Cabala, a alma dos Mestres e dos Iluminados contém duas macrocategorias: a envolvente e a interna. Cada uma vem com diferentes graus intermediários. As tábuas da Torá dentro do recipiente constituem a alma oculta. Fundamental é a alma interior, pois é limitada, enquanto a primeira se estende até o infinito. Os dois recipientes de ouro constituem o primeiro e o segundo grau da alma envolvente (respectivamente Chaia representando a alma vivente, e Yechidà, que representa a alma da união perfeita com o Divino). Na verdade, um dos propósitos da"alma envolvente" é defender o organismo dos ataques das entidades malignas e negativas, também presentes na dimensão espiritual. Justamente por isso o material utilizado era o ouro, que representa a consciência, o que a Alquimia chama de "ouro filosófico".