05/05/2023

Alberto Buela - Comentário sobre o Belo

 por Alberto Buela

(2015)


Três caros amigos meus, pensadores e bons pensadores: o espanhol Javier Ruiz Portella, diretor do jornal El Manifiesto; o português Duarte Branquinho, diretor de O Diabo; e o francês Alain de Benoist, diretor das revistas Krisis e Éléments, reuniram-se com outros em Paris para um colóquio para falar "contra a fealdade e pela beleza".

Que extraordinário, que fora do comum! Coisas como esta nos enchem de entusiasmo e alimentam o espírito. Elas nos tiram do derrotismo natural ao qual nossa sociedade de consumo nos conduz e nos dão força para continuar nesta luta desigual contra a vulgaridade, a torpeza, a estultícia, a fealdade, o mau gosto e as mil agressões que sofremos diariamente tanto da mídia de massa como dos outdoors e das vitrines das lojas nas ruas.

Durante vinte e cinco séculos e atribuído a Platão, tem sido repetido na tradição filosófica ocidental que a beleza é o esplendor da verdade (splendor veri). Esta frase contém dois termos: splendor e veritas. O esplendor não é um brilho difuso, mas um brilho de luz que emana da coisa bela, e verdade é o que brilha. A obra de arte é então aquilo através do qual a verdade brilha. E para os gregos, a verdade (alétheia) significa desocultar, desvelar, retirar o véu que cobre a essência das coisas. E é este des-ocultar que produz a obra de arte que faz Heidegger afirmar: "Na obra de arte, se põe em evidência a verdade do ente. A obra de arte abre, a seu modo, o ser do ser do ente"[1] 

Mas como é, como acontece este enraizamento da obra de arte na verdade? Esta é a pergunta de um milhão de dólares, e aqui, cada mestre tem seu livreto.

Na minha opinião, a obra de arte expressa a verdade de forma simbólica, o que significa que ela remete a algo que está além do que ela apresenta. A obra de arte re-apresenta algo, apresenta as coisas de uma maneira diferente como elas aparecem ao olho comum, transcende-as. Mesmo a arte não figurativa, não representativa, apesar da intenção de seus criadores, também representa. Pelo menos ela tenta ser a representação da não-representação. E como a arte, como todo símbolo, é um signo arbitrário (todo pintor pinta a mesma coisa, mas de forma diferente), que se distingue do sinal que é um signo natural (por exemplo: a nuvem é um sinal de chuva). E como a captura do símbolo só é possível por analogia, da mesma forma, o acesso à obra de arte é feito pelos mesmos meios, de forma indireta.

Dado seu caráter simbólico, a obra de arte liga o singular com o universal, o contingente com o necessário. É, na conhecida definição de Hegel, "a expressão sensível da Ideia", ela apresenta o suprassensível no sensível.  

"Na obra de arte, portanto, não se trata da reprodução dos entes singulares que existem, mas ao contrário da representação da essência geral das coisas", diz-nos Heidegger, por sua vez.[2]

E na tarefa de compreender a obra de arte como um símbolo, em sua decodificação, intervém a hermenêutica, a ciência da interpretação, onde se destaca o agudo filósofo mexicano Mauricio Beuchot: "Se a hermenêutica teve a tarefa de reunir e quase combinar a compreensão e a explicação aplicada às obras de arte, ela nos faz dar uma compreensão (um sentido), mas também uma explicação (uma referência). Eles colocam diante de nosso intelecto algo que nos dá um sentido e uma referência a certos aspectos humanos que são universais".[3]

Assim, diante de uma obra de arte que, por ser bela, agrada aos sentidos, especialmente a visão e a audição, podemos desfrutar de compreendê-la sem perder a referência, chegamos à representação plena, unindo compreensão e explicação em um único ato.

Além do acesso intelectual à obra de arte, há uma abordagem emocional que se encontra no observador. O esplendor, especialmente nas grandes obras de arte, é visto como uma emoção para o observador. A obra de arte nos retira da trivialidade, do cotidiano, nos transporta para outro mundo, mais transcendente ou mais profundo. Aristóteles chamou isso de catarse. É claro que ele lhe deu uma conotação moral como expurgo das paixões, mas o certo é que uma obra de arte é valorizada por sua maior ou menor pungência. Pense nos efeitos da Antígona de Sófocles, que morre desafiando o poder político por ser fiel à lei divina e à piedade fraterna. Ou como somos movidos por uma sinfonia, uma pintura, uma escultura, um filme, uma dança bem dançada e as centenas de expressões estéticas quando estão bem acabadas, quando são belas.

A própria ideia do mundo é definida antes de tudo pelo belo, pois é isso que significa mundus e cosmos. Por isso ainda hoje falamos de cosméticos ou da arte de tornar as mulheres bonitas, ou do mundo, como sujo e feio.

E quando o mundo nos mostra sua beleza? Ele o faz no belo e grande, que caracterizamos como o sublime: um pôr-do-sol, um pico coberto de neve, uma cachoeira, o mar "como um vasto cristal azul", o pampa, "aquela vertigem horizontal" da qual fala Drieu de la Rochelle.

Mas Platão não só se limitou ao elo transcendental, ou seja, além de toda categoria entre beleza e verdade, mas também incorporava o bem com sua ideia de kalokagathia, ou seja, a soma de kalós (o belo) e agathós (o bom). E assim ele a expressa no Filebo: "a potência do bem refugiou-se para nós na natureza do belo".

Tudo isto nos leva aos abismos mais insondáveis da metafísica, pois caímos no tratamento dos transcendentes do ente ou dos horizontes do ser que Eugen Fink, aquele grande colaborador de Heidegger, fala hoje. Assim, aos quatro horizontes clássicos do ser que dominam a filosofia antiga, medieval, moderna e, em alguns casos, contemporânea, on, ens, ente-en, unum, uno- agathon-bonum-bom e alethés-verum-verdadeiro, devemos acrescentar em nosso tempo o kalós-pulchrum-belo.

A ideia é que, quando se chega à plenitude de sua realização, tanto nos entes como em ações, todos se convertem uns nos outros.

Mas este já é o tema de um tratado.