28/02/2021

John Morgan - O Homem do Século XX: Recordando Ernst Jünger

por John Morgan

(2018)


Se eu pudesse escolher ser qualquer pessoa do século XX, não hesitaria por um momento em escolher Ernst Jünger. O homem fez praticamente tudo o que era possível fazer em seu tempo e esticou os limites do que um indivíduo pode realizar em uma vida até seu ponto de ruptura. Só sua incrível vida (ele morreu há um mês de completar 103 anos) abrangeu o Kaiserreich, a Revolução Alemã, a República de Weimar, o Terceiro Reich, a República Federal da Alemanha e, finalmente, a Alemanha unificada em sua última década - e ele foi ativo em todos eles. Enquanto tal, sua própria vida pode ser vista como um símbolo da Alemanha no século XX, embora ele tenha permanecido pouco convencional durante todas as suas fases.

Embora Jünger seja comumente visto como tendo sido algo como um aristocrata prussiano, na verdade ele nasceu em uma família de classe média em Heidelberg, Baden-Württemberg. Jünger era bastante ativo fisicamente quando jovem, e desenvolveu uma paixão pela leitura e pela escrita desde cedo. Em 1913 ele fugiu de casa para se juntar à Legião Estrangeira francesa e chegou à Argélia, mas foi demitido do serviço apenas seis semanas depois que o Ministério das Relações Exteriores alemão (agindo em nome de seu pai) informou às autoridades legionárias que Jünger era menor de idade.

Jünger não precisou esperar muito para realizar seu sonho de se tornar um soldado, porém, com o início da Primeira Guerra Mundial, no verão seguinte. Em 1º de agosto de 1914, dia em que a Alemanha declarou guerra, Jünger foi voluntário para o 73º Regimento de Infantaria da 19ª Divisão Hannoveriana. Após receber seu treinamento, ele foi enviado para a frente na França em dezembro. Jünger viu combate durante o restante da guerra, sendo ferido quatorze vezes, e sendo condecorado com a Cruz de Ferro de Primeira Classe, assim como o Pour le Mérite prussiano. Depois da guerra, ele escreveu uma série de livros baseados em suas experiências, o mais famoso sendo Tempestade de Aço, o livro pelo qual ele ainda é mais conhecido no mundo anglófono, e que foi baseado de perto nos diários que ele preencheu durante o conflito.

A visão de Jünger sobre a guerra era pouco convencional, pois, ao contrário de outros escritores da guerra, ele rejeitou o pacifismo, enfatizando as qualidades de afirmação de vida, de aventura e quase místicas da experiência da guerra de trincheiras industrializada. Isto não quer dizer que ele celebrasse a guerra, já que ele certamente não se esquivou dos aspectos desagradáveis ou feios do combate, mas Jünger adotou uma abordagem amoral nietzscheana, que via a guerra moderna como uma oportunidade de crescimento pessoal e transcendência. Também ausente de Tempestade de Aço estava qualquer abordagem biográfica ou política; da sua leitura se aprenderia muito pouco sobre a política ou estratégias da guerra, e muito menos sobre a vida de Jünger antes da guerra. Os primeiros esboços do livro continham uma série de passagens celebrando o nacionalismo alemão, mas Jünger, que revisou o livro muitas vezes em anos posteriores, logo viria a retirá-los de edições futuras, mantendo o foco apenas na experiência da guerra, como visto pelo soldado da linha de frente.

Os livros de guerra de Jünger tornaram-se bestsellers durante o período de Weimar e especialmente mais tarde, durante o Terceiro Reich. Nos anos 1920, eles asseguraram sua veneração pelos círculos nacionalistas alemães, incluindo o inexperiente Partido Nacional-Socialista. Jünger permaneceu como oficial (tenente) no exército alemão até 1923, porém, e como tal se absteve de participar da política, e mais tarde registrou como durante este período ele lutou contra o vício em drogas como resultado das feridas físicas e psíquicas que sofreu na guerra (um problema que ele logo superou). Ao deixar o Exército, ele participou brevemente dos Freikorps nacionalistas, mas se distanciou logo, por sua própria conta, porque achou que as pessoas que nele se encontravam eram de caráter geralmente baixo, que freqüentemente pediam dinheiro emprestado a ele.

Jünger escreveu muito durante o período de Weimar, e foi também um estudante de biologia, zoologia e botânica, e tornou-se um entomologista notável, um campo com o qual ele continuaria preocupado durante toda sua vida (de fato, uma espécie de besouro tem até seu nome). Ele também se tornou um fotógrafo de renome. Ele escreveu muitos ensaios para uma série de publicações nacionalistas - se o Counter-Currents existisse na época, Jünger certamente teria contribuído - nos quais ele tornou conhecido seu desdém pelos valores da democracia. Ele nunca se juntou a nenhum partido, no entanto, e enquanto ele manteve contato com os nacional-socialistas, bem como com outros partidos, ele se recusou a participar de qualquer forma direta. Na verdade, os nazistas lhe ofereceram duas vezes um assento no Reichstag - na primeira ocasião, em 1927, ele recusou com o gracejo: "É muito mais honroso escrever uma boa frase do que representar sessenta mil idiotas no parlamento".

Foi ao círculo conhecido como os "Revolucionários Conservadores" que Jünger esteve mais estreitamente associado: aqueles pensadores que não estavam meramente engajados nas lutas polêmicas da época, mas que estavam reavaliando a política - de fato, todos os aspectos do mundo moderno, incluindo a própria natureza da sociedade - em seu nível mais fundamental, rejeitando não apenas a democracia liberal, mas também o comunismo, buscando uma nova síntese das tradições aristocráticas e hierárquicas da Alemanha com o socialismo. Era um projeto monumental que talvez não tenha precedentes no Ocidente desde os antigos gregos. Este círculo incluiu Oswald Spengler e Arthur Moeller van den Bruck, e influenciou Martin Heidegger e Julius Evola, entre muitos outros.  Como muitos dos revolucionários conservadores, Jünger se misturava livremente com a direita e a esquerda radicais, e estava tão interessado nas atividades dos comunistas e anarquistas alemães quanto nos nacionalistas.

Jünger era especialmente próximo de Ernst Niekisch, que era o líder da corrente conhecida como os "nacional-bolcheviques", que buscava combinar o nacionalismo com os melhores elementos do comunismo, e Jünger era um colaborador frequente do jornal de Niekisch, Widerstand (Resistência). Muitos anos mais tarde, ele comentaria que se Niekisch tivesse se tornado o líder da Alemanha nos anos 30, ao invés de Hitler, a história da Alemanha no século XX teria tomado um rumo totalmente diferente e mais bem sucedido.

Em 1932, Jünger publicou o que ainda é visto como sua obra filosófica mais importante: Der Arbeiter (O Trabalhador), que delineou o tipo de civilização que ele imaginou para o futuro (mais sobre isso mais tarde). Foi também durante este ano que ele publicou seus últimos escritos nacionalistas, adotando uma atitude apolítica a partir deste ponto em diante.

Ele saudeu Hitler e a ascensão de seu partido ao poder sem muito entusiasmo. Ele recusou todas as ofertas de cargos oficiais, recusou-se a permitir que seus escritos aparecessem em publicações oficiais nazistas, e não apareceria em transmissões de rádio nazistas. Jünger se retirou em grande parte da vida pública, embora continuasse a escrever e publicar, e seus primeiros livros de guerra foram comemorados mais do que nunca. Em 1939, ele publicou o romance Nos Penhascos de Mármore, que é uma alegoria pouco vistosa sobre o totalitarismo, retratando uma comunidade pastoral de pessoas tradicionais e aristocráticas destruída por um ditador impiedoso conhecido como Mateiro-Chefe. Se o romance foi concebido como uma alegoria para o nazismo ou para o comunismo, ou ambos, ainda é debatido. Surpreendentemente, o livro nunca foi proibido, e Jünger não foi colocado na lista negra por publicá-lo, provavelmente devido ao alto respeito em que era tido por Hitler pessoalmente por causa de seu histórico de guerra e livros de guerra.

Apesar de sua antipatia pelos nazistas, no entanto, Jünger foi convocado para o exército alemão pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial e recebeu o posto de capitão, o que aceitou de bom grado. Ele recebeu o comando da 2ª Companhia do 287º Regimento da Wehrmacht, e participou da invasão da França em 1940, ganhando ele mesmo outra Cruz de Ferro. Jünger viu pouco combate durante o restante da guerra, porém, e foi designado como oficial da ocupação em Paris. Um de seus deveres era censurar cartas; mais tarde ele alegou ter salvo a vida de várias pessoas destruindo cartas que ele sabia que as teria prejudicado com as autoridades. Além disso, ele passou a maior parte de seu tempo visitando livrarias em Paris e passando tempo com artistas e escritores como Pablo Picasso e Jean Cocteau. Ele também manteve uma série de diários durante este período (ainda não traduzidos) que são considerados como estando entre suas maiores obras.

Como muitos dos oficiais superiores da Wehrmacht, porém, Jünger temia pelo destino da Alemanha quando a sorte da guerra piorou, e ele foi uma inspiração para muitos dos que participaram na trama de Claus von Stauffenberg contra Hitler em julho de 1944. Jünger havia estado em contato com muitos dos conspiradores (incluindo Erwin Rommel), circulando um documento secreto intitulado A Paz, que era um plano para uma nova ordem pós-guerra e pós-nazista para a Europa. Embora o papel periférico de Jünger na conspiração fosse conhecido dos nazistas, ele só sofreu demissão da Wehrmacht, e nenhuma punição adicional - mais uma vez, provavelmente devido à alta estima que a liderança nazista e o público alemão em geral tinham por ele. O filho de Jünger, Ernst Jr., um cadete naval, foi preso no mesmo ano por supostas conversas subversivas, e foi condenado a servir em uma unidade penal da Wehrmacht, e tendo sido morto em ação na Itália em novembro de 1944.

Após a guerra, Jünger se viu na posição invejável em que todos os sobreviventes da Revolução Conservadora foram lançados: embora ele nunca tivesse sido um nacional-socialista e, de fato, tivesse resistido a eles até certo ponto, ele tinha sido uma figura nacionalista conhecida e contribuído para o meio que permitiu que os nazistas subissem ao poder, para não mencionar seu serviço na Wehrmacht. Enquanto tal tal, ele ainda era considerado com suspeita pelos Aliados, e em 1945 as autoridades britânicas o proibiram de publicar por quatro anos. Embora ele fosse continuar a escrever e publicar por muitas décadas depois, a nuvem negra que paira sobre todos aqueles que se recusaram a seguir a linha das maravilhas do liberalismo e da democracia continuou a seguir Jünger pelo resto de sua vida e, de fato, ainda ofusca seu legado até hoje.

Em 1951, Jünger embarcou em mais uma aventura muito menos ortodoxa: ele foi uma das primeiras pessoas a tomar LSD. Albert Hofmann, o químico suíço que originalmente sintetizou o LSD por acidente enquanto tentava desenvolver uma anestesia para mulheres no parto, havia sido um admirador de longa data dos livros de Jünger, e depois de passar pela experiência psicodélica, ele mesmo sentiu que seu único precedente para isso eram certas descrições líricas de estados místicos nos romances de Jünger. Como tal (Hofmann conta a história em seu livro LSD: Minha Criança Problema), ele entrou em contato com Jünger e perguntou se ele estava interessado em experimentá-la. Jünger, que já havia experimentado uma grande variedade de drogas em sua vida pregressa, aceitou avidamente, e em 1951 Hofmann apareceu em sua casa, onde os dois o tomaram juntos (sob supervisão médica). Jünger ficou bastante fascinado com a experiência, sobre a qual ele escreveu de forma fictícia em sua novela Visita a Godenholm, recentemente traduzida para o inglês por Annabel Lee para a Edda Publishing na Suécia. Hofmann e Jünger continuaram a viajar juntos ocasionalmente por muitos anos depois, aparentemente inclusive quando Jünger já estava na casa dos 90 (Hofmann também viveu até os 102 anos de idade, falecendo em 2008). Jünger escreve sobre todas as suas experiências com drogas em seu livro Annäherungen [Abordagens], ainda sem tradução.

Apesar da contínua controvérsia a respeito de seu envolvimento com o fascismo, Jünger tornou-se uma celebridade literária na Alemanha Ocidental do pós-guerra, bem como na França, onde a maior parte de sua obra foi traduzida, e ele ganhou muitos prêmios literários em toda a Europa. Ele também viajou pelo mundo, e diz-se que visitou todos os continentes, exceto a Antártida. Sua estatura foi tal que em 1984, quando a Alemanha e a França realizaram uma cerimônia de reconciliação em Verdun, o local de uma das grandes batalhas da Primeira Guerra Mundial, Jünger foi convidado a atuar como mediador entre o chanceler alemão Helmut Kohl e o presidente francês François Mitterrand, este último sendo um admirador confesso da obra de Jünger.

Jünger continuou a ser produtivo até sua velhice, publicando dezenas de livros - obras de ficção, incluindo livros que poderiam ser razoavelmente chamados de ficção científica, bem como não ficção sobre uma grande variedade de tópicos (a edição final de suas Obras Completas consiste em vinte e dois volumes) - e muitos outros ensaios, o último dos quais foi publicado apenas semanas antes de sua morte em 1998.

A pergunta que provavelmente está na mente de muitos de nossos leitores é: Jünger ainda era um nacionalista depois de 1932? Não há uma resposta fácil. Julius Evola, que elogiou o trabalho de Jünger na era Weimar e publicou um livro sobre O Trabalhador em 1960, ainda assim considerava Jünger como um traidor por voltar atrás em seu juramento de lealdade, participando (por mais perifericamente que fosse) da trama contra Hitler em 1944, e o via como um vendido aos valores liberais da nova República nos anos do pós-guerra.

Quanto à primeira acusação, embora não possa ser negada, é preciso levar em conta as circunstâncias da época. Em 1944, a Alemanha estava enfrentando a derrota cerca, e a anunciada política de guerra total e luta até o último homem já estava levando à completa devastação do país. Além disso, a maioria dos líderes da trama Stauffenberg eram aristocratas prussianos que não tinham a intenção de permitir que a Alemanha se tornasse uma colônia anglo-americana liberal após seu sucesso. Ao contrário, sua intenção era insistir em uma Alemanha independente que se colocasse ao lado dos aliados ocidentais em uma luta contínua contra os soviéticos - mas eles deixaram claro que não iriam tolerar a rendição total do país. O desejo de Jünger de ver Hitler derrubado poderia, portanto, ser visto como uma forma de lealdade a seu povo, mesmo que ele estivesse expressando deslealdade a seus líderes.

Quanto à segunda, acho que ela é injustificada. Apesar de Jünger ter claramente amolecido em seus últimos anos (ele se referiria a seus primeiros trabalhos como seu "Antigo Testamento" - mas ele nunca negou nenhum deles), é claro que mesmo em seus escritos do pós-guerra ele estava longe de ser um democrata liberal. Jünger sempre permaneceu um elitista que procurava ficar à parte da multidão, e expressava horror aos efeitos desumanizadores do mundo moderno cada vez mais acelerado (como ele havia previsto em O Trabalhador). Em suas últimas décadas, Jünger poderia ser descrito com justiça como um anarquista - não da forma que se associa às manifestações antifa e de rua, mas sim em acreditar que o estado moderno havia se tornado uma prisão para o indivíduo, e que somente permanecendo distante dele e vivendo em seus próprios termos, e de acordo com os valores de sua própria criação, poder-se-ia esperar alcançar qualquer liberdade genuína em um mundo dominado por burocratas com forças incríveis e sem precedentes à sua disposição.

Mas há também algumas evidências de que Jünger nunca perdeu realmente seu interesse pela dissidência política. Por exemplo, Alain de Benoist, o fundador da Nouvelle Droite francesa, relatou como estava em um estande em um festival de livros em Nice, em 1977, quando Ernst Jünger inesperadamente se aproximou dele, dando início a uma conversa. Tal como Benoist conta, Jünger estava bastante interessado nas atividades de sua organização GRECE [Grupo de Pesquisas e Estudos para a Civilização Europeia], e os dois continuaram a se corresponder até a morte de Jünger. Isto é significativo, dado que a Nova Direita é uma continuação dos esforços dos Conservadores Revolucionários alemães. Além disso, como fiquei sabendo no livro de Lennart Svennson sobre Jünger, a revista alemã de orientação nacionalista Junge Freiheit, publicada semanalmente desde 1986, revelou, após seu falecimento, que ele tinha sido um assinante de longa data. De acordo com um de seus escritores, Thorsten Thaler, Jünger sempre levava consigo a última edição em suas viagens, elogiando a revista por ter assumido uma postura não convencional entre o conservadorismo mainstream e a direita radical. Assim, apesar do fato de que ele se absteve de comentar diretamente a política, parece que Jünger nunca virou realmente as costas para ela.

Seria impossível resumir toda a obra literária de Jünger em um ensaio deste tamanho, mas há três obras que parecem resumir os períodos arquetípicos de seu pensamento. A primeira é O Trabalhador de 1932, que marcou o auge de seu período nacionalista. Ele não usou o conceito de "trabalhador" no sentido marxista e classista, mas sim como um arquétipo: o Trabalhador é o homem engajado em qualquer tipo de esforço produtivo ou criativo. Jünger acreditava que os processos industriais que tinham moldado e sustentado os campos impessoais de matança da Primeira Guerra Mundial logo seriam implementados em todo o mundo, em todos os campos, e que o indivíduo estava condenado a ser engolido nos processos de coletivização. Para Jünger, este seria um mundo dominado inteiramente por forças impessoais em que todos os valores tradicionais seriam destruídos em favor do valor dos bens materiais: produção e consumo em massa. Em suma, seria um mundo composto de nada mais que números. Entretanto, Jünger viu um possível lado positivo desta visão perturbadora: ele também previu a ascensão de uma nova raça de trabalhadores-titãs, homens faustianos que usariam estes novos poderes como um meio de atingir objetivos sobre-humanos. A humanidade, como a conhecemos, seria destruída, mas os Titãs do futuro poderiam dar origem a algo novo e mais poderoso, alcançando o status semidivino.

Em 1951, Jünger publicou O Passo da Floresta, e este é basicamente o reflexo de um homem que viveu os horrores das Guerras Mundiais, e que agora vê sua pátria dividida e ocupada entre as forças da democracia liberal de um lado e do comunismo totalitário do outro, que não apenas aprisionam os indivíduos sob seu governo, mas ameaçam desencadear uma destruição apocalíptica a qualquer momento. Jünger não fala mais sobre o potencial sobre-humano dos Titãs para fazer uso dessas forças. Ao contrário, ele fala do "rebelde da floresta", aquele que foge para a floresta (simbolicamente), como um guerrilheiro, para escapar da devastação do mundo moderno e das forças do autoritarismo que procuram dominá-lo e controlá-lo (já neste livro, Jünger afirma que a América está "próxima da perfeição" nesta técnica através do uso do rádio e da televisão). O rebelde da floresta é aquele que se retira da participação nesta sociedade desumana tanto quanto possível, vivendo de acordo com suas próprias regras, mas que procura minar a sociedade realizando atos de resistência (mesmo que estes estejam condenados ao fracasso), ou através de disciplinas pessoais e práticas religiosas. Jünger também invoca a tradição germânica do lar como seu santuário: o lar é um lugar de liberdade, escreve ele, não porque essa liberdade seja garantida por lei, que pode traí-lo, mas porque se está preparado para lutar contra qualquer um que tente violar esse espaço.

E por último, há o romance pós-apocalíptico Eumeswil, publicado em 1977, que se baseia nas idéias de Max Stirner e de outros anarquistas. Nele, Jünger introduz o conceito do anarca. "O Anarca está para o anarquista, o que o monarca é para o monarquista", escreve ele. O Anarca é aquele que participa plenamente da vida moderna, mas que não faz parte dela interiormente. Internamente, ele ainda tem suas próprias crenças e valores, e se vê estritamente como um observador dos acontecimentos. Em outras palavras, ele está neste mundo, mas não é dele. Isso tem uma semelhança marcante com a idéia da Evola de apoliteia e de "cavalgar o tigre".

O que quer que se pense da vida e do trabalho de Jünger, é inegável que ele foi um dos membros mais proeminentes de uma raça cada vez mais rara - a dos gênios que dão passos importantes em muitos campos diferentes simultaneamente, e que fazem uma obra de arte brilhante a partir de suas próprias vidas, tanto em termos do que fazem quanto da forma como a vivem. Em nossa era de homens pequenos que são encorajados a nunca crescer e a manter suas ambições baixas, Jünger é uma figura imponente da Era dos Titãs, um homem que ousou viver a vida em seus próprios termos e contribuiu para transformar o mundo ao seu redor no processo.

Embora grande parte do trabalho de Jünger esteja disponível em quase todas as outras línguas européias, por alguma razão seus livros, com exceção de Tempestade de Aço, nunca pegaram no mundo anglófono, e apenas uma pequena parte de sua obra foi publicada em inglês. Felizmente, a Telos Press tem feito um esforço para remediar esta situação e, nos últimos anos, publicou uma série de seus trabalhos em tradução. Uma excelente introdução à vida e às idéias de Jünger é o filme 102 Anos no Coração da Europa, que consiste em uma entrevista com ele que foi filmada por uma equipe sueca apenas um ano antes de sua morte intercalada com uma narração.