19/12/2010

Espírito Prussiano

por Gunther Bardey

Em 25 de Fevereiro de 1947 uma decisão pela Comissão Aliada de Controle em Berlim declarou a liquidação do Estado da Prússia. Como justificativa para essa decisão foi afirmado que ela havia sido tomada segundo os interesses da paz, já que a Prússia havia sido a fonte do militarismo no mundo. Desde esses tempos o conceito de Prussianismo tem sido difamado na Alemanha como nenhum outro jamais foi. Os alemães que tomaram a frente nessa auto-acusação são muito naturalmente aqueles que haviam sido apontados pelos Estados vitoriosos à posições responsáveis nas novas províncias. Não há discussão: a idéia de Prussianismo não é nem atacada nem defendida, mas ignorada. Nacional Socialismo, militarismo e neo-fascismo foram atacados, mas a palavra “Preussentum” foi simplesmente varrida da língua alemã “reeducada”, e não mencionada. A Prússia devia ser considerada morta. Mas estaria a velha Prússia realmente morta? A resposta é que ela vive no indivíduo. Ela possui o valor de um estilo de vida, o que Prussianismo tem sido no mundo, desde que sua idéia foi pela primeira vez deliberadamente inculcada.

Até no exterior, quando alguma personalidade se torna proeminente entre seus associados por seu senso de dever, seu amor pela ordem e sua austeridade é dito dele até hoje que “ele é quase um Prussiano”. (Esse título de honra foi dado por um jornal americano ao General Lucius D. Clay, por seu trabalho como comandante militar em Berlim.)

A idéia do Prussianismo penetrou profundamente na consciência do mundo, porque as virtudes da ética Prussiana eram na verdade virtudes que são buscadas por outros Estados e povos; enquanto na Alemanha há hoje apenas umas poucas pessoas que tem um conceito claro sobre ela, já que suas virtudes não são aquelas consideradas atraentes em um modo pseudo-democrático de vida. A Prússia tem que estar morta! Esse é o desejo daqueles políticos que não percebem que um conceito ético não pode ser destruído pela violência. 



O que, então, é Prussianismo?

Enquanto alguns viam na Prússia um Estado similar a outros Estados, outros a consideravam como a base de sua existência. Enquanto alguns elogiavam a lei e a ordem Prussianas, outros condenavam o militarismo Prussiano. E essa última foi a única definição de Prussianismo que os vencedores e seus pretorianos usaram, sem qualquer exame real dos fundamentos de seu julgamento, em Potsdam, em Nuremberg e em 25 de Fevereiro de 1947 em Berlim. E desde então tem havido silêncio.

Nessa conexão, porém, deve ser de interesse voltarmos nossa atenção para aquele conceito de militarismo que é descrito como “Prussiano”. É um slogan; e nenhuma definição clara ou não ambígua do que significa jamais foi dado. Dificilmente vale a pena examinar que propagandas irresponsáveis e demagogias foram enfiadas no conceito do chamado “Militarismo Prussiano”. Se, porém, alguém entendo militarismo como sendo a autoridade absoluta de uma casta militar, então pode-se responder que jamais houve um domínio absoluto de soldados profissionais nem na Prússia ou na Alemanha.

O Major General Hans von Seeckt escreveu em 1929 sobre esse tema do militarismo o seguinte comentário, que ainda é válido atualmente: “A França orgulhosamente treina seu povo como uma nação armada. Não seria isso militarismo? E a América, que tão conscienciosamente hasteia a bandeira da paz, ensina em suas universidades – isso é um fato – a arte da guerra para futuros oficiais, recruta a juventude educada para os corpos de oficiais, e prepara sua indústria para a mobilização. Eu gostaria de chamar isso de patriotismo, mas aqui em casa é chamado de militarismo.”

A Prússia, porém, não representa apenas um Estado, mas também um princípio, e Prussianismo é uma ética viva. Assim como uma filosofia só pode ser explicada segundo seus princípios, assim também uma ética é justificada pelas virtudes que ela produz. 



O Estado da Prússia fazia demandas particularmente severas do indivíduo, assim como requisitava que seus Reis fossem os primeiros servos do Estado. O sentimento Prussiano pelo Estado não era nem ideológico nem metafísico; ele expressava a si mesmo acima de tudo como um conceito ético. Apenas a capacidade era valorizada, não a intenção; sucesso não era o critério, mas realização. Deveres ao Estado não era realizados pelo auto-interesse, mas pelos mais elevados motivos de serviço. Jamais houve, em qualquer Estado, um serviço civil mais pobre e mais auto-sacrificante, mas no passado era uma grande honra estar a serviço da Prússia.

Deve ter havido algum mistério em um Estado que não tinha nada a oferecer a não ser os frutos amargos do dever, e ainda assim em cujo serviço números sem fim de pessoas extremamente hábeis e talentosas se sacrificaram – pessoas de todos os outros países alemães e mesmo de toda a Europa. Eles se tornaram Prussianos por sua própria vontade, através de sua aceitação do dever de serviço. Eles vieram, de fato, à Prússia para viver uma vida de serviço, pois eles não poderiam viver sem deveres à realizar e um propósito superior diante deles, como Hermann Hesse expressou.

Quem eram eles, e de onde vieram? Moltke e Blücher haviam nascido em Mecklemburg, Ernst Moritz Arndt era um Sueco e Keyserlingk era um Balto; de Nassau veio Freiherr von Stein, Gneisenau e Hegel era Suábios e Lentulus era Suíço. Havia os saxões Scharnhost, Grolmann e Hardenberg; Marechal Keith era escocês e Corbierre um francês. E o que moveu os muitos nobres independentes, cujos pedigrees eram mais velhos e cujas honras imperiais maiores do que as dos Reis Prussianos, à servir na Prússia? Por gerações os Duques de Brunswick e Mecklemburg, a nobreza da Turíngia e de Anhalt, escolheram servir o Estado Prussiano. Eles ofereceram suas vidas não pelo Rei da Prússia, mas pela ética do dever. Assim todos eles se tornaram o que eles não puderam por nascimento, Prussianos através da devoção ao dever. 



Foi apenas na Prússia que Kant pode desenvolver sua filosofia do dever que deu ao desenvolvimento mental dos séculos 18 e 19 uma nova direção que se tornou a base fundamental de nossas conquistas científicas. O imperativo categórico de Kant deu ao sentido prussiano de dever sua expressão fundamental, e consolidou o conceito de Prussianismo de uma vez por todas. Sua máxima filosófica: “ Age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.”, continha pela primeira vez o conceito de agir em acordo com o dever puro. Quando o Rei Frederico escreveu: “Não é necessário que eu deva viver, mas é necessário que eu deva cumprir meu dever”, a máxima teórica do filósofo foi elevada pelo estadista ao princípio geral do Estado.

Só é pode compreender a ética do Prussianismo quem estiver preparado para subordinar a si mesmo a essa princípio do dever, e não fugir em busca de segurança, para sua própria lareira que ele então defenderá com cadeado duplo. Aquele que está preparado para servir alcança honra e honra tem sido desde tempos imemoriais o atributo humano maior e mais custoso.

Parece quase lendário hoje, como homens e mulheres prussianos avançaram para assumir responsabilidades nos dias mais negros do Estado. Em tempos em que as pessoas responsáveis tinham tudo a perder e nada a ganhar, quando Reis Prussianos foram reduzidos à mendigos, os melhores elementos do Prussianismo ofereceram a si mesmos com um fanático entusiasmo em assumir responsabilidade pelo Estado e fazer o juramento: “Aquele que jurou sobre a bandeira prussiana não possui mais nada dele próprio”

Essa consciência de responsabilidade a tudo abarcava. Ela não estava limitada ao cumprimento consciencioso do dever, ou a responsabilidade em relação ao Rei da Prússia. Ela se estendia acima de tudo àquelas pessoas que estavam na mesma linha de dever. 



O prussiano se sentia responsável por seus amigos e colegas, ele chamava para si mesmo responsabilidade em relação àqueles abaixo dele assim como aos seus superiores. E como os prussianos não consideravam isso um direito mas um dever moral, foi possível para o Marechal Hans Christoph von Schwerin retirar seu Monarca do campo de batalha de Mollwitz, e estar preparado para assumir responsabilidade por essa ação diante do Estado Prussiano.

Nisso surgiu a partir desse sentimento de responsabilidade o que nós podemos descrever como coragem civil. Como em nenhum outro lugar, orgulho viril no trono real existia na Prússia. Por que isso era reconhecido por todos, e todo mundo sentia que ela brotava de um profundo senso de responsabilidade, foi possível ao jovem Seydlitz responder ao seu Rei no campo de batalha de Zorndorf, quando uma ordem prematura de atacar havia sido dada: “Diga a sua Majestade que minha cabeça está a sua disposição após a batalha, mas eu lhe peço que faça uso dela agora como servirá melhor a seu propósito”. Isso não era motim mas a mais pura e elevada responsabilidade, que pessoas subordinadas destinavam voluntariamente e conscientemente à uma causa. Enquanto houver pessoas que alegremente sacrificam seu bem estar pessoal por seu senso de responsabilidade, a Prússia continuará a existir.

O conceito de modéstia está inextricavelmente ligado com o Prussianismo, como formulado no conselho do Conde Schlieffen, “Conquistem muito, mantenham-se discretos, sejam mais do que aparentam ser”. O país não pode se gabar de montanhas alta, costas banhadas pelo Sol e vales agradáveis repletos de córregos borbulhantes. Ninguém pode dizer que as florestas de pinheiros e bétulas e as charnecas arenosas não são bonitas. Mas essa beleza da paisagem Prussiana não exibe a si mesma, ela é acanhada. Então aqui também a paisagem formou caráter humano, e como o povo teve que aceitar essa terra dura e silenciosa, eles inconscientemente adquiriram sua modéstia. 



Muito foi dito sobre a simplicidade dos quartéis e departamentos governamentais prussianos, sobre a falta de decoração dos palácios e casas de campo, mas nelas viviam prussianos. Aqui, onde a única decoração era uma foto de um rei morto, o serviço era satisfatoriamente dado. Nessas salas vazias e simples mais trabalho era feito, mais serviço era dado, do que nos mais magníficos ministérios e palácios do resto do mundo. Aqui batia o coração da Prússia, não nos campos de batalha, onde era preparado sem questionar para sangrar até a última gota.

Nessa modéstia prussiana duas outras coisas estavam escondidas, que vestiam o servo do Estado com um Mythos peculiar: honestidade e clareza. Honestidade do coração e clareza da alma. No século 18, a era dourada dos aventureiros nobres ou plebeus, o prussiano agarrava-se ao seu dever. Nas listas “famosas” de aventureiros europeus não há nomes prussianos. Eles também não podem ser achados nos círculos de sonhadores políticos, militares, comerciais e científicos, “os fazedores de projetos”, como o grande Rei os chamava, que conhecia bem essa categoria de Cagliostro a Voltaire.

O oficial prussiano preferia ter seu dedinho, não, toda sua mão, arrancada, antes que ele usasse um único instrumento do serviço real para seu próprio benefício. O mais jovem oficial na Prússia preferia sentira fome por semanas do que pegar um único centavo dos fundos de manutenção do Rei como “empréstimo”.

A Prússia mantinha o domínio da legalidade; não havia polícia secreta do Estado, e certamente nenhuma inquisição de ordem espiritual ou mundana. Justiça era justiça e injustiça era injustiça, e entre os dois não havia nada a não ser o senso moral no indivíduo e a autoridade moral do Estado sobre o indivíduo. O que é tão comumente considerado como a conquista do revolucionário século 20 era realidade na Prússia – a igualdade dos cidadãos diante da lei. Apenas lá as palavras orgulhosas poderiam ser ditas: “Sua Majestade, há ainda a Suprema Corte.” 



O aristocrático oficial prussiano von Schlubhuth foi enforcado em praça pública, porque ele colocou diante de seu Rei um registro falso dos impostos adquiridos na Prússia Oriental.

Essa justiça era absoluta e onipresente, e estava expressa no “Codex Fredericianus” do Chanceler Freiherr Samuel von Cocceji. Esse código de Direito Prussiano é pouco estudado hoje, e acima de tudo as palavras escritas pelo próprio Rei em sua introdução, que ele deu como motivador principal a seu grande Chanceler: “Onde fala a lei, o próprio soberano deve permanecer em silêncio.”

Essa justiça absoluta brotou a tolerância, que também tinha seu lar na Prússia. O grande Rei disse: “Em meu Estado todo mundo pode ser feliz a sua maneira”, e essa era a garantia da liberdade de espírito; Lorde Michell escreveu em suas memórias que o cidadão na Prússia tinha assegurada mais liberdade do que em qualquer outro Estado. Era apenas através dessa justiça absoluta que o trabalho de Immanuel Kant foi possível, já que ele assumiu com antecedência a liberdade de espírito.

Essa tolerância fez da Prússia um santuário aos olhos daqueles perseguidos por suas crenças religiosas na Europa. Dezenas de milhares de Huguenotes orgulhosos adentraram a Brandenburgo do Grande Eleitor. Aqueles que foram expulsos de suas casas em Salzburgo buscaram paz e liberdade na Prússia do Rei Soldado, enquanto décadas depois vários livre-pensadores da Europa fugiram da Inquisição dos monarcas Católicos para a mesa de Frederico. Nunca houve guerra de religião na Prússia, e ministros e generais Católicos prestaram serviço leal a esse Estado Protestante.

Nem na Silésia, nem na Prússia Oriental foi uma única pessoa colocada em desvantagem devido a suas crenças religiosas, ou expulsa do serviço do Estado e assim privada de sua proteção. Ao contrário, essas minorias Católicas estavam sob proteção especial do Rei, enquanto obedecessem as leis do Estado. 

Mas se um deles infringisse as leis, então, fosse ele Príncipe Bispo de Breslau ou um pastor reformista em Halle, ele experimentava a espada afiada da justiça. A escolha de crença religiosa era deixada inteiramente para a decisão do indivíduo – o reconhecimento do Estado, porém, colocava todos sob o domínio da lei. Então entre o Estado e a Religião estava a espada da justiça, e mesmo os livre-pensadores céticos de Sans Souci teriam considerado a mistura de Cristianismo e política um ato de sacrilégio.

Como a liberdade pessoal e espiritual eram garantidas na Prússia, uma verdadeira ordem social pode surgir sobre essa base no Estado Prussiano. Pode parecer paradoxo para as pessoas hoje, quando os termos “Prussiano” e “Social” são colocadas em um relacionamento tão próximo, e ainda assim está no motto dos Reis Prussianos “Suum cuique” um reconhecimento mais verdadeiro de uma ordem social justa do que no slogan político “igualdade para todos”. Uma ordem social só pode vir à existência onde um sistema de justiça para todos existe, e só pode ser efetivo onde os deveres e direitos do povo são regulados através de seu serviço à comunidade – ou seja, ao Estado. Onde leis emergenciais e direitos especiais são promulgados de modo a criar uma ordem social isso estará natimorto, e ali surgirá seu oposto inevitável – a tirania da compulsão social.

Assim como não pode haver Europa sem Alemanha, também não pode haver Alemanha sem Prússia. Alemanha, fragmentada em quatro partes arbitrárias, nenhuma das quais podendo reivindicar o título de um Estado, não pode ser mantida sem o Ethos chamado Prussiano. Independentemente do quanto possa ser dito e escrito nas várias partes de nosso país sobre reconstrução e o começo de uma época nova e melhor, deve-se lembrar nas horas silenciosas de contemplação as palavras de Georg Stammlers sobre a Prússia, quando ele disse: - “Não há avanço sem sacrifício, e a grande palavra que cria Estados é SERVIÇO. Servir – não à humanidade, mas ao propósito, pois a humanidade é o propósito.” 

Aqueles que crêem que seus direitos tem preferência sobre seus deveres, aqueles que colocam seu ego acima da Nação, podem tomar nota de outro dito, cunhado nas horas mais negras do destino pelos soldados prussianos na fortaleza prussiana de Kustrin: - “Ninguém será esquecido, cada um receberá sua parte: um ganhará a coroa de louros, o resto o carro fúnebre.” 
Traduzido por Raphael Machado