13/08/2021

Julius Evola - Memória do Dadaísmo

 por Julius Evola

(1958)


Quem faz uma comparação entre o primeiro e o segundo período pós-guerra não pode deixar de notar a recorrência dos mesmos temas e orientações, mas a um nível consideravelmente mais baixo. Nos fenômenos típicos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial no sentido de crise, de impulsos confusos de rebelião e evasão, a tensão espiritual e o radicalismo são muito menores. As correspondências são apresentadas em termos muito mais cinzentos e fragmentados. Além disso, em vez de uma expressão genuína, existem muitas vezes formas complacentes e exibicionistas, mesmo que, no domínio artístico, não se tenha chegado à profissão.. Um caso típico em questão é o da arte abstrata atual.

Entre as correntes que, no primeiro pós-guerra, anteciparam atitudes semelhantes ao existencialismo atual e tendências inconformista e antirracionalista similares, mas levaram a experiência adiante, uma das mais interessantes foi, sem dúvida, o dadaísmo. O dadaísmo raramente é mencionado. Ele, de certa forma, acabou engolindo a si mesmo, pois não era possível ficar muito tempo, sinceramente, nas posições de negações radicais, de uma liberdade afirmada através da dissolução agressiva de todo limite e toda ordem, de todo valor convencional e de toda racionalidade, não só na arte mas, segundo a instância original, na própria existência individual.

Nascido em Zurique, no Cabaré Voltaire, o dadaísmo foi definido com um primeiro manifesto em 1918 e imediatamente assumiu a forma de um movimento, ao qual vários escritores e artistas, especialmente franceses, aderiram. No entanto, o criador do dadaísmo era um romeno, Tristan Tzara, uma figura interessante e singular que conhecemos pessoalmente. Quanto à designação - "Dada" - ela foi declarada como não significando nada - ou tudo. Era uma dupla afirmação em russo e romeno, símbolo de uma visão para a qual tudo é semelhante e tudo é sem igual, da absolutez irracional da vida em seu estado puro, a ser ativada em formas que, por contradição, incoerência e absurdo, acabariam com todas as superestruturas. "Dada é um micróbio virgem" - é uma expressão de Tzara. Nascido "naqueles que conheceram os arrepios do despertar", "é a atividade simples, a impossibilidade de discernir entre os graus de luz".

"Há um grande trabalho destrutivo a ser feito", declarou o Manifesto Dada de 1918, "varrer o caminho, limpar. A pureza do indivíduo se afirma após o estado de loucura, de uma loucura agressiva, completa, sem propósito, sem projeto, sem organização"...

"Desmoralizar em toda parte, é jogar a mão do céu no inferno, os olhos do inferno no céu, para restabelecer a roda frutífera de um círculo universal nas potências reais e na imaginação de cada indivíduo". "O que em nós é divino é o despertar da ação anti-humana", por humano se quer fazer referência aqui a todo sentimentalismo, toda fraqueza, toda construção intelectualista ou social. "Buscamos a força direta, pura, firme, única, não buscamos nada, afirmamos a vitalidade de cada momento", se acrescentava. A dissolução, a anarquia e a contradição eram, portanto, válidas aqui tanto como uma pedra de toque ("os fortes na palavra e na ação sobreviverão") quanto como um método.

A característica do dadaísmo, entretanto, era abandonar as formas românticas da rebelião, passar a formas drásticas, paradoxais e frias de negação. Assim, não hesitava em proclamar: "O Dada trabalha com todas as suas forças no estabelecimento do idiota em todos os lugares, mas conscientemente. O Dada é terrível: ele não se comove com as derrotas da inteligência". E se alguém perguntava por que, no final, se ocupar de algo, escrever, afirmar qualquer coisa, a resposta era: "Para mostrar que se pode fazer coisas opostas ao mesmo tempo, em um novo fôlego. Sou contra a ação, pela contínua contradição, mas também pela afirmação, não sou nem a favor de uma coisa nem a favor da outra, e não explico nada". Ele seguia por esta linha até o fim. "Se existe um sistema na ausência de um sistema", escreveu Tzara, "eu nunca o aplico. O que significa que eu minto. Eu minto ao aplicá-lo, eu minto ao não aplicá-lo, eu minto ao escrever que eu minto porque não minto". Assim, ele foi coerente ao dizer que "os verdadeiros Dada são contra o Dada", que tudo é Dada, e que é precisamente na identificação com o que é mais banal e mais genial que reside o excepcionalismo e a genialidade. Liberdade, "o grito de cores contraídas, o abraço dos contrários e de todas as contradições, dos grotescos, das inconsistências - a vida" - era isso que o dadaísmo anunciava.

Assim, não se tratava de lançar uma nova arte no sentido próprio: futurismo, cubismo e afins eram considerados pelos dadaístas como academias, e ridicularizados. A arte era vista pelos dadaístas como um instrumento para ironizar, perturbar ou evocar um elemento caótico ou abstrato. Daí as expressões em poesia e pintura, que por um lado anteciparam a arte abstrata, mas por outro implementaram o método do absurdo. Como uma pintura dadaísta, Picabia exibiu uma reprodução da Mona Lisa com um bigode adicional. Um demônio do elementar e caótico percorria as xilogravuras pretas e brancas de Hans Arp. Um poema dadaísta consistia na simples repetição, em uma página inteira, da palavra: "Grita". Outro, em palavras misturadas com operações aritméticas. Aqui está a receita para fazer um poema dadaísta: "Pegue um jornal, algumas tesouras e escolha um artigo do tamanho que você quer que seu poema tenha. Recorte o artigo e depois, cuidadosamente, todas as palavras que o compõem. Coloque os recortes em uma bolsa. Sacuda suavemente. Retire cada palavra, uma após a outra. Copie-as conscienciosamente, na ordem em que saíram do saco. O poema será parecido com você - e aqui está um escritor infinitamente original de sensibilidade requintada, embora ainda não compreendido pelo homem comum". Nisso havia, é claro, um escárnio - mas também algo mais. Paradoxalmente, se queria dizer que, na absoluta liberdade, é possível encontrar a si mesmo em todos os lugares, e em um nível estético se pode ser capaz de animar até mesmo as associações mais aleatórias e caóticas, levando ao limite o que os simbolistas franceses haviam chamado de "alquimia da palavra". Mas mesmo estranhos momentos de iluminação não escaparam de algumas composições dadaístas.

Como já dissemos, não era possível ficar em posições desse tipo por muito tempo. A rigor, elas não permitiam um "depois", senão ou um terminar como Nietzsche, ou lançar-se no abismo, deixando de escrever, simplesmente viver, como fez Rimbaud. O dadaísmo se incinerou, e foi preciso passar para outra coisa. O chamado "surrealismo" derivou em grande parte do dadaísmo, mas tomou um caminho problemático: interessou-se pela psicanálise, voltou-se para o inconsciente e confundiu isso com aberturas para o alto, formas regressivas de mero associacionismo mental e sensações confusas do estranho e perturbador despertar com a técnica do incoerente. Poetas como Aragon, Soupault e Bréton, que anteriormente haviam aderido ao dadaísmo, agora fizeram um nome para si mesmos e retornaram mais ou menos à normalidade. Tristan Tzara se retirou de cena. O que surgiu no período pós Segunda Guerra Mundial de semelhante ao dadaísmo, em diferentes contextos, é um fenômeno muito mais superficial, testemunhando mais uma renúncia e um colapso do que uma força eruptiva ou aquele radicalismo que, em certos casos, após a dissolução, pode até mesmo levar a uma transformação positiva do ser.