por Alain de Benoist
Quando dois grandes homens - e que grandes homens, em verdade o maior filósofo do século XX e um de seus mais importantes escritores! - correspondem um com o outro, o que eles discutem? Nem sempre grandes coisas: eles também trocam trivialidades e falam de suas publicações, viagens, e procupações triviais. Mas às vezes o tom se eleva. E às vezes ele se torna sublime, como em 1956 quando Jünger consultou Heidegger sobre o sentido exato de uma máxima de Rivarol e recebeu um verdadeiro curso de filosofia, estupefante em profundidade, sobre os conceitos de tempo e movimento.
A correspondência de Ernst Jünger e Martin Heidegger começou em 1949 sobre planos para uma publicação periódica chamada Pallas a ser editada pelo ensaísta Armin Mohler (que foi secretário particular de Jünger de 1949 a 1953). Esse projeto não chegou a fruição - mas subsequentemente Jünger, junto com o historiador de religiões Mircea Eliade, criou outra publicação chamada Antaios. Sua correspondência continuou até a morte de Heidegger em maio de 1976. Publicada na Alemanha em 2008, ela está agora disponível em francês, belamente traduzida, edita, e comentada por Julien Hervier. Ela oferece um tipo raro de prazer.
Foi no ano anterior, ao fim de 1948, que Jünger pela primeira vez se encontrou com Heidegger em sua cabana na floresta de Todtnauberg. Depois ele escreveu: "Desde o início, havia algo - não apenas algo para além da palavra e do pensamento, mas além do próprio homem" (Rivarol e outros Ensaios).
Se estava então no período pós-guerra imediato, um tempo triste e doloroso quando os dois homens eram tratados como se eles fossem radiativos. Jünger, em 25 de junho de 1949, escreveu essa fantástica frase: "No curso dos últimos anos, ficou bastante claro para mim que o silêncio é a mais forte das armas, desde que ele seja dissimulado por trás de algo sobre o que se deve guardar silêncio".
Mais o que é mais notável sobre essas cartas é a diferença de tom entre o filósofo e o escritor. Ambos genuinamente admiravam um ao outro, mas intelectualmente Heidegger dominava completamente seu interlocutor. Jünger não oferece a menor crítica de Heidegger, mas o contrário não é inteiramente o caso.
De fato, Jünger - diferentemente de seu irmão Friedrich Georg Jünger - não possuía uma mente genuinamente filosófica. Ele revela que as obras de Heidegger, sobre as quais ele sabia pouco, às vezes estavam acima de sua capacidade. Em novembro de 1967, ele comentou: "Seus textos são difíceis e dificilmente traduzíveis: assim eu sempre fico impressionado pela influência que eles exercem sobre os franceses inteligentes". Tudo indica que Jünger estava mais impressionado pelo carisma intelectual de Heidegger do que por seu pensamento propriamente falando. Ele também estava mais inclinado a visitar, mais ávido por manter relações com seu contemporâneo. Heidegger era mais relutante em se deslocar, mais apartado da "vida social" - mais preocupado com o essencial. Como Lao-Tsé disse sobre o sábio: "Ele não age, mas ele realiza".
Heidegger, ademais, disse explicitamente que em seus olhos Jünger não era um "pensador" (Denker). Ele era um homem que teorizava com base em sua experiência, no que ele viu e viveu (começando por suas experiências nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial), mas não a partir do que apenas pode ser pensado. Jünger, em outras palavras, tinha idéias mais do que pensamento. Ele era um "Erkenner", um homem que "reconhece", mais preocupado com abrir uma "nova ótica" do que com chegar a "novas verdades". É por isso que Heidegger escreve:
"Ele não possui a menor idéia sobre o que ocorre na 'objetificação' do mundo e do homem. Basicamente seu conhecimento permanece psicológico e moral... Ele sempre permanece dentro da metafísica... Porque Jünger não vê o que é singularmente 'pensável', ele considera a consecução da metafísica como a essência da vontade de poder como amanhecer de uma nova era, enquanto ela constitui apenas um prelúdio para a decrepitude rápida de todas as inovações recentes, destinadas a desabar no ennui de um nada de insignificância que incuba esse abandono do Ser que é próprio aos entes".
Linguagem difícil? Há mais.
Heidegger, em qualquer caso, esteve interessado em Jünger por um longo tempo. Em 1932, seu O Trabalhador, o grande livro teórico do veterano do fronte, chamou a atenção de Heidegger como poucas outras obras. Durante o semestre de inverno de 1939-40 na Universidade de Freiburg, Heidegger até mesmo devotou todo um seminário a esse livro. Os textos que ele escreveu sobre Jünger, reunidos em um volume de quase 500 páginas publicados na Alemanha em 2004 (volume 90 de suas obras completas, ainda em curso de publicação por Vittorio Klostermann!), testemunham eloquentemente.
Em Jünger, Heidegger admirava alguém que havia compreendido o mundo baseado na vontade de poder e havia esclarecido o papel desempenhado pela tecnologia nessa perspectiva. A Figura do Trabalhador está de fato presente no mundo na forma de poder. É pela Figura do Trabalhador que a Tecnologia, como máquina e instrumento, faz emergir a "mobilização total". Em uma referência direta a O Trabalhador Heidegger escreveu: "O trabalho...hoje se eleva ao nível metafísico dessa objetificação incondicional de todas as coisas presentes, que implementa seu ser na vontade de vontade" (Vorträge und Aufsätze).
Heidegger era um leitor admirador de Jünger, mas também um crítico. O diálogo que os dois homens mantinham, às vezes indiretamente, prova isso sem ambiguidade. O melhor jeito de apreciar o que os separa é ler de cabo a rabo os textos que eles dedicaram um ao outro em seus respectivos aniversários de 60 anos: o "Sobre a Linha" de Jünger (Über die Linie), (1950) e "Sobre 'A Linha'" de Heidegger (Über "die Linie") (1955). Ambos os textos dizem respeito à essência da tecnologia moderna e à luz que ela lança sobre o conceito de niilismo. É notável que Nietzsche constitui o eixo central do diálogo entre Heidegger e Jünger.
Em seu texto de 1950, Jünger em efeito toma o pensamento de Nietzsche como o ponto de partida para uma tentativa de avaliação do niilismo contemporâneo. Ele conclui com um tipo de otimismo de que o pior já passou. O mundo contemporâneo, ele diz, já passou do "ponto zero", i.e., o divisor de águas do niilismo, enquanto Heidegger afirma, ao contrário, que este mundo está mais do que nunca imerso no "esquecimento do Ser" do qual é impossível escapar a não ser que se abandone a linguagem da metafísica ("a linha zero, na qual a realização alcança seu fim, é no fim das contas a menos visível de todas").
Sem entrar muito em detalhes abstratos, uma resenha é necessária aqui. Nos dois volumes reunindo seus cursos sobre Nietzsche (1936-46), Heidegger afirma que ainda que o autor de Assim Falou Zaratustra feche o círculo da metafísica ocidental, não obstante ele permanece preso nela. A vontade de poder, em seus olhos, é apenas a "vontade de vontade", i.e., subjetividade exacerbada (é uma "vontade de si mesmo", uma vontade que depende de si ao mesmo tempo que é posta como seu próprio objeto). A época moderna de decadência é aquela do cumprimento da metafísica na forma da metafísica da vontade, da qual Nietzsche é o último representante. Para Nietzsche, basicamente, "poder e vontade possuem o mesmo sentido". Heidegger convida Jünger a pensar para além da metafísica nietzscheana da vontade de poder, a metafísica moderna da subjetividade da qual ele continua a depender.
Heidegger não tem senão a mais elevada opinião de Nietzsche. E de Jünger. Ele apenas o convida a pensar além. Ernst Jünger, se deve enfatizar, é um dos raros autores com os quais Heidegger concordou, após 1945, em manter diálogo contínuo, o que certamente significa algo.
Para o aniversário de 80 anos do autor de Em Tempestades de Aço, Heidegger enviou essa mensagem a ele: "Permaneça com o espírito luminoso de decisão que você sempre demonstrou na maneira bastante distinta pela qual você fala". O tipo de observação que se imagina seria muito mal expresso pelas mensagens de texto ou e-mails de hoje.