19/04/2022

Aleksandr Dugin - A Doutrina Tradicional dos Elementos (Lição VI) - Os Elementos e as Estruturas Hierárquicas da Política Sagrada

 por Aleksandr Dugin

Transcrição da comunicação do VIº Encontro do Clube dos 5 Elementos


Podemos aplicar a Doutrina Tradicional dos Cinco Elementos em níveis diversos. Podemos utilizar essa visão hierárquica dos elementos cósmicos para compreender melhor a organização das ciências tradicionais pré-modernas, e também podemos aplicar essas regras, essas hierarquias cósmicas a diversas coisas, como demonstrou o professor Giuseppe Germano. Podemos aplicar esses elementos, por exemplo, à estrutura do conhecimento tradicional, às artes liberais. 

E também podemos aplicar essa Doutrina dos Cinco Elementos ao plano político, ao sistema político. Esse é o tema de vez. Isso confirmará uma vez mais a nossa ideia geral de que com os cinco elementos temos os elementos como ferramenta universal. Hoje tentaremos, como disse, aplicá-los aos sistemas sociais.

É muito claro como antes de falarmos dos Cinco Elementos na Tradição europeia, helênica, podemos recordar a doutrina hindu onde essa relação entre o sistema das castas, das varnas, está muito claramente e explicitamente descrita. No hinduísmo há 3 níveis da matéria universal, da prakriti, três gunas que correspondem às formas da matéria. O nível mais elevado se chama sattva (ser, luz, cor branca), depois rajas (fogo, cor vermelha) e com o aspecto mais denso ou pesado, tamas (cor negra). Essas três gunas são postas em correlação com as castas tradicionais.

Sattva corresponde aos sacerdotes, brâmanes, rajas corresponde aos xátrias, guerreiros, rajas e tamas em confusão correspondem aos vaixás, e o tamas puro corresponde aos xudras (que não é casta, mas é humanidade desqualificada, humanidade da quantidade). 

Podemos avançar, agora, na direção da visão ocidental dos cinco Elementos. Eu proponho aqui um esquema:


Esse esquema é uma visão de correspondência entre os níveis do cosmos, onde vemos terra, água, ar e fogo. E com o éter por sobre a esfera lunar. E isso corresponde à visão geral dos gregos, ou seja, de Aristóteles e de todos os outros autores mais ou menos consonantes com a visão helênica tradicional.

É muito importante pensar sobre Aristóteles aqui, porque ele disse que dois elementos, ar e fogo, são atraídos para a Lua, são atraídos pela leviandade, ou seja, em um sentido aparentemente paradoxal, por uma força de gravidade da leveza. Por isso, fogo e ar seguem uma lei de levitação, uma atração natural em direção ao alto. Esses elementos não estão submetidos à gravidade em sentido estrito. Dois outros elementos, água e terra, são atraídos pela gravidade e pela força de gravitação, que age apenas sobre água e terra. Tudo que é composto por água e terra está submetido à gravidade. Tudo que é composto de ar e fogo não está submetido à lei da gravidade, está submetido à leviandade. 

Com essa visão há dois polos opostos de atração, um polo que atrai aspectos e elementos mais pesados e outro que é a força ou a potência que atrai outros elementos, mais leves. 

Podemos aplicar esse esquema à estrutura das castas ou às funções tradicionais de Dumézil.

É necessário recordar o que Guénon falou sobre a natureza das castas. Ele dizia que as castas correspondem ao status ou nível da alma. As castas não possuem nada de arbitrário. As castas são formas que correspondem à qualidade da alma. Por isso, podemos fazer correspondências entre elementos cosmológicos, elementos cósmicos, e esses estados ou naturezas da alma. É com fundamento nesse sentido da visão das castas e a correspondência entre castas e elementos, que podemos propor da seguinte maneira.

Temos duas metades ou meios nos quais podemos dividir os homens. Castas altas e castas baixas. 

As castas altas são os sacerdotes e guerreiros, que abarcam os elementos fogo e ar. Aqui devemos lembrar novamente da levitação ou leviandade, que é uma qualidade inata da alma de ser atraído pelo alto. A casta alta é o fato que significa que a alma do homem é atraída para cima, ela é leve. Geralmente, se nenhuma força exterior age sobre essa alma, a alma se eleva imediatamente. Essa elevação é o estado natural da alma que pertence a esses dois elementos.

Geydar Dzhemal, membro de uma família aristocrática azeri, disse uma vez como é possível reconhecer facilmente, entre os azeris, os aristocratas e os trabalhadores comuns. Os aristocratas azeris sorriem. Os camponeses e pessoas comuns são muito sérias. A seriedade era ali sinal de que se trata das castas baixas. Gravidade e leviandade, gravitação e levitação. Organicamente, naturalmente, a alma do aristocrata se eleva, ela é atraída pelo éter, pelo que está além da Lua.

Essa rarificação da alma corresponde precisamente às castas mais altas. Quão mais alta é a casta, mais leve e rarificada é a natureza de sua alma. 

A alma dos sacerdotes, dos intelectuais, dos filósofos, corresponde ao ato de voar. Por isso é fácil voar, sem esforço. No mundo das Ideias tudo está claro, no plano da Luz não há grandes obstáculos. Podemos voar facilmente.

Os guerreiros também são atraídos pelo alto, pelo polo celeste. Para eles é um pouco mais difícil voar, trata-se de decolar. Para os guerreiros, o corpo pesa, mas eles querem se libertar do corpo. O corpo é um desafio, um inimigo a ser derrotado. Por isso, os guerreiros matam, matam a si mesmos, matam os outros, destroem. Essa destruição da matéria é da natureza da alma que se liberta. O guerreiro é um grande destruidor. Não é possível interpretar a figura do guerreiro como construtor. O guerreiro não constrói nada. Ele destrói, ele mata, essa é a sua natureza. Sua alma quer se libertar do corpo, sua alma quer se libertar.

Por sobre a Lua está o éter, o quinto elemento que representa o Imperador, o Rei do Mundo, o Rei-Sacerdote, que une em si as qualidades do sacerdote e do guerreiro. A varna superior, a varna de hamsa.

Essa linha que separa precisamente as duas realidades, a realidade da levitação, onde estão as castas altas, e a realidade onde agem outras forças, as forças da gravidade, da gravitação, da corporeidade da materialidade é muito importante.

Aqui abaixo estamos com água e terra, onde estão os camponeses. Os camponeses estão ligados à corporeidade, eles produzem as coisas, as crianças, fazem nascer outros camponeses e coisas materiais, enquanto os guerreiros destroem e matam coisas e homens. Os sacerdotes também são destruidores pelo sacrifício de coisas. Os guerreiros destroem para decolar, os sacerdotes destroem como dom para a divindade, para a transcendência.

Os sacerdotes destroem mais radicalmente que os guerreiros, já que eles querem destruir e transformar a materialidade em espiritualidade pura, como dom a Deus.

Os camponeses não podem decolar, por isso os camponeses permanecem parados de forma estática, permanecem onde estão, satisfeitos consigo mesmos, com seu status, que corresponde à forma grega da stasis. Eles trabalham para estarem onde estão, não para transformar sua posição.

A forma mais tradicional da vida do camponês é o eterno retorno, produzir e comer, produzir crianças que sucedem os pais nas mesmas atividades. Isso é também sagrado, ainda que no domínio da corporeidade. Eles não querem decolar ou voar, abandonando a corporeidade. 

Há almas ainda mais submissas à gravidade e que não pertencem mais às castas, os xudras, a burguesia. Os burgueses não são camponeses, guerreiros ou sacerdotes. Eles não correspondem a nenhuma casta. Por isso estão sob a terra. Não querem trabalhar ou produzir. Eles não podem, são parasitas que vivem no limite mais baixo dessa estrutura dos elementos, são subterrâneos, são a casta subterrânea, estão sob a terra. 

Podemos fazer correspondências entre esses elementos, castas e órgãos internos do homem, como Platão descreve no Timeu.

No Timeu, Platão diz que o elemento mais alto, o éter, é encontrado no cérebro, por isso, a nossa cabeça é o castelo onde se encontra o éter. É o castelo que defende o éter precioso contra todos os ataques de outras substâncias. Esse cérebro é o éter no homem, está separado do corpo pelo istmo, por uma passagem estreita, o pescoço. 

A cabeça do homem é solar e possui forma circular. 

Mais abaixo está o coração que corresponde ao fogo e ao elemento guerreiro. 

O cérebro corresponde ao sacerdócio, o coração ao guerreiro, segundo Platão. 

O pulmão é ar que não permite que o coração queime e incinere o corpo. 

É interessante como Platão explica por que o coração queima?  Ele responde: pelo ódio. O coração do homem odeia seu corpo. 

A corporeidade, representada pelos órgãos e elementos inferiores, correspondem à besta interior. O coração odeia essa corporeidade, e por isso queima, e quer queimar, mas o pulmão não permite. O pulmão acalma o coração guerreiro que quer destruir a corporeidade.

É interessante porque os guerreiros sempre são motivados por essa necessidade de destruir a corporeidade, destruir tudo. É isso que quer o coração que odeia a matéria e que está alinhado com o cérebro e o éter. Esse coração é o custódio do cérebro. 

Sob a linha que separa as duas metades do sistema do corpo estão estômago, fígado, órgãos reprodutivos, que correspondem a água e terra.

O guerreiro corresponde à guerra, ao ascetismo, ao poder, etc. As castas inferiores correspondem ao trabalho, à economia, à arte. Esse é um sistema da sociedade humana que não precisa necessariamente do Estado.

Na Índia existia esse sistema hierárquico, ordenado e aplicado, mesmo sem o Estado. Хátria é o guerreiro não apenas como função social, mas por ser da natureza da sua alma. Quando se vê um xátria, guerreiro, não há dúvida de que se trata de um guerreiro, ele é imediatamente reconhecível como alguém capaz de matar. Essa é uma forma orgânica de se autoapresentar. O mesmo vale para os sacerdotes, sempre inteligentes.

O guerreiro pode ser corajoso, não pode ter medo. O sacerdote deve ser inteligente, sábio e não pode ser estúpido. O guerreiro covarde também não pode existir normalmente. 

O mesmo vale para o camponês/trabalhador. Ele deve amar o trabalho, ele não pode ter preguiça de trabalhar.

Quando se encontra uma criança que ninguém sabe a que varna pertence, como definir a que varna ela pertence quando ninguém sabe quem são seus pais, sua história? Existe uma tradição hindu de se apresentar um brinquedo, um chocalho, à criança pequena. Então tudo depende da reação da criança.  Se essa criança fica em contemplação, vê coisas, então é sacerdote. Se ele entra em luta com o objeto desconhecido é guerreiro, se tem medo do brinquedo e então chora é um camponês porque não quer se colocar perigo. Se não tem nenhuma reação é o xudra, o idiota total, o sub-humano em certo sentido.

Isso é muito importante, quando falamos da varna ou casta nesse contexto indiano. Falamos não em função social, mas em qualidade anímica. E podemos mensurar essa qualidade anímica aplicando os elementos. 

O Estado não é absolutamente necessário aqui porque se trata de uma hierarquia espiritual, orgânica, natural do espírito, e não de função social. O guerreiro não precisa do Estado, ele sempre vai existir, porque sempre vai haver inimigo, adversário, alguém a matar. Onde houver o guerreiro há guerra. O sacerdote também não precisa do Estado porque sempre onde está o sacerdote está a presença de Deus. O camponês também não precisa do Estado porque onde está o camponês está a produção, a reprodução, o trabalho, ele não precisa do Estado para isso. Essa hierarquia dos elementos em tudo é necessária. A hierarquia é mais importante que o Estado em si.

Mas podemos aplicar isso também à estrutura política, mas como política orgânica, política existencial, política cósmica. Essa política existirá quando a hierarquia social corresponder e coincidir à hierarquia espiritual e cósmica. Essa coincidência existe quando o Estado é o Estado Tradicional, o Estado cósmico.

Essa é a diferença com o Estado nacional moderno, construído pela burguesia, que não pertence a nenhuma casta. Esse Estado é contranatural, contrário à natureza, e ser nacionalista nesse sentido é forma de perversão da hierarquia.

Mas isso não significa que o Estado em si é um erro. O Estado sem hierarquia, o Estado anticósmico, o Estado moderno organizado pelos sem casta, sem qualidade anímica, é ruim. Os xudras constroem esse Estado sem vida interior, sem dinâmica interior entre órgãos, sem equilíbrio entre leviandade e gravidade.

O Estado orgânico é a solução, o Estado sacro-imperial, organizado com Imperador, sacerdotes, guerreiros, camponeses e tudo mais. Essa é a forma do Estado cósmico.




Segundo Paracelso existem não uma humanidade, mas 5 humanidades. Existe a humanidade dos gnomos, ligados à terra, que é a humanidade do trabalho, ligada à economia. A economia e sua esfera são uma projeção dos gnomos, uma projeção da civilização da terra.
 
Há uma civilização da água, das ninfas, que corresponde à atividade sexual, ao entretenimento, dos que não trabalham, todo dia estão na festa, se ocupam de todas as coisas da sexualidade, é o aspecto feminino maximamente desenvolvido. As ninfas sempre são mulheres. Não há ninfas homens. 

Os silvanos são da humanidade dos gigantes. Os gigantes, segundo se diz, são combativos correspondendo aos guerreiros. 

E as salamandras estão vinculadas ao fogo e ao sacrifício, correspondendo ao sacerdócio.

Não é que esses seres fantásticos são projeções da humanidade, mas que eles são formas de civilizações cósmicas que se projetam sobre a humanidade. Por isso os economistas são inspirados por gnomos, a indústria do entretenimento é inspirada por ninfas, os guerreiros são descendentes dos gigantes, os sacerdotes e filósofos possuem espíritos inspirados pelas salamandras.

Essa ideia de aplicar os elementos à sociedade nos dá o meio de revelar aspectos da política orgânica, da política natural, da política existencial. A política orgânica que pode ser a solução junto da crítica da sociedade e política atuais. Porque a política atual é antinatural, é perversa. Ela é criada por personagens que possuem poder sem merecer o poder. Por pessoas que têm medo, que são idiotas e são incapazes de produzir ou gerar qualquer coisa. É a estrutura dos elementos invertida.

Não nos basta a crítica da situação, mas propor uma alternativa positiva, a criação do Estado orgânico, demonstrando a todos esse “brinquedo” que revela a natureza da alma. Figuras como Bernard Henri Levy, Mario Draghi e outros líderes e intelectuais contemporâneos correspondem exatamente a essa inversão.