21/02/2017

Sindicalismo Revolucionário: Uma Especialidade Francesa



"O sindicalismo francês nasceu da reação do proletariado contra a democracia" (H. Lagardelle)

Na história do movimento operário europeu, o sindicalismo revolucionário francês tem um lugar especial graças à originalidade de sua organização e seu estilo de ação.

Suas Origens

O confisco da Revolução de 1789 pela burguesia tão só para seu benefício, leva ao estabelecimento de sua dominação. Uma de suas prioridades era impedir os trabalhadores de se organizarem de modo a se defender contra sua exploração. Sob o pretexto falacioso de eliminar as guildas do Antigo Regime, a lei "Le Chapelier" de julho de 1791 proibiu qualquer acordo entre trabalhadores para garantir seus interesses. Qualquer tentativa de sua parte era julgada como "um atentado contra a liberdade e a Declaração dos Direitos do Homem".

Consequentemente, o movimento operário nasceu em segredo. O crescente desenvolvimento deas organizações de auxílio mútuo dos trabalhadores foi reconhecido sob o Segundo Império que terminou a criminalização da sindicalização em 1864. Mas a repressão sanguinária da Comuna levou ao desaparecimento dos melhores quadros revolucionários; fuzilados, exilados ou deportados para colônias penais ultramarinas após a Semana Sangrenta.

O proletariado estaria, então, sob a vigilância draconiana de sucessivos governos. A burguesia, temendo um levante geral a qualquer momento contra seu poder, encorajava máxima dureza. Não podemos compreender o egoísmo burguês sem levar em consideração o medo permanente de ver negada a propriedade adquirida. Para os trabalhadores, o Estado se tornou a ferramente repressiva do Capital. Em 1831, 1848 e 1871, as classes dominantes responderam com violência às reivindicações legítimas da classe trabalhadora. Essa experiência de repressão forjou a convicção da vanguarda proletária de que diante das autoridades não era possível negociar, apenas lutar. O antiparlamentarismo do sindicalismo revolucionário é explicado pela convicção de que nenhuma reforma é possível em um sistema derivado do e dominado pelo capitalismo. O antimilitarismo também vem daí. O exército não era mais o defensor da nação, mas o rompedor de greves. O envio de tropas era a resposta do poder público às expectativas do povo. A intensa propaganda antimilitarista dos sindicalistas revolucionários encontrava resposta favorável nas classes populares forçadas a ver seus filhos recrutados para o serviço do regime repressor.

Os Conselhos de Trabalhadores


A proclamação da Terceira República não pôs um fim à repressão. A desorganização das estruturas sindicalistas levou ao aparecimento de grupos reformistas, pregando o acordo com o Estado e com a burguesia, o que só confirmou a inutilidade do diálogo com a opressão. O que se transcreveu em um ressurgimento de sindicatos revolucionariamente inclinados.


Durante este período, com o objetivo de controlar a circulação de sua força de trabalho, os empregadores encorajaram os municípios a criar conselhos de trabalhadores ("bourses du travail") com o objetivo de regular o mercado de trabalho a nível local. Eles se multiplicaram com velocidade prodigiosa (o primeiro em Paris em 1887 e a partir de 1890 em Toulouse).

Muito rapidamente, sua reapropriação por militantes revolucionários transformou os conselhos em centros de luta social. Organizando a solidariedade dos trabalhadores, eles foram um laboratório para futuras formas de ação pelos sindicalistas franceses. Este movimento era liderado por um homem excepcional, Fernand Pelloutier, que foi uma das inspirações de Georges Sorel, que o qualificou como "o maior nome na história dos sindicatos". Ele guiou a criação da Federação Francesa de Conselhos de Trabalhadores (Fédération des Bourses du Travail de France). O movimento operário francês deve a ideia da greve geral e da independência dos sindicatos em relação a partidos políticos e ao Estado a ele. Ele estava, então, em oposição total a Jules Guesde, fundador do Partido Operário Francês, de inspiração marxista, que afirmava a prioridade da ação política partidária sobre as lutas sindicalistas.

Os conselhos seguiam dois eixos paralelos de ação. Em primeiro lugar, ação social, que consistia em colocação em empregos, ajudar a qualificar profissionalmente os trabalhadores. Os conselhos de trabalhadores eram aplicações concretas do programa revolucionário socialista por meio de cursos profissionais e de educação geral, clínicas médicas encarregadas de combater as companhias de seguros complacentes demais com os empregadores durante acidentes de trabalho, bibliotecas para a formação ideológica e lazer dos trabalhadores, ou serviços jurídicos para informar os trabalhadores sobre novas leis sociais da Terceira República. A dimensão da educação popular era uma das prioridades de Pelloutier, segundo sua famosa citação "educar para revoltar". A emancipação dos trabalhadores ocorre primeiro pela percepção da realidade de sua exploração. Como Emile Pouget declarou, "a tarefa dos revolucionários não consiste em tentar movimentações violentas sem levar em consideração as contingências. Mas preparar os espíritos, para que estes movimentos entrem em erupção quando circunstâncias favoráveis se apresentarem".

Em segundo lugar, a ação de conectar e unificar com sindicatos de trabalhadores. O estabelecimento de conselhos leva ao desenvolvimento de sindicatos que podem depender de suas redes. Eles eram locais de reunião para trabalhadores grevistas, fndos para greve eram coletados nas fábricas de modo a ajudar os trabalhadores na luta. A CGT (Confédération Générale du Travail) e a Fédération de Bourses se fundiram em 1902 durante o Congresso de Montpellier, constituindo assim uma única organização central composta de duas seções, a das federações de trabalhadores, e a dos conselhos. Mas antes disso um evento fundacional para o movimento sindicalista francês ocorreu: o nascimento da CGT.

1895: A CGT

Em 1884, quando a lei autorizou a criação de sindicatos, a República tentou seduzir o proletariado para fazê-los esquecer de sua aliança objetiva com o grande capital. A maioria dos trabalhadores permaneceu desconfiada, considerando que essa lei havia sido concebida para controlar a existência de estruturas que até então eram clandestinas.

Após negociações preliminares, em Limoges em setembro de 1895 a Confédération Générale du Travail surgiu, a qual fixou seu objetivo principal como "unir os trabalhadores em luta no campo econômico e em laços de estreita solidariedade, para sua completa emancipação".

Após os primeiros anos caóticos, sob a lidernaça de Victor Griffuelhes a organização experimentaria um período de intensa atividade. Nomeado secretário-geral da CGT, este velho operário era um fanático militante blanquista, devotado a fazer da organização uma máquina de guerra classista.

Com Émile Pouget, seu fiel camarada, nós o encontramos onde quer que haja uma greve. Não acostumado a discussões intermináveis, ele impôs sua autoridade com uma mão de ferro. Pelo que ele seria muitas vezes repreendido e ganharia muitos inimigos, mas jamais podemos questionar seu interesse. Graças a seu caráter incansável, disputas entre diferentes correntes eram emudecidas e o sindicato podia preservar independência total em relação ao Estado que tentava corromper os líderes sindicalistas.

Durante a adoção da Carta de Amiens, durante o congresso confederativo de 1905, nós lembramos que: "A CGT, para além de qualquer escola política, congrega todos os trabalhadores conscientes da luta para fazer desaparecer o trabalho assalariado e os empregadores... O congresso considera que esta declaração é um reconhecimento da luta de classes no domínio econômico que opõe os trabalhadores em revolta contra qualquer forma de exploração e opressão, tanto material quanto moral, estabelecida pela classe capitalista contra o proletariado".

Ação Direta


No movimento socialista em janeiro de 1905, Victor Griffuelhes deu a seguinte definição de ação direta: "Ação direta significa a ação dos próprios trabalhadores. Isto é, ação que seja diretamente exercida pelas partes interessadas. É o próprio trabalhador que dirige seus esforços; ele pessoalmente os exerce contra os poderes que o dominam, de modo a obter os benefícios que ele demanda deles. Através da ação direta, o trabalhador cria sua própria luta, ele a lidera, resolvido a não concedere a outrem a responsabilidade por sua própria emancipação".


Os sindicalistas revolucionários lideram a luta pela melhora das condições de trabalho para que "a luta diária prepare, organize e realize a Revolução" como Griffuelhes escreveu.

Ação direta, realizada por minorias ativas e conscientes, objetivando atingir os espíritos (como durante a greve geral de 1907 onde Paris se encontrou afundada na escuridão após uma ação de sabotagem por parte de eletricistas sindicalistas revolucionários). Ela deve impor a vontade dos trabalhadores sobre o empregador, o uso possível da justa violência proletária pode entrar nessa estratégia. "Atualmente, só há emancipação completa se os exploradores e patrões desaparecerem e se o cenário tiver todas as suas instituições capitalistas varridas. Tal tarefa não pode ser conduzida pacificamente, e muito menos legalmente! A história nos ensina que os privilegiados jamais sacrificaram seus privilégios sem serem compelidos e forçados a fazê-lo pelas suas vítimas revoltosas. É improvável que a burguesia possua excepcional magnanimidade e queira abdicar voluntariamente... Será necessário recorrer à força, a qual, como dito por Karl Marx, é parideira de sociedades". (Émile Pouget - A CGT)

O Mito da Greve Geral em Ação

Uma dura batalha entre a CGT e o Estado pela jornada diária de 8 horas de trabalho foi travada em 1904. A campanha culminou em uma demonstração de força no 1º de maio de 1906, que foi ativamente organizada por 1 ano. Todas as forças da organização foram lançadas na batalha pelas 8 horas. O contexto era, então, insurrecionista, o mundo do trabalho efeverscia após o drama da mina Courrières onde 1.200 mineiros foram encontrados mortos. 40 mil mineiros em Pas-de-Calais entraram em greve espontaneamente. A repressão não resolveu nada e a raiva se espalhou. Quase 200 mil grevistas se mobilizaram na construção (um bastião dos sindicalistas revolucionários), metalurgia, gráficas...o movimento culminou com 438.500 grevistas por toda a França! O governo tinha medo da guerra social iminente e da aliança entre as duas forças anti-sistema da época: o movimento sindicalista revolucionário e o movimento nacionalista (convergências observadas pelo professor Zeev Sternhell).

Antes dessa aliança, a República reagiu rapidamente, Clemenceau, nomeado Ministro do Interior, dirigiu a repressão. Griffuelhes e os principais diretores da CGT foram presos sem motivo (inclusive o tesoureiro Lévy que seria devolvido pela polícia). O 1º de maio foi acompanhado por uma importante mobilização dos cães de guarda da República que multiplicaram as prisões e dispararam contra a multidão de grevistas. Em acordo comum, autoridades e empregadores organizaram a demissão dos funcionários e trabalhadores mais ativos na ação direta, listas negras de militantes foram criadas para tornar sua contratação impossível.

Mas onde Clemenceau e seu sucessor A. Briand foram mais eficazes foi em corromper os líderes sindicalistas por meio de corrupção e na infiltração de provocadores (os arquivos da prefeitura policial estão cheios de seus relatórios sobre as atividades da CGT) que espalhavam descontentamento e desacreditavam a ação de sindicalistas revolucionários. Ademais, o agravamento do dissenso interno e as guerras de tendências criaram uma situação explosiva entre a liderança.

A Ruptura: O Proletariado contra a República

Foi o caso Draveil-Vigneux, organizado do zero por Aristide Briand, então Ministro do Interior que ateou fogo à pólvora. Uma demonstração de escavadores e ferroviários na região parisiense em 30 de julho de 1908 se transformou em uma revolta. Registra-se duas mortes entre os trabalhadores. A CGT clamou pela transformação da mobilização de trabalhadores em uma greve geral. Após uma marcha em Villeneuve-Saint-Georges eles lamentaram mais sete mortes. Com a ajuda de um agente provocador, o Ministro do Interior encontrou o pretexto para prender a maior parte da liderança da confederação, entre eles o secretário-geral Victor Griffuelhes, que permitiu que os traidores se beneficiassem de sua prisão para poder orquestrar um verdadeiro putsch.

A libertação dos líderes aprisionados não demorou, mas nas sombras os capangas de Briand, e notavelmente o tesoureiro Lévy (provavelmente corrupto) e Latapie, organizaram uma autêntica conspiração contra Griffuelhes, acusando-o abertamente de mau uso dos fundos. O congresso seguinte livrou Griffuelhes de qualquer suspeita, mas a crise foi aberta, e o amargurado secretário-geral se demitiu. Niel o sucedeu, eleito em 25 de fevereiro de 1909, como secretário-geral da CGT com os votos reformistas. Mas os sindicalistas revolucionários não lhe deram paz: seis meses depois Niel foi forçado a se demitir.

Ele foi substituído por Léon Jouhaux. Não é surpreendente que a tensão com o Estado começasse a emergir novamente em 1910. Em outubro, a greve dos ferroviários, situada no esquema de uma grande campanha contra a alta no custo de vida, fez Briand projetar a dissolução da CGT. Briand decidiu fazer um exemplo: o caso Durand. O secretário do sindicato dos carvoeiros de Havre foi condenado à morte por ações grevistas nas quais ele não teve qualquer envolvimento. Um vasto movimento de protesto foi iniciado.

Neste momento crucial de sua história, o mundo proletário estava majoritariamente oposto à República liberal. Ele ficava enojado com a atitude dos velhos dreyfusardianos (Clemenceau e Briand), que haviam convocado o proletariado a se mobilizar por justiça e, uma vez no poder, se revelaram assassinos do povo. Essa rejeição da democracia foi demonstrada até a guerra. A erupção da Grande Guerra foi uma derrota para os sindicalistas revolucionários. Após terem feito tudo para impedir a marcha rumo à guerra, o élan patriótico pela Sagrada União os tomou. Léon Jouhaux, na tumba de Jaurès, convocou os trabalhadores a se mobilizarem pelo regime. Essa mobilização em prol da Sagrada União marcou o fim do período heroico do sindicalismo de ação direta dentro da CGT, o qual, após a guerra foi tomado pelos burocratas que a transformaram na ferramenta reformista que conhecemos hoje. 

Fonte: Revista Rébellion, setembro de 2014.