28/09/2011

O Papel da Alemanha contra a Técnica

por Martin Heidegger

Essa Europa, estando num estado de cegueira incurável, sempre pronta para se apunhalar a si mesma, encontra-se hoje na grande tenaz, encurralada entre a Rússia de um lado e a América do outro. A Rússia e a América, consideradas metafisicamente, são a mesma coisa; a mesma fúria desolada da desenfreada técnica e da insondável organização do homem vulgar. Quando o recanto mais remoto do globo tiver sido conquistado pela técnica e explorado pela economia, quando um qualquer acontecimento se tiver tornado acessível em qualquer lugar a qualquer hora e com uma rapidez qualquer, quando se puder “viver” simultaneamente um atentado a um rei na França e um concerto sinfônico em Tóquio, quando o tempo for apenas rapidez, momentaneidade e simultaneidade e o tempo enquanto História tiver de todo desaparecido da existência de todos os povos, quando o pugilista for considerado o grande homem de um povo, quando os milhões de manifestantes constituírem um triunfo – então, mesmo então continuará a pairar e estender-se, como um fantasma sobre toda esta maldição, a questão: para quê? – para onde? – e depois, o que?

O declínio espiritual da terra está tão avançado que os povos ameaçam perder a sua última força espiritual que [no que concerne o destino do “Ser”] permite sequer ver e avaliar o declínio como tal. Esta simples constatação nada tem a ver com um pessimismo cultural, nem tão-pouco, como é óbvio, com um otimismo; pois o obscurecimento do mundo, a fuga dos deuses, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odienta contra tudo que é criador e livre, atingiu, em toda a terra, proporções tais que categorias tão infantis como pessimismo e otimismo já há muito se tornaram ridículas.

Encontramo-nos entre os tenazes. O nosso povo, estando no meio, sofre a maior pressão das tenazes, é o povo com mais vizinhos e por isso mais ameaçado, sendo assim o povo metafísico. Mas essa determinação, da qual temos toda a certeza, só poderá ser transformada em destino quando o povo criar uma ressonância em si próprio, uma possibilidade de ressonância para essa determinação, compreendendo a sua tradição de um modo criador. Tudo isto implica que este povo enquanto povo histórico se coloque a si mesmo e, com isso, a História do Ocidente, fora do centro dos seus futuros acontecimentos, repondo-se assim no domínio originário dos poderes do Ser. É que, se a grande decisão sobre a Europa não deverá precisamente ser tomada por via da destruição, só poderá então ser tomada por via de um desenvolvimento de novas forças histórico-espirituais a partir do centro.

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Martin Heidegger - "Introdução à Metafísica"