por Mark Sleboda
Este breve artigo examinará as "Teorias Verdes" ecocêntricas da "Religião Verde Escura" e da "Ecologia Profunda" a partir de uma perspectiva Tradicionalista. Ele não afirma que estes sistemas de crenças devam, de fato, ser considerados "Tradicionalistas", mas vai analisar e comparar seus princípios e crenças básicos com os preceitos do Tradicionalismo com o objetivo de iniciar um diálogo para discutir comunalidades e diferenças entre eles e eventualmente seguir em direção a uma aceitação mútua e síntese.
Este artigo também não examinará o fenômeno relacionado do "enverdecimento" das religiões mundiais mais estabelecidas, como o Cristianismo, o Islã, o Hinduísmo e o Budismo à luz do entendimento e crises ecológicas modernas. Conquanto este permaneça sendo um campo interessante e valioso para discussão e exploração a partir de uma perspectiva tradicionalismo, o tempo e o espaço o precludem desse artigo.
O renascimento das fés e espiritualidade naturocêntricas e o já mencionado "enverdecimento" das religiões mais estabelecidas, institucionalizadas e comuns ocorre no contexto das crises e catástrofes ecológicas globais como resultado estilos de vida, processos, práticas e externalidades destrutivas da modernidade impulsionadas pelo capitalismo global e pelo industrialismo. A ciência ecológica e climática nos conta que como resultado da atividade antropogênica nosso planeta alcançou certos limites planetários que já foram ultrapassados ou que estão em perigo iminente de serem ultrapassados, todos os quais ameaçam não somente a biosfera global mas também por extensão, a própria civilização humana, incluindo aí: mudanças climáticas, acidificação oceânica, esgotamento do ozônio estratosférico, o ciclo do nitrogênio, o ciclo do fósforo, o uso de água doce, o acúmulo atmosférico de aerosol, e a poluição química (Rockstrom, Steffen and others, 2009).
Assim nós temos um cenário no qual um ramo da ciência nos relata que o resto da ciência e a exploração de seus produtos pela modernidade, pelo industrialismo, e pelo consumismo ameaça toda a vida no planeta. Esta é uma preocupação material, é claro, ainda que em uma escala global e existencial, mas ela é também muito mais do que isso. Este é um fracasso espiritual e uma condenação bastante forte e crítica da modernidade e da própria idéia iluminista de "progresso" com seu materialismo acompanhante. Muitos cientistas ecológicos , eles mesmos, estão afirmando que o positivismo puro e a razão falharam com a humanidade como metodologia e que uma nova teoria moral e uma nova metafísica de apoio sobre nosso lugar no universo, uma nova ontologia e espitemologia, são necessárias de modo a lidar adequadamente com as crises e mudar o comportamento público. Assim, eles estão pelo menos se voltando em busca de inspiração de algumas das religiões e crenças espirituais mais antigas para lhes informar sobre um tempo mais primevo no qual a humanidade vivia em harmonia como parte da natureza: o animismo, o xamanismo, e o paganismo dos caçadores-coletores e das civilizações nômades.
O filósofo tradicionalista Seyyed Hossein Nasr disse em Homem e Natureza: A Crise Espiritual no Homem Moderno, que:
"A crise ambiental é tão crítica que é necessário ir rapidamente além do que já foi feito durante as últimas décadas para resolvê-la. O que é necessário é a reexaminação de nosso próprio entendimento do que significa ser humano e do que é a natureza, junto com o estabelecimento da harmonia entre homem e natureza" (Nasr, 2004, p.6).
Bron Taylor, um acadêmico e conservacionista americano, Professor de Religião e Natureza, Ética Ambiental, e Estudos Ambientais na Universidade da Flórida, cunhou o termo "religião verde escura" e a desenvolveu como campo. Ele definiu amplamente a religião verde escura como uma bricolagem de religiões ou conjuntos espirituais de crenças e práticas, caracterizadas por uma convicção central de que "a natureza é sagrada, possui valor intrínseco, e demanda, portanto, cuidado reverencial". Associado com este conceito está uma irmandade nutrida por entidades não-humanas e uma percepção consciente da natureza interconectada e interdependente da vida no planeta. Geralmente, esses sistemas de crenças são profundamente ecológicos, biocêntricos ou ecocêntricos. Religiões verde escuras, via de regra, rejeitam a ontologia e cosmogonia antropocêntricas, bem como a metodologia positivista, e são críticas da modernidade, do materialismo, do consumismo, e das idéias iluministas de progresso humano. Religiões verde escuras adotam uma perspectiva holística ao invés de uma perspectiva individualista atomizada; isto é, elas valorizam populações, espécies, ecossistemas, e a ecosfera como um todo (Taylor, 2010, 45-57). A inclusão por Bron da palavra "escura" como descrição, é uma reflexão do reconhecimento de que como parte de uma natureza sagrada, o homem é tanto predador como presa, um reconhecimento lúgubre da escala e escopo das crises ambientais que nos confrontam, e uma reflexão de que como resultado, a ação revolucionária e o uso de força violenta podem bem ser necessárias para mudar o comportamento de nossas sociedades de modo a salvar o planetar e evitar nosso próprio suicídio civilizacional.
Taylor categoriza quatro formas inclusivas gerais de religião verde escura no milieu ambiental que possuem poder explanatório e interpretativo: animismo espiritual, animismo naturalista, espiritualidade gaia, e naturalismo gaio. Essas categorias incluem nelas sistemas de crença tão tiversos quanto o animismo, o xamanismo, o panteísmo, o panenteísmo, e muitas formas de paganismo e politeísmo antigo, bem como formas mais modernas de espiritualidade naturocêntrica, filosofias, e ativismo ambiental radical. A "Ecologia Profunda", uma filosofia ambiental ecocêntrica moderna com fortes tonalidades espirituais, desenvolvida principalmente pelo filósofo norueguês Arne Naess, também pode se encaixar nessas categorias de "religião verde escura" (Naess, 1989). Obviamente, nem todos estes tipos de religião verde escura correspondem bem com o Tradicionalismo, assim como tampouco todos os ramos do Cristianismo e do Islã correspondem, porém muitos deles, particularmente aqueles informados por tradições antigas, tais como o animismo espiritual correspondem. Portanto, o resto deste artigo focará nesses aspectos mais "tradicionalistas" da Religião Verde Escura em comparação com o Tradicionalismo.
Ainda que um campo diverso e eclético, as características mais vitalmente definidoras do Tradicionalismo são comumente consideradas como incluindo o princípio do perenialismo, da inversão, a necessidade de iniciação, e um foco no esoterismo acima do exoterismo (Sedgwick, 2004).
Em termos de perenialismo, as religiões verdes escuras sustentam que a própria natureza seja sagrada e, de um modo ou outro, divina. Um dos únicos e talvez mais vitais universalismos é a dependência de toda a humanidade em relação a Terra. Não importante o quão dissociados e alienados da natureza nós possamos ser em nossas vidas urbanizadas modernas, no fim todos nós dependemos do mundo natural, da biosfera, como sistema de suporte de nossa vida. Toda a humanidade pode encontrar uma base comum e original na necessidade de manter e viver em harmonia com o mundo natural, tanto por razões espirituais como existenciais. Assim, para as religiões verde escuras, a própria natureza, enquanto universalmente sagrada, garante a base metafísica primordial que subjaz todas as culturas, sociedades, e civilizações, através do que toda a humanidade poderia, portanto, se dizer transcendentalmente unida.
Em termos de "inversão", o princípio de que a maior parte das mudanças e desenvolvimento no mundo ocidental, e que agora se espalharam para o resto do globo através da globalização capitalista, são para pior, o Tradicionalismo e a Religião Verde Escura estão firmemente alinhadas. Ambas consideram que o que é comumente pensado como "Progresso" é em realidade um processo destrutivo. Essa inversão também dá tanto ao Tradicionalismo como às Religiões Verde Escuras seu conteúdo apocalíptico e potencial revolucionário. Porém, a Religião Verde Escura, ainda que compartilhando com o Tradicionalismo estabelecido a concepção de inversão em termos espirituais, também acrescenta a poderosa crítica das crises e catástrofes ambientais, com sua ameaça potencialmente existencial à civilização humana, como mais uma condenação da modernidade. Isso necessita de uma mudança ontológica e da restauração global de uma espiritualidade e metafísica que considerem a natureza como sagrada em resposta.
Em termos de "iniciação", a Religião Verde Escura busca restaurar as práticas das tradições antigas de animismo, xamanismo, e paganismo (as formas mais pós-modernas de Religião Verde Escura, como a espiritualidade gaia, obviamente não preenchem este aspecto do Tradicionalismo). Isso garante rituais e testes de indução em uma corrente de adeptos espirituais indo de volta à encarnações sobrenaturais do mundo natural como expressas através de um plano superior. Essas tradições espirituais são as mais primordiais e antediluvianas das crenças religiosas humanas, datando às primeiras sociedades caçadoras-coletoras, nômades, e às primeiras sociedades agrícolas, quando a humanidade vivia uma existência que era ecologicamente sustentável e majoritariamente em harmonia com a natureza, sua fonte do divino. Aqueles assim iniciados através do contato com espíritos e/ou divindades que encarnam aspectos do mundo natural transcendente, formam uma "vanguarda" ou guias que se assemelham a lojas ou grupos nas fés Tradicionalistas estabelecidas.
Há precedente para essa inclusão de fés xamanistas e animistas em consideração por círculos Tradicionalistas. Frithjof Schuon possuía um intenso itneresse pelo xamanismo nativo americano. Em 1959 e 1963 ele viajou aos EUA para buscar entendimento, diálogo, e eventualmente iniciação com a natureza primordial da religião nativo americana, como manifestação direta da Tradição Primordial em seu "estado mais puro" (Sedgwick, 2004, 148-149).
As antigas tradições da Religião Verde Escura, porém, se deparam com a crítica e hostilidade potencial dos monoteísmos abraâmicos, incluindo acusações de que suas tradições são majoritariamente reconstruções modernas, e assim possuem pouca integridade histórica ou metafísica. Isto é, é claro, irônico considerando o grande número de tradições, rituais, e símbolos que os monoteísmos adotaram e cooptaram das próprias religiões pagãs.
As várias religiões naturais antigas dentro do milieu Verde Escuro, como no Tradicionalismo, possuem cada uma suas próprias dimensões exotéricas tais como ritos religiosos, textos sagrados, e teologia moral e dogmática. Porém, quando a questão do esoterismo das Religiões Verde Escuras é examinado, nós vemos um forte conflito com a maior parte das religiões estabelecidas do Tradicionalismo, a maioria das quais adere a uma ontologia antropocêntrica e estabelecem uma divisão dualista entre Deus e a "Criação", ou natureza (isso é menos problemático em comparação com o hinduísmo e o budismo). Para Religiões Verde Escuras, sua concepção de Deus, ou do sagrado ou divino, é a Criação, unida a ela, ou um aspecto dela. Elas demandam o estabelecimento de uma ontologia ecocêntrica como um credo de fé e um meio de restaurar o equilíbrio sustentável adequado entre natural e sobrenatural. O homem já é considerado como parte da natureza, como o divino, e necessita apenas comungar e viver em harmonia com ela, e, eventualmente, morrer e retornar à natureza sagrada, ao invés de desperdiçar a vida buscando uma fuga para um estado superior de ser. Essa divisão de esoterismo e ontologia entre as Religiões Verde Escuras e as fés Tradicionalistas mais estabelecidas pareceria apresentar uma divisão séria e ponto de diferença em uma metafísica fundamental que deve ser trabalhada através do diálogo antes de que qualquer síntese ou reconciliação possa ocorrer.
Assim, em conclusão, as religiões antigas da natureza dentro da Religião Verde Escura possuem muito em comum com as formas estabelecidas de Tradicionalismo, mais importantemente a rejeição da modernidade e das idéias iluministas de progresso, bem como a busca por um retorno a uma sociedad menos materialista e mais espiritual. A Religião Verde Escura garante uma nova crítica ambiental poderosa da modernidade como inerentemente suicida, ao destruir seu próprio sistema de suporte vital, a natureza. Tendo sido dito isso, permanecem ainda diversas divisões metafísicas e ontológicas básicas que devem ser abordadas pelo diálogo antes que qualquer síntese entre ambas possa ocorrer. Tai diálogo seria, porém, em minha humilde opinião, de muito valor, na medida em que o Tradicionalismo e a Religião Verde Escura possuem muito a oferecer um ao outro como aliados na luta contra a modernidade e o materialismo.