por Slavoj Žižek
A visão politicamente correta encena uma estranha inversão do ódio racista à Alteridade; ela representa um tipo de negação/superação da rejeição e do ódio abertamente racistas ao Outro, da percepção do Outro como o Inimigo que constitui uma ameaça ao nosso modo de vida. Na visão politicamente correta, a violência do Outro contra nós, por mais deplorável e cruel que seja, é sempre uma reação contra o “pecado original” da nossa rejeição e opressão (do homem branco, imperialista, colonialista) da Alteridade. Nós, homens brancos, somos responsáveis e culpados, o Outro apenas reage como uma vítima; nós temos de ser condenados, o Outro tem de ser compreendido; nosso domínio é o da moral (condenação moral), enquanto o dos outros envolve a sociologia (explicação social). Naturalmente é fácil discernir, por trás da máscara de extrema auto-humilhação e admissão de culpa, que essa postura de verdadeiro masoquismo étnico repete o racismo em sua própria forma: embora negativo, o famoso “fardo do homem branco” ainda está aí – nós, homens brancos, somos os sujeitos da História, enquanto os outros, em última análise, reagem às nossas (más) ações. Em outras palavras, é como se a verdadeira mensagem da culpa admitida pelos moralistas politicamente corretos fosse: se não podemos mais ser o modelo de democracia e de civilização para o resto do mundo, pelo menos podemos ser o modelo do Mal.
Slavoj Žižek - "Em defesa de causas perdidas"