25/03/2019

Aleksandr Dugin - A Quarta Teoria Política e o Logos Italiano

por Aleksandr Dugin

(2018)



A Quarta Teoria Política e o Tradicionalismo de Julius Evola

A publicação italiana de A Quarta Teoria Política tem uma grande importância para mim. Ela está acima de tudo ligada ao fato de que meus pontos de vista foram formados sob a influência decisiva da filosofia do tradicionalismo, da qual um dos pilares (ao lado de René Guénon) é o filósofo italiano Julius Evola. No geral, minhas opiniões estão totalmente baseadas no tradicionalismo, embora eu prefira não repetir as fórmulas e declarações de seus fundadores, mas, a partir de seus princípios, desenvolver concepções e teorias naqueles domínios que, por alguma razão, não eram prioridades para os fundadores do tradicionalismo. No entanto, precisamente o tradicionalismo está na base de todas as minhas investigações, em qualquer esfera que elas possam se relacionar: filosofia, religião, política, geopolítica, sociologia, relações internacionais, a história das civilizações e ideias, etc.


Como Evola era italiano, uma escola de apoiadores influenciados decisivamente por suas ideias se formou naturalmente na Itália. Para esse grupo de leitores, muitos aspectos da "Quarta Teoria Política" serão, espero, bastante compreensíveis e familiares. A questão principal é a justaposição do paradigma da Modernidade e do paradigma da Tradição. As Três Teorias Políticas, sobre cuja superação se baseia a Quarta Teoria Política, pertencem inteiramente ao paradigma da Modernidade. Sua alternativa, a Quarta Teoria Política, apela ao paradigma da Tradição. Essencialmente, a Quarta Teoria Política pode ser plenamente considerada como uma estratégia de revolta contra o mundo moderno, aplicada às circunstâncias político-ideológicas do século XXI.

Mas, por outro lado, há uma série de pontos fundamentais que divergem do evolianismo clássico e, em parte, do tradicionalismo enquanto tal. Os mais fundamentais deles me parecem ser estes:

1. Rejeição do indivíduo como base do liberalismo. Isso contrasta com os trabalhos de Evola (especialmente os primeiros), nos quais ele desenvolve um ensinamento sobre o “Indivíduo Absoluto”. Aqui, incidentalmente, o problema é terminológico: Eu me refiro, por “indivíduo”, ao conceito da pessoa racional-material da modernidade, como a filosofia anglo-saxã e a sociologia contemporânea (especialmente Dumont) o concebem. O "indivíduo" é o ego atômico, completamente fechado a qualquer dimensão transcendental. É óbvio que Evola se refere a algo totalmente diferente por "indivíduo", e ainda mais pelo indivíduo "absoluto". Ele usa esse termo como sinônimo do hindu Atman, que não tem nenhuma relação com o indivíduo do liberalismo ou da modernidade. Na tradição ocidental, pode-se falar da “pessoa”. Se adotarmos essa correção, a contradição desaparece.

2. Especificação da correlação entre as três funções de Dumézil (ou três castas superiores) e os três estamentos da história da Europa Ocidental. Se nenhum problema surgir em relação à homologia padre - brâmane (primeira casta) e guerreiro (aristocracia) - kshatriya (eu ignoro a questão da polêmica de Evola com Guénon sobre a relação dialética entre as duas castas superiores), então a identificação da terceira casta, a terceira função (vaishya) com a burguesia e o terceiro estado é muito mais problemática (e até, na minha opinião, incorreta). De acordo com minhas investigações, apresentadas em detalhes no livro Etnossociologia, a terceira casta (vaishya) na sociedade tradicional é de camponeses e criadores de gado em sociedades nômades, mas de forma alguma a burguesia urbana ou a classe de compradores e comerciantes. Ou seja, a semelhança entre a terceira casta e o terceiro estado é puramente externa. De fato, a burguesia enquanto classe é formada com base naqueles grupos sociais que estavam completamente removidos, fora dos limites da sociedade de castas ou ocupavam um papel de camadas inferiores aos camponeses. Eles eram artesãos, músicos, ferreiros e servos. A burguesia foi formada por servos de guerreiros (a segunda casta), que eram covardes demais para lutar e preguiçosos demais para trabalhar nos campos. Esta era originalmente a classe de parasitas e mentirosos, que usurparam as funções intermediárias entre a segunda e a terceira casta. Estes são portadores de armaduras ou lacaios, como o Sancho Panza de Dom Quixote ou os servos dos mosqueteiros no romance de Dumas. Exatamente por essa razão, a burguesia (e a ideologia liberal característica dela) emergiu vitoriosa da batalha contra o comunismo: essa foi a vitória não da terceira função sobre a quarta, mas do refugo global, dos banqueiros vampiros e parasitas. Assim sendo, eu proponho reconsiderar também o “proletariado”. É claro que, em si mesmo, o proletariado é uma concepção burguesa, desenvolvida já depois que o mundo da burguesia urbana começou a adquirir os contornos maduros da civilização moderna. A burguesia parasitária urbana constituía seu antípoda, sua antítese. Mas a gênese social do proletariado urbano indica claramente que ele representa os representantes arrebatados ou empobrecidos da terceira função (camponeses, vaishya), isto é, que ela está acima no esquema das castas em relação a comerciantes ou artesãos. É claro que, sob circunstâncias urbanas de exploração burguesa, ele gradualmente perde esses traços de carregar os valores da sociedade tradicional, mas sua oposição à burguesia não é a revolta do inferior contra o superior, mas um esforço para devolver os capitalistas usurpadores a seu lugar adequado - sob o coturno do poder legítimo das castas. É claro que isso está ausente do marxismo clássico, mas na prática histórica da revolução bolchevique e especialmente na experiência dos regimes socialistas da China, Coréia, Vietnã, Camboja ou Birmânia, é completamente evidente. As revoluções “proletárias” foram vitoriosas apenas naqueles países onde praticamente não havia proletariado urbano industrial. Foi essencialmente a vingança do campesinato trabalhador (incluindo aqueles que tinham sido colocados fora do negócio) contra os usurpadores burgueses. Daí surge a colocação da Segunda Teoria Política acima da Primeira Teoria Política. Isso contradiz as ideias de Evola, especialmente do período do pós-guerra (“Orientações”), quando ele concebeu a possibilidade de uma aliança de tradicionalistas com movimentos burgueses anticomunistas.

3. A Interpretação de Heidegger. Eu adiro a uma interpretação totalmente diferente das idéias de Martin Heidegger do que Evola faz em seu livro Cavalgar o Tigre. Do meu ponto de vista, Heidegger está muito mais próximo do tradicionalismo do que parece à primeira vista, embora suas idéias possam parecer bastante difíceis de entender. Ao falar do Dasein, Heidegger revela o elemento humano [chelovecheskoye nachalo] que precede as superestruturas conceituais e une o humano a elementos poderosos e primordiais [stikhiyami]: morte, tempo, o mundo, ansiedade etc. Na Quarta Teoria Política, o Dasein desempenha o papel do "sujeito" e toda a metafísica é desenvolvida a partir desse ponto, com base nisso. É fácil ver aí os temas imanentes da iniciação tântrica, que insiste nas especificidades mais profundas das transformações humanas e sobre-humanas. Heidegger chama sua filosofia de "ontologia fundamental", ou seja, um ensinamento [ucheniyem] sobre o ser, construído sobre uma conexão indissolúvel com o Dasein. Isso é totalmente semelhante à crítica de Evola ao idealismo europeu ocidental. Eu reconheço que Evola e Heidegger estavam em ondas diferentes e não concordavam um com o outro, mas eles são igualmente próximos de mim. Além disso, considero ambos os autores como precursores da Quarta Teoria Política, os pré-requisitos para os quais eles criaram, em particular por sua crítica da Terceira Teoria Política, com a qual ambos tiveram certa relação por um período de tempo.

Outras diferenças, incluindo a hostilidade de Evola em relação ao cristianismo (o originador da "Quarta Teoria Política" é um cristão ortodoxo convicto) ou algumas de suas teses em defesa do racismo (o originador da "Quarta Teoria Política" é um oponente convicto de todas as formas de racismo), são menos importantes, uma vez que são explicados por preferências pessoais ou condições histórico-culturais.

No conjunto, a Quarta Teoria Política - ainda que com certas reservas - deveria estar próxima do tradicionalismo, uma vez que continua a linha da crítica radical da modernidade, mas propõe novos caminhos e novas estratégias para a luta irreconciliável.

Antropologia Cultural

Mas o ambiente tradicionalista está longe de esgotar o público ao qual a “Quarta Teoria Política” se dirige. Teoricamente, alguém poderia se aproximar dela a partir de qualquer posição: reconhecendo o esgotamento e o beco sem saída do liberalismo, do comunismo ou do nacionalismo. Em relação ao liberalismo, pode-se prestar atenção ao princípio da liberdade, que os liberais defendem. É claro que, se nos atentarmos para a história da filosofia do liberalismo, logo ficará claro que se trata de uma liberdade totalmente particular, puramente negativa ("liberdade em relação a") e portadora de um niilismo rígido e intrusivo. No entanto, isso fica claro apenas para os “iniciados mais elevados” do liberalismo, que reconhecem e adotam a estratégia demoníaca do liberalismo, dirigida à completa destruição no homem de todo elemento humano. Para tais "iniciados liberais", o satanismo, o totalitarismo e a destrutividade dessa ideologia são óbvios e aceitáveis. Embora isso seja mais frequentemente escondido das pessoas de fora.

Afinal, a maioria dos liberais não está entre os iniciados e, portanto, leva a sério os valores da liberdade. Neste caso, eles podem levantar bem a questão de por que o liberalismo contemporâneo adquire características cada vez mais totalitárias, permitindo a liberdade de “ser liberal”, mas demonizando todos aqueles que rejeitam o liberalismo. Assim, na era da globalização, o liberalismo demonstra as mesmas características totalitárias que caracterizaram seus adversários, as duas outras teorias políticas, comunismo e fascismo. Um "liberal honesto" (se existirem) não pode deixar de perguntar em algum momento se tal totalitarismo é adequado e compatível com o valor da liberdade. Precisamente aqui a tese sobre a Quarta Teoria Política torna-se extremamente relevante. Geralmente os liberais lidam com essa dificuldade comparando o liberalismo com a Segunda e Terceira teorias políticas. Eles dizem que, mesmo que o liberalismo não seja perfeito, então, ainda assim, é melhor e proporciona mais liberdade do que o comunismo ou o fascismo. Isso é verdade. Mas somente se concordarmos em limitar o domínio de comparação às três teorias políticas. A Quarta Teoria Política rejeita o liberalismo, mas também rejeita o comunismo e o fascismo. Consequentemente, o princípio da comparação muda. A Quarta Teoria Política não defende nem o comunismo, nem o fascismo, nem sua síntese. Ele rejeita a modernidade política enquanto tal. E se os liberais são consistentes em sua defesa da liberdade, então por que eles não deveriam reconhecer o direito da Quarta Teoria Política de existir - como um novo adversário do liberalismo, como uma nova teoria crítica do século 21?

Além disso, a Quarta Teoria Política, em total acordo com a antropologia cultural e com base nela (Boas, Lévi-Strauss e outros), afirma a multiplicidade das culturas e a impossibilidade de estabelecer qualquer tipo de hierarquia entre elas; daí o antirracismo dogmático e radical da Quarta Teoria Política. Além disso, a Quarta Teoria Política revela o racismo contido no liberalismo como um produto do desenvolvimento histórico da civilização da Europa Ocidental. Concentrando-se no direito de um povo, sociedade, civilização ou tribo de ter seu próprio sistema de valores e de construir suas estruturas políticas a partir de suas próprias tradições, a Quarta Teoria Política defende o máximo escopo de liberdade. Isto é, se compararmos o liberalismo não com o comunismo e o fascismo, mas com a Quarta Teoria Política, a Quarta Teoria Política parecerá um ensinamento [ucheniye] sobre a liberdade comparada a uma versão racista do globalismo totalitário, corporificada no domínio do Ocidente.

Podemos examinar a Quarta Teoria Política como uma encarnação da ética de Boas e Lévi-Strauss, bem como certos filósofos pós-modernos, que criticaram o liberalismo duramente precisamente por seu etnocentrismo euroamericano ocidental.

Além disso, o desenvolvimento natural do liberalismo, que está consistentemente destruindo todas as formas de identidade coletiva - da identidade religiosa e estamental à identidade nacional e de gênero - está entrando na última fase de sua estratégia, a era do pós-humanismo ou trans-humanismo. Isso significa que, num futuro próximo, inteligência artificial, ciborgues, quimeras, híbridos e as mais diversas formas de vida pós-humanas se tornarão coisas cotidianas. E isso completará o processo de “desumanização” da humanidade, já contido no paradigma materialista e racionalista da modernidade. Entre um certo número de liberais, também, que, ao contrário do ápice satânico dos globalistas, ainda não estão a favor dessa virada da história, tudo isso pode levantar a suspeita de que algo não está certo com essa ideologia.

Portanto, não podemos de modo algum excluir a possibilidade de que não somente aqueles que travam uma (desesperançada) guerra contra o mundo moderno (mortalmente cansados dele e de sua desesperança), mas também aqueles que estão apenas agora reconhecendo o outro lado da ideologia liberal e começando a buscar alternativas se voltarão para a Quarta Teoria Política. A Quarta Teoria Política, sendo adogmática e aberta, não oferece tanto uma alternativa como prepara o solo para ela e convida todos para sua construção, tanto aqueles que rejeitaram a modernidade desde o início quanto aqueles que sucumbiram ao seu feitiço ou inércia, mas encontrando-se cara a cara com o abismo, despertaram no último minuto e entenderam, como o herói de "Twin Peaks", que "algo deu errado ...".

A Quarta Teoria Política e a Esquerda: Preve, Cacciari, Agamben

E finalmente, a Quarta Teoria Política aborda [ou apela a] os esquerdistas italianos. Na Itália, já temos o precedente de uma convergência entre tradicionalistas e eurasianistas no filósofo esquerdista Costanzo Preve (1943-2013), que reconheceu a necessidade de uma frente comum de direita-esquerda contra a globalização, a hegemonia americana e o domínio liberal. Mas isso não é tudo. Se examinarmos tendências anticapitalistas esquerdistas na filosofia italiana, encontramos facilmente autores que estão bastante próximos em ânimo e atitude em relação à Quarta Teoria Política. A crise do pensamento marxista é óbvia, e a ética anticapitalista de Marx, em si mesma inteiramente justificada, não pode mais se basear em um aparato dogmático que perdeu completamente toda a sua relevância sob as novas circunstâncias. Além disso, os revisionistas entre os eurocomunistas praticamente cederam as suas posições em favor da Primeira Teoria Política, tornando-se instrumentos nas mãos dos liberais e do seu Sistema.

Nesse sentido, podemos mencionar dois filósofos esquerdistas italianos cujo pensamento não ficou preso nos esquemas antigos, mas que não cederam suas posições aos liberais: Massimo Cacciari e Giorgio Agamben.

Massimo Cacciari combina o horizonte da esperança comunista com a natureza angélica do homem, cujo desvelamento é o objetivo da revolução. Cacciari sistematicamente desenvolve essas idéias em sua obra programática O Anjo Necessário, e também em outros textos ligados de uma forma ou de outra com angeologia. [1]

Outra característica original da filosofia de Cacciari que também é incomum, dada a tendência para o universalismo entre os esquerdistas, é o seu interesse na geopolítica e na geografia das civilizações, ou seja, geofilosofia ou geosofia. [2] Cacciari presta grande atenção às diferenças entre culturas e identidades, propondo interpretar cada uma delas com base em seus critérios internos. Nisso, ele segue a antropologia cultural de Boas e a sociologia de Dumont. Em seu estudo da geosofia da Europa, Cacciari introduz a noção do “Arcanjo da Europa”, enfatizando assim a variedade mosaica de diversas regiões europeias. Nesta atenção intensificada para a estrutura em mosaico do todo, podemos ver um traço tipicamente italiano: a Itália é formada por algumas politeias independentes e autocontidas, de modo que seria perfeitamente adequado aplicar o conceito de Cacciari a ela: O Arcanjo da Itália.

Segundo Agamben, as democracias europeias da modernidade são formas veladas de ditadura, estruturalmente idênticas às formas soberanas de poder descritas no Leviatã de Hobbes ou no Conceito do Político de Carl Schmitt. O parlamentarismo e a Constituição, de acordo com Agamben, apenas escondem a natureza ditatorial do poder na era moderna, que é revelada sempre que a democracia encontra um desafio mais ou menos sério. O véu da democracia desaparece em um instante e, em seu lugar, a verdadeira natureza da estrutura política da modernidade aparece: o campo de concentração. A dispersão da vertical de poder nas repúblicas burguesas contemporâneas é uma ilusão. De fato, a sociedade burguesa é estritamente totalitária e é governada pelo princípio do eixo do poder. De acordo com Agamben, é isso que compreende a natureza do político: o político é vertical ou não existe. As tentativas de encontrar um compromisso através da distribuição da decisão por todo o espaço da sociedade civil estão condenadas: assim que essa mesma ação adquire um caráter político, o princípio da exclusão radical e da subordinação hierárquica entra em cena; isso é imediatamente aparente na seletividade da atribuição de direitos e em sua quantidade e qualidade. Apesar da principal tese do liberalismo, o sujeito do Político não pode, afirma Agamben, ser o indivíduo. Em seu extremo oposto, em sua extrema periferia (entre sociedade e natureza), o Político constitui não o cidadão, mas a "vida nua" (nuda vita).[3] Esse é o conceito central da filosofia de Agamben, que ele desenvolveu com base em pesquisas sobre as crônicas de prisioneiros em campos de prisioneiros na Alemanha nazista e no período da Segunda Guerra Mundial.[4] A população do campo de prisioneiros não é gente, mas “vida nua” massificada. E precisamente aqui o escopo e a natureza da biopolítica de Agamben se revelam: o poder lida sempre com uma biomassa não-qualificada, na qual ele soberanamente incute uma vertical radicalmente heterogênea. Aquilo que estava aberto no nazismo está velado na democracia. Mas a essência permanece estritamente idêntica. Qualquer regime da modernidade política é profundamente totalitário, seja fascismo, comunismo ou liberalismo, afirma Agamben. A “sociedade civil” é apenas um eufemismo para “vida nua”; o cidadão, como os liberais o entendem, simplesmente não existe. Assim surge a tríade irrevogável de Agamben, presente necessariamente em todos os tipos de regimes políticos modernos: o Político / Leviatã / Soberania (o estado de exceção) - sociedade / campo de concentração - vida nua (o objeto da biopolítica).

A crítica de Agamben ao liberalismo, assim como no caso de Costanzo Preve e em parte de Massimo Cacciari, chega muito perto do domínio da Quarta Teoria Política, que também é construída sobre uma rejeição radical da modernidade política. E como a única forma relevante e dominante da modernidade política hoje é o liberalismo, a primeira teoria política, a exposição de sua natureza totalitária e de suas práticas violentas se torna a principal tarefa prática de um novo tipo de revolução política.

Em 1990, às vésperas do colapso da URSS, o próprio Agamben publicou o texto programático A Comunidade Vindoura, no qual descreveu a realidade do totalitarismo liberal e propôs uma alternativa revolucionária. Agamben interpreta este totalitarismo com base nas idéias de Guy Debord sobre "a sociedade do espetáculo". A sociedade, baseada no princípio das comunicações de massa, gradualmente mudou de proporções: não há mais mensagens [soobshcheniy] na comunicação, já que uma base referencial foi perdida. De agora em diante, não é a totalidade dos discursos, mas uma reciclagem estéril e totalitária da linguagem enquanto tal. No caso do totalitarismo liberal, a violência é exercida não pelo líder ou grupo dirigente, mas pelo próprio Político, como expressão concentrada da alienação, expressada na completa exteriorização da linguagem.

Notando o triunfo do liberalismo pleno sobre seus oponentes tradicionais - fascismo e comunismo - Agamben define um novo inimigo, a "pequena-burguesia planetária" como a única classe de uma sociedade pós-classe.

Agamben vê no domínio da pequena burguesia, a quem os ideólogos liberais, Fukuyama em particular, pronunciavam com otimismo “o fim da história”, não tanto a realização do ponto mais alto de progresso quanto o inevitável momento de suicídio. Ele escreve: “a pequena burguesia planetária é provavelmente a forma pela qual a humanidade está se movendo em direção à sua própria autodestruição”.

As principais características da análise de Agamben coincidem com a Quarta Teoria Política em sua formulação esquerdista, e aqui está em completa solidariedade com Costanzo Preve e Massimo Cacciari. Agamben está ainda mais próximo da Quarta Teoria Política quando aborda a descrição da alternativa e a definição de seu sujeito. Vale a pena notar que Agamben segue Heidegger em muitos aspectos, tendo participado de seus seminários nos anos 1960. Ele chega ao tema do Dasein como o novo polo da política escatológica. [5] Ele introduz o conceito do "qualquer" [lyubogo, a "singularidade-qualquer"], o latim quodlibet. Ele lhe dá o status de um "novo sujeito", distinto tanto do "cada" (o serial, o típico), do "tudo" (a soma mecânica), e da "espécie" (a concepção, a classe). Agamben enfatiza no termo quodlibet a presença da palavra libet, que compartilha a mesma raiz do russo lyubov' ou alemão Liebe [amor]. Agamben vê nisso uma incerteza volitivo-amorosa (lyubovno), adicionalmente e imperceptivelmente (como uma nimbus) presente em coisas ou seres que estão completamente descritos e fixados em todos os aspectos, exceto nesta dimensão, tanto em sua materialidade como em lugar na estrutura racional. Tendo submetido a si a vida nua na forma da pequena burguesia planetária e tendo usurpado toda a matriz da linguagem alienada, que já não comunica nada (a sociedade da informação como sociedade do espetáculo total, segundo Debord), o totalitarismo liberal não é poderoso sobre este elemento sutil, que não é um indivíduo (tão totalitário quanto qualquer conceito político), mas algo ágil, delicado e indefinido. De acordo com Agamben, é aquela única e última [ou finita] [instância] que deve se opor ao Estado Liberal Global e, consequentemente, ao Governo Mundial.

A Quarta Teoria Política e o Populismo

A última coisa que gostaria de mencionar é a relação da Quarta Teoria Política com o fenômeno do populismo. Ultimamente os autores mais diversos estão atentos ao fenômeno do populismo. Entre outros, vale destacar o estudo refinado e profundo “O Momento Populista”, do filósofo francês Alain de Benoist, um dos fundadores da Quarta Teoria Política.[6] Todos eles registram o fim da divisão tradicional do espectro político em esquerda e direita e o surgimento de uma nova geometria de sistemas políticos. A fuga da direita e da esquerda é característica de toda a sociedade, tanto das elites como das massas. Está ligada ao domínio total da Primeira Teoria Política. Quando o liberalismo adquire hegemonia total, ele começa a agir enquanto tal, sem formulação em forma de esquerda ou direita. Na economia, as abordagens direitistas dominam (mercado); na política, as esquerdistas o fazem (libertarianismo, política de gênero, misturas de sexos e povos, multiculturalismo, etc.). O liberalismo é uma ideologia da elite, e cada vez mais vemos o ápice da rede liberal, esses mesmos "iniciados liberais" que não mais ocultam seus planos verdadeiros e proclamam abertamente um caminho para a pós-humanização da humanidade. Além disso, os métodos de governo tornam-se cada vez mais abertamente totalitários, usando os meios de informação de massa e as redes sociais para intrusões forçadas na consciência dos dogmatistas liberais.

No pólo oposto da sociedade, atitudes de protesto estão gradualmente se acumulando os quais, assim como a ideologia da elite, não são mais de esquerda ou direita. Aqueles que rejeitam o liberalismo na maioria das vezes não pensam em uma alternativa positiva: rejeitam o status quo, que aos seus olhos está se tornando inaceitável e insuportável. Ao mesmo tempo, os opositores da elite carecem de uma plataforma ideológica, enquanto os poderes que expressam essas atitudes na política, na maioria das vezes, também não seguem nenhum programa estritamente definido. Essas atitudes de protesto e sua expressão espontânea e não sistematizada receberam o nome de “populismo”. O populismo sempre existiu, mas precisamente hoje está se tornando um fator político importante. Esse é precisamente o “momento populista”, de acordo com Benoist.

Aqui devemos prestar atenção ao termo em que se baseia o conceito de populismo, populus. Populus, narod [povo], é uma concepção carente de seu próprio status legal exato na ideologia da modernidade, mas presente na maioria das Constituições modernas, como a fonte do poder legítimo. O narod [povo] mencionado nas Constituições é interpretado em modelos jurídicos de maneira liberal (como a totalidade de indivíduos - a partir do que há um passo para uma teoria dos direitos humanos), de maneira nacional (como a totalidade dos cidadãos, que tem cidadania de determinado país), ou de maneira socialista (como sociedade de classes, em regimes de democracia popular). Mas em todo lugar o narod [pessoas] age como uma expressão condicional geral, não como um conceito. Isto é, ele é reconhecido enquanto sujeito.

Isso aconteceu historicamente na transição do Renascimento para a modernidade. O narod permanece nas Constituições desde o Renascimento, onde ele tinha um significado conceitual independente ainda não sujeito à interpretação em qualquer das teorias políticas da modernidade. É por isso que o narod não pertence às estruturas políticas da modernidade; ele se encontra na fronteira: presente na Constituição, mas ausente enquanto sujeito jurídico de pleno direito.

A Quarta Teoria Política trata o conceito de “narod” como uma categoria jurídica e filosófica independente, além de suas interpretações no contexto das três teorias políticas da modernidade. Mas o “narod” é entendido existencialmente, como o Dasein. A fórmula de Heidegger "Dasein existiert völkisch" é a chave. A Quarta Teoria Política entende o narod, o populus, como Dasein, Volk als Dasein. Isso torna o fenômeno do populismo não indistinto, caótico e espontâneo, mas profundamente enraizado, filosófico e vanguardista. Neste caso, a Quarta Teoria Política pode ser considerada como uma “metafísica do populismo”, explicando seu aparecimento e fornecendo ao protesto cego da humanidade contra a elite satânica que tomou o poder sobre ela uma estratégia, consciência, pensamento, um sistema, e um plano de luta.

Para concluir este prefácio à edição italiana, quero enfatizar: a Quarta Teoria Política apela a todos - a tradicionalistas, socialistas, liberais, conservadores, pessoas com convicções e pessoas sem convicções. É um convite a pensar, e não a imposição de juízos ou modelos prontos. Nosso objetivo é despertar na sociedade italiana um interesse pela filosofia política, pelas ideias e por uma percepção aguda da realidade - verdadeiramente italiana.

Eu admiro a Itália, ou mais precisamente as muitas sociedades, culturas, povos e estados que compõem a história da Itália desde os etruscos e o Império Romano até o Vaticano e o Risorgimento. Dediquei um livro separado ao “Logos Latino”, onde expressei meu amor pelo espírito italiano e pela beleza do dramático e elevado pensamento italiano.

A publicação da Quarta Teoria Política em italiano é um evento importante em minha vida.

Notas

[1] Massimo Cacciari, L’Angelo necessario (Milano: Adelphi, 1986); Massimo Cacciari, Adolf Loos e il suo angelo (Milano: Electa, 1981).
[2] Massimo Cacciari, Geophilosophy of Europe. (SPB: Pneuma, 2004).
[3] Giorgio Agamben, Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life (Stanford: Stanford University Press, 1998).
[4] Giorgio Agamben, Remnants of Auschwitz: The Witness and the Archive (New York: Zone Books, 2002).
[5] Dugin, The Fourth Way (Moscow, 2014).
[6] Alain de Benoist, Droite-gauche, c’est fini! Le Moment Populiste (Pierre-Guillame De Roux, 2017)