Esse é um discurso feito por Karl Radek para a plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista em Junho de 1923. O "Discurso sobre Schlageter", como ele ficou conhecido, foi publicado pelo Partido Comunista Alemão e amplamente divulgado.
Após a ocupação francesa do vale do Ruhr, nacionalistas alemães de direita tinham feito alguns avanços entre as classes médias e trabalhadores alemães. Leo Schlageter, que foi fuzilado pelas tropas francesas enquanto realizava sabotagem, ficou conhecido como um herói nacional por seu papel na resistência à ocupação estrangeira. Em seu discurso, que foi direcionado àqueles influenciados pelo nacionalismo alemão, Radek buscou tratar das razões que levaram um homem como Schlageter à direita nacionalista. Segue o discurso.
Eu não posso complementar nem completar o compreensivo e profundamente impressionante relatório de nosso venerável líder, Camarada Zetkin, sobre o Fascismo Internacional, esse martelo que visa atacar a cabeça do proletariado, mas que irá cair sobre a cabeça da pequena burguesia, justo aqueles que o estão manejando nos interesses do grande capital. Eu não pude nem acompanhá-lo direito, porque passava diante dos meus olhos o corpo do fascista alemão, nosso inimigo de classe, que foi sentenciado à morte e fuzilado pelos capangas do imperialismo francês, essa poderosa organização de outra seção de nosso inimigo de classe. Durante todo o discurso do Camarada Zetkin sobre as contradições internas ao Fascismo, o nome de Schlageter e seu destino trágico estava em minha cabeça. A história desse mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecida ou tratada com uma só frase. Ela tem muito a nos dizer, e muito a dizer ao povo alemão.
Nós não somos românticos sentimentalistas que esquecem amigos quando eles morrem, não somos diplomatas que afirmam que se deve dizer apenas coisas ao lado de túmulos, ou permanecer quieto. Schlageter, um corajoso soldado da contra-revolução, merece ser sinceramente honrada por nós, os soldados da revolução. Freska, que compartilhava de seus ideais, publicou em 1920 uma novela na qual ele descreve a vida de um oficial que caiu na luta contra a Liga Espartaquista. Freska nomeou seu romance de "O Andarilho no Vazio".
Se esses fascistas alemães, que honestamente pensam servir o povo alemão, falharem em compreender o significado do destino de Schlageter, então ele morreu em vão, e em sua lápide deverá estar escrito: "O Andarilho no Vazio".
A Alemanha está destruída. Apenas tolos acreditavam que a Entente capitalista vitoriosa tratariam o povo alemão diferentemente do modo com que os capitalistas alemães trataram o povo russo ou romeno. Apenas tolos ou covardes, que temiam encarar a verdade, poderiam acreditar nas promessas de Wilson, nas declarações de que o Kaiser e não o povo alemão iria pagar o preço da derrota. No Leste, um povo guerreava. Esfomeado e enregelado, ele lutou contra a Entente em catorze frentes. Era a Rússia Soviética. Uma delas era composta por oficiais e soldados alemães. Schlageter lutou nas Freikorps de Medem, que atacaram Riga. Não sabemos se o jovem oficial entendeu o significado de seus atos. Mas o então Comissário Alemão, o Social-Democrata Winnig, e o General Von der Golz, o comandante das tropas bálticas, sabiam o que faziam. Eles buscaram ganhar a simpatia da Entente por fazer o papel de capangas contra o povo russo. Para que a burguesia alemã não pagasse aos vitoriosos as indenizações de guerra, eles contraram o sangue jovem alemão, o que tinha conseguido se safar das balas da Grande Guerra, para lutar contra o povo Russo. Não sabemos o que Schlageter pensava nesse período. Seu líder, Medem, mais tarde admitiu que ele marchou pelo Báltico em direção ao vazio. Todos os nacionalistas alemães entenderam isso?
No funeral da Schlageter em Munique, o General Ludendorff fez um discurso, o MESMO Ludendorff que ainda hoje está se oferecendo à Inglaterra e à França como o líder de uma cruzada contra a Rússia. Schlageter foi lamentado nas páginas da imprensa de Stinnes. O Senhor Stinnes era o colega em Alpina Montana de Schneider-Creusot, o armeiro, o assassino de Schlageter. Contra quem o povo alemão quer lutar: contra os capitalistas da Entente ou contra o povo russo? Com quem eles querem se aliar: com os trabalhadores e camponeses russos para romper o jugo do capital da Entente que gera a escravidão dos povos alemão e russo?
Schlageter está morto. Ele não pode responder. Seus camaradas em armas juraram em seu túmulo continuar a luta. Eles devem responder: contra quem e de que lado?
Schlageter foi do Báltico ao Ruhr, não em 1923, mas em 1920. Vocês sabem o que isso signifca? Eles tomou parte no ataque do capital alemão sobre os trabalhadores de Ruhr; ele lutou nas colunas de tropas cuja tarefa era submeter os trabalhadores do Ruhr às botas dos barões do ferro e do aço. As tropas de Water, em cujas fileiras ele lutou, atiraram as mesmas balas de chumbo com as quais o general Degoutte reprimiu os trabalhadores do Ruhr. Nós não temos razão para acreditar que foi fruto de motivos egoístas a ajuda que Schlageter deu à repressão aos mineiros esfomeados.
A maneira com que ele arriscou sua vida fala em sua defesa, e prova que ele estava convencido de estar servindo o povo alemão. Mas Schlageter pensou que ele estava melhor servindo o povo ajudando a restaurar o domínio da classe que tinha até então liderado o povo alemão, e que tinha trazido tanta desgraça a ele. Schlageter via a classe trabalhadora como uma turba que precisa ser governada. E nisso ele compartilhava a visão do Conde Reventlow, que calmamente declarou que nenhuma guerra contra a Entente era possível até que o inimigo interno tivesse sido derrotado. O inimigo interno para Schlageter era a classe trabalhadora revolucionária.
Schlageter pode ver com seus próprios olhos os resultados dessa política quando ele voltou ao Ruhr em 1923 durante a ocupação. Ele podia ver que mesmo se os trabalhadores estivessem unidos contra o imperialismo francês, nenhum povo podia lutar sozinho. Ele podia ver a profunda desconfiança dos trabalhadores para com o governo e a burguesia alemã. Ele podia ver quão grandemente essa clivagem na nação quebrava seu poder de defesa. Ele podia ver mais. Aqueles que compartilham seus pontos de vista reclamavam da passividade do povo alemão. Como pode uma classe trabalhadora derrotada ser ativa? Como pode uma classe trabalhadora ser ativa se ela foi desarmada, e de quem foi exigido que se permitisse ser explorada por especuladores e burgueses? Ou podia a atividade das massas trabalhadoras alemãs ser substituída pela atividade da burguesia alemã?
Schlageter lia nos jornais como as mesmas pessoas que fingiam ser os patronos do movimento nacionalista alemão enviavam fundos para fora para que eles enriquecessem e a pátria se empobrecesse. Ele certamente não tinha esperança nesses parasitas. Ele foi poupado de ler na imprensa como o representante da burguesia alemã, Doutor Lutterbuck, pediu aos seus próprios executores que fosse permitido aos barões do ferro e do aço fuzilar os filhos da Alemanha, os mesmos homens que estavam liderando a resistência no Ruhr, com suas próprias metralhadoras.
Agora que a resistência alemã, através da abjeta manobra de Lutterbuck, e ainda mais através da política econômica das classes abastadas, se tornou uma farsa, nós perguntamos às massas honestas e patrióticas que estão ansiosas para lutar contra a invasão imperialista francesa: como vocês irão lutar, em quem irão se apoiar? A luta contra o imperialismo da Entente é uma guerra, ainda que armas estejam quietos. Não pode haver guerra no front quando há distúrbios na retaguarda. Uma minoria pode ser mantida sob controle na retaguarda, mas não uma maioria. A maioria do povo alemão são trabalhadores, que precisam lutar contra a pobreza e a necessidade que a burguesia alemã está impondo-lhes. Se os círculos patrióticos da Alemanha não se decidirem em fazer sua a causa da maioria da nação, e então criar um fronte contra o capital da Entente e o capital alemão, então o caminho de Schlageter foi o caminho do vazio, e a Alemanha, em face da invasão estrangeira e da perpétua ameaça dos vitoriosos, será transformada no campo de batalha de um sangrento conflito interno, e será fácil para o inimigo derrotá-la e destruí-la.
Quando, após Jena, Gneisenau e Scharnhorst se perguntaram-se como o povo alemão deveria ser levantado de sua derrota, eles concluíram: apenas se tornarmos os camponeses livres de sua prévia submissão e escravidão. Apenas o campesinato livre da Alemanha pode lançar as fundações para a emancipação alemã. O que o campesinato alemão significou para o destino da nação alemã no começo do século XIX, a classe trabalhadora alemã significa no começo do século XX. Apenas COM ela a Alemanha pode ser liberada dos grilhões da escravidão - não contra ela.
Os camaradas de Schlageter falaram de guerra ao lado de seu túmulo. Eles juraram continuar a luta. Ela devia ser conduzida contra um inimigo que estava armado até os dentes, ao passo que a Alemanha estava desarmada e alquebrada. Se o falatório de guerra não permanecer uma frase vazia, se ele não consistir em explodir colunas para destruir pontes, mas não o inimigo; isso é, se ele não quiser dizer descarrilhar trens, mas conter as linhas armadas do capital da Entente, então uma série de condições precisam ser cumpridas.
O povo alemão precisa romper com aqueles que não apenas os levaram à derrota, mas que estão perpetuando sua derrota e incapacidade de defesa do povo alemão ao considerar a maioria da população alemã seu inimigo. Isso exige a ruptura com as pessoas e partidos cujas faces agem sobre os outros como uma cabeça de Medusa, mobilizando-os contra o povo alemão. Apenas quando a causa alemã se tornar a causa do povo alemão, apenas quando a causa alemã se tornar a luta pelos direitos do povo alemão, irá o povo alemão ganhar aliados ativos. A nação poderosa não dura sem amigos, e muito mais uma nação que está derrotada e cercada por inimigos.
Se a Alemanha quer estar em posição para lutar, ela precisa criar um fronte unido de trabalhadores, e os trabalhadores mentais precisam se unir com os trabalhadores manuais e formar uma sólida falange. A condição dos trabalhadores mentais clama por essa união. Apenas antigos preconceitos a impedem. Unida em um povo trabalhador e vitorioso, a Alemanha será capaz de se utilizar de amplos recursos de resistência que serão capazes de remover todos os obstáculos. Se a causa do povo torna-se a causa da Nação, então a causa da Nação se tornará a causa do povo. Unida como uma nação de trabalhadores combatentes, ela receberá a ajuda de outros povos que também estão lutando por sua existência. Quem quer que não esteja preparado para lutar dessa forma é capaz de feitos de desesperado, mas não de uma luta séria.
É isso o que o Partido Comunista Alemão tem a dizer diante do túmulo de Schlageter. Ele nada tem a esconder, pois apenas a verdade completa pode penetrar na sofrida e internamente desintegradas massas da Alemanha. O Partido Comunista Alemão deve declarar abertamente às massas nacionalistas da pequena burguesia: quem quer que trabalhe em serviço de especuladores, aproveitadores e magnatas do carvão e do ferro para escravizar o povo alemão e levá-los em aventuras desesperadas encontrará a resistência dos trabalhadores comunistas alemães, que irão opôr violência com violência. Quem quer que, por falta de compreensão, se alinhar com os capangas do capital, será combatido por nós com todos os meios ao nosso alcance.
Mas nós acreditamos que a grande maioria das massas nacionalistas não pertencem ao campo dos capitalistas, mas ao campo dos trabalhadores. Nós queremos achar, e acharemos, a via a essas massas. Nós faremos tudo ao nosso alcance para fazer com que fascistas como Schlageter, que estão preparados a ir até a morte por uma causa comum, não andarilhos no vazio, mas andarilhos em direção a um futuro melhor para toda a humanidade; que eles não derramem seu sangue quente e sem qualquer traço de egoísmo em benefício do lucro de barões do carvão e do ferro, mas na causa do muito sôfrego povo alemão, que é membro de uma família de povos lutando pela sua emancipação.
Essa verdade o Partido Comunista irá declarar às grande massas do povo alemão, pois ele não é um partido lutando por uma migalha de pão para os operários industriais, mas um partido do proletariado combatente lutando por sua emancipação, uma emancipação que é idêntica com a emancipação de todo o povo, de todos que sofrem e labutam na Alemanha. Schlageter não pode ouvir essa declaração, mas estamos convencidos que existem centenas de Schlageters que a ouvirão e compreenderão.