Os eventos monumentais que se seguiram à queda do Muro de Berlim (9 de novembro de 1989) e à dissolução formal da União Soviética (25 de dezembro de 1991) deram origem a uma ordem geopolítica radicalmente nova. Eles queriam não só acabar com o mundo bipolar e com a partição da Europa como resultado dos acordos de Yalta e Potsdam, mas também a exaustão de um ciclo turbulento com mais de 70 anos de idade, que definiu um século de violência sem precedentes. O fim desse terrível período não significou o "fim da história" ou o desaparecimento da força nas relações entre Estados. Ele implica, porém, uma redefinição daquelas relações geopolíticas levando a uma evolução mais geral do pensamento e dos costumes.
O que está se desenvolvendo nas relações sociais e políticas, especialmente a nível internacional, é uma Weltanschauung que aborda os problemas do Estado e da sociedade muito diferentemente da maneira pela qual se lidou com ela no século XX. Uma das características dessa nova Weltanschauung é a redescoberta de valores ligados à identidade "étnica" (entendida, primariamente, em um sentido cultural).
Um Novo Sistema Internacional Transmoderno
Esses novos desenvolvimentos tem sido descritos como "uma civilização de política internacional". [1] Enquanto esssa caracterização oculta traços utópicos questionáveis, ela corresponde a desenvolvimentos internacionais atuais:
1 - A crescente abrogação do princípio tradicional do direito internacional no que concerne a soberania limitada dentro das fronteiras do Estado. Especificamente, há uma tendência pela comunidade internacional de exercer um tipo de tutela para salvaguardar direitos humanos.
2 - Esforços para constituir uma "nova ordem mundial" baseada no consenso de todos os sujeitos das relações internacionais, todos tendo sua própria legitimidade intrinsecamente "democrática". Os EUA parecem ter ideias relativamente claras sobre a configuração de uma "nova ordem mundial". É improvável que essas ideias, que pressupõem a retenção e fortalecimento da hegemonia americana, será apreciada por europeus e japoneses. É claro, porém, que a desintegração da velha ordem bipolar terá que ser seguida por um novo sistema de relações internacionais.
3 - O uso de força militar coletiva (dentro da estrutura da ONU, EC ou CSCE) para a manutenção da paz. O fato de que as elites políticas europeias se provaram pateticamente desiguais no que concerne a tarefa na ex-Iugoslávia não exclui a necessidade de intervenção militar em várias situações para impedir violações de direitos humanos e conter violência.
4 - O deslocamento do conceito estreito de segurança nacional, legado da política de poder dos séculos XVIII e XIX, em favor de defesa coletiva ou, melhor dizendo, segurança coletiva (já que é inconcebível que hoje qualquer Estado além dos EUA possa equiparar suas demandas de segurança por conta própria ou dentro do contexto de um sistema de alianças tradicionais).
5 - Finalmente, a transição gradual da soberania dos Estados nacionais para organizações supranacionais, e uma aceitação de limitações de natureza contratual sobre o exercício da soberania.
Durante os últimos poucos anos tem havido uma transformação da comunidade internacional de um arranjo hobbesiano de entidades permanentemente em pé-de-guerra para uma "sociedade" de Estados partilhando alguns princípios e buscando, ainda que gradualmente, impor padrões comportamentais normativos. Ainda que a dissolução de uma velha ordem de 40 anos crie mais problemas do que resolve e seja um processo lento e dificultoso, ela agora parece irreversível. Isso é porque este é um processo determinado não por causas endógenas do sistema internacionai mais por uma evolução mais geral e pervasiva que poderia ser designada como a transição à era transmoderna. [2]
Essa era transmoderna não reconhece dogmas políticos e sociais, grandes objetivos coletivos baseados em fundações mítico-simbólicas ("a pátria" ou "o proletariado") e foca em áreas limitadas da experiência humana relativas ao comportamento individual: bem-estar, preocupações hedonistas e, mais geralmente, o desenvolvimento da personalidade individual. Isso envolve coisas que são, de várias maneiras, cruciais precisamente por elas são as presssuposições de questões individuais prementes, i.e., consciência ecológica, as necessidades dos fracos, a rejeição do imperialismo e das atitudes beligerantes, o desejo sobrepujante por uma "boa administração" e mais participação política direta. Isso explica, entre outras coisas, o crescimento eleitoral explosivo da Lega Nord na Itália.
A Ameaça de uma Padronização Universal
O outro lado dessa moeda é o absoluto vazio da "pós-modernidade" e a dissolução de estados monádicos armados uns contra os outros. Este processo caminha junto, não só de uma crescente internacionalização da economia mas com a globalização da cultura (por sua vez gerada por uma crescente interpenetração de constelações axiológicas). O resultado é a ameaça comumente denunciada [3] da adoção global do modelo cultural dominante, o modelo americano, que é hegemônico na medida em que emana da sociedade mais rica e da economia mais próspera. [4] Essa adoção se traduz em uma homogeneidade "cosmopolita" no sentido spengleriano: vazia, falsa e superficial. [5] Para usar uma metáfora abusada, mas vívida, ela se traduz em uma "EuroDisney global", ou seja, o triunfo do universalismo abstrato ahistórico encastelado no Iluminismo. [6]
O resultado é um mundo reduzido a um imenso mercado unificado pelo fluxo de bens, serviços e capital. Ele é culturalmente padronizado porque é permeado por uma rede informacional global que é produto da indústria cultural anglossaxã hegemônica, e ela transmite com enorme impacto simbólico os valores de uma sociedade consumista. Politicamente, ela é estruturada hierarquicamente com os EUA no topo sempre prontos a brandir o famoso "big stick" de Theodore Roosevelt.
Diferenças Étnicas como Fontes de Identidade
A transição rumo à transmodernidade constitui um processo histórico irreversível da mesma magnitude que a industrialização (que ela espelha, na medida em que as principais características da transmodernidade no nível sócio-econômico é a centralidade de serviços baseada na informação). O oposto pode ser dito da subjugação de todo o planeta a uma ideologia pós-moderna que vê a economia como a base da condição humana, e diferenças ou especificidades culturais como desvios menores e bizarros de uma "normalidade" social global. Essas diferenças e especificidades, porém, constituem o obstáculo mais poderoso à difusão da ideologia universalista e economicista, e à transformação do mundo em sua imagem.
A especificidade cultural é étnica em caráter e deve ser abordada no contexto de uma oposição organizada à padronização universal. Aqui o componente antropológico e biológico da etnicidade é secundário, porque ele é irrelevante para interações sociais. O que é importante é algo mais: o sentido de pertencimento étnico, ou seja, uma identificação étnica gerada por um sistema específico de produção cultural, cimentado por uma linguagem comum entre os membros de um grupo étnico. [7] O que é importante sobre a dimensão étnica dentro do contexto da sociedade global contemporânea é sua habilidade de fornecer uma "fonte de identidade", um mecanismo de identificação baseado primariamente no pertencimento cultural e linguístico, e apenas secundariamente em uma "comunidade de sangue". Em outras palavras, o pertencimento étnico é a forma final da solidariedade interpessoal generalizada e, portanto, a instância maior do tipo de elo orgânico e "comunitário" descrito por Ferdinand Tönnies.
O enraizamento do indivíduo dentro de um ambiente "comunitário" caracterizado por fortes laços culturais e linguísticos representa o antídoto mais eficaz para a atomização e "anomia" típicas de sociedades que Tönnies e Durkheim classificaram como "mecanicistas" e que hoje podem ser chamadas pós-modernas: unificadas no nível global e artificial porque fundadas em uma sociedade vender-produzir, dirigida a partir do centro de produção de cultura e de informação. Nessa sociedade global, o indivíduo está cada vez mais sozinho. Ele está perdido na imensidão do ambiente social e exposto a um fluxo ininterrupto de informação, usualmente o produto de outra informação. Ele está se tornando cada vez menos apto a determinar seu próprio destino e permanece manipulado por aqueles que possuem o poder supremo: a circulação de informação.
Os laços comunitários peculiares ao pertencimento étnico são radicalmente opostos a todos estes aspectos da sociedade globalizada. A experiência da etnicidade reestabelece o indivíduo no centro de uma rede de relações sociais diretas e imediatas, imediatas como a comunidade de cultura, tradição e linguagem. Ela permite a recuperação do contato com a realidade, para além do véu mediador da informação global autoperpetuadora. Ela minimiza a influência de poderes decisórios estranhos à comunhão étnica e, portanto, permite uma participação mais substancial pelo indivíduo singular nos processos de formação de vontade coletiva.
Consequentemente, o assim chamado ressurgimento étnico, a reapropriação por vários grupos étnicos de sua própria identidade, a reavaliação das "raízes" de povos e comunidades (ou seja, os traços distintivos de suas culturas específicas), constitui a arma mais poderosa contra o nivelamento global, a obliteração de diferenças, a fusão despersonalizadora típica do "caldeirão" da sociedade global. Ela é uma arma poderosa contra a ideologia universalista da pós-modernidade, mitologizada pelos seguidores do chamado "pensamento fraco".
Ademais, se a redescoberta da dimensão étnica significa trazer o indivíduo de volta para o centro das relações sociais (como o ator de relações interpessoais mais ricas, o sujeito interagindo com uma realidade pendente, e como o "cidadão" ativamente envolvido no processo de tomada de decisões de sua própria comunidade), como pode ser negado que ele está alinhado com a tendência da transmodernidade de centralizar todos os aspectos da realidade ao redor da experiência individual e minimizar, senão suprimir, o condicionamento externo? A linha específica de desenvolvimento de uma abordagem transmoderna pode ser vista como constituída precisamente pela redescoberta da etnicidade: a revolução "étnica", e portanto federalista e autonomista, como alternativa global à crise da velha ordem e à ameaça de uma nova ordem "pós-moderna" que obliteraria todas as diferenças.
A Revolução Étnica e a Transição para a Transmodernidade
Graças aos recursos que eles distribuem, sistemas contemporâneos estimulam em indivíduos e grupos a necessidade para autorrealização, comunicação e apropriação do sentido da ação, mas eles também os expõem a fragmentação e conformidade. [9] Solidariedade tradicional, identificação étnica e o particularismo da linguagem e da cultura podem satisfazer as necessidades de indivíduos e grupos de afirmar sua própria diferença em um contexto caracterizado por relações sociais fortemente impessoais governadas pela lógica de organizações. Pertencimento e "naturalidade" primárias são postas em jogo em oposição à cultura de massas. A identidade étnica oferece a indivíduos e grupos certeza considerável em um mundo incerto. Se território é acrescentado à etnicidade, juntos eles constituem as dimensões mais profundas da experiência humana. O local de nascimento não só tem o poder da tradição ao seu lado, ele conta com um elo ainda mais profundo no qual biologia e história se combinam. É por isso que a combinação de etnicidade e território tem o poder explosivo de mobilizar as energias mais interiores. Enquanto os outros critérios de pertencimento enfraquecem e recuam, a solidariedade étnica responde a uma necessidade por uma identidade primariamente simbólica. Ela fornece coberturas que possuem toda a consistência da linguagem, da cultura e da história antiga. O componente inovador da identidade étnica-nacional tem um carater peculiarmente cultural porque o apelo étnico-territorial desafia a sociedade complexa em relação a questões fundamentais tal como a direção da mudança bem como a produção de identidade e sentido.
Enraizada em uma herança de relações e símbolos sociais, a diferença aborda a totalidade da sociedade sobre um de seus dilemas radicais: com osalvar o sentido das ações humanas e a riqueza da diversidade em um contexto global. A linguagem tradicional se opõe à funcionalidade asséptica da linguagem tecnológica e à novilíngua da linguagem informática e à publicidade. Ela articula as muitas facetas da experiência humana, as várias nuances que tem sido sedimentadas nas camadas mais profundas da cultura humana. A perda dessa riqueza é a perda da humanidade enquanto tal. Nessa medida, movimentos étnico-nacionais falam para todos, felizmente, ainda em nossa própria linguagem.
Um amplo exame das diferentes abordagens ao problema da etnicidade recentemente concluiu que a visão clássica, segundo a qual a etnicidade não é nada além de um "fenômeno residual na transição da tradição à modernidade" e está, portanto, destinada a sucumbir ao avanço inexorável da "secularização", está errada e deve ser abandonada. Ao contrário, "divisões, mobilização política e amplas formas de organização social predicadas em bases étnicas não são um fenômeno residual, mas continuarão a ter um papel importante em processos de mobilização coletiva e em sistemas de ação. Sua importância na sociedade industrializada aumentará. Elas devem ser consideradas como elementos constitutivos dessas sociedades." [10] Assim, é necessário começar a pensar em termos de pluralismo etnoterritorial. É ilógico ir do Estado, da nação e do "povo" ao indivíduo e dizer que as comunidades étnicas dentro delas não contam. É injusto aceitar ou assumir status e direitos para Estados, nações e "povos", e recusá-los para comunidades étnicas historicamente fundamentadas. [11]
O objetivo deve ser preservar, redefinir e fortalecer pontos referenciais concretos e visíveis, formações étnicas como fontes de identidade simbólica e de um forte senso de pertencimento, entre o indivíduo e a vastidão "uniforme" da sociedade global.
Grupos Étnicos e Jacobinismo Abstrato
O termo "grupo étnico" é usado aqui para designar certas realidades biológicas, linguísticas, culturais e territoriais de modo a evitar a palavra "nação", um conceito viciado por ambiguidades terminológicas. Essas ambiguidades são um resultado do fato de que durante os séculos XIX e XX ideologias b urguesas tem abusivamente aplicado o rótulo de nação (que poderia ser considerada como sinônimo para "grupo étnico" já que a etimologia se refere simplesmente ao local de nascimento) a algo além de um grupo étnico singular ou nação. A nação dos jacobinos, dos romanticistas e, finalmente, dos nacionalistas se refere ao grupo étnico majoritário, ou hegemônico que, por poderio militar, conquista, domina e usualmente assimila outros grupos étnicos. Este não é o caso apenas na França, mas também na Espanha, onde por séculos o que passou como espanhol (ou seja, castelhano) era, na verdade, galego, catalão ou até basco.
As coisas são mais complexas, mas é suficiente apontar que grupos étnicos aqui significam comunidades fundadas primariamente em laços culturais, linguísticos e territoriais, a cultura dos bretões e não aquela que, emanando ao longo dos séculos da Ile de France, se tornou hegemônica na Bretanha; a língua falada em Barcelona, não a ainda imposta por lei tão recentemente quanto 15 anos atrás; o território da ilha chamada Irlanda, não as duas seções distintas na qual ela ainda se divide hoje.
Em alguns casos, é claro, um grupo étnico pode, de fato, corresponder a uma nação no sentido jacobino oitocentista (tal como, por exemplo, Portugal e Dinamarca). Deve-se, porém, manter em mente que a relação entre um grupo étnico e a nação, e, portanto, a relação entre um grupo étnico e o Estado-Nação unitário, não é óbvia. Não só pode um Estado ser multiétnico (por exemplo, a Suíça), mas ele também pode sê-lo sem admiti-lo (como no caso da França que, até bem recentemente, não reconhecia nem mesmo a diversidade da Córsega [12]), ou admitem sem deduzir quaisquer consequências (como no caso do Reino Unido, que não nega a existência de um grupo étnico escocês e galês distintos, mas jamais sonharia em conceder qualquer tipo de autonomia).
Federalismo, Regionalismo e Independência
A redescoberta de um senso de pertencimento étnico que reflete a necessidade do indivíduo por identidade na sociedade atomizada de hoje é o primeiro e mais importante passo na contraposição da cultura de diferenças e especificidades à ideologia universalista e padronizadora da pós-modernidade (exemplificada pela ubiquidade da produção audiovisual americana). Mas onde e como a dimensão étnica redescoberta e revitalizada (ou simplesmente preservada) se encaixa nas relações entre Estados, nações e povos? Que lugar devem os grupos étnicos ocupar no contexto da nova ordem inter-Estado que mais cedo ou mais tarde terá que ser construída sobre as ruínas da velha?
A preservação da identidade étnica não significa, necessariamente, autodeterminação. Ela não significa a proliferação descontrolada de entidades estatais predicada em bases monoétnicas, de modo a transformar todo o planeta em uma colcha de retalhos de pequenos Estados, mais ou menos etnicamente "puros" e protegidos por barreiras externas e defesas recíprocas. Esta não seria uma sociedade mundial, global em dimensões e objetivos, mas ricamente articulada com um florescimento de diferentes experiências e particularidades. Ao contrário, isso seria uma réplica ruim do sistema oitocentista de Estados-nações, suspeitosas uns dos outros e prontas a ir à guerra sempre que disputas de fronteiras surjam.
Cada grupo étnico tem que ocupar seu lugar na comunidade de povos, o lugar que a história, a geografia e a dinâmica das relações interculturais reservaram para eles. Mais concretamente, há (e devem ser os mais numerosos) grupos étnicos que constituem historicamente e culturalmente o núcleo hegemônico (ou seja, a nação no sentido jacobino) de um "Estado unitário nacional" cujo modelo oitocentista ainda prevalece.
Grupos étnicos franceses (bretões, flamengos, alsácios, provençais) e italianos (lombardos, nortistas pertencendo ao grupo vêneto com friulianos, os sul-tiroleses sendo algo inteiramente diferente) podem, claramente, ser localizados dentro do Estado ao qual eles efetivamente pertencem, cuja estrutura tem que ser transformada em uma direção federalista de modo a permitir que cada um deles preserve suas características culturais e linguísticas (que, entre outras coisas, se traduz em uma contribuição para a riqueza cultural e para a diversidade do "povo francês, "povo italiano", etc).
Dentro do contexto dos Estados unitários existentes, o federalismo é a solução mais aconselhável para a proteção e desenvolvimento de especificidades étnicas. É uma questão de um desenvolvimento particularmente adequado para a Itália, onde a aquisição de uma linguagem comum (obtida provavelmente com o custo de um empobrecimento cultural substancial) não pode ocultar as diferenças significativas dentre os vários componentes étnicos da "nação italiana". Estes são o resultado de milhares de anos que precederam a unificação centralista apressada tendo como modelo a experiência francesa. Porém, enquanto uma proposta abertamente federalista é sempre preferível em abstrato, é claro que em países como a França, com uma tradição centralizadora multissecular, isso não tem qualquer chance de ser considerado por muitas gerações ainda. Ali, o modelo adequado deve ser diferente e menos ambicioso: será uma questão de regionalismo, um conceito muito mais avançado do que a atual divisão do "Hexágono" em regiões predicadas meramente na descentralização administrativa. Isso demandará um esforço para fazer com que as regiões coincidam com realidades históricas e culturais reais. Houve recentemente uma proposta de grupos extrenos aos grupos autonomistas saboianos de reunir os dois departamentos da Saboia como uma região autônoma que reconstituiria a unidade terrotiral que durou até 1860. Isso também envolveria uma transferência de poder às regiões, não menos importante do que a desfrutada pelas regiões italianas com status especial.
Uma terceira e ainda diferente situação: grupos étnicos que, por causa de características antropológicas, culturais e linguísticas profundamente diferentes das da nação hegemônica da qual eles tem historicamente sido parte, e por causa da força de suas coberturas em um dado território, podem e devem legitimamente objetivar alguma forma de autogoverno dentro de um continuum que vai de ser parte de um Estado federal (renunciando a soberania apenas para política externa e segurança) a uma confederação de Estados soberanos, à pura e simples independência. Os escoceses e bascos pertencem a essa categoria (da mesma maneira que eslovenos, croatas e eslovacos optaram por independência total). Como no caso da França, uma nota de precaução se faz necessária aqui. Como a independência é extremamente improvável, a defesa e desenvolvimento da identidade étnica deve ser confiada a meios menos extremos, um hipotético status federal para a região basca, uma autonomia regional semifederal para a Escócia (cuja devolução tem oposição insistente dos governos conservadores).
Há ainda outra tipologia: cooperação transfronteiriça entre entidades étnicas dentro do contexto de Estados federais ou, pelo menos, regionalizados. É uma questão de relegar o autogoverno local, baseado na soberania federal parcial ou em autonomia regional, mais poder para regular questões por meio de normas geradas por acordos "transfronteiriços" com Estados federais ou regiões pertencendo a outros sujeitos soberanos. [13] Em questão estão aqueles assuntos com relevância transfronteiriça, ou seja, grandes infraestruturas, particularmente nos transportes, no meio-ambiente, a exploração de recursos aquíferos, etc. Tal esquema institucional já está fornecido pela "Convenção de Madri" assinada em 21 de maio de 1980 lidando com coletividades e autoridades transfronteiriças ou territoriais promovida pelo Conselho da Europa. [14]
A Federação Europeia como Casa Comum dos Povos Europeus
Para os europeus o único esquema institucional dentro do qual a recuperação do pertencimento étnico pode ocorrer é o federal. A evolução atual rumo a tal ordem indubitavelmente não produzirá resultados imediatos por causa de considerável oposição interna. Ainda assim, essa evolução finalmente superará (provavelmente no avançar do século XXI) todos os obstáculos porque somente um amplo agregado continental com enormes recursos econômicos, financeiros e culturais será capaz de, no futuro, competir com sucesso com outros polos da política mundial, tal como o Círculo do Pacífico e a América do Norte.
A futura federação europeia será fundada no princípio de subsidiariedade e terá que delegar não só aos "Estados-nações", mas também e acima de tudo a autoridades regionais, o poder necessário para proteger a identidade étnica dos vários grupos de cidadãos europeus. Dentro desse esquema uma representação específica de subdivisões étnicas ou regionais singulares (incluindo casos nos quais as regiões tem objetivos meramente administrativos) encontrará um lugar próximo ao órgão parlamentar eleito por meios de um sufrágio representativo, direto e universal de todos os cidadãos sem distinção (o parlamento europeu atual). O Comitê de Regiões projetado pelo Tratado de Maastricht levará a um verdadeiro "Senado das Regiões da Europa" designado por parlamentos, assembleias e conselhos de todas as identidades etnorregionais existindo dentro de Estados membros da Comissão Europeia.
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1. Hanns W. Maull, “Zivilmacht Bundesrepublik Deutchland. Vierzehn Thesen fur eine neue deutsche Aussenpolitik,” in Europa-Archiv, No. 10 (1992), p. 269ff.
2. Aqui "transmoderno" se refere ao problema resultante do colapso da "modernidade" (baseada nos valores iluministas burgueses, toda a economia industrial e o liberalismo político e econômico); enquanto "pós-moderno" designa aqueles fenômenos sociais e culturais que são o produto final da "civilização moderna" e não parte de sua superação. Sobre a "pós-modernidade" como mera dissolução da modernidade, ver Gianfranco Morra, ll Quarto uomo. Postmodernita o Crisi della Modernita (Rome: Armando, 1992), p. 22:
3. Ver Serge Latouche, L’Occidentalizzazione del Mondo. Sagaio sul Significato, la Portata e i Limiti dell’Uniformazione Planetaria (Turin: Bollart Boringhieri, 1992).
4. Sobre sintomas do declínio cultural, econômico e social americano, ver, Roberto Menotti, “I1 Dibattito sul ‘Declino Americano’,” in Politica Internazionale, Nos. 1-2 (1992) p. 115 ff.
5. Ver Oswald Spengler, ll Tramonto dell’Occidente (Milan: Longanesi, 1981), p. 922.
6. Ver Carlo Gambescia, “Comunitarismo contro Universalismo. Per una Critica del Paradigma Occidentale della Modernizzazione,” in Trasgressioni, No. 14 (January-April 1992), p. 22ff.
7. Apesar de um pouco datada, a definição de Anthony Smith de "comunidade étnica", originalmente formulada em 1981, permanece útil. Ver ll Revival Etnico (Bologna: 11 Mulino, 1984) p. 114.: “Um grupo social cujos membros partilham um senso de origens comuns, reivindicam um passado histórico, e um destino distintivo e comum, possui um ou mais atributos peculiares, e percebem um senso de unidade e solidariedade coletivas". Naturalmente, um dos elos "primordiais" para a formação de um senso de comunidade étnica é a linguagem. Sobre “etnopolítica,” see James Kellas, Nazionalismi ed Ernie (Bologna: I1 Mulino, 1993).
8. Relembrem a distinção entre comunidade e sociedade delineada no início do segundo capítulo de sua famosa obra: "A teoria da sociedade passa da consturção de um grupo de homens que, como na comunidade, vivem e habitam pacificamente um junto ao outro, não mais essencialmente ligados, mas separados. Eles são separados apesar de todos os laços. Na comunidade, eles permanecem unidos, apesar de todas as separações". Ver Ferdinand Tonnies, Comunita e Societal (Milan: Comunita, 1963), p. 83.
9. Parafraseado de Alberto Melucci e Mario Dani, Nazioni senza Stato. I Movimenti Etnico-Nazionali in Occidente (Milan: Feltrinelli, 1992) p. 184-96. Os dois autores entenderam com notável lucidez a essência libertadora do ressurgimento étnico.
10. Daniele Petrosino, Stati Nazioni Elnie. ll Pluralismo Etnico e Nazionale nella Teoria Sociologica Contemporanea (Milan 1991), pp. 19 and 173.
11. V. Van Dyke, “The Individual, the State, and the Ethnic Communities in Political Theory,” in World Politics, Vol. XXIX (1977), p. 369. Cited in Petrasino, op. cit., p. 203.
12. A França ainda rejeita oficialmente o conceito de um "povo corso dentro do contexto do povo francês". Ver a decisão do Conseil Constitutionel n. 91-290 DC of May 9, 1991, que derrubou como inconstitucional o Article 1 de uma lei sobre autonomia corsa (agora a lei n. 91-428, May 13, 1991), que usava essa designação. Ver Edmond Jouve, Relations lnternationales (Paris 1992) p. 170 ff.
13. É bastante normal que Estados confederados mantenham poderes "soberanos" mesmo em questões de relações internacionais, como no caso dos cantões suíços, segundo o Artigo 9 da constituição federal.
14. Em relação aos telhados culturais do conceito político e institucional da "cooperação transfronteiras", um caso óbvio é o dos Alpes ocidentais. É adequado citar aqui um acadêmico sem quaisquer simpatias "separatistas", que foi também membro do Parlamento Italiano para o Partido Republicano Italiano: "As há muito comuns vicissitudes que reuniram Piemonte e Saboia demonstram que a Europa real, a do povo, pode ser criada. Uma Europa para além de tratados e parlamentos, que se tornaria ponto de encontro em dignidade mútua e liberdade para todas as pequenas pátrias do Ocidente, que os Estados nacionais subjugaram com considerável violência". Ver Luigi Firpo, Genre di Piemonte (Milan 1993), p. 8.
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1. Hanns W. Maull, “Zivilmacht Bundesrepublik Deutchland. Vierzehn Thesen fur eine neue deutsche Aussenpolitik,” in Europa-Archiv, No. 10 (1992), p. 269ff.
2. Aqui "transmoderno" se refere ao problema resultante do colapso da "modernidade" (baseada nos valores iluministas burgueses, toda a economia industrial e o liberalismo político e econômico); enquanto "pós-moderno" designa aqueles fenômenos sociais e culturais que são o produto final da "civilização moderna" e não parte de sua superação. Sobre a "pós-modernidade" como mera dissolução da modernidade, ver Gianfranco Morra, ll Quarto uomo. Postmodernita o Crisi della Modernita (Rome: Armando, 1992), p. 22:
3. Ver Serge Latouche, L’Occidentalizzazione del Mondo. Sagaio sul Significato, la Portata e i Limiti dell’Uniformazione Planetaria (Turin: Bollart Boringhieri, 1992).
4. Sobre sintomas do declínio cultural, econômico e social americano, ver, Roberto Menotti, “I1 Dibattito sul ‘Declino Americano’,” in Politica Internazionale, Nos. 1-2 (1992) p. 115 ff.
5. Ver Oswald Spengler, ll Tramonto dell’Occidente (Milan: Longanesi, 1981), p. 922.
6. Ver Carlo Gambescia, “Comunitarismo contro Universalismo. Per una Critica del Paradigma Occidentale della Modernizzazione,” in Trasgressioni, No. 14 (January-April 1992), p. 22ff.
7. Apesar de um pouco datada, a definição de Anthony Smith de "comunidade étnica", originalmente formulada em 1981, permanece útil. Ver ll Revival Etnico (Bologna: 11 Mulino, 1984) p. 114.: “Um grupo social cujos membros partilham um senso de origens comuns, reivindicam um passado histórico, e um destino distintivo e comum, possui um ou mais atributos peculiares, e percebem um senso de unidade e solidariedade coletivas". Naturalmente, um dos elos "primordiais" para a formação de um senso de comunidade étnica é a linguagem. Sobre “etnopolítica,” see James Kellas, Nazionalismi ed Ernie (Bologna: I1 Mulino, 1993).
8. Relembrem a distinção entre comunidade e sociedade delineada no início do segundo capítulo de sua famosa obra: "A teoria da sociedade passa da consturção de um grupo de homens que, como na comunidade, vivem e habitam pacificamente um junto ao outro, não mais essencialmente ligados, mas separados. Eles são separados apesar de todos os laços. Na comunidade, eles permanecem unidos, apesar de todas as separações". Ver Ferdinand Tonnies, Comunita e Societal (Milan: Comunita, 1963), p. 83.
9. Parafraseado de Alberto Melucci e Mario Dani, Nazioni senza Stato. I Movimenti Etnico-Nazionali in Occidente (Milan: Feltrinelli, 1992) p. 184-96. Os dois autores entenderam com notável lucidez a essência libertadora do ressurgimento étnico.
10. Daniele Petrosino, Stati Nazioni Elnie. ll Pluralismo Etnico e Nazionale nella Teoria Sociologica Contemporanea (Milan 1991), pp. 19 and 173.
11. V. Van Dyke, “The Individual, the State, and the Ethnic Communities in Political Theory,” in World Politics, Vol. XXIX (1977), p. 369. Cited in Petrasino, op. cit., p. 203.
12. A França ainda rejeita oficialmente o conceito de um "povo corso dentro do contexto do povo francês". Ver a decisão do Conseil Constitutionel n. 91-290 DC of May 9, 1991, que derrubou como inconstitucional o Article 1 de uma lei sobre autonomia corsa (agora a lei n. 91-428, May 13, 1991), que usava essa designação. Ver Edmond Jouve, Relations lnternationales (Paris 1992) p. 170 ff.
13. É bastante normal que Estados confederados mantenham poderes "soberanos" mesmo em questões de relações internacionais, como no caso dos cantões suíços, segundo o Artigo 9 da constituição federal.
14. Em relação aos telhados culturais do conceito político e institucional da "cooperação transfronteiras", um caso óbvio é o dos Alpes ocidentais. É adequado citar aqui um acadêmico sem quaisquer simpatias "separatistas", que foi também membro do Parlamento Italiano para o Partido Republicano Italiano: "As há muito comuns vicissitudes que reuniram Piemonte e Saboia demonstram que a Europa real, a do povo, pode ser criada. Uma Europa para além de tratados e parlamentos, que se tornaria ponto de encontro em dignidade mútua e liberdade para todas as pequenas pátrias do Ocidente, que os Estados nacionais subjugaram com considerável violência". Ver Luigi Firpo, Genre di Piemonte (Milan 1993), p. 8.