11/08/2012

Somos Livres?


Por Collin Cleary

1.       O Problema

Nós temos “livre-arbítrio”? Certamente isso me parece que eu livremente escolho o que eu faço em vida, com respeito a coisas tanto maiores quanto menores. Minha decisão de graduar no colégio, por exemplo, certamente parece ter sido feito livremente, sem nenhuma coerção de outros. Similarmente, minha decisão de não preparar uma xícara de café momentos atrás também parece ter sido feita “por minha própria vontade”. No entanto, as coisas não são sempre como parecem. É totalmente possível que minhas ações somente parecem ser livremente escolhidas por mim. Elas poderiam, de fato, ser causadas por fatores muito além do meu controle. “Livre arbítrio” pode ser uma simples ilusão.

Isso é, claro, um dos problemas mais famosos na filosofia. É geralmente enquadrado como o problema do “livre arbítrio versus determinismo”, determinismo sendo a posição que defende que não somos livres; de que somos comandados, de uma ou outra maneira, a fazer o que fazemos (ou a ser o que somos). Os dois candidatos mais populares para o que deveria nos determinar são a hereditariedade (i.e., genes) e o ambiente; ou a natureza e o alimento. Não se deve escolher um ou o outro: é bastante permissível manter que somos determinados por uma mistura tanto pela hereditariedade quanto pelo ambiente.

Alguns problemas filosóficos parecem abstrair questões divorciadas dos interesses reais humanos – mas não este um. Aqui nossa dignidade é delimitar, e nossas mais profundas convicções sobre o que é ser humano. Que eu escolho livremente o que eu faço parece óbvio e auto-evidente para mim como minha impressão de que há realmente um mundo fora daqui, e de que meus sentidos me colocam em contato com ele. A idéia de que isso deveria ser uma ilusão é profundamente atormentador. Mas o problema real não é apenas que eu deveria estar errado sobre algo muito importante. Se o determinismo está correto, então eu devo agora enxergar a mim mesmo em uma luz totalmente nova. Eu devo abandonar minha imagem de mim mesmo como mestre da minha vida e de minhas ações. Se o determinismo está correto, eu sou automaticamente um escravo. Sou um joguete de genes ou do ambiente, ou ambos. Sou pior que a maioria dos escravos, de fato, porque a maioria dos escravos estão conscientes de que são escravos. Eu penso que sou livre, então não sou somente um escravo, mas um tolo enganado. Assim, se o determinismo está correto, a dignidade humana parece ser abolida.

Não apenas isso, mas a responsabilidade humana em si é abolida. Nós acreditamos que indivíduos são responsáveis por suas ações. Nesta base, julgamo-los por coisas que fazem.  Elogiamos ações de outros ou culpamos somente se estamos convictos de que eles escolhem livremente suas ações, e poderiam ter atuado de outro modo. Em resumo, o julgamento moral – deveras, a moralidade em si mesmo – é somente possível se o livre-arbítrio realmente existir. Se o determinismo é verdadeiro, então não podemos julgar uns aos outros por suas ações, porque em um sentido real suas ações não são próprias de si. As pessoas foram “causadas”, ou “forçadas” a fazer o que elas fizeram, e não podem se manter responsáveis.

Em suma, muita coisa está em jogo aqui. E parece que devemos ter uma resposta. Ou devemos exorcizar o espectro do determinismo e salvar o livre-arbítrio, ou devemos de alguma forma criar uma paz com o determinismo (que parece um prospecto mais desolador). Eu já proponho não fazer ambos. Minha tese é de que o problema do livre-arbítrio e do determinismo é atualmente um pseudo-problema, e de que está em uma falsa concepção de identidade pessoal, ou “individualidade”.

2.       O Ego Opositor

Você não tem dúvida de ter ouvido a absurda aclamação de que as realizações humanas são feitas devido aos nossos polegares opositores. Alguém (não me lembro de quem) respondeu a isso uma vez dizendo que o fato de que o que nos torna humano é nossa possessão de um “ego opositor”.

Seres humanos tem a habilidade para mentalmente “se afastar” de situações que encontramos em nós mesmos, de um jeito que nenhuma outra criatura pode. Quando eu dirijo meu carro ou ponho a louça, eu sou raramente absorvido em ambos. Minha mente é algum lugar inteiramente outro. Algumas vezes, estou pensando sobre mim mesmo. Essa habilidade de mentalmente desengajar de situações, de fato, é uma pré-condição de auto-consciência. Animais superiores (e alguns inferiores, de fato) todos parecem ter a habilidade para ajustar seu comportamento baseado no que suas ações estão afetando coisas ao redor deles. Por exemplo, se o gato arranha a família cachorro e o cachorro late ameaçadoramente, o gato pula para trás. Mas atribuímos muito disso ao animal instintivamente fazendo uma nova escolha dentre seu repertório pré-estabelecido de comportamento.

Seres humanos, por outro lado, possuem a habilidade de “voltar para dentro” e refletir em si mesmos de um modo continuado, prolongado, e profundo que os animais não parecem serem capazes. As reações de outros, por exemplo, podem ainda me levar a ir para mim próprio (literalmente ou figurativamente) e perguntar “que tipo de pessoal eu sou?” ou “sou uma boa pessoa?”

O “ego opositor” tem a habilidade de abstrair a si mesmo de todas as situações e todas as coisas – ainda mais do si mesmo. Consideramos o seguinte. Nesse momento você está lendo minhas palavras, tomando-as, e (eu espero) compreendendo-as.

Ler a sentença anterior, no entanto, causou a você mudar seu foco: por um momento eu levei você a pensar não sobre minhas palavras, mas sobre seu próprio pensar sobre minhas palavras. Seu ego opositor se animou, e, de um certo modo um diferente “você” surgiu momentaneamente. “Você” confrontou o “você” confrontando o computador (e minhas palavras) na sua frente.

Mas se você compreendeu o que eu disse agora, ainda um outro “você” (ou “ego opositor”) surgiu: por ora “você” está pensando sobre o “você” que pensou sobre “você” que estava pensando sobre minhas palavras. E assim por diante. J. G. Fichte ilustrou esse ponto nas suas aulas dizendo “cavalheiros, pensem no quadro! Agora pensem em quem pensou no quadro...”

Essa notável habilidade que nós temos que afastar reflexivamente de nosso meio – ainda de nós mesmos – gerando múltiplos “egos” confrontando egos, é possível pelo fato de que nós contemos o nada (ou a negatividade). Assim é como Jean-Paul Sartre colocou o problema. Nós temos a habilidade de negar a alteridade. Em um nível literal, físico, eu posso destruir ou transformar coisas ao meu redor. Em um nível mental, eu posso recusar o engajamento com o que está imediatamente presente e mandar minha mente para outro lugar (como quando, entendiado com uma leitura, eu começo a imaginar como as coisas serão amanhã). Ou eu posso negar ou repudiar algo como é e imaginar ou afirmar como esse algo deveria ser. Isso é unicamente humano, essa habilidade de opor o que deveria ser ao que é – mas isso é fundamentado na mais básica habilidade de desengajar ou negar o dado.

Considere que quando você afastou e considerou a si mesmo considerando minhas palavras, você teve a sensação de estar, em um momento, distintamente diferente do você que você estava pensando sobre. Você já tem repudiado suas próprias ações ou pensamentos com a alegação – tática ou explícita – de que “não era eu” ou “que não sou o que sou”? Seu ego opositor pode considerar quem e o que você é somente porque tem a habilidade de se manter aparte daquilo que você é; dizer “eu não sou”. Isso é como olharmos para trás em nós mesmos no passado e dissermos (ou sentimos) “eu não sou aquela pessoa”. E essa é também a base de nossa habilidade de proferir o que parece, em reflexão, ser uma afirmação muito estranha: “eu tenho um corpo”. Pode-se dizer “eu tenho um corpo” se o “eu” tem já diferenciado a si mesmo do corpo; i.e., você não pode dizer “eu tenho um corpo”, a menos que esse “eu” pensa que não é o corpo. Esse “eu” que “possui” o corpo é o ego opositor.

O ego opositor ou “eu” separado mostra muito na história da filosofia, de uma forma ou outra. É o que está por trás do conceito aristotélico de nous (intelecto), a parte de nossa alma que é separada do corpo e realmente é um nada – uma pequena versão do Deus aristotélico, um “eu” verdadeiramente que pensa somente em si mesmo. Foi o “eu” separado de Descartes que disse “eu penso, logo existo”, depois de duvidar de tudo mais na existência, incluindo seu corpo. (Descartes clama que simplesmente porque podemos pensar a alma como distinta do corpo, isso realmente deve ser) Nós vemos o “eu” separado de novo na unidade transcendental de apercepção de Kant (o “eu penso” que está no princípio anexo a qualquer ato de consciência), no Ego Absoluto de Fichte que “põe” a si mesmo absolutamente, e no homem autêntico de Sartre, quem tem a liberdade para negar toda a facticidade.

Agora, minha afirmação é de que “o problema de livre-arbítrio versus determinismo” ascende como um resultado de identificar a si mesmo com o “eu” separado; como um resultado de pensar que o ego opositor é quem eu realmente sou. Isso é um erro quase irresistível. O próprio ato pelo qual o ego opositor constitui-se envolve negação; dizer que eu não sou isso ou aquilo. Parece perfeito, então, dizer que eu não sou meu corpo. Mas, claro, está perfeitamente errado. A verdade é que eu sou meu corpo.

3.   Quem "eu" sou

Eu não “tenho” um corpo, de qualquer modo. Estaria errado ainda dizer algo como “eu vivo neste corpo”. Não, eu sou meu corpo. Nós modernos tendemos a situar a consciência e a individualidade no cérebro. Isso é uma idéia problemática – somente parcialmente correta - , mas para o momento assumiremos que é verdade. E suponha que eu contei a você que “eu tenho um cérebro”. Isso é uma frase perfeitamente significativa, tanto quanto dizer que “eu tenho um pé esquerdo”. Mas isso é obviamente muito mais forte. Se eu perdi meu pé esquerdo eu poderia dizer, sem problemas, que “eu tive um pé esquerdo”. Mas se eu perdesse meu cérebro, você não me veria dizendo “eu perdi um cérebro”, porque “eu” nem estaria mais aí. Já o peculiar “eu” ainda quer insistir que “possui” um cérebro.

Nós começamos a entender o que esse “eu” pode ser – esse “eu” que distingue a si mesmo de tudo e qualquer coisa. A suspeita que emerge de que não é nada, um tipo de epifenômeno ou uma luz longínqua [will-o’-the-wisp]. Não obstante necessário, como a capacidade de se afastar de nós mesmos e de nossos arredores e distinguir nós mesmos deles é o fundamento da consciência humana. Ainda, pensar que esse “eu” separado é eu mesmo é um erro grosseiro – um erro na raiz de nosso horror frente o “determinismo”.

O determinismo me preocupa porque eu não quero acreditar que minhas ações são causadas por outro algo que não por mim mesmo. Quando alguém sugere que eu devo ser determinado pela genética, sou atormentado por isso porque penso que eu não sou meus genes. Assim como eu poderia dizer que “eu tenho um corpo” ou “tenho um cérebro”, posso dizer “eu tenho genes”. E de novo, a precondição de ser capaz de dizer que nós “possuímos” aquelas coisas em nossa habilidade mental de artificialmente distinguir nós mesmos delas. Eu aprendi muito durante anos sobre genética, e sobre como nossa aparência, comportamento, e ainda nossos pensamentos são moldados pelos genes. Mas eu tenho essa convicção teimosa de que eu não sou meus genes; eu “tenho” genes, mas eles não são parte de mim.

Claro que isto é tão problemático quanto afirmar que “eu tenho um corpo”, ou “eu tenho um cérebro”. De fato, em um sentido muito real meus genes são eu. Meu corpo e minha mente têm sido moldados pela minha hereditariedade. Meu “ego opositor” se revolta contra isto: “eu não sou meus genes!” Mas uma vez que pensemos que meu ego é algo muito mais complicado e rico que essa simples fantasia, que dizer “eu”, isso se torna uma afirmação completamente insustentável.

Para começar puramente com os fatores externos, sou uma pessoa com uma certa altura e forma. Tenho uma certa cor de cabelo e olho e estrutura facial. Tudo isso afetou minha vida de maneira importante e moldou minhas experiências e por isso moldou minha mente. Minha estrutura corporal quer dizer que eu sou bom em algumas coisas e ruim para outras. Minha altura e forma devem ter me vestido bem para o campo de futebol, mas não para um jóquei. Eu não tentei ser um jogador de futebol porque tive meu nariz nos livros na maior parte do tempo. Por quê? Há uma ampla razão para pensar que tais características são hereditárias. Eu sou um intelectual, e minha árvore genealógica inclui um número deles. Também sou impaciente, conservador, melancólico – todos possivelmente hereditários. E estes traços hereditários me tornaram quem eu sou.

Em um sentido real eu posso dizer que eles são eu. Uma vez que eu pensei, o espectro do “determinismo genético” parece ser exorcizado. De novo, o que nos atormenta é o prospecto de que nossas ações devem ser determinadas por alguma força alienígena – algo fora de nós. Mas meus genes não são algo alienígena para mim; de novo, eles são eu. Eu sou uma combinação totalmente única de genes herdados de minha mãe e meu pai (isso é verdade, claro, em todos nós – a menos que sejamos gêmeos idênticos!). Quando “eu” atuo é a única constelação de fatores genéticos que atuam – e nada mais. Os genes não são corpos alienígenas que “me mandam” fazer coisas. Eu sou a causa das minhas ações, e nada mais – mas eu sou apenas esse entrelaçamento de fatores genéticos.

Eu sou meus genes como eu sou meu corpo. Meus genes me entrelaçam aos meus pais e aos pais deles, e assim por diante. Então meu ser é inextricavelmente atado ao ser de outros, e ao passado. (Como eu discutirei depois, a modernidade é construída em cima de “egos opositores”, e nós modernos não gostamos da idéia de que nosso ser é atado ao passado, ou a qualquer outra coisa).

Agora, o que eu argumentei no caso da hereditariedade pode também ser argumentado para o que é chamado de “ambiente”. Hegel disse que a verdadeira liberdade consiste em “desejar nossa determinação”. Nós reconhecemos que somos “determinados” por toda sorte de fatores sociais sob quais temos pequeno ou nenhum controle. A verdade do problema, no entanto, é de que isso nos torna quem somos; eles nos dão uma identidade determinada sem a qual não seríamos nada. Além do mais, constrangimentos sociais que parecem, por um lado, nos limitar e “determinar” efetivamente criam as circunstâncias concretas dentro das quais nosso caráter, preferências, e habilidades tomam forma e se manifestam.

Tarzan é o homem “menos livre” de todos. Sim, ele é livre de todos constrangimentos sociais – mas ele está isolado de comunidade e das instituições sociais que tornam disponíveis os meios para se tornar o que somos. Por ora, deve ser da minha natureza ser músico, ou artista, ou cientista, ou um líder dos homens. Mas eu posso pensar em nenhuma dessas possibilidades fora de um estabelecimento social concreto. Mas qualquer estabelecimento social particular também me “limitaria”.

Não pode ser de outro jeito: a liberdade é somente possível através da determinação. Por isso devemos ver nossa hereditariedade e ambiente como fatores alienígenas limitando e nos constrangendo. Devemos “desejar” nossa determinação – afirmar e tornar próprio da gente. Há algo realmente liberador sobre isto: sobre afirmar quem somos, e tudo isto tornou possível, e sabendo de que a liberdade significa se tornar quem você é. A verdade é que somos a causa de nossas ações, nada mais. E se ser a causa de nossas ações é liberdade, então somos livre. Mas o que nós somos está moldado por muitos fatores – genéticos entre outros – que não escolhemos.

4.       A Verdadeira e a Falsa Liberdade

Aqui uma objeção óbvia ocorrerá: “Mas se não escolhemos esses fatores que nos moldam, então não somos livres!” O problema com essa objeção, no entanto, é que aparece implicitamente a uma concepção de liberdade que é totalmente fantástica quanto insignificante. Essencialmente, o objetor está assumindo que nós somos livres somente se podemos escolher e controlar exatamente o quê somos. Mas isso é completamente impossível. Neste ponto, portanto, temos uma escolha. Se aceitamos o ideal objetor da verdadeira liberdade, podemos fazer um sacrifício e declararmos como livres. Uma aproximação melhor, no entanto, seria considerar se poderia haver uma compreensão mais razoável de ser “livre” e “não-livre”.

Em sua Vocation of Man (1800), Fichte escreve o seguinte sobre a liberdade:

“Dê consciência a uma árvore e deixe-a crescer livremente; deixe-a espalhar seus galhos e trazer folhas, brotos, flores, e frutas peculiares a sua espécie. Ela certamente não se sente limitada pela circunstância de que isso apenas ocorre por ser uma árvore, uma árvore de apenas essa espécie e apenas essa árvore em particular dessa espécie. Ela se sentirá livre porque em todas expressões não há nada a além do que é demandado pela natureza; ela não desejará nada mais porque pode somente querer o que sua natureza demanda. Mas deixe seu crescimento se retardar por tempo ruim, nutrição inadequada, ou por outros fatores: ela se sentirá limitada e restringida porque um movimento que realmente está em sua natureza não está satisfeito. Amarre seus livres galhos a uma grade, imponha galhos alienígenas nela por enxerto: ela se sentirá forçada a agir de um certo modo. Seus galhos, claro, continuarão a crescer, mas não na direção que eles teriam tomado se estivessem livres; e ela, depois de tudo, fará crescer um fruto, mas não o fruto demandado por sua natureza original”.[1]

Em resumo, a real liberdade significa liberdade de ser o que você é – mas você não tem que escolher o quê você é, mais que a árvore tem que escolher que é uma árvore, ou quê tipo de árvore é. Nós somos “não-livres” não como um resultado dos vários fatores que têm nos moldado para sermos o que somos; somos não-livres quando as circunstâncias nos previnem de nos tornarmos o que somos. Todos de nós somos seres determinados de uma ou outra maneira, e o que tem nos dado forma determinada é um a sorte inteira de fatores que não escolhemos. Não pode ser de outro jeito. O homem que lamenta o fato de que torna ele “não-livre” é realmente o homem do qual a liberdade é ser um nada.

Esse é o pequeno e sujo segredo da modernidade: o desejo de não ser nada determinado. Nós modernos queremos acreditar que somos “livres” no sentido de ter a habilidade, se escolhermos, ser completamente imune ao passado, à hereditariedade, e, em geral, por qualquer e todas as circunstâncias sociais e físicas. Nós queremos “ter tudo”. E nós ensinamos nossas crianças que “vocês podem ser o que quiserem ser”. Nós acreditamos que tais coisas como biologia, desejos humanos, e a estrutura das sociedades são infinitamente mutáveis e aperfeiçoadas. Nós consideramos a natureza em si mesma como “uma construção social”, e sentimos nós mesmos aliviados por qualquer limite de qualquer tipo. Nós nos revoltamos contra a própria idéia de que nós – e outras coisas – poderíamos ser algo; algo definitivo, com limites imutáveis que poderiam impedir nossos desejos.

Mas neste idealismo há um niilismo profundo e terrível. Ser significa ser algo – algo definitivo. O desejo de ser nada definitivo é simplesmente o desejo de não ser. Isso é o incrível telos da civilização ocidental moderna. Nossa busca por uma falsa liberdade é na raiz um desejo de nos apagar do mundo; um desejo de morte. A vida é identidade, definição, forma, ordem, hierarquia, e limite. Aqueles que afirmariam que a vida deve afirmar todas essas coisas. Nós devemos dizer um grande SIM a todos que continuam dizendo um grande NÃO à nossa arrogância, uma voz que os modernos tornaram praticamente surda.

5.       Algumas Respostas e Objeções

Essencialmente, eu argumentei que a escolhe entre “livre-arbítrio” e “determinismo” envolve uma falsa dicotomia. O que se supõe que nos “determina” (hereditariedade e o ambiente) não é algo alienígena ou outra coisa que age sobre nós. Ao invés disso, em um sentido real, é nós mesmos. Uma vez compreendido, pensaremos que sou livre apenas no sentido de que meus ator são meus próprios – mas que o que eu sou tem sido moldado e determinado por toda espécie de coisas que eu não escolhi e não posso controlar. Somos livres quando somos capazes de agir em nossa natureza e nos tornar o que somos. A única forma objetável de “determinismo” seriam circunstâncias nas quais sou prevenido de prosperar; prevenido de atualizar minhas potencialidades e me tornar o que eu sou.

Pois, tanto a dignidade humana quanto a responsabilidade moral são preservadas (você recordará que eu mencionei no início que estes estavam em jogo). Meus atos são ainda meus próprios, porque todas aquelas coisas que estão ditas a me “determinar” não são alienígenas ou outra coisa do tipo, mas uma parte do meu ser. Por isso, não sou meramente o jogador de forças “externas”. Ainda mais, se esse é o caso, segue que eu e eu sozinho sou responsável por minhas ações.

Eu argumentei, mais, que o problema do “livre-arbítrio e do determinismo” realmente surge da falsa concepção do ego – do qual temos construído a idéia de que a verdadeira liberdade seria um tipo de escolha absoluta, livre de qualquer influência por qualquer coisa que o ego não escolheu. Eu tentei meu melhor para banir essa falsa noção de liberdade e do ego. No entanto, isso tende – de várias maneiras – a rastejar de volta.

Por ora, eu poderia imaginar alguém objetando contra o que eu argumentei tão longe por dizer “tudo bem, talvez a verdadeira liberdade consiste simplesmente em nós tendo a escolha em desejar – ou não desejar – nossa determinação. E essa escolha, diferente de todas as outras escolhas é verdadeiramente livre no sentido de que isso não é “imposto” ou afetado por qualquer fator sobre o qual não possuímos controle”. É tentador afirmar isto – precisamente porque o ideal do “ego opositor”, o juiz separado, livre de qualquer constrangimento é tão atrativo. Sartre tem uma concepção similar de “verdadeira liberdade”: nosso “ego opositor” é absolutamente livre em negar tudo e qualquer coisa, de uma ou outra maneira. “Autenticidade” significa reconhecer isto e compreender que nós estamos “condenados a sermos livres”, enquanto que “má fé” significa renegar essa liberdade, e dizer “eu não poderia ajudar...”.

Mas eu sou cético. Todos os tipos de fatores – genéticos e sociais – que determinam ou não se uma pessoa tem ou não consigo a capacidade de querer ou não querer sua determinação. Há indivíduos que são constitucionalmente incapazes de querer suas determinações, porque para eles isso significa derrotar. Significa complacência, rendição de controle, “liquidação” para o que tem sido mantido para elas pela natureza ou nutrição. E isso pode ser uma virtude tremenda – mas não é uma “escolha” que surgiu de qualquer lugar, sem fatores antecedentes ou influências. Tal atitude pertence a certo tipo de caráter, e caráter nunca é proposital. (Claro, a pessoa que não afirmará sua determinação não pensa que essa característica também é algo que nós não escolhemos.)

Alguns indivíduos afirmarão sua determinação, e outros não. Ultimamente, nós podemos explicar exatamente o porque alguns afirmam e outros não. Mas uma coisa é certa: não é o resultado de uma “escolha” mágica que foi completamente livre de quaisquer fatores ou condições antecedentes. É uma escolha que flui do tipo de homem que acontece ser – mas que é moldado e formado pelas coisas miríades que nós não escolhemos.

A mesma coisa pode ser dita sobre a “verdadeira liberdade” sartreana como negação. Se eu tenho ou não vontade de negar – rebelar contra, mudar, ou transformar – o que a natureza ou a sociedade mantiveram a mim é um problema de caráter. E isso também é um problema de inteligência. É um fato bem sabido de que pessoas estúpidas tendem a simplesmente aceitar o que eles mantiveram muito mais prontamente do que pessoas inteligentes. Pessoas inteligentes são capazes de compreender de muito mais possibilidades que as pessoas estúpidas, então eles possuem mais escolhas na vida. Embora, como eu argumentei, muitos fatores determinarão quê escolha uma pessoa faz de opções das quais elas estão conscientes, não obstante é verdade que pessoas inteligentes serão capazes de pensar de uma maneira mais ampla de opções. Claro, a inteligência é uma característica hereditária; nós não escolhemos o quanto inteligentes somos. O desejo de “negar” o dado é assim não algo absolutamente “livre” no sentido de ser devido a fatores antecedentes ou influências: é muito o resultado de traços característicos, influências do ambiente hereditárias, e QI.

Mais, eu poderia imaginar alguém se opondo ao que eu argumentei invocando um sujeito querido ao meu coração: o Caminho da Mão Esquerda. Não é isso tudo se rebelar contra limites biológicos e sociais? Não é isso “superação de si mesmo”? Minha resposta para isso é realmente implícita no que tem já sido dito: sim, o Caminho da Mão Esquerda é todas essas coisas. Mas não é pra qualquer um. Quem escolheria o Caminho da Mão Esquerda? Somente aqueles que podem. E isto é, de novo, um problema de caráter. “Superação de si mesmo” é impossível. Tudo o que se pode fazer é pensar ou desenvolver previamente aspectos do próprio ego. De novo, a liberdade significa se tornar quem você é.

Eu suponho que alguém poderia também se opor a tudo que eu escrevi dizendo que soa horrorosamente fatalista. As pessoas algumas vezes confundem o determinismo e o fatalismo, e pensam que a posição determinista afirma que tudo que acontece a nós é “destinado” a acontecer. Mas não é o caso. Apesar de que podemos ser “determinados”, não significa que tudo que acontece a nós tem sido de alguma forma pré-determinado. Quando eu caminho para fora da porta pela manhã eu posso encontrar um vendedor para me vender algo – ou um psicopata a tirar minha vida. Não há nada sobre mim que necessita qualquer um acontecimento. Mas há muito mais sobre mim que necessita agora reagir em ocorrência. Em um certo sentido então, sim, se pode dizer que eu “fui destinado a” agir e reagir de maneira particular.

E isso me leva ao último ponto que tomarei. Isso tem sido um ensaio filosófico; uma tentativa em alcançar a verdade sobre livre-arbítrio e determinismo, sem pressuposições. Mas a posição que eu alcancei neste, que é de fato a posição Tradicional – e é certamente muito similar à compreensão do destino e destino pessoal que encontramos especificamente na erudição germânica.

De acordo a essa tradição, até mesmo os deuses estão sujeitos ao destino. Algumas das palavras usadas para se referir ao destino incluem o urðr do islandês antigo e wyrd do inglês antigo, ambos que são relacionados ao werden alemão, que significa “vir a ser”. Há também o metod do anglo-saxão antigo e o me(o)tod do inglês antigo, que ambos significam “limite”[measure].

O destino, para nossos ancestrais, é portanto algo limitado a você, e algo a que você tornar-se-á. O destino não é um “plano” para o indivíduo ou para o mundo estabelecidas em antecedência: o destino é o que você manterá pela hereditariedade, pelo passado, e pelas circunstâncias do presente em que você está inserido. O destino é a “sina” que é lançada para o indivíduo pelas três Nornas: Urð (“ o que vem a ser”), Verðandi (“o que está vindo a ser”), e Skuld (“o que deve ser” – dado fatores ou condições antecedentes).

Nota:

1.       J.G. Fichte, The Vocation of Man, traduzido por Peter Preuss (Indianapolis: Hackett Publishing, 1987), 14-15. Deveria ser notado que aqui Fichte está tomando uma posição que ele acredita ser completamente legítima e racionalmente defensível –mas também uma que ele próprio não confirma. O argumento do texto é complicado.