por Gonzalo Pedano
(2020)
Em janeiro de 1972, o filósofo cordobês Nimio de Anquín prefaciou uma compilação de alguns de seus escritos políticos pelo professor Máximo Chaparro. Ali ele deixa algumas chaves de análise que desenvolvemos no presente artigo, a fim de apresentar uma das leituras possíveis sobre sua filosofia política. O próprio De Anquín assinalou, nesse prólogo, que o texto A Argentina no novo Éon do Mundo não deixava margem para dúvidas sobre sua doutrina política, que ele esperava "desenvolver sistematicamente um dia". Sete anos depois, em 1979, o filósofo morreu e essa tarefa parece ter ficado pendente. Mas apesar disso, encontramos no texto acima a primeira pista a seguir: qual é o lugar da América e do nosso país no novo éon do mundo?
Geopolítica e Nacionalismo Integral
A questão não é apenas filosófica, mas geopolítica. E a resposta do autor insiste que estamos na presença de um mundo de dois mil anos que já expirou e está sendo superado - no que Hegel chamou de Aufhebung; e que nosso ser americano, nasc-ente, participa pela primeira vez desse evento universal, antes reservado apenas à Europa e à Ásia. Estamos vivendo em uma nova era ou éon, não no sentido de uma simples renovação transitória, mas no sentido radical de uma etapa totalmente nova em que o mundo, no curso de sua vida eterna, vê todas as instituições expirarem, outra etapa emergindo para reiniciar sua existência. Um novo éon, cuja principal característica é a totalidade do Domínio, ou seja, o controle e absorção em escala global de alguns Estados por outros, através do exercício da força. Não há mais nenhum continente que possa permanecer fora dessa lógica.
Por causa dessa situação, o problema central do nacionalismo integral desenvolvido por De Anquín não é o do "anticomunismo", nem o do "antissemitismo", como alguns de seus detratores acreditavam. O problema pode ser expresso na seguinte pergunta: que posição internacional devemos adotar neste concerto mundial de Estados, se nos falta autoconsciência nacional? A autora responde:
"O problema fundamental para nós, cidadãos de um país emergente, é formarmo-nos com uma autoconsciência vigorosa, o que é um problema de cultura, na medida em que a cultura implica, como disse em outra ocasião, 'a realização da areté ou aristeia, a perfeição total do homem considerado universalmente'. Esta perfeição é platônica e, quando alcançada, resulta no cidadão ideal, com uma profunda autoconsciência que inclui a consciência de si e a consciência do todo cuja versão política é a pólis. E tudo que tende a dissociar essa unidade vital e ontológica, é mortal e deve ser combatido sem trégua: a soma da inimizade é para nós o liberalismo democrático; assim como a única possibilidade de salvação nesse momento de niilismo, é o nacionalismo integral" (1972, 90).
O liberalismo moldou a cultura argentina até hoje e é o único responsável pela paralisia do espírito nacional; ele é dissociativo, anárquico e individualista e, por todas essas razões, um mito ultrapassado que deve ser completamente abandonado e combatido em igual medida. Nossa impotência para nos tornarmos uma Nação coerente se deve principalmente à presença atuante dos princípios liberais desde a Batalha de Caseros. Toda a história oficial da Argentina é produto de invenções impostas à consciência popular pelos iluminados do porto, regulamentado sob a hegemonia de Buenos Aires, onde proliferou uma mentalidade tendente à imitação do europeu. Se a América e a Argentina querem florescer, devem abandonar o liberalismo. Seu valor é absolutamente negativo porque só serve para corromper a consciência nacional ou como fator de rendição ao estrangeiro. Ou seja, o liberalismo serviu para fazer a América, e a Argentina em particular, desconhecer o seu próprio ser.
De certo, a América está longe de ser uma unidade inseparável, especialmente no aspecto religioso. Na verdade, como vimos na análise do texto "Mito e Política" é necessário distinguir a América do Norte da América Central e do Sul (PEDANO, 2019). Os Estados da América do Sul e Central têm sido predispostos à servidão e a democracia liberal é o ópio com o qual a consciência política desses povos foi esmagada para conseguir a sua mediatização. Mas não vamos tão rápido. Primeiro - seguindo a própria reflexão de De Anquín - devemos nos questionar sobre o ser da América, pois as considerações metafísicas andam de mãos dadas com considerações estritamente geopolíticas.
Nosso ser nasc-ente
Mas qual é o Ser da América? Dois textos são fundamentais para esta resposta: América na História Universal de 1964 e O Ser visto da América de 1953. Até o momento de sua emersão, a América havia permanecido completamente alheia ao Velho Mundo, desligada de sua história e completamente alheia à vida do continente eurasiático. Mas se em relação ao mundo antigo e medieval se pode afirmar que a América emerge sem passado e que é o futuro "puro e virginal", com respeito ao mundo moderno já é uma presença concreta sem que isso implique uma participação ativa e consciente no trabalho de criação de uma cultura. Pelo contrário.
Essa emergência da América esteve fortemente condicionado, diz De Anquín (2014), por estes aspectos: 1) A dissolução gradual e definitiva a partir do século XVIII da consciência cristã e da Respublica Christiana em todas as suas ordens: no direito público com a divisão do império; no religioso com a Reforma Protestante e a divisão definitiva do cristianismo; no aspecto filosófico com a tarefa exaustiva do ockhamismo sobre o realismo tomista; na ordem científica com o desaparecimento do homocentrismo como sistema cosmológico; 2) Uma pseudo-Cristandade fracao e limitada que na América estava dividida em duas: era calvinista no norte e católica no centro e no sul; 3) A importância secundária que o pensamento filosófico europeu deu à América, porque a vida do "Espírito" havia fechado seu ciclo e não havia mais espaço para um novo sentido de existência, como é evidente nas considerações de Hegel e Comte sobre a América; 4) Para a Europa os americanos eram e são "bárbaros" (estranhos, adventícios, incongruentes, inassimiláveis, brutais, rudes e temerosos), e as relações do Velho Continente com o Novo eram reguladas por essa convicção.
A famosa frase de Hegel: "Amerika ist das Land der Zukunft" ["A América é a Terra do Futuro"], significa o total e absoluto desprendimento da América do passado e do presente da Europa e, com isso, sua entrega em termos filosóficos à noite do não-ser, do que está fora da categoria do Espírito, da Razão. É por isso que Hegel não se importa com a América. É também por isso que tudo o que na América é uma cópia da Europa é ana-crônico, enquanto o ritmo temporal da vida em uma e na outra é ontologicamente diferente. Por essa razão também, a obsessão dos americanos europeizantes (Sarmiento, Alberdi) tem sido e é eliminar essa fatalidade do autêntico (o bárbaro). Mas esta é apenas uma tarefa contra-natura, pois a ordem do tempo é invencível, incontroversa e necessária. De Anquin insiste:
"O Novo Mundo emergente ofereceu à Europa a oportunidade de confirmar sua absoluta convicção. Os príncipes e nações europeias viram surgir diante deles um espaço gigantesco que até então havia sido ignorado. O Novo Mundo não surgiu como um inimigo, mas como um espaço livre ou um campo livre para a ocupação e expansão europeias [...]. Do ponto de vista do direito público, tratava-se de dividir os territórios descobertos, de acordo com uma representação geográfica que respondia à nova imagem planetária do mundo" (DE ANQUÍN, 2014, 63).
No entanto, deve-se a Carl Schmitt ter apontado a diferença jurídica com que os monarcas católicos e as nações protestantes agiram no Novo Mundo, expressa nos conceitos de "raia" e "linha de amizade" do direito público internacional. A "descoberta" da América determinou a representação da Terra como Globus, o que implicou a formulação de um direito público baseado nestes conceitos para todo o globo, expressão de uma nova ordem espacial global dominada pela Europa. Entretanto, enquanto o conceito de "raia" pressupunha que príncipes e reis cristãos tinham o direito de ser confiados pelo Papa uma missão em terras não cristãs, aceitando autoridade espiritual para a aquisição de territórios no âmbito da christiana lex, o de "linhas de amizade" implicava uma linha além da qual a posse territorial não tem enquadramento legal, prevalecendo assim o exercício brutal da força e o extermínio. Segundo este critério, tudo que tenha sido feito "além da linha", estava fora das avaliações jurídicas, éticas e políticas intra-europeias. É nesse sentido que a América era o reino da "liberdade", o reino do livre e brutal exercício do poder pela Europa. Segundo De Anquín, esta é a origem do conceito de "liberdade" que ainda hoje - lembremos que o autor escreveu no século XX - anima o "liberalismo" em toda a América Central e do Sul e as deixa "indefesas contra as potências leviatânicas". O Ser americano visto da Europa expressou-se no marco dessas duas grandes categorias de conquistadores e piratas, apontado por Schmitt. Foi com esse infeliz estigma que a América emergiu na nova ordem mundial.
Os Arkheguetas da América Central e do Sul
Mas um trabalho autêntico implica quebrar essas categorias para desenvolver uma ontologia própria e De Anquin ofereceu um esquema viável. Se a história universal é o desdobramento do Ser no tempo, então é necessário conceber como é o Ser com seu desdobramento visto a partir da América; mais ainda, a partir desta América do Sul e Central bárbara, explorada e manchada. E aqueles que filosofam autenticamente como americanos da América Hisânica não têm outra saída a não ser serem arkheguetas ou "iniciadores" de um pensamento elementar dirigido ao Ser auroral, àquela realidade ainda fantasmagórica e completamente ininteligível, mas carregada de máximo poder e intencionalidade, com momentos felizes e infelizes (DE ANQUÍN, 1953).
A América ainda emerge, ainda nasce, é nasc-ente, está ainda no horizonte dos entes aos quais o Ser dá razão, no alvorecer de uma manifestação ainda não cumprida e apenas iniciada em um novo éon que está se insinuando. Tudo aqui é incerto, porque aqui tudo é um jogo, que é o estágio inicial de tudo o que nasce na vida (DE ANQUÍN, 2014, 114).
Este esquema viável tem um conjunto de aspectos que lhe são peculiares: 1) América é a terra do presente, o continente sem passado, o futuro puro que ainda dorme na consciência de um tempo eternizado, consciência escura e silenciosa, virginal e pura, propícia como nenhuma outra a despertar admiravelmente para a visão do Ser; 2) América é um jogo sem razão, sem qualquer vínculo externo, sem qualquer outra preocupação que não seja a imanência de sua própria vida perigosa, sem qualquer vínculo com qualquer tradição. A memória do Novo Mundo ainda está praticamente vazia, mas isso não implica que se possa assumir uma tradição alheia ao seu Ser, porque seria inautêntica; 3) a consciência americana é intramundana porque carece de mitos religiosos ou etiológicos, sua história é puramente humana sem o auxílio de forças externas e "tem cheiro da placenta"; 4) a América Central ou do Sul é a contraparte da América do Norte, pois este é o domínio da prosperidade e da exploração, e da consciência passiva miserável; 5) tendo em vista a impossibilidade material de derrotar o Domínio, a América Central e do Sul devem se engajar numa guerra "espiritual" como primeiro passo para alcançar, um dia, uma consciência feliz; a forma de alcançá-la é necessariamente através do nacionalismo integral; 6) apesar da opressão do Domínio, é um dever inevitável manter a personalidade do Estado argentino como entidade soberana de direito público, pois um Estado que não aspira a ser grande material e espiritualmente será uma entidade mediada por outros Estados hegemônicos (DE ANQUÍN, 1972).
Atualização Doutrinária
A importância atual do resgate filosófico do pensamento geopolítico e metafísico de De Anquín deve-se ao fato de que seu nacionalismo integral constitui um antecedente fundamental da corrente de pensamento argentino que lutou contra o liberalismo sem cair no marxismo, ou vice-versa. É a única corrente de pensamento que permite hoje, diante do novo éon global, preservar intacta a vontade de soberania nacional. A chave de leitura deste artigo destaca a estreita ligação entre a reflexão metafísica que adverte nosso ser nascente e o novo éon marcado pela totalidade do domínio mundial com a polarização dos povos do mundo como nunca antes visto na história universal e o destino capital da Argentina para toda a América Central e do Sul.
Dois acontecimentos contemporâneos foram deixados de fora das reflexões do filósofo cordobês por razões óbvias: se deram depois de sua morte. Mas sua consideração convida a continuar pensando nossa contemporaneidade a partir das categorias desenvolvidas por De Anquín, embora marquem um ponto de inflexão sobre o qual é necessário arriscar definições. Em primeiro lugar, a queda da União Soviética, já que o destino da América Central e do Sul era jogado, para o autor, entre os dois extremos decorrentes do desfecho da Segunda Guerra Mundial. Resta apenas um dos extremos. Isso não significa que o surgimento de novos em seu lugar possa ser descartado. Em qualquer caso, seria um possível eixo a partir do qual aprofundar o debate. Em segundo lugar, a nomeação de um Papa sul-americano é uma oportunidade para reavaliar sua tese de que o cristianismo católico nos preserva da total absorção pela plutocracia calvinista protestante do Norte e que o secularismo, em qualquer de suas variantes, é uma distração que bloqueia o fortalecimento da consciência nacional de nosso povo.
É que houve fatos, flashes de autoconsciência, naquele difícil desafio em que a ainda hesitante consciência nacional do povo argentino começou a emergir. De Anquín apontou algumas delas: quando San Martín e seu exército libertador atravessaram os Andes, atropelaram os espanhóis no Chile e plantaram uma bandeira em Lima; ou quando com Rosas enfrentamos as potências estrangeiras; ou quando com Perón a consciência nacional dos trabalhadores foi revigorada. Mas a partir de 1955, a estupidez forçou a consideração do concidadão como "inimigo" (hostis) e a rendição incondicional ao amo estrangeiro, falsamente considerado como "amigo".
Esta política incompreensível e sem sentido está a ponto de liquidar o Estado argentino, que tem sido submetido a um processo fatal de dissolução regressiva e escravidão. A discriminação política em nosso país é feita de acordo com o grau de entrega (amizade no sentido democrático) a um ou outro imperialismo; quando o que é justo e lógico é que a amizade deve ser lavrada exclusivamente entre argentinos, fortalecendo assim o ser nacional e salvando-o do domínio implacável de estrangeiros ou inimigos naturais. A comunidade que não está fechada perde-se na ordem internacional e, mais do que qualquer outra coisa, perdem-se os fracos Estados abertos que oferecem sua amizade aos Estados onívoros (DE ANQUÍN, 1972, 61).
Trata-se simplesmente de despertar a consciência política do nosso país para a realidade da vida internacional, que deve ser pensada em termos das categorias de amigo e inimigo. Porque o ser nacional é, em última instância, o ser concreto do homem argentino que deve ser treinado na vontade comunitária de superar e prevalecer sobre o Domínio ("hostis"), para impedir a absorção total e a mediatização no marco dessa brutal, historicamente real ordem mundial, da qual não se pode escapar. O diagnóstico da nossa impotência para nos tornarmos uma nação coerente deve-se à presença do liberalismo no trabalho desde as nossas origens. Com o marxismo historicamente derrotado enquanto sistema político, o liberalismo global é o "hostis" presente para nós, os arkheguetas do nacionalismo integral. Porque nacionalismo integral é aquilo que é intrínseco a qualquer ser que se afirma ontologicamente existente com decisão irreversível. Sem nacionalismo não há nação, não por derivação etimológica, mas ontológica.
Como se isso não fosse suficiente, neste desafio De Anquín também nos deixou um modelo de "areté" ou "virtus" como qualidade ligada à força de espírito no serviço e dedicação às comunidades que, como a nossa, estão apenas emergindo na vida. Ele evocou a figura imensurável de seu conterrâneo Leopoldo Lugones - o da maturidade - que nos deixou em "La guerra gaucha" o modelo homérico de nosso destino como nação soberana, com seus criollos do interior, aqueles que em sucessivos episódios afirmaram sua vontade de Ser.