por Diego Fusaro
(2024)
O capital, em sua lógica de desenvolvimento, tende, no final, a entrar em conflito com os limites dentro dos quais se desenvolveu durante a Era Moderna. O ano de 1989 inaugura uma época que se celebra em tempo real como marcada pelo fim dos muros e das fronteiras; isso porque, parafraseando Marx, para o capital toda fronteira se torna, cedo ou tarde, um muro que deve ser derrubado.
A lógica do capital é tal que a própria fronteira, enquanto figura espacial da ontologia do limite, é um inimigo a ser derrotado; por isso, o capital não consegue distinguir entre muro e fronteira, e precisa combater ambos como figuras indistintas da resistência à sua própria invasão. Todo limite material (como a fronteira) e imaterial (como a ética da justa medida) acaba sendo ultrapassado, de modo que se anule qualquer linha divisória entre o que é interno e o que é externo ao ordenamento capitalista mundializado e ao "continente invisível" das finanças globais. Contextualmente, ocorre uma desconstrução das fronteiras conceituais e dos limites simbólicos (o que se manifesta, entre outras coisas, na evaporação pós-moderna da linha divisória entre jovens e velhos) e uma aniquilação até mesmo das fronteiras naturais (como a que existe entre homens e mulheres e, cada vez mais, entre humanos e animais – o "antiespecismo"). O próprio pensamento binário parece estar em crise, fundado como está na distinção irredutível entre diferentes.
Segundo os parâmetros marxianos recolhidos nos Grundrisse, «o capital deve lutar para derrubar toda barreira espacial às relações, como, por exemplo, ao intercâmbio, e conquistar o mundo inteiro para o seu comércio». Ou seja, deve unificá-lo sob o signo da forma-mercadoria e do nexo utilitarista entre mônadas kantianamente "insociavelmente sociáveis" e leibnizianamente "sem janelas". No plano simbólico, a práxis da invasão capitalista se legitima por meio da subcultura da narrativa hollywoodiana no border e pela convergente demonização integral da própria ideia de fronteira, de limite e de medida. Essa ideia, em todas as suas possíveis declinações, é apresentada como inevitavelmente autoritária e excludente, com a remoção integral de seu valor protetor como defesa de direitos contra a ofensiva da violência globalista.
Segundo a lógica dual e polemológica da sociedade alienada, o agressor mundial-capitalista, que se determina por meio da invasão, vê nos limites e nas fronteiras obstáculos que precisam ser derrubados para permitir a invasão do território escolhido para sua ação predatória. Aqueles que são vistos como obstáculos pelo agressor deveriam, em rigor, ser saudados como proteções por parte do agredido. Em outras palavras, a presa deveria valorizar as proteções que o predador detesta. E, no entanto, ela tende também a combatê-las como obstáculos, pois seu imaginário foi colonizado pelos mapas categóricos de seu próprio inimigo de classe, graças ao trabalho zeloso da classe intelectual complementar. O segredo está em estender, de forma contínua e com uma operação puramente ideológica, as categorias de muro às de fronteira, para assim poder apresentar e promover a luta contra a segunda como base imprescindível para a luta contra o primeiro.
Evidentemente, esse sofisma ideológico nunca especifica que o muro é a perversão da fronteira ou, até mesmo, que a fronteira é a única garantia de uma relação entre identidades que não degenere em opressão pelo muro ou – e este é o ponto central – pela invasão. O pensamento único, politicamente correto e eticamente corrupto, nunca explica que: a) muro e invasão são duas modalidades diferentes de opressão; e b) a fronteira, enquanto garantia exclusiva de uma relação entre livres e iguais, é a única base para combater ambas as formas de opressão.
Isso esclarece, além disso, outra paradoxa: se a propriedade, como lembra o Contrato Social de Rousseau, se baseia na dinâmica da expropriação por meio de cercas, a invasão, por sua vez, não representa o fim dessa cerca e, portanto, da propriedade. Pelo contrário, é a destruição do limite necessário à apropriação para que ela possa expropriar aquilo que ainda não foi apropriado, seguindo a dinâmica do limes que avança e, assim, inclui o que ainda não está incluído.
Como sabemos, a trilha hermenêutica do Contrato Social de Rousseau já era respaldada pelo Segundo Tratado sobre o Governo Civil de Locke (1690), onde, com o homo oeconomicus, toma forma a ideia de propriedade cercada: o homem – escreve Locke – "com seu trabalho cerca, por assim dizer, substituindo a propriedade comum". Foi Marx, após Rousseau, quem nos chamou a atenção, no capítulo vigésimo quarto do primeiro livro de O Capital, para o fato de que a história real não conhece nada da narrativa edulcorada e, por vezes, mística dos liberais, segundo a qual a origem do capital seria uma transação pacífica entre vendedores livres (“Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham”); pelo contrário, o capital chega ao mundo por meio da imensa violência da “acumulação primitiva” e, portanto, da apropriação mediante exclusão, seguindo aquela lógica descrita diretamente também por Thomas More. A acumulação primitiva, no contexto de O Capital, também pode ser justamente entendida como um "cercamento primitivo", fundamentada na prática brutal dos enclosures e das expulsões de terras comunais, segundo o que o próprio Marx denominava com mordaz sarcasmo "forma parlamentar de roubo".
Os Bills for Inclosures of Commons são, nesse caso, os decretos pelos quais "os proprietários de terras se presenteiam, como propriedade privada, com as terras públicas; decretos de expropriação do povo". A moderna propriedade privada nasce em simultâneo com os muros e cercas que a delimitavam por exclusão e expulsão, ou seja, pelo despojo irreversível de terras que, até então, eram consideradas um bonum commune. O próprio Marx, aprofundando um caminho hermenêutico que Foucault seguiria com sucesso, destaca como o cercamento das terras comunais e a reclusão forçada dos excluídos ocorrem simultaneamente, desde as workhouses até o "grande encarceramento" (grand renfermement), como poderíamos definir com a gramática foucaultiana.
Não devemos esquecer, além disso, que o único muro experimentado por Paris (le mur murant Paris rend Paris murmurant – "o muro que muralha Paris torna Paris murmurante") era de caráter econômico e fiscal, pertencente aos fermiers généraux, aos banqueiros e aos homens das finanças. Com quase quatro metros de altura e vinte e quatro quilômetros de extensão, o muro erguido em nome do sistema fiscal da cidade, entre 1784 e 1788, era uma autêntica barreira de pedágio, com o objetivo explícito de impedir a fuga de sonegadores de impostos. Essa referência impressionista à gênese do capital nos permite lançar luz sobre como a tendência atual da globalização mercantilista não abandona a prática dos muros, coessencial à lógica da propriedade privada, mas a estende e impõe ao mundo inteiro, por meio de sua própria invasão ilimitada: deslocando cada vez mais longe o próprio limes, a globalização hiperliberal engloba o mundo inteiro no sistema dos novos enclosures, ativando a dupla dinâmica da openness e do confinamento murista.
Não parece, então, convincente a tese daqueles que sustentam, de forma unilateral, que "o imperativo de derrubar os muros está perdendo a confrontação dialética para a ‘mentalidade de fortaleza’". Na realidade, as duas tendências – ao confinamento murista e à invasão financeira – coexistem como expressões antitéticas da mesma dinâmica de colonização capitalista do planeta.
Poderíamos, então, aventurar-nos a argumentar que a globalização, corretamente entendida, não anula a fronteira enquanto tal: pelo contrário, aniquila o finis para impor a lógica invasiva do limes. Este último, como foi destacado, não se opõe à invasão, mas é mais uma expressão dela, aparecendo como um limite provisório, talvez até em formas muradas, que é prelúdio de novas e cada vez mais radicais invasões. Se o finis preserva os espaços das identidades e das soberanias, o limes indica o avanço de uma única soberania e de uma única identidade que tendem, com movimento gradual e incessante, a saturar todo espaço disponível. O finis aspira a perdurar; o limes, por sua vez, tende a se extinguir, uma vez que todo espaço disponível tenha sido anexado e, portanto, nada externo tenha sobrevivido ao próprio limes.
O capital atua dividindo espaços e tempos e, sucessivamente, superando sua própria divisão (entre Ocidente e barbaricum, entre progresso e atraso). À primeira violência, a de excluir pela força, segue-se a segunda violência, a de impedir que o excluído não seja englobado e assimilado. Assim como o criminoso não interioriza a noção de limite, o capital também não o introjeta e, além disso, o combate, baseando-se em sua lei do mais forte economicamente enobrecida: impor limites e fronteiras equivaleria a obstruir sua pulsão anômica à desmesura.
Em Glebalizzazione (2019), propusemos chamar de «inglobalização» a dinâmica de neutralização inclusiva com a qual o capital, deslocando incessantemente seu próprio limes, obriga cada povo a abandonar as fronteiras de sua própria identidade e de sua própria cultura, em nome do que Sloterdijk denomina «o ingresso no espaço homogêneo» do mundo unificado sob o signo da coisificação. O capital, com seu limes em movimento, não exclui os «bárbaros», mas, «generosamente», os exorta a superar o limiar da humanidade, acessando o «reino da civilização» formatada pelo mercado.
Dessa forma, também se infere nitidamente o caráter do limes próprio da globalização e de seu duplo movimento de invasão mercantil e confinamento murista. Historicamente, desde a época dos antigos romanos, o limes quase sempre representou a figura da «fronteira como abismo»: o limes, de fato, era subjetivamente percebido e ideologicamente justificado como uma barreira de separação entre a civilização e o elemento barbaricum genericamente entendido; este último, na era da globalização das barras e estrelas, tende cada vez mais a ser apresentado como o barbaricum dos anacronismos, ou seja, das ditaduras, da regressão, do fundamentalismo religioso e dos regimes autoritários não liberais.
Com isso, não apenas se justifica retoricamente o próprio limes como uma fronteira intransponível, frequentemente materializada e verticalizada na forma de muros, mas também – e essa é a questão – a dinâmica unidirecional de invasão por parte da área que se autoidentifica com a civilização e o progresso; e que, eo ipso, teve o cuidado de se apresentar ao mundo inteiro como depositária de uma missão especial de ordem civilizadora, englobando, mediante o deslocamento unidirecional do limes, aquilo que ainda não foi invadido ou, melhor, anexado.
Gera-se assim uma lógica descomposta que, por um lado, é disjuntiva, se analisada do ponto de vista dos confinados além do limes (barbaricum), e que, por outro lado, aparece como progressivamente onienvolvente e invasiva, se observada do lado daqueles que estão aquém do muro (o autoproclamado reino da Civilização, quando não diretamente do Bem). Sob um ângulo prospectivo diferente, aqueles que estão além do limes só podem ser anexados, sem nunca poder, por iniciativa própria, transpor a barreira ou se opor à anexação. E aqueles que estão aquém, no entanto, apresentam-se como os únicos legitimados a rejeitar quem ousar, por iniciativa voluntária, cruzar a barreira e, ao mesmo tempo, avançar além do limes, englobando a altera pars até fazê-la desaparecer no one world do indiferenciado planetário.
Também não se deve ignorar que o limes invariavelmente figura como uma fronteira temporal, ao desencadear uma lógica em que a alteridade do externo está espacialmente conotada, mas também definida temporalmente: coincide sempre, desde o Império Romano até a invasão globalista, com outro lugar que ainda não é interno, mas que, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, está destinado a sê-lo. Os tecnocratas dos espaços cosmopolitizados derrubam todas as fronteiras que poderiam, mediante uma política soberana, governar, limitar e disciplinar a livre circulação e os mecanismos cada vez mais despóticos e distópicos do mercado, de modo que nada escape às garras abstratamente civilizadoras e concretamente colonizadoras do capital cosmopolita e sem fronteiras. A analogia com o limes do Império Romano parece heuristicamente fecunda, a partir de uma consideração dos Fasti de Ovídio: “gentibus est aliis tellus data limite certo: Romanae spatium est Urbis et orbis ídem”, «aos outros povos foram dadas terras com limites certos: enquanto o espaço Romano da Cidade e do Orbe é o mesmo».
A globalização, entendida como a americanização do mundo, coincide com o limes móvel que o Império das estrelas e listras desloca, frequentemente travando guerras onde encontra resistências e rotulando como "canalha" qualquer governo que reivindique suas próprias fronteiras, sua soberania e sua indisponibilidade à ingerência ocidental. Por isso, o limes da globalização coincide com a fronteira em movimento da americanização do mundo. A história americana é, em grande parte, a história do mito da fronteira móvel, como cantado por Jackson Turner em The Frontier in American History (1920), o criador do mito da disponibilidade de um espaço vazio e infinito a ser englobado.
O fato de que, em 2001, o Império do dólar tenha apelidado de Infinite Justice seu próprio projeto de movimento ilimitado do limes é, por si só, revelador: não apenas porque a justiça, simbolizada pela balança, é por essência a arte da medida e do limite, mas também porque a celebração de uma justiça contraditoriamente chamada de "infinita" revelava o engodo da invasão imperialista festejada como benéfica. O pensamento predominante hoje repete que a fronteira favorece guerras; contudo, sabemos que, historicamente, a demarcação de uma fronteira clara é quase sempre o gesto de dois povos que, após lutarem, estabelecem a paz. Também aprendemos com a história – inclusive com a globalização – que a demolição de fronteiras geralmente coincide com o gesto do conquistador, do colonizador, do imperialista.
O mercado único e o modelo monopolista de existência e pensamento são duas faces do mesmo processo de globalização, como desarticulação do direito à diferença e como simultânea imposição global do inautêntico e do homogêneo. Nisso se expressa o impulso globalista em direção ao indiferenciado e ao ilimitado, à aniquilação de tudo o que ainda não seja afim ao mercado e à sua antropologia reificada. A aspiração do sistema de necessidades deseticizado é a criação de um single market without barriers, visible or invisible (“um mercado único aberto e sem barreiras, visíveis ou invisíveis”, nas palavras de Margaret Thatcher, 18-4-1988): portanto, não apenas sem muros, mas também sem fronteiras.
Conatural à metafísica do ilimitado, a invasão real e simbólica do capital – ou seja, sua prática ininterrupta de superação de fronteiras e destruição de barreiras – se manifesta in actu na desidentificação. Esta, por essência, aniquila aquelas barreiras simbólicas que, enraizadas na cultura e na comunidade, na história e na tradição, representam um poderoso dique de resistência à propagação da forma-mercadoria e da nova mentalidade. A aversão global-capitalista às fronteiras é típica do invasor em relação a qualquer limitação ou controle que encontre em seu caminho.
As formas tradicionais de poder frequentemente tentaram marcar, por meio de muros, a diferença com o Outro, excluindo-o por considerá-lo perigoso, inferior, inútil. Com o capital, após 1989, surge a primeira forma de poder que assume como eixo de sua violência a demolição progressiva de todos os muros para si e a criação de novos muros para os outros. Em outras palavras, a violência do capital não reside na exclusão, mas na inclusão forçada: não impede o acesso, mas o acesso autônomo. Segundo sua lógica all inclusive, tudo deve ser incluído, e a exclusão, por motivos estritamente econômicos, deve ocorrer dentro dos muros de um mundo sem fronteiras. É certo que nem Alexandre Magno, nem – de forma diferente – o Império Romano estiveram alheios ao impulso imperialista de invasão. No entanto, é apenas com o império do capital pós-1989 que se realiza plenamente, em seu sentido literal, a cosmópolis mercadológica.
O Outro de si, que o muro petrifica como estranho com o qual não há relação além da exclusão, torna-se, com a invasão capitalista, o mesmo, o homologado, o assimilado que nega a si próprio. O muro nega a relação entre Si e Outro ao excluir este último; a invasão o nega ao reduzi-lo a uma duplicação do Si. No primeiro caso, a relação é negada a priori pela inaceitabilidade do Outro; no segundo, é suprimida pela neutralização do Outro.
O capital avança simultaneamente derrubando muros que obstaculizam a mercantilização universal e, por sua vez, criando novos muros funcionais à mesma lógica de autovalorização do valor. Na luta contra os muros reside o elemento emancipador do capital, no sentido marxiano; é o que torna possível a unificação do globo (ainda que de forma reificada), derrubando os tradicionais muros infranqueáveis. Na eliminação das fronteiras, porém, reside o elemento desumanizador do capital, que, assim, perverte a unificação do mundo por meio de sua homologação desidentificadora. A demolição do muro como negação da relação deveria, ao contrário, ser acompanhada da proteção da fronteira como demarcação entre identidades e culturas, modos de vida e pensamento.
Mesmo nisso, o capital revela sua essência como uma trama indissolúvel de emancipação e desempoderamento, de progresso e barbárie, de humanização e desumanização: cada uma dessas componentes é inseparável da outra enquanto permanecer dentro da ordem de produção capitalista. Assim, o capital derruba os muros — que historicamente utilizou — sem ser capaz de preservar as fronteiras; combate o nacionalismo — que também foi motor de seu desenvolvimento — sem conseguir manter vivas as nações; luta contra a xenofobia — que tantas vezes adotou ao longo da história — sem ser capaz de preservar as identidades. Em uma palavra, elimina, junto com a patologia, o corpo saudável, que sempre pareceu desprezar: destrói a fronteira, primeiro pervertendo-a em um muro, depois desintegrando-a como se fosse um muro em si mesma; dissolve as identidades, primeiro degenerando-as em xenofobia e depois eliminando-as como se fossem intrinsecamente xenófobas; desmantela as nações, primeiro transformando-as em nacionalismo beligerante e depois neutralizando-as como se coincidissem inteiramente com o nacionalismo.
Também aqui reside a força magnética de atração que a ideologia capitalista parece exercer hoje sobre aquele quadrante da política e da intelectualidade que, durante parte de sua trajetória histórica, manteve com o capital relações de ostentosa inimizade: a nova esquerda liberal e pós-moderna, que passou do vermelho ao arco-íris, se deixa seduzir pelo logotipo único do liberalismo, a ponto de adotar suas mesmas batalhas, porque se engana ao pensar que combate o nacionalismo ao atacar a nação, a xenofobia ao combater a identidade e, ça va sans dire, os muros ao declarar guerra às fronteiras. Mais uma vez, a nova esquerda liberal confunde o internacionalismo socialista (que pressupõe os Estados nacionais) com a cosmopolitização pós-nacional do capital, a igualdade socialista com a homogeneização capitalista e, dulcis in fundo, a fronteira com o muro, convencida de que a única "cura" possível para ambos reside na invasão mercantilista.
Por essa razão — e o presente oferece uma imagem desoladora disso —, o mundo dentro do capital oscila sempre entre os opostos igualmente unilaterais da invasão e do confinamento por meio da reconstrução de muros, da xenofobia e da dissolução das identidades, do nacionalismo e do aniquilamento das nações. Como já se percebeu, a fronteira torna possível aquilo que, de forma oposta, é neutralizado pelo muro e pela invasão: a identidade, como realidade relacional; a unidade, como Totalidade diferenciada; e a relação, não negada pela opressão tanto da invasão quanto da exclusão causada pelo muro.
O identitarismo tribal lida com a identidade de maneira análoga ao que o muro faz com a fronteira. É o φάρμακον (phármakon), o remédio que pretende "curar" e "proteger" aquilo que, na verdade, acaba por "envenenar" e "matar". O muro, como o identitarismo regressivo que o celebra e às vezes incentiva sua construção, produz, revitaliza ou leva ao extremo uma figura identitária não por meio da relação com o Outro, mas através de sua exclusão. Se a fronteira e a identidade são, por essência, uma relação, o muro e o identitarismo são uma relação negada. Ou, mais precisamente, são uma fronteira e uma identidade petrificadas e rígidas na forma de exclusão da diferença; mas, sem diferença, a identidade não existe, assim como a fronteira não pode existir na ausência de relação com a alteridade. Por isso, o muro aparece como produtor de uma alteridade espacial com conotações negativas, muitas vezes baseada em premissas apriorísticas de quem teme o Outro sem sequer conhecer sua identidade. Trata-se da figura do "delírio de contaminação" (Massimo Recalcati), fundamentado no medo do Outro como ameaça à pureza identitária. Mas, como já deveríamos ter aprendido, a identidade não morre pela contaminação que a fronteira poderia possibilitar, mas pela rigidez gerada pelo muro ou pela dissolução causada pela demolição das fronteiras.
De fato, mesmo a antropologia — um nome sobre todos: Mary Douglas — nos conscientiza do fato de que a violação das fronteiras é quase universalmente associada à ideia de perigo e contaminação. O muro responde, então, de maneira paroxística à necessidade natural de defesa, sustentando de forma extrema a ideia do estranho como ameaça, segundo a lógica que o mundo pós-1989 codificou com a sugestão do clash of civilizations (Samuel Huntington). O muro torna-se, assim, também aquilo que era na caverna nebulosa de Platão, ou seja, o fundo projetivo sobre o qual ganham forma sombria os medos e as construções discursivas derivadas, sustentadas pela ideia de pureza e exclusão do Outro.
Acima de tudo, conceber o Outro como perigo alimenta uma "fantasia de contenção", que encontra no muro sua representação mais sólida em todos os sentidos. O muro de Israel, entre tantos outros, corresponde plenamente a essa lógica, já que se justifica autopromovendo-se como protetor de um oásis de civilização e democracia cercado por hordas de bárbaros que pressionam as fronteiras. Assim, o muro permite que aqueles que o constroem — no caso específico, Israel — não se vejam como agressivos, violentos e violadores dos direitos humanos, pois projetam essas prerrogativas sobre aqueles que estão além do muro, ou seja, sobre os palestinos. Essa é a peculiaridade do perfil antropológico do homo munitus, o "sujeito fortificado" tematizado por Greg Eghigian. Oposto e complementar ao perfil do homo globalis, com sua abertura ilimitada do imaginário, o homo munitus está paranoicamente aterrorizado pela contaminação, pela segurança e pela decisão de excluir o Outro.
Mas será que pode existir — devemos nos perguntar seriamente — uma identidade sem relação com o Outro, baseada apenas em sua exclusão? Pode o Eu existir na ausência de diálogo com o Tu? Ou ainda, pode subsistir a identidade quando se elimina sua conexão com a diferença? Em seu Identità e Politica (1996), Furio Cerutti delineou a essência da identidade ao lembrar do espelho e do muro. Variando sobre esse tema, poderíamos afirmar que a fronteira é um espelho, uma relação mediada pela identificação em relação ao Outro e pela conexão com sua existência. A identidade do Eu está ligada ao que vê diante de Si no espelho, ou seja, o incessante jogo de trocas e referências com o Outro de si.
O muro, entretanto, nega a dialética do espelho: se com o espelho sou aquilo que sou com base no intercâmbio com a imagem da alteridade, com o muro presume-se que eu seja aquilo que sou negando qualquer relação com o Outro de mim. Em sua ontologia básica, o muro impede que o Outro não apenas acesse, mas também simplesmente seja visto. Ou seja, proíbe qualquer relação, seja tátil ou visual, com o corpo do Outro. Nega, portanto, aquele processo de Anerkennung (reconhecimento) que o espelho promove.
Com o espelho, a diferença do Outro é ao mesmo tempo ratio essendi e ratio cognoscendi da minha identidade. Com o muro, a diferença do Outro existe, mas simplesmente como algo continuamente negado. Além disso, com o espelho parte-se do pressuposto de que minha identidade está in fieri e deve ser construída na relação com o Outro. Com o muro, entretanto, pressupõe-se que minha identidade já foi edificada para sempre, ou seja, é dada e não construída, e que o Outro, seja entendido como inimigo ou agressor, estrangeiro ou inferior, não apenas não traz nada de novo e positivo, mas potencialmente também pode constituir um perigo para aquilo que sou.
O Eu deste lado do muro não deve se relacionar com o Tu de outra forma que não seja pela exclusão: o muro deve, então, garantir-lhe inatacabilidade, proteção e segurança. Para poder Ser, precisa do muro e, portanto, da exclusão do Outro em cada ponto que compõe a continuidade material do próprio muro. Este último exibe, de forma ostensiva e até espetacularizada, a dialética de uma negação hostil do Anerkennung (reconhecimento), que parte do pressuposto de que a relação não constitui a identidade, mas a desintegra.