Por Collin Cleary
1.
O Problema
Nós temos “livre-arbítrio”?
Certamente isso me parece que eu livremente escolho o que eu faço em vida, com
respeito a coisas tanto maiores quanto menores. Minha decisão de graduar no
colégio, por exemplo, certamente parece ter sido feito livremente, sem nenhuma
coerção de outros. Similarmente, minha decisão de não preparar uma xícara de
café momentos atrás também parece ter sido feita “por minha própria vontade”.
No entanto, as coisas não são sempre como parecem. É totalmente possível que
minhas ações somente parecem ser livremente escolhidas por mim. Elas poderiam,
de fato, ser causadas por fatores muito além do meu controle. “Livre arbítrio”
pode ser uma simples ilusão.
Isso é, claro, um dos
problemas mais famosos na filosofia. É geralmente enquadrado como o problema do
“livre arbítrio versus determinismo”, determinismo sendo a posição que defende
que não somos livres; de que somos comandados, de uma ou outra maneira, a fazer
o que fazemos (ou a ser o que somos). Os dois candidatos mais populares para o que
deveria nos determinar são a hereditariedade (i.e., genes) e o ambiente; ou a
natureza e o alimento. Não se deve escolher um ou o outro: é bastante
permissível manter que somos determinados por uma mistura tanto pela
hereditariedade quanto pelo ambiente.
Alguns problemas filosóficos
parecem abstrair questões divorciadas dos interesses reais humanos – mas não
este um. Aqui nossa dignidade é delimitar, e nossas mais profundas convicções
sobre o que é ser humano. Que eu escolho livremente o que eu faço parece óbvio
e auto-evidente para mim como minha impressão de que há realmente um mundo fora
daqui, e de que meus sentidos me colocam em contato com ele. A idéia de que
isso deveria ser uma ilusão é profundamente atormentador. Mas o problema real
não é apenas que eu deveria estar errado sobre algo muito importante. Se o
determinismo está correto, então eu devo agora enxergar a mim mesmo em uma luz
totalmente nova. Eu devo abandonar minha imagem de mim mesmo como mestre da
minha vida e de minhas ações. Se o determinismo está correto, eu sou
automaticamente um escravo. Sou um joguete de genes ou do ambiente, ou ambos.
Sou pior que a maioria dos escravos, de fato, porque a maioria dos escravos
estão conscientes de que são escravos. Eu penso que sou livre, então não sou
somente um escravo, mas um tolo enganado. Assim, se o determinismo está
correto, a dignidade humana parece ser abolida.
Não apenas isso, mas a
responsabilidade humana em si é abolida. Nós acreditamos que indivíduos são
responsáveis por suas ações. Nesta base, julgamo-los por coisas que fazem. Elogiamos ações de outros ou culpamos somente
se estamos convictos de que eles escolhem livremente suas ações, e poderiam ter
atuado de outro modo. Em resumo, o julgamento moral – deveras, a moralidade em
si mesmo – é somente possível se o livre-arbítrio realmente existir. Se o
determinismo é verdadeiro, então não podemos julgar uns aos outros por suas
ações, porque em um sentido real suas ações não são próprias de si. As pessoas
foram “causadas”, ou “forçadas” a fazer o que elas fizeram, e não podem se
manter responsáveis.
Em suma, muita coisa está em
jogo aqui. E parece que devemos ter uma resposta. Ou devemos exorcizar o
espectro do determinismo e salvar o livre-arbítrio, ou devemos de alguma forma
criar uma paz com o determinismo (que parece um prospecto mais desolador). Eu
já proponho não fazer ambos. Minha tese é de que o problema do livre-arbítrio e
do determinismo é atualmente um pseudo-problema, e de que está em uma falsa
concepção de identidade pessoal, ou “individualidade”.
2.
O Ego Opositor
Você não tem dúvida de ter
ouvido a absurda aclamação de que as realizações humanas são feitas devido aos
nossos polegares opositores. Alguém (não me lembro de quem) respondeu a isso
uma vez dizendo que o fato de que o que nos torna humano é nossa possessão de
um “ego opositor”.
Seres humanos tem a
habilidade para mentalmente “se afastar” de situações que encontramos em nós
mesmos, de um jeito que nenhuma outra criatura pode. Quando eu dirijo meu carro
ou ponho a louça, eu sou raramente absorvido em ambos. Minha mente é algum
lugar inteiramente outro. Algumas vezes, estou pensando sobre mim mesmo. Essa
habilidade de mentalmente desengajar de situações, de fato, é uma pré-condição
de auto-consciência. Animais superiores (e alguns inferiores, de fato) todos
parecem ter a habilidade para ajustar seu comportamento baseado no que suas
ações estão afetando coisas ao redor deles. Por exemplo, se o gato arranha a
família cachorro e o cachorro late ameaçadoramente, o gato pula para trás. Mas
atribuímos muito disso ao animal instintivamente fazendo uma nova escolha
dentre seu repertório pré-estabelecido de comportamento.
Seres humanos, por outro
lado, possuem a habilidade de “voltar para dentro” e refletir em si mesmos de
um modo continuado, prolongado, e profundo que os animais não parecem serem
capazes. As reações de outros, por exemplo, podem ainda me levar a ir para mim
próprio (literalmente ou figurativamente) e perguntar “que tipo de pessoal eu
sou?” ou “sou uma boa pessoa?”
O “ego opositor” tem a
habilidade de abstrair a si mesmo de todas as situações e todas as coisas –
ainda mais do si mesmo. Consideramos o seguinte. Nesse momento você está lendo
minhas palavras, tomando-as, e (eu espero) compreendendo-as.
Ler a sentença anterior, no
entanto, causou a você mudar seu foco: por um momento eu levei você a pensar
não sobre minhas palavras, mas sobre seu próprio pensar sobre minhas palavras.
Seu ego opositor se animou, e, de um certo modo um diferente “você” surgiu
momentaneamente. “Você” confrontou o “você” confrontando o computador (e minhas
palavras) na sua frente.
Mas se você compreendeu o que
eu disse agora, ainda um outro “você” (ou “ego opositor”) surgiu: por ora
“você” está pensando sobre o “você” que pensou sobre “você” que estava pensando
sobre minhas palavras. E assim por diante. J. G. Fichte ilustrou esse ponto nas
suas aulas dizendo “cavalheiros, pensem no quadro! Agora pensem em quem pensou
no quadro...”
Essa notável habilidade que
nós temos que afastar reflexivamente de nosso meio – ainda de nós mesmos –
gerando múltiplos “egos” confrontando egos, é possível pelo fato de que nós
contemos o nada (ou a negatividade). Assim é como Jean-Paul Sartre colocou o
problema. Nós temos a habilidade de negar a alteridade. Em um nível literal,
físico, eu posso destruir ou transformar coisas ao meu redor. Em um nível
mental, eu posso recusar o engajamento com o que está imediatamente presente e
mandar minha mente para outro lugar (como quando, entendiado com uma leitura,
eu começo a imaginar como as coisas serão amanhã). Ou eu posso negar ou
repudiar algo como é e imaginar ou afirmar como esse algo deveria ser. Isso é
unicamente humano, essa habilidade de opor o que deveria ser ao que é – mas
isso é fundamentado na mais básica habilidade de desengajar ou negar o dado.
Considere que quando você
afastou e considerou a si mesmo considerando minhas palavras, você teve a
sensação de estar, em um momento, distintamente diferente do você que você
estava pensando sobre. Você já tem repudiado suas próprias ações ou pensamentos
com a alegação – tática ou explícita – de que “não era eu” ou “que não sou o
que sou”? Seu ego opositor pode considerar quem e o que você é somente porque
tem a habilidade de se manter aparte daquilo que você é; dizer “eu não sou”.
Isso é como olharmos para trás em nós mesmos no passado e dissermos (ou
sentimos) “eu não sou aquela pessoa”. E essa é também a base de nossa
habilidade de proferir o que parece, em reflexão, ser uma afirmação muito
estranha: “eu tenho um corpo”. Pode-se dizer “eu tenho um corpo” se o “eu” tem
já diferenciado a si mesmo do corpo; i.e., você não pode dizer “eu tenho um
corpo”, a menos que esse “eu” pensa que não é o corpo. Esse “eu” que “possui” o
corpo é o ego opositor.
O ego opositor ou “eu” separado
mostra muito na história da filosofia, de uma forma ou outra. É o que está por
trás do conceito aristotélico de nous
(intelecto), a parte de nossa alma que é separada do corpo e realmente é um nada
– uma pequena versão do Deus aristotélico, um “eu” verdadeiramente que pensa somente em si mesmo. Foi o “eu” separado
de Descartes que disse “eu penso, logo existo”, depois de duvidar de tudo mais
na existência, incluindo seu corpo. (Descartes clama que simplesmente porque
podemos pensar a alma como distinta
do corpo, isso realmente deve ser) Nós vemos o “eu” separado de novo na unidade
transcendental de apercepção de Kant (o “eu penso” que está no princípio anexo
a qualquer ato de consciência), no Ego Absoluto de Fichte que “põe” a si mesmo
absolutamente, e no homem autêntico de Sartre, quem tem a liberdade para negar
toda a facticidade.
Agora, minha afirmação é de que “o problema de livre-arbítrio versus
determinismo” ascende como um resultado de identificar a si mesmo com o “eu”
separado; como um resultado de pensar que o ego opositor é quem eu realmente sou. Isso é um erro quase
irresistível. O próprio ato pelo qual o ego opositor constitui-se envolve
negação; dizer que eu não sou isso ou
aquilo. Parece perfeito, então, dizer que eu não sou meu corpo. Mas, claro, está perfeitamente errado. A verdade
é que eu sou meu corpo.
3.
Quem "eu" sou
Eu não “tenho” um corpo, de qualquer modo. Estaria errado ainda dizer
algo como “eu vivo neste corpo”. Não, eu sou meu corpo. Nós modernos tendemos a
situar a consciência e a individualidade no cérebro. Isso é uma idéia
problemática – somente parcialmente correta - , mas para o momento assumiremos
que é verdade. E suponha que eu contei a você que “eu tenho um cérebro”. Isso é
uma frase perfeitamente significativa, tanto quanto dizer que “eu tenho um pé
esquerdo”. Mas isso é obviamente muito mais forte. Se eu perdi meu pé esquerdo
eu poderia dizer, sem problemas, que “eu tive um pé esquerdo”. Mas se eu
perdesse meu cérebro, você não me veria dizendo “eu perdi um cérebro”, porque “eu”
nem estaria mais aí. Já o peculiar “eu” ainda quer insistir que “possui” um
cérebro.
Nós começamos a entender o que esse “eu” pode ser – esse “eu” que distingue
a si mesmo de tudo e qualquer coisa. A suspeita que emerge de que não é nada,
um tipo de epifenômeno ou uma luz longínqua [will-o’-the-wisp]. Não obstante
necessário, como a capacidade de se afastar de nós mesmos e de nossos arredores
e distinguir nós mesmos deles é o fundamento da consciência humana. Ainda,
pensar que esse “eu” separado é eu mesmo é um erro grosseiro – um erro na raiz
de nosso horror frente o “determinismo”.
O determinismo me preocupa porque eu não quero acreditar
que minhas ações são causadas por outro algo que não por mim mesmo. Quando
alguém sugere que eu devo ser determinado pela genética, sou atormentado por
isso porque penso que eu não sou meus
genes. Assim como eu poderia dizer que “eu tenho um corpo” ou “tenho um cérebro”,
posso dizer “eu tenho genes”. E de novo, a precondição de ser capaz de dizer
que nós “possuímos” aquelas coisas em nossa habilidade mental de
artificialmente distinguir nós mesmos delas. Eu aprendi muito durante anos
sobre genética, e sobre como nossa aparência, comportamento, e ainda nossos
pensamentos são moldados pelos genes. Mas eu tenho essa convicção teimosa de
que eu não sou meus genes; eu “tenho”
genes, mas eles não são parte de mim.
Claro que isto é tão problemático quanto afirmar que “eu
tenho um corpo”, ou “eu tenho um cérebro”. De fato, em um sentido muito real
meus genes são eu. Meu corpo e minha
mente têm sido moldados pela minha hereditariedade. Meu “ego opositor” se
revolta contra isto: “eu não sou meus genes!” Mas uma vez que pensemos que meu
ego é algo muito mais complicado e rico que essa simples fantasia, que dizer “eu”,
isso se torna uma afirmação completamente insustentável.
Para começar puramente com os fatores externos, sou uma
pessoa com uma certa altura e forma. Tenho uma certa cor de cabelo e olho e
estrutura facial. Tudo isso afetou minha vida de maneira importante e moldou
minhas experiências e por isso moldou minha mente. Minha estrutura corporal
quer dizer que eu sou bom em algumas coisas e ruim para outras. Minha altura e
forma devem ter me vestido bem para o campo de futebol, mas não para um jóquei.
Eu não tentei ser um jogador de futebol porque tive meu nariz nos livros na
maior parte do tempo. Por quê? Há uma ampla razão para pensar que tais
características são hereditárias. Eu sou um intelectual, e minha árvore
genealógica inclui um número deles. Também sou impaciente, conservador,
melancólico – todos possivelmente hereditários. E estes traços hereditários me tornaram quem eu sou.
Em um sentido real eu posso dizer que eles são eu. Uma vez que eu pensei, o
espectro do “determinismo genético” parece ser exorcizado. De novo, o que nos
atormenta é o prospecto de que nossas ações devem ser determinadas por alguma
força alienígena – algo fora de nós. Mas meus genes não são algo alienígena
para mim; de novo, eles são eu. Eu
sou uma combinação totalmente única de genes herdados de minha mãe e meu pai
(isso é verdade, claro, em todos nós – a menos que sejamos gêmeos idênticos!).
Quando “eu” atuo é a única constelação de fatores genéticos que atuam – e nada
mais. Os genes não são corpos alienígenas que “me mandam” fazer coisas. Eu sou
a causa das minhas ações, e nada mais – mas eu sou apenas esse entrelaçamento
de fatores genéticos.
Eu sou meus genes como eu sou meu corpo. Meus genes me
entrelaçam aos meus pais e aos pais deles, e assim por diante. Então meu ser é
inextricavelmente atado ao ser de outros, e ao passado. (Como eu discutirei
depois, a modernidade é construída em cima de “egos opositores”, e nós modernos
não gostamos da idéia de que nosso ser é atado ao passado, ou a qualquer outra
coisa).
Agora, o que eu argumentei no caso da hereditariedade
pode também ser argumentado para o que é chamado de “ambiente”. Hegel disse que
a verdadeira liberdade consiste em “desejar nossa determinação”. Nós reconhecemos
que somos “determinados” por toda sorte de fatores sociais sob quais temos
pequeno ou nenhum controle. A verdade do problema, no entanto, é de que isso
nos torna quem somos; eles nos dão uma identidade determinada sem a qual não
seríamos nada. Além do mais, constrangimentos sociais que parecem, por um lado,
nos limitar e “determinar” efetivamente criam as circunstâncias concretas
dentro das quais nosso caráter, preferências, e habilidades tomam forma e se
manifestam.
Tarzan é o homem “menos livre” de todos. Sim, ele é livre
de todos constrangimentos sociais – mas ele está isolado de comunidade e das
instituições sociais que tornam disponíveis os meios para se tornar o que
somos. Por ora, deve ser da minha natureza ser músico, ou artista, ou cientista,
ou um líder dos homens. Mas eu posso pensar em nenhuma dessas possibilidades
fora de um estabelecimento social concreto. Mas qualquer estabelecimento social
particular também me “limitaria”.
Não pode ser de outro jeito: a liberdade é somente
possível através da determinação. Por isso devemos ver nossa hereditariedade e
ambiente como fatores alienígenas limitando e nos constrangendo. Devemos “desejar”
nossa determinação – afirmar e tornar próprio da gente. Há algo realmente
liberador sobre isto: sobre afirmar quem somos, e tudo isto tornou possível, e
sabendo de que a liberdade significa se tornar quem você é. A verdade é que somos a causa de nossas ações, nada
mais. E se ser a causa de nossas ações é liberdade, então somos livre. Mas o que nós somos está moldado por muitos
fatores – genéticos entre outros – que não escolhemos.
4.
A Verdadeira e a Falsa Liberdade
Aqui uma objeção óbvia ocorrerá: “Mas se não escolhemos esses fatores que
nos moldam, então não somos livres!” O problema com essa objeção, no entanto, é
que aparece implicitamente a uma concepção de liberdade que é totalmente
fantástica quanto insignificante. Essencialmente, o objetor está assumindo que
nós somos livres somente se podemos escolher e controlar exatamente o quê somos. Mas isso é completamente impossível. Neste
ponto, portanto, temos uma escolha. Se aceitamos o ideal objetor da verdadeira
liberdade, podemos fazer um sacrifício e declararmos como livres. Uma
aproximação melhor, no entanto, seria considerar se poderia haver uma
compreensão mais razoável de ser “livre” e “não-livre”.
Em sua Vocation of Man (1800),
Fichte escreve o seguinte sobre a liberdade:
“Dê
consciência a uma árvore e deixe-a crescer livremente; deixe-a espalhar seus
galhos e trazer folhas, brotos, flores, e frutas peculiares a sua espécie. Ela
certamente não se sente limitada pela circunstância de que isso apenas ocorre
por ser uma árvore, uma árvore de apenas essa espécie e apenas essa árvore em
particular dessa espécie. Ela se sentirá livre porque em todas expressões não
há nada a além do que é demandado pela natureza; ela não desejará nada mais
porque pode somente querer o que sua natureza demanda. Mas deixe seu
crescimento se retardar por tempo ruim, nutrição inadequada, ou por outros
fatores: ela se sentirá limitada e restringida porque um movimento que
realmente está em sua natureza não está satisfeito. Amarre seus livres galhos a
uma grade, imponha galhos alienígenas nela por enxerto: ela se sentirá forçada
a agir de um certo modo. Seus galhos, claro, continuarão a crescer, mas não na
direção que eles teriam tomado se estivessem livres; e ela, depois de tudo,
fará crescer um fruto, mas não o fruto demandado por sua natureza original”.[1]
Em resumo,
a real liberdade significa liberdade de ser o que você é – mas você não tem que
escolher o quê você é, mais que a árvore tem que escolher que é uma árvore, ou
quê tipo de árvore é. Nós somos “não-livres” não como um resultado dos vários
fatores que têm nos moldado para sermos o que somos; somos não-livres quando as
circunstâncias nos previnem de nos tornarmos o que somos. Todos de nós somos
seres determinados de uma ou outra maneira, e o que tem nos dado forma
determinada é um a sorte inteira de fatores que não escolhemos. Não pode ser de
outro jeito. O homem que lamenta o fato de que torna ele “não-livre” é
realmente o homem do qual a liberdade é
ser um nada.
Esse é o
pequeno e sujo segredo da modernidade: o desejo de não ser nada determinado.
Nós modernos queremos acreditar que somos “livres” no sentido de ter a
habilidade, se escolhermos, ser completamente imune ao passado, à
hereditariedade, e, em geral, por qualquer e todas as circunstâncias sociais e
físicas. Nós queremos “ter tudo”. E nós ensinamos nossas crianças que “vocês
podem ser o que quiserem ser”. Nós acreditamos que tais coisas como biologia,
desejos humanos, e a estrutura das sociedades são infinitamente mutáveis e
aperfeiçoadas. Nós consideramos a natureza em si mesma como “uma construção
social”, e sentimos nós mesmos aliviados por qualquer limite de qualquer tipo.
Nós nos revoltamos contra a própria idéia de que nós – e outras coisas –
poderíamos ser algo; algo definitivo,
com limites imutáveis que poderiam impedir nossos desejos.
Mas neste
idealismo há um niilismo profundo e terrível. Ser significa ser algo – algo definitivo. O desejo de ser
nada definitivo é simplesmente o desejo de
não ser. Isso é o incrível telos
da civilização ocidental moderna. Nossa busca por uma falsa liberdade é na raiz
um desejo de nos apagar do mundo; um desejo de morte. A vida é identidade,
definição, forma, ordem, hierarquia, e limite. Aqueles que afirmariam que a
vida deve afirmar todas essas coisas. Nós devemos dizer um grande SIM a todos
que continuam dizendo um grande NÃO à nossa arrogância, uma voz que os modernos
tornaram praticamente surda.
5. Algumas Respostas e Objeções
Essencialmente,
eu argumentei que a escolhe entre “livre-arbítrio” e “determinismo” envolve uma
falsa dicotomia. O que se supõe que nos “determina” (hereditariedade e o
ambiente) não é algo alienígena ou outra coisa que age sobre nós. Ao invés
disso, em um sentido real, é nós
mesmos. Uma vez compreendido, pensaremos que sou livre apenas no sentido de que
meus ator são meus próprios – mas que o que eu sou tem sido moldado e
determinado por toda espécie de coisas que eu não escolhi e não posso
controlar. Somos livres quando somos capazes de agir em nossa natureza e nos
tornar o que somos. A única forma objetável de “determinismo” seriam
circunstâncias nas quais sou prevenido de prosperar; prevenido de atualizar
minhas potencialidades e me tornar o que eu sou.
Pois,
tanto a dignidade humana quanto a responsabilidade moral são preservadas (você
recordará que eu mencionei no início que estes estavam em jogo). Meus atos são
ainda meus próprios, porque todas aquelas coisas que estão ditas a me “determinar”
não são alienígenas ou outra coisa do tipo, mas uma parte do meu ser. Por isso,
não sou meramente o jogador de forças “externas”. Ainda mais, se esse é o caso,
segue que eu e eu sozinho sou responsável por minhas ações.
Eu
argumentei, mais, que o problema do “livre-arbítrio e do determinismo”
realmente surge da falsa concepção do ego – do qual temos construído a idéia de
que a verdadeira liberdade seria um tipo de escolha absoluta, livre de qualquer
influência por qualquer coisa que o ego não escolheu. Eu tentei meu melhor para
banir essa falsa noção de liberdade e do ego. No entanto, isso tende – de várias
maneiras – a rastejar de volta.
Por ora,
eu poderia imaginar alguém objetando contra o que eu argumentei tão longe por
dizer “tudo bem, talvez a verdadeira
liberdade consiste simplesmente em nós tendo a escolha em desejar – ou não
desejar – nossa determinação. E essa escolha, diferente de todas as outras
escolhas é verdadeiramente livre no sentido de que isso não é “imposto” ou
afetado por qualquer fator sobre o qual não possuímos controle”. É tentador
afirmar isto – precisamente porque o ideal do “ego opositor”, o juiz separado,
livre de qualquer constrangimento é tão atrativo. Sartre tem uma concepção
similar de “verdadeira liberdade”: nosso “ego opositor” é absolutamente livre
em negar tudo e qualquer coisa, de uma ou outra maneira. “Autenticidade”
significa reconhecer isto e compreender que nós estamos “condenados a sermos
livres”, enquanto que “má fé” significa renegar essa liberdade, e dizer “eu não
poderia ajudar...”.
Mas eu sou
cético. Todos os tipos de fatores – genéticos e sociais – que determinam ou não
se uma pessoa tem ou não consigo a capacidade de querer ou não querer sua
determinação. Há indivíduos que são constitucionalmente incapazes de querer
suas determinações, porque para eles isso significa derrotar. Significa
complacência, rendição de controle, “liquidação” para o que tem sido mantido
para elas pela natureza ou nutrição. E isso pode ser uma virtude tremenda – mas
não é uma “escolha” que surgiu de qualquer lugar, sem fatores antecedentes ou
influências. Tal atitude pertence a certo tipo de caráter, e caráter nunca é
proposital. (Claro, a pessoa que não afirmará sua determinação não pensa que
essa característica também é algo que nós não escolhemos.)
Alguns
indivíduos afirmarão sua determinação, e outros não. Ultimamente, nós podemos
explicar exatamente o porque alguns
afirmam e outros não. Mas uma coisa é certa: não é o resultado de uma “escolha”
mágica que foi completamente livre de quaisquer fatores ou condições antecedentes.
É uma escolha que flui do tipo de homem que acontece ser – mas que é moldado e
formado pelas coisas miríades que nós não
escolhemos.
A mesma
coisa pode ser dita sobre a “verdadeira liberdade” sartreana como negação. Se
eu tenho ou não vontade de negar – rebelar contra, mudar, ou transformar – o que
a natureza ou a sociedade mantiveram a mim é um problema de caráter. E isso
também é um problema de inteligência. É um fato bem sabido de que pessoas
estúpidas tendem a simplesmente aceitar o que eles mantiveram muito mais
prontamente do que pessoas inteligentes. Pessoas inteligentes são capazes de compreender
de muito mais possibilidades que as pessoas estúpidas, então eles possuem mais
escolhas na vida. Embora, como eu argumentei, muitos fatores determinarão quê
escolha uma pessoa faz de opções das quais elas estão conscientes, não obstante
é verdade que pessoas inteligentes serão capazes de pensar de uma maneira mais
ampla de opções. Claro, a inteligência é uma característica hereditária; nós
não escolhemos o quanto inteligentes somos. O desejo de “negar” o dado é assim
não algo absolutamente “livre” no sentido de ser devido a fatores antecedentes
ou influências: é muito o resultado de traços característicos, influências do
ambiente hereditárias, e QI.
Mais, eu
poderia imaginar alguém se opondo ao que eu argumentei invocando um sujeito
querido ao meu coração: o Caminho da Mão Esquerda. Não é isso tudo se rebelar
contra limites biológicos e sociais? Não é isso “superação de si mesmo”? Minha
resposta para isso é realmente implícita no que tem já sido dito: sim, o
Caminho da Mão Esquerda é todas essas coisas. Mas não é pra qualquer um. Quem
escolheria o Caminho da Mão Esquerda? Somente aqueles que podem. E isto é, de novo, um problema de caráter. “Superação de si
mesmo” é impossível. Tudo o que se pode fazer é pensar ou desenvolver
previamente aspectos do próprio ego. De novo, a liberdade significa se tornar
quem você é.
Eu suponho
que alguém poderia também se opor a tudo que eu escrevi dizendo que soa
horrorosamente fatalista. As pessoas algumas vezes confundem o determinismo e o
fatalismo, e pensam que a posição determinista afirma que tudo que acontece a
nós é “destinado” a acontecer. Mas não é o caso. Apesar de que podemos ser “determinados”,
não significa que tudo que acontece a nós tem sido de alguma forma pré-determinado. Quando eu caminho para
fora da porta pela manhã eu posso encontrar um vendedor para me vender algo –
ou um psicopata a tirar minha vida. Não há nada sobre mim que necessita qualquer um acontecimento. Mas há muito mais
sobre mim que necessita agora reagir
em ocorrência. Em um certo sentido então, sim, se pode dizer que eu “fui
destinado a” agir e reagir de maneira particular.
E isso me
leva ao último ponto que tomarei. Isso tem sido um ensaio filosófico; uma
tentativa em alcançar a verdade sobre livre-arbítrio e determinismo, sem
pressuposições. Mas a posição que eu alcancei neste, que é de fato a posição
Tradicional – e é certamente muito similar à compreensão do destino e destino
pessoal que encontramos especificamente na erudição germânica.
De acordo
a essa tradição, até mesmo os deuses estão sujeitos ao destino. Algumas das
palavras usadas para se referir ao destino incluem o urðr do islandês antigo e wyrd do inglês antigo, ambos que são
relacionados ao werden
alemão, que significa “vir a ser”. Há também o metod do anglo-saxão antigo e o me(o)tod do inglês antigo, que ambos
significam “limite”[measure].
O destino, para nossos ancestrais, é portanto algo limitado a você, e
algo a que você tornar-se-á. O destino não é um “plano” para o indivíduo ou
para o mundo estabelecidas em antecedência: o destino é o que você manterá pela
hereditariedade, pelo passado, e pelas circunstâncias do presente em que você
está inserido. O destino é a “sina” que é lançada para o indivíduo pelas três
Nornas: Urð (“ o que vem a ser”), Verðandi (“o que está vindo a ser”),
e Skuld (“o que deve ser” – dado fatores ou condições antecedentes).
Nota:
1. J.G.
Fichte, The Vocation of Man,
traduzido por Peter Preuss (Indianapolis: Hackett Publishing, 1987), 14-15.
Deveria ser notado que aqui Fichte está tomando uma posição que ele acredita
ser completamente legítima e racionalmente defensível –mas também uma que ele próprio
não confirma. O argumento do texto é complicado.